Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 563/2021-T
Data da decisão: 2022-02-10  IRC  
Valor do pedido: € 2.541.584,78
Tema: IRC – Artigo 26.º do CIRC e NCRF 20 - Réditos; Permuta de bens presentes por bens futuros; Mensuração de activos correntes e quantificação do rendimento proveniente da venda de inventários imobiliários adquiridos por permuta.
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO:

 

1.            O Código do IRC, acolhe o modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade, com a manifesta correlação entre o resultado contabilístico e o lucro tributável.

2.            São inaplicáveis às permutas de inventários (activos correntes) as regras previstas no CIRC para as permutas de activos não correntes (artigos 45.º e 46.º do CIRC). Assim, a determinação do rendimento proveniente das permutas de inventários é a resultante, qua tale, das normas contabilísticas aplicáveis (artigos 17.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1 do CIRC e NCRF 20 – Rédito § 12).

3.            Estando em causa a permuta de dois ativos imobiliários semelhantes, na permuta desses bens não é apurado qualquer resultado contabilístico, ficando o bem recebido avaliado pelo (mesmo) valor contabilístico do bem dado em troca.

4.            Assim, o custo do inventário imobiliário vendido a ter em conta para apuramento do resultado contabilístico e fiscal é aquele pelo qual estava reflectido na contabilidade da Requerente (custo de aquisição) e não o justo valor ou valor de mercado.

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Sofia Jorge Gonçalves Xavier (árbitro vogal) e Fernando Marques Simões (árbitro vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante “CAAD”) para formarem o tribunal arbitral colectivo, constituído em 17 de Novembro de 2021, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO:

 

1.            A..., LDA.,  pessoa  colectiva  n.º ..., com sede na Avenida ..., n.º ..., ..., ...-... ... (doravante, Requerente), apresentou, em 6.9.2021, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º, o n.º 1 e alínea a) do n.º 3 do art.º 5.º, alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e a alínea a) do n.º 1 do art.º 10º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

2.            No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

3.            Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro presidente e os árbitros vogais que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.            Em 28.10.2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.

5.            Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 17.11.2021 para apreciar e decidir o objecto do processo.

6.            Em 4.1.2022, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por impugnação.

7.            Por despacho de 12.1.2022 e por não haver sido requerida a produção de prova testemunhal, nem suscitada ou identificada matéria de excepção, foi ordenada a notificação a ambas as partes para, querendo, se pronunciarem, em 5 dias, sobre a pretendida dispensa da reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).

8.            A Requerida, em 17.1.2022, apresentou requerimento no Sistema de Gestão Processual do CAAD onde informava não se opor à dispensa da reunião prevista no art.º 18º do RJAT.

9.            Em 20.1.2022, a Requerente apresentou requerimento no Sistema de Gestão Processual do CAAD onde informava não se opor à dispensa da reunião prevista no art.º 18º do RJAT e onde, para a hipótese de se entender serem de dispensar as alegações escritas, informava também não se opor a tal dispensa, salientando ainda que “(...) o tribunal deve atender exclusivamente à fundamentação vertida na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, constante dos Docs. n.ºs 1 e 8 juntos ao pedido de pronúncia arbitral, sob pena de ser admitida a fundamentação a posteriori, o que contraria vasta e uniforme jurisprudência do STA, fundada nas exigências constitucionais impostas pela norma resultante das disposições conjugadas dos n.ºs 3 e 4, do artigo 268.º, da Lei Fundamental (v., por todos, os acórdãos do STA de 22 de março de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 0208/17 e de 3 de fevereiro de 2021, tirado no processo n.º 0357/12.0BESNT).”

10.          Por despacho de 24.1.2022, foi dispensada a reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT, ordenando-se a notificação das partes para, querendo, alegarem. Foi ainda determinado que a prolação da decisão arbitral ocorrerá até à data limite prevista no n.º 1 do art.º 21º do RJAT, advertindo-se a Requerente de que deve previamente proceder ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente nos termos do n.º 3 do art.º 4.º do regulamento das Custas nos processos de Arbitragem Tributária.   

11.          Ambas as Partes apresentaram alegações (em 4.2.2022 e 8.2.2022), mantendo as posições iniciais.

12.          A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito do processo de Reclamação Graciosa n.º ...2020... que a Requerente apresentou e dirigida à autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativa ao exercício de 2018, do grupo tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) de que a Requerente é sociedade dominante; ii) bem como na consequente declaração de ilegalidade daquele mesmo acto de autoliquidação relativo ao exercício de 2018 do grupo sujeito ao RETGS, constante da declaração Modelo 22 do grupo com o n.º ...-...-..., espelhada na demostração de liquidação de IRC com o n.º 2019 ..., mais tarde corrigida pela declaração Modelo 22 de substituição do grupo com o n.º ...-...-... e reflectida na demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2020 ..., no montante de 2.541.584,78 €; iii) subsidiariamente, ou seja caso não seja concedido provimento à declaração de ilegalidade e anulação referida em ii), na consequente declaração de ilegalidade daquele mesmo acto de autoliquidação relativo ao exercício de 2018 do grupo sujeito ao RETGS, constante da declaração Modelo 22 do grupo com o n.º ...-...-..., espelhada na demostração de liquidação de IRC com o n.º 2019 ..., mais tarde corrigida pela declaração Modelo 22 de substituição do grupo com o n.º ...-...-... e reflectida na demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2020 ..., no montante de imposto correspondente a 2.380.344,14 €; iv) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade daquele acto de autoliquidação, na restituição à Requerente do valor de IRC indevidamente pago que se cifra em 2.541.584,78 € ou, subsidiariamente, de montante que se eleva a 2.380.344,14 €; iv) No pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, à taxa legal anual de 4%, nos termos previstos nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 100.º da LGT e no artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, ex vi do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT.

13.          Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE:

 

12.1       A Requerente aduz a dado passo do seu PPA que se apercebeu de que uma parte significativa do montante de imposto apurado na autoliquidação do grupo sujeito ao RETGS não era devido.

12.2       E assim era, porquanto, havia a subsidiária B... laborado em erro no apuramento do valor de aquisição relevante para efeitos fiscais do prédio urbano composto por terreno para construção com 6.018 metros quadrados (doravante m2), sito na Avenida ..., no concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., da freguesia da ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ... sob o artigo ... e que se encontrava inscrito no inventário da aludida subsidiária da Requerente e que veio a ser por esta alienado no exercício de 2018.

12.3       Diz a Requerente que constava da contabilidade da B... um valor de aquisição do terreno, que se elevava a 1.921.945,86 €, donde, muitíssimo inferior ao efetivo, atento o valor constante da escritura pública que formalizou a aquisição do mesmo por parte da B..., ou seja, o valor de 10.700.000,00 €, indicado na escritura de rectificação da permuta inicial, resultando daí um incremento do lucro tributável da B... e, bem assim como, também, do grupo em cujo perímetro se integrava em relação ao exercício de 2018 (ano da efectiva alienação do Terreno).

12.4       Fundamentando o erro na autoliquidação de 2018 por errónea quantificação do facto tributário, aduz a Requerente no sentido de que na origem da aquisição do imóvel alienado pela B..., em 2018, estava um contrato de permuta, celebrado em 2005, entre aquela e o Município de ..., não deixando de discorrer sobre o referido contrato, trazendo à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.9.2007, Processo n.º 07A2761 disponível in www.dgsi.pt e ainda o n.º 1 do artigo 408.º e alínea a) do artigo 879.º, ambos do Código Civil.

12.5       Reforça ainda a circunstância da propriedade da “...” se haver transmitido da B... para o Município de ... por efeito da Permuta outorgada em 1.6.2005, sendo que a contraprestação (em espécie) por tal transmissão, passava pela atribuição à B... de Lotes que, à data, eram bens futuros, posto que consistiam ainda em Lotes a constituir.

12.6       E partindo daqui defende a Requerente que “(...) apenas se podia operar a transferência de propriedade relativamente aos Lotes quando os mesmos se encontrassem efetivamente constituídos por força das previstas operações de loteamento, como decorre do regime resultante das disposições conjugadas dos artigos 408.º, n.º 2, e 880.º, n.º 1, do Código Civil.”

12.7       Prosseguindo, diz a Requerente que “(...) uma vez que foi revogado o ato administrativo que sustentava a concretização das mencionadas operações de loteamento, os Lotes futuros identificados na Permuta Inicial nunca chegaram a ser constituídos e, por isso, não foram transmitidos à B...”, sendo que, não obstante, através da escritura de rectificação, outorgada em 2015, a contraprestação do Município de ... pela aquisição da acima referida “...” foi reconfigurada, passando a consistir no imóvel melhor identificado no acima explicitado ponto 12.2, ao qual, como dito, foi atribuído um valor de 10.700.000,00 €. 

12.8       E partindo daqui diz a Requerente que a AT recusou a anulação da liquidação de IRC do grupo relativa ao exercício de 2018 e a restituição do imposto pago em excesso, “(...) escudando-se num argumento estritamente formal que, em síntese, pode ser reconduzido à ideia de que se a liquidação respeitou a contabilidade, seja esta um espelho fiel da realidade material ou não, não deve ser corrigida nem anulada.”

12.9       E afrontando a posição defendida pela AT em sede de reclamação graciosa, traz à discussão a Requerente as seguintes decisões do STA: i) acórdão de 29.9.2004, Processo n.º 0585/04; e ii) acórdão de 14.10.2009, processo n.º 0499/09.

12.10     Prossegue aquela em sua defesa, alegando que “[A] AT também não suscitou – e bem – a falsidade das escrituras públicas da Permuta Inicial e da Retificação da Permuta, ambos documentos autênticos que, como tal, fazem prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público, assim como dos factos que neles tenham sido atestados com base nas perceções da entidade documentadora (cf. artigos 369.º  e 371.º, n.º 1, do Código Civil).” E ainda que “[T]ão-pouco a AT questiona a veracidade ou a validade das declarações emitidas pela B... e pelo Município de ... naqueles documentos autênticos.”

12.11     Intuindo a Requerente do ali exposto o seguinte: “[D]o que se trata aqui (...) é de uma aplicação rígida e cega da regra de dependência (parcial) do direito fiscal em relação à contabilidade para ignorar a incorreta quantificação do facto tributário mesmo com a demonstração que certos valores possam não ter sido devidamente relevados na contabilidade.” e da “(...) prevalência absoluta da contabilidade sobre a realidade, ou seja, de uma visão em que a primeira enforma a segunda e não em que a escrita é um espelho dos factos.”

12.12     E louvada no Acórdão do STA de 9.10.2019, Processo n.º 01278/12.2BELRS, conclui a Requerente no sentido de que “[A] contabilidade serve para “externalizar de forma padronizada (tendo em vista a comparabilidade) a situação financeira de uma entidade económica (a empresa)”, e não para criar realidade.”

12.13     E partindo dali, defende a Requerente que “(...) a comprovada discrepância entre o valor de aquisição contabilizado e o valor efetivo deveria conduzir a um ajustamento – para menos – do IRC devido pelo grupo de que a Requerente é a sociedade dominante e não a uma petrificação da escrita que redunda na dependência absoluta ou plena da fiscalidade em relação à contabilidade e, in casu, na maximização da receita tributária.”

12.14     Delimitando o conceito de valor de aquisição dos inventários, traz à discussão a Requerente o disposto no art.º 26º do CIRC (na sua redacção à data dos factos e até na sua redacção actual); traz ainda à colação o § 5.3.2 do Plano Oficial de Contabilidade; e, finalmente, os §§ 10 e 11 da NCRF 18, retirando daquele acervo normativo que “(...) é de cristalina evidência que a contabilização do custo de aquisição do Terreno efetuada pela B... entre 2005 e 2018 – no valor de € 1.921.945,86 – não está em conformidade com a materialidade das operações”, desde logo, porquanto,  “(...) por um lado, desconsidera uma parte relevante do preço efetivamente atribuído à aquisição de € 10.700.000,00, ainda que “em espécie” através da entrega ao Município de ... da ... em 2005, e, por outro lado, não refletiu o desreconhecimento do valor de € 496.221,95 que se encontrava registado como valor de aquisição da ..., que deixou de ser propriedade da B... em 2005.”

12.15     Aduzindo ainda a Requerente no sentido de que “(...) em conformidade com as regras contabilísticas aplicáveis, quando os inventários são alienados e tiver sido reconhecido o respetivo rédito, o valor anteriormente reconhecido nos inventários [identificando aquela, a tal propósito, o § 5.3.1 do POC que, no essencial, remete para a valorização das existências ao custo de aquisição ou ao custo de produção] deve ser escriturado como gasto do período”, identificando ainda o § 34 da NCRF 18, em vigor desde 2018 e que diz: “Quando os inventários forem vendidos, a quantia escriturada desses inventários deve ser reconhecida como um gasto do período em que o respectivo rédito seja reconhecido.”

12.16     Afirmando a Requerente de seguida que, em 2005, ou seja, no ano da transmissão da “...” para a Câmara Municipal de ..., não foi contabilisticamente reconhecido o rédito resultante dessa operação pelo valor que lhe foi atribuído na escritura de permuta inicial (de 10.713.468,00 €), entretanto corrigido, em 2015, na escritura de rectificação para 10.700.000,00 €. 

12.17     E, aduz, foi exactamente esse facto que “(...) levou a que, em 2018, ano em que ocorreu a alienação do Terreno [o imóvel alienado em 2018 sito na Avenida ... que aqui está em causa], não fosse reconhecido como custo das mercadorias vendidas o custo de aquisição real do bem, o qual, conforme acima detalhado, era muito superior ao que estava efetivamente nas contas (i.e., € 1.921.945,86).”

12.18     E partindo daqui diz a Requerente que a correcta aplicação do normativo contabilístico acima melhor identificado teria levado a que o valor de aquisição daquele imóvel fosse diferente do que estava relevado contabilisticamente e substancialmente superior, ou seja, somando-se o valor de aquisição de 10.700.000,00 €, resultante da escritura de rectificação celebrada em 2015, ao valor pago aquando da outorga da escritura pública inicial de permuta realizada em 2005 e que se cifrou em 671.836,00 € e ainda aos custos capitalizados que se elevavam a 753.887,91 €, obter-se-ia um valor de aquisição do imóvel sito na Avenida ... de 12.125.723,91 €, apurando-se um ganho com tal alienação de 3.429.831,09 € que resultaria da diferença entre o valor de venda do referido imóvel (de 15.555.555,00 €) e o valor de aquisição acima explicitado (de 12.125.723,91 €).  

12.19     Defendendo a Requerente que esse ganho (de 3.429.831,09 €) deveria sobrelevar o que serviu de base ao apuramento do resultado líquido da B... e, consequentemente, o que influenciou o lucro tributável do grupo submetido ao RETGS de que a Requerente é sociedade dominante, assim se consubstanciando a errónea quantificação do lucro tributável daquela.  

12.20     Fundamentando o pedido subsidiário formulado a final do PPA, aduz ainda a Requerente, sem prescindir, no sentido de que o aludido erro de quantificação permanece mesmo que se considere como a AT na sua decisão de indeferimento da reclamação graciosa que o valor pago aquando da outorga da escritura pública inicial de permuta realizada em 2005 e que se cifrou em 671.836,00 € não é adicional ao valor atribuído na escritura inicial de permuta mas sim uma parte desse valor.

12.21     Por não se conformar com o facto de haver laborado em erro de quantificação na autoliquidação do grupo reportada ao exercício de 2018, por desconsideração na referida autoliquidação do correcto e acima determinado CMVMC, a Requerente deduziu, em 16.11.2020, o correspondente procedimento de reclamação graciosa que tomou o n.º ...2020..., dirigido à autoliquidação de IRC do grupo nos termos previstos nos n.ºs 2 e 4 do art.º 137.º do CIRC e do art.º 131.º do CPPT.

12.22     Apreciada a reclamação, a Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu-a.

12.23     Peticiona, ademais, juros indemnizatórios em conformidade com o estatuído nos n.ºs 1 e 4 do art.º 43.º e artigo 100.º da LGT e no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT ex vi do artigo 24, n.º 5 do RJAT.  

 

14.          Em 4.1.2022, a Requerida apresentou Resposta, na qual, em escorço, alega:

 

I.B) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERIDA:

 

13.1       A Requerida começa por transcrever abundantemente a Informação datada de 29.3.2021 que está a ancorar  o despacho datado de 15.4.2021 e que projectava indeferir a reclamação graciosa (Cfr. Doc. n.º 8 junto ao PPA e que também integra o PA junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), datado de 15.4.2021, para onde se remete e, na parte com interesse para a dilucidação da presente contenda, em breve síntese, aqui será também explicitada.

13.2       No artigo 15. da Resposta começa a Requerida por aduzir (transcrevendo a referida informação) que “[R]elativamente ao alegado ganho fiscal excessivo, apurado com a alienação de um prédio urbano, no montante de € 13.633.609,14, o qual se encontrava contabilizado na rubrica de inventários pelo valor de aquisição de €1.921.945,86, contabilisticamente, de acordo com a Estrutura Concetual do SNC, apenas se considera um ativo quando exista o controlo dos bens, em resultado dessa aquisição, para a qual se espera que se obtenham benefícios económicos com a sua utilização ou venda, podendo esse ativo apenas ser reconhecido quando se estime que se obtenham os referidos benefícios económicos e o seu custo seja fiavelmente mensurado.”

13.3       De seguida traz-se à colação o conceito de inventários e ainda o § 10 da NCRF 18 quanto à questão da mensuração dos inventários.

13.4       E a propósito do reconhecimento de activos no balanço aduz-se com o § 81 da Estrutura Conceptual do SNC e bem assim como, com as diversas NCRF que tratam do reconhecimento de activos, especificando-se que “(...) apenas quando os bens forem colocados à disposição da empresa, se deve proceder ao respetivo reconhecimento do inventário pelo seu custo de aquisição, incluindo o preço de aquisição dos bens e todas as despesas necessárias para a compra, conforme previsto nos § 10 e § 11 da NCRF18.”

13.5       Volvendo a Requerida (continuando a transcrever a citada Informação de 29.3.2021) para a questão do conceito de rédito previsto na NCRF 20, a qual estabelece os procedimentos contabilísticos a aplicar ao rédito.

13.6       Retirando daí a asserção de que o conceito e reconhecimento de inventários está directamente relacionado com o conceito e reconhecimento do rédito pela venda de bens e, em aditamento, dizendo que “(...) o princípio, a ter em atenção, está relacionado com a detenção do controlo desses bens, ou seja, de qual entidade detém os riscos e vantagens decorrentes da propriedade económica dos bens.”

13.7       Seguindo-se a transcrição do n.º 1 do art.º 26.º do CIRC e as subsequentes asserções: “[A]ssim, da consulta aos extratos contabilísticos e documentos de suporte à contabilidade, nomeadamente, às cópias das escrituras públicas celebradas entre as partes nos diferentes momentos e entregues com a petição, verificou-se que a então reclamante não procedeu aos movimentos contabilísticos necessários para fazer refletir nos resultados da sociedade, os possíveis ganhos obtidos com a “Permuta”, em 2005, nem posteriormente em 2015, o ganho obtido com a “Retificação da Permuta”.” E ainda: “[O]ra não tendo agido em conformidade quanto aos registos contabilísticos, considerando as regras de reconhecimento do rédito antes descritas, verifica-se que o sujeito passivo, considerou que, tanto em 2005 como em 2015, não estavam cumpridas todas as condições para que o ganho associado a estas operações económicas, fossem fiavelmente mensurados e que fosse provável que fluíssem benefícios económicos futuros, considerando-os apenas cumpridos no exercício de 2018, com a alienação do ativo.”

13.8       Fazem-se ainda considerações quanto ao regime contabilístico do acréscimo, trazendo-se à discussão o § 22 da Estrutura Conceptual do SNC e o art.º 18.º do CIRC, concluindo-se que o ganho associado ao imóvel sito na Avenida ... deveria ser tributado no exercício de 2018, aliás, tal como o fez a Requerente que relevou na conta 7111 o montante de 15.555.555,00 €.  

13.9       E quanto ao valor pago aquando da outorga da escritura de “Permuta” de 1.6.2005 (671.836,00 €), sustenta a Requerida que se depreende da leitura do aludido instrumento notarial que o pagamento daquele montante não é adicional ao valor atribuído, mas sim uma parte desse valor.

13.10     E no artigo 33. da Resposta enuncia a Requerida a conclusão que foi expendida na Informação de 29.3.2021 (Cfr. Doc. n.º 8 junto ao PPA e que também integra o PA junto aos autos pela entidade demandada) e que diz: “[E]m conclusão, analisados os elementos constantes dos autos, nomeadamente a consulta ao sistema informático e os elementos entregues com a petição, verifica-se que não existiu tributação excessiva do ganho resultante da operação de alienação do ativo, reconhecido na contabilidade, no exercício aqui em análise, ao contrário do alegado, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que alega, nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”

13.11     A dado passo da sua Resposta, concretamente no seu artigo 56. e em aditamento ao que a Informação de 20.3.2021 defendia, começa a Requerida por aduzir que bem andou a decisão que indeferiu a Reclamação ao invocar a NCRF 20.

13.12     Sustentando de seguida a Requerida que “[S]egundo esta norma, a questão primordial na contabilização do rédito é a de determinar quando reconhecer o mesmo, sendo que o rédito é reconhecido quando for provável que benefícios económicos futuros fluirão para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados.”

13.13     E partindo daqui diz a Requerida que parece não haver dúvidas de que “(...) só no exercício de 2018, com a alienação do ativo é que os benefícios económicos foram conhecidos com fiabilidade, pois até aí o que se verificou foi a troca de um bem registado no inventário da Requerente por outro bem de valor equivalente.” e daqui retira aquela “(...) que perante tais dados não podem acompanhar a Requerente na alegação de que o imóvel sito na Avenida ... se encontrava contabilizado na rúbrica de inventários por um valor (1.921.945,86 €) que não reflectia o efectivo custo de aquisição.”

13.14     Defendendo, ao invés, que o aludido imóvel se encontrava relevado contabilisticamente na rúbrica de inventários pelo efectivo custo de aquisição e ainda que foi esse que foi considerado para efeitos de apuramento do lucro tributável, como, aliás, prevê o art.º 26.º do CIRC.   

13.15     Mais: dizendo ainda a Requerida que  “[O] que o valor do inventário não refletia e não podia refletir, era a potencial mais-valia que uma futura venda podia trazer à Requerente.”

13.16     Continuando a invocar a NCRF 18 advoga a Requerida que “[P]erante esta norma não parece haver quaisquer dúvidas que a Requerente ao manter na sua contabilidade o ativo aqui em causa mensurado pelo custo limitou-se a seguir as recomendações e as boas práticas contabilísticas e de relato financeiro”.

13.17     Concretizando um pouco melhor a sua posição interpretativa prossegue a Requerida dizendo que “[O] que se verificou nos dois exercícios em que a Requerente realizou escrituras de permuta com o Município de ..., 2005 e 2015, foi a troca de um ativo por outro de valor equivalente.” E ainda que “(...) apesar de em qualquer um desses dois momentos o valor atribuído ao ativo ser bastante superior àquele porque o mesmo se encontrava registado na contabilidade isso não lhe permitia mensurar o seu ativo por um valor superior ao custo pois tal prática mostrava-se contrária ao prescrito no já́ citado paragrafo 9.º da NCRF 18.”

13.18     Em face do aduzido, peticiona a Requerida seja julgado totalmente improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral sub judicio, com as devidas e legais consequências, ou seja, mantendo-se na ordem jurídica os actos de autoliquidação e de liquidação na parte em que foram sindicados, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida de todos os pedidos.

 

II. THEMA DECIDENDUM:

 

15.          A questão de fundo a apreciar no presente processo é a de saber se a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa (n.º ...2020...) que a Requerente apresentou, nos termos e em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 4 do art.º 137 do CIRC e art.º 131.º do CPPT, está eivada de ilegalidade e ainda a de saber se os actos (de autoliquidação e de liquidação) que foram objecto daquele meio de discussão da legalidade das liquidações aqui sindicadas, respeitantes ao ano de 2018, estão enfermados de ilegalidade por desconsideração (na autoliquidação empreendida) de parte do Custo das Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas (CMVMC) subsumível no art.º 23º do CIRC e na sua decorrência por errónea quantificação do facto tributário correspondente, na medida em que o valor pelo qual o imóvel sito na Avenida ... se encontrava contabilizado na rubrica de inventários da B... (1.921.945,86 €) não refletia a totalidade do efetivo custo de aquisição suportado por aquela sociedade e que deveria relevar para efeitos fiscais.

16.          Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. SANEAMENTO:

 

17.          O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

18.          Importa então começar por atentar no pedido formulado pela Requerente que, visto o petitório, se materializa como segue: “Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser considerado totalmente procedente, por provado, com a consequente: a) Declaração de ilegalidade e anulação do despacho do Diretor de Finanças Adjunto de 28 de maio de 2021, ao abrigo de delegação de competências, que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2020..., a qual tem por objeto a autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2018 do grupo tributado ao abrigo RETGS de que a Requerente é a sociedade dominante; b) Declaração de ilegalidade e anulação da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2018 do grupo sujeito ao RETGS de que a Requerente sociedade dominante, constante da declaração Modelo 22 do grupo com o n.º ...-...-..., espelhada na demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2019 ..., mais tarde corrigida pela declaração Modelo 22 de substituição do grupo com o n.º ...-...-... e refletida na demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2020 ..., no montante de imposto correspondente a € 2.541.584,78 (dois milhões quinhentos e quarenta e um mil quinhentos e oitenta e quatro euros e setenta e oito cêntimos); c) Subsidiariamente, e apenas no caso de não ser concedido provimento ao peticionado em b), a declaração de ilegalidade e anulação da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2018 do grupo sujeito ao RETGS de que a Requerente é sociedade dominante, constante da declaração Modelo 22 do grupo com o n.º ...-...-..., espelhada na demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2019 ..., mais tarde corrigida pela declaração Modelo 22 de substituição do grupo com o n.º ...-...-... e refletida na demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2020 ..., no montante de imposto correspondente a € 2.380.344,14 (dois milhões trezentos e oitenta e mil trezentos e quarenta e quatro euros e catorze cêntimos); (...).”

19.          Intuindo-se daqui que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido que o que a Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação parcial do acto de autoliquidação de IRC de 2018, por via da declaração de ilegalidade e anulação do acto que indeferiu a reclamação graciosa oportuna e previamente apresentada.

20.          Nessa medida, o pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

21.          E assim o advoga o tribunal, louvado na decisão proferida no processo n.º 117/2013-T do CAAD que a dado passo diz: “(…) a fórmula “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade. A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artºs. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art.º 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.”

22.          Nestes termos, o Tribunal Arbitral Colectivo considera-se materialmente competente para apreciar e decidir o presente processo.

23.          Quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o tribunal que é actualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos – ou seja, actos de segundo grau -  poderão ser arbitráveis junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.

24.          Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num acto de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal acto.

25.          Assim sendo, o Tribunal considera-se competente para a apreciação da pretensão da Requerente, em virtude de esta respeitar também à apreciação da legalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito da reclamação graciosa n.º ...2020... despoletada pela Requerente com referência aos actos tributários (de autoliquidação e de liquidação) de IRC, respeitantes ao ano de 2018, tendo a AT, nessa mesma decisão de indeferimento e tal como veremos adiante, apreciado a legalidade daqueles actos de liquidação.

26.          As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

27.          A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). O prazo para apresentação do PPA deve contar-se da notificação do despacho de indeferimento que recaiu sobre a reclamação Graciosa apresentada. O Ofício a coberto do qual foi dada a conhecer à Requerente a referida decisão está datado de 7.6.2021 (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA). A notificação foi enviada à Requerente mediante carta registada com aviso de recepção (registo postal n.º ...). O objecto postal correspondente foi entregue em 9.6.2021. Nos termos do n.º 3 do art.º 39.º do CPPT, havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado, donde, a Requerente deve considerar-se notificada da decisão de indeferimento acima referida no dia 9.6.2021, data a partir da qual se conta o prazo de 90 dias para a interposição do pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, pelo que, o mesmo se revelou efectivamente tempestivo, na medida em que se iniciou a sua contagem em 10.6.2021 e o seu dies ad quem ocorreu em 7.9.2021, ou seja, quod erat demonstrandum, tendo sido apresentado em 6.9.2021, considera-se tempestivamente interposto o PPA.

28.          O processo não enferma de nulidades.

29.          Não existem excepções a apreciar.

 

IV. DECISÃO:

 

IV.A) FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS:

 

30.          Antes de entrarmos na apreciação do mérito, cumpre fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:

 

A)           A Requerente é uma sociedade de direito português que atua no setor imobiliário, dedicando-se à compra, venda e arrendamento de imóveis, incluindo a revenda dos imóveis adquiridos para esse fim, bem como à urbanização, construção e administração de bens imóveis próprios ou alheios, à elaboração de projetos e à prestação de serviços relativos à atividade imobiliária, conforme certidão permanente disponível para consulta em https://eportugal.gov.pt/espaco-empresa/empresa-online através do código de acesso ...-...-.... (Acordo das partes. Cfr. Doc. n.º 4 junto ao PPA e artigo 3. da Resposta).

B)           Em 31 de Dezembro de 2018, a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado ao abrigo do RETGS, tal como previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC. (Acordo das partes. Cfr. artigo 2.º  do PPA e artigo 4. da Resposta).

C)           O grupo de sociedades sujeito ao RETGS era, no exercício de 2018, constituído pela ora Requerente, enquanto sociedade dominante, e duas outras sociedades dominadas (suas subsidiárias à data): a C..., Unipessoal, Lda., pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º ..., e a Sociedade imobiliária B..., Lda., em 2018 ainda designada por Sociedade Imobiliária B..., Unipessoal, Lda., e antes disso Sociedade imobiliária B..., S.A., pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º .... (Acordo das partes. Cfr. artigo 3.º  do PPA e artigo 5. da Resposta).

D)           Na qualidade de sociedade dominante do grupo sujeito ao RETGS, a Requerente procedeu à entrega, em 28 de junho de 2019, da respetiva declaração Modelo 22 de IRC (do grupo) relativa ao exercício de 2018, com a identificação n.º ...-...-..., na qual apurou um resultado fiscal do grupo de 14.746.610,97 €; uma matéria colectável não isenta de 11.744.861,98 €; e um total a pagar de 2.864.865,15 €. (Cfr. Doc. n.º 2 junto ao PPA e processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).

E)            A subsidiária B..., em 25 de junho de 2019, submeteu a sua declaração Modelo 22 de IRC (individual) relativa a 2018, identificada pelo n.º ...-...-..., na qual apurou um lucro tributável de € 12.272.367,54. (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA e processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada).

F)            Em 29 de Maio de 2020, a B... submeteu a declaração Modelo 22 de IRC (individual) de substituição, identificada pelo n.º ...-...-..., na qual apurou um lucro tributável de 12.133.902,58 € (Cfr. Doc. n.º 6 junto ao PPA e processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada).

G)           Em 29 de Maio de 2020 e para refletir no cálculo da matéria colectável do grupo o teor da declaração de substituição individual apresentada pela B..., a Requerente entregou uma declaração Modelo 22 de IRC de substituição relativa ao grupo e ao exercício de 2018, a qual foi identificada pelo n.º ...-...-..., na qual apurou um resultado fiscal do grupo de 14.608.146,01 €, uma matéria colectável não isenta de 11.606.397,02 € e um total a pagar de 2.828.864,25 €. (Acordo das partes. Cfr. artigo 7.º  do PPA; Doc. n.º 2 junto ao PPA; e artigo 9. da Resposta e ainda processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada).

H)           A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2020 ..., datada de 25.6.2020, contemplando um valor de IRC a reembolsar de 36.000,90 €, correspondente à diferença entre o valor originalmente pago com a autoliquidação do imposto do grupo (2.864.865,15 €) e o montante de IRC apurado em resultado da entrega da declaração Modelo 22 de substituição do grupo para 2018 (2.828.864,25 €). (Cfr. artigo 8.º  do PPA e Docs. n.ºs 2 e 3 juntos ao PPA e processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada).

I)             Por escritura pública de permuta (permuta inicial), outorgada a 1 de Junho de 2005, a subsidiária B... transmitiu ao Município de ... um prédio misto composto por duas partes urbanas e uma parte rústica designado por “...”, sito na ..., na freguesia da ..., em .... (Cfr. artigo 26.º  do PPA; Doc. n.º 11 junto ao PPA; e artigo 6. da Resposta e processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada).

J)            Em troca, o Município de ... obrigou-se a transmitir à subsidiária B... futuros lotes a constituir (bens futuros), provenientes de três operações de loteamento municipais designadas por ... – Sector ..., ... e ... à Avenida ..., os quais deveriam perfazer 33.163 m2 de área de construção (Cfr. artigo 27.º  do PPA e Doc. n.º 11 junto ao PPA).

K)           O valor atribuído aos bens permutados (permuta inicial identificada no ponto I) do probatório), ou seja, à ... e também aos futuros lotes decorrentes da operação de loteamento referida no ponto J) do probatório, foi de 10.713.468,00 €, montante pelo qual se considerou que cada parte transmitia os imóveis à outra e que serviu de base à liquidação de IMT que resultou da transmissão dos seguintes imóveis: 1. Prédio - Urbano (U) – Freguesia – ... – Artigo - ... - VPT: €1.494,66; 2. Prédio  - Urbano (U) – Freguesia – ... – Artigo – ... - VPT: €4.617,44; e 3. Prédio - Rustico (R) – Freguesia – ... – Artigo – ... - VPT: €3.084,74. (Acordo das partes. Cfr. artigo 28.º  do PPA; Doc. n.º 11 junto ao PPA; e artigo 6. Da Resposta e processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada).

L)            A plena produção de efeitos da permuta outorgada a 1 de Junho de 2005, ficou sujeita à verificação das seguintes condições: 1.ª - Promoção, pela B..., da execução de determinadas infraestruturas no âmbito das mencionadas operações urbanísticas resultantes dos loteamentos municipais (... – Setor ..., ... e ... à Avenida ...), orçamentadas em 1.795.957,39 €, a título de pagamento em espécie da taxa municipal pela realização de infraestruturas urbanísticas, a qual, por sua vez, ascendia a 1.071.346,80 €. Por força da diferença de valor resultante desse pagamento em espécie (724.610,59 €), o Município de ... obrigou-se a transmitir ainda à B... futuros lotes provenientes das referidas operações de loteamento que perfizessem 1.317,48 m2 de área de construção. No final, somando os 33.163 m2 de área de construção já atribuídos aos 1.317,48 m2, a área total de construção que deveria ser entregue à B... ascenderia a 34.480,48 m2; 2.ª - Na sequência das operações de loteamento, ao Município de ... seriam atribuídos os lotes designados pelas letras ..., ..., ..., ..., ... e ..., perfazendo um total de 26.200 m2 (para além dos lotes destinados a equipamentos), e à B... seriam atribuídos os lotes designados pelas letras ..., ..., ... e ..., o que perfazia um total de 35.702 m2; e 3.ª - Considerando a impossibilidade de se estabelecer uma exata conversão em lotes da área de construção de 34.480,48 m2 atribuída à B..., verificou-se uma diferença positiva a favor desta última de 1.221,52 m2 – isto é, a diferença entre aquela área total e a área dos lotes ..., ..., ... e ... (35.702 m2) –, a qual foi valorizada em 671.836,00 € (€ 550,00/m2), montante este que passou a ser devido pela B... ao Município de ... e que este recebeu no ato de celebração da escritura pública, tendo dado integral quitação do mesmo; 4.ª – Os valores unitários pelo metro quadrado referenciados na parte final da condição primeira e da condição terceira deverão ser revistos para o valor médio das adjudicações das hastas públicas de alienação dos futuros lotes municipais emergentes das operações de loteamento. (Cfr. artigo 30.º  do PPA e Doc. n.º 11 junto ao PPA).  

M)          Aos 33.163 m2 de área dos futuros lotes que foram objecto de permuta com a ... pelo valor de € 10.713.468,00; e ainda aos 1.317,48 m2 referidos na 1.ª condição do ponto L) do probatório, acresceu uma área de 1.221,52 m2 de futuros lotes que foi adquirida pela B..., por 671.836,00 €, perfazendo os direitos de construção da B... uma área total de 35.702 m2 de construção. (Cfr. artigos 32.º e 33.º  do PPA e Doc. n.º 11 junto ao PPA).  

N)           Tal valor (671.836,00 €) foi pago em dinheiro pela B... ao Município de ... no acto de celebração da escritura pública outorgada a 1 de Junho de 2005 (Doc. n.º 11 junto ao PPA).

O)           Não foi conferida relevância contabilística à permuta dos bens consubstanciada na escritura pública outorgada em 1 de Junho de 2005 e onde foram partes a B... e o Município de ..., nos termos da qual cada parte transmitiu/obrigou-se a transmitir à outra bens no valor de € 10.713.468,00, ou seja, o registo contabilístico da operação não foi efetuado. De igual modo, não foram refletidos nos resultados da sociedade B..., com referência ao período de tributação de 2005, os possíveis ganhos obtidos com a permuta inicial, nem posteriormente em 2015 o ganho obtido com a rectificação da permuta, datada de 4 de Agosto de 2015, conforme fixado na alínea U infra (Cfr. artigos 34.º e 35.º do PPA e Doc. n.º 8 junto ao PPA).  

P)           A B... manteve inalterado, no seu ativo, em contas de existências, o valor de 496.221,95 € (284.317,56 € + 211.904,39 €), continuando a denominar as contas ... e ... como “...”, donde se infere a ausência de desreconhecimento do correspondente inventário, aliás, igualmente admitida pela Requerente. (Cfr. artigo 36.º do PPA e Doc. n.º 9 junto ao PPA).  

Q)           Aos 496.221,95 € que estavam a influenciar contas de existências, fez a B... acrescer o valor pago em dinheiro ao Município de ... (671.836,00 €) a que se reporta o ponto N) do probatório, num total de 1.168.057,95 €, registado nas contas de existências da B... em 31 de Dezembro de 2005 (Cfr. artigos 37.º e 38.º  do PPA e Doc. n.º 9 junto ao PPA).  

R)           Entre 2005 e 2018, a B... foi incorrendo em despesas relacionadas com os lotes objecto de permuta, nomeadamente em despesas com honorários da sociedade D..., Lda. referentes a projetos relacionados com uma proposta urbanística apresentada pela B... ao Município de ... sob a forma de Pedido de Informação Prévia que em 2018 (ano da alienação do imóvel sito na Avenida ...) totalizavam 753.887,91 €, tendo sido contabilizados em conta de inventários. (Cfr. artigos 40.º a 43.º do PPA e Doc. n.º 9 junto ao PPA).  

S)            Em 4 de Agosto de 2015, foi outorgada entre a B... e o Município de ... escritura pública intitulada como sendo de “Retificação e Determinação de Prestação”, ou seja, de rectificação da escritura de permuta realizada em 1.6.2005. (Acordo das partes. Cfr. artigos 44.º  do PPA; artigo 7. da Resposta e Doc. n.º 12 junto ao PPA e processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada).  

T)            Por aquele instrumento, rectificou-se a permuta celebrada em 1.6.2005, no que concerne ao imóvel a ser transmitido à B... pelo Município de ..., tendo as partes acordado na substituição dos lotes de terreno contratualizados na permuta inicial, pelo prédio urbano, composto por um lote de terreno para construção com área de 6.018 m2 e com capacidade edificatória de 21.835 m2, correspondente ao artigo matricial ..., com o valor patrimonial tributário de 6.192.610,00 €, sito na Avenida ..., freguesia da ..., concelho de .... (Acordo das partes. Cfr. artigo 51.º do PPA; artigo 7. da Resposta e Doc. n.º 12 junto ao PPA)

U)           Em 4 de Agosto de 2015, por troca com a “...” e pelo valor de 10.700.000,00 €, o Município de ... transmitiu à B... o prédio urbano identificado no ponto T) do probatório. (Acordo das partes. Cfr. artigos 49.º e 50.º do PPA; artigo 7. da Resposta e Doc. n.º 12 junto ao PPA)

V)           Também não foi conferida relevância contabilística à permuta dos bens consubstanciada na escritura pública outorgada em 4 de Agosto de 2015. (Acordo das partes. Cfr. artigo 54.º do PPA e Doc. n.º 8 junto ao PPA).

W)          Em 27 de Dezembro de 2018, a B... alienou, pelo montante de 15.555.555,00 €, o imóvel identificado no ponto T) do probatório à E..., CRL, titular do NIPC .... (Acordo das partes. Cfr. artigos 20.º e 21.º do PPA e artigo 8. da Resposta e ainda Doc. n.º 7 junto ao PPA).

X)           Esta venda foi registada na contabilidade da B....

Y)            O rédito correspondente foi relevado contabilisticamente pelo valor de venda do Terreno (15.555.555,00 €) numa conta SNC #71 – vendas de mercadorias.

Z)            O gasto atinente ao custo das mercadorias vendidas (CMVMC) foi registado numa conta SNC #61 ao valor pelo qual o Terreno se encontrava contabilizado na rubrica de inventários (1.921.945,86 €) e a que se referem os pontos Q) e R) do probatório. (Cfr. artigo 22.º do PPA e ainda Doc. n.º 9 junto ao PPA).

AA)        O resultado líquido decorrente da contabilidade da B... relativo à alienação do imóvel sito na Avenida ... – rédito menos gasto relativo ao custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas – cifrou-se em 13.633.609,14 €. (Cfr. artigo 23.º do PPA e ainda Doc. n.º 10 junto ao PPA).

BB)         O montante referido no ponto AA) do probatório, contribuiu para o resultado líquido do período de 2018 declarado pela B... (€ 9.136.599,86) e, por conseguinte, concorreu para a formação do lucro tributável em sede de IRC do grupo de que a Requerente é a sociedade dominante. (Cfr. artigo 24.º do PPA e ainda Docs. n.ºs 5, 6 e 10 junto ao PPA).

CC)         Em 16 de Novembro de 2020, a Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de ... – ..., reclamação graciosa que tomou o n.º ...2020... contra a autoliquidação de IRC do grupo nos termos previstos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 137.º do Código do IRC e do artigo 131.º, n.º 1 do CPPT. (Acordo das partes. Cfr. artigo 14.º do PPA e artigo 10. da Resposta e processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada).

DD)        Pelo oficio de 16.4.2021, da Direção de Finanças de ..., foi a Requerente notificada do projeto de indeferimento da reclamação graciosa e ainda notificada para efeitos de exercício do direito de audição prévia (Acordo das partes. Cfr. artigo 15.º do PPA e artigo 12. da Resposta e Doc. n.º 8 junto ao PPA e processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada).

EE)         Da informação datada de 29.3.2021 que está a ancorar  a decisão que projectava indeferir a reclamação graciosa, datada de 15.4.2021, consta: “[D]e salientar, que quanto ao valor pago no ato da celebra  o da escritura de “Permuta”, em 2005, no montante de €671.836,00, alegadamente pago para além do valor global atribuído ao negócio no montante de €10.713.468,00, depreende-se, da leitura efetuada ao documento junto à petição, que o pagamento deste valor [€ 671.836,00] não é adicional ao valor atribuído, mas sim uma parte desse valor, isto é, o valor do negócio é no montante de € 10.713.468,00, em que, deste valor, a reclamante pagou no ato da escritura o montante de € 671.836,00, mantendo-se o valor global atribuído em € 10.713.468,00.” (Cfr. artigo 65.º do PPA e Doc. n.º 8 junto ao PPA e processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada).

FF)         Tal projeto de indeferimento veio a ser convolado em decisão final por despacho do Diretor de Finanças Adjunto, ao abrigo de delegação de competências, de 28 de Maio de 2021 (Acordo das partes. Cfr. artigo 16.º do PPA e artigo 13. da Resposta e Doc. n.º 1 junto ao PPA e processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada).

GG)       Não se conformando com a aludida decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa n.º ...2020..., apresentou, em 6.9.2021, 12:55, o presente pedido de pronúncia arbitral (Sistema de Gestão Processual do CAAD). 

HH)        A Requerente procedeu ao pagamento da autoliquidação em parte impugnada objecto da presente acção (Cfr. Doc. n.º 2 junto ao PPA – Pagamento de autoliquidação – 2.864.865,15 €; alínea d) do petitório formulado no PPA; factualidade não contestada pela Requerida).

 

IV.B) FACTOS NÃO PROVADOS:

 

31.          Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

IV.C) FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

 

32.          Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

33.          Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).

34.          A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária; na prova documental junta aos autos e no processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

IV.D.1) DO DIREITO:

 

IV.D.1) APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA CAUSA; DA AUSÊNCIA DE ERRO MATERIALIZADO NA AUTOLIQUIDAÇÃO:

 

35.          A lei civil não regula especialmente o contrato de troca ou de permuta.

36.          Não obstante e atenta a vigência do princípio da liberdade contratual, a sua admissibilidade é inquestionável, sendo ainda certo que se lhe deve aplicar, supletivamente, o regime da compra e venda (cfr. artºs 405º e 939º do CC).

37.          Assim sendo, o contrato de permuta é hoje um contrato atípico, inominado, devendo a sua regulação inferir-se do contrato de compra e venda em face do que estatui o art.º 939º do Código Civil que diz: “As normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas.”

38.          Resulta da factualidade dada como provada que a Requerente, por escritura de permuta, outorgada em 1.6.2005, alienou à Câmara Municipal de ... a “...” e em troca adquiriu bens futuros , ou seja, lotes a constituir, provenientes de três operações de loteamento designadas por ... – Sector ..., ... e ... à Avenida ..., os quais deveriam perfazer 33.163 m2 de área de construção. (Cfr. Doc. n.º 11, junto ao PPA). 

39.          Não obstante inominado, no contrato de permuta subsume-se: i) tanto a troca concomitante e imediata da propriedade de bens imóveis feita entre ambas as partes e em sentido bilateral, perpectivando-se uma venda e compra simultâneas; como ii) a circunstância em que a prestação de uma das partes é diferida para momento subsequente na medida em que envolve um bem futuro.

40.          Dispõe o art.º 408.º do Código Civil como segue: “1. A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei. 2. Se a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes, sem prejuízo do disposto em matéria de obrigações genéricas e do contrato de empreitada; se, porém, respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da colheita ou separação.”

41.          No contrato de permuta de bens presentes por bens futuros, a transmissão do direito de propriedade das coisas permutadas tem como causa o próprio contrato.

42.          Nada resultando em sentido contrário da letra da lei e nada a tal propósito sendo estipulado pelas partes, os efeitos da permuta de bens presentes por bens futuros ocorrem em momento diferente: i) quanto aos bens presentes, no momento da celebração do contrato, ou seja, no dizer da lei, a “transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato” – Princípio do consentimento - e ii) quanto aos bens futuros, no momento em que se tornam presentes, na decorrência do disposto na excepção à regra prevista no n.º 1 do art.º 408.º do Código Civil que está explicitada no acima transcrito n.º 2 daquela mesma norma.

43.          O que implicará, sendo os bens objecto de troca dissemelhantes, o registo de uma venda do bem dado em troca (bem presente) e o registo de uma compra do bem futuro objecto de troca. Haverá lugar ao apuramento de um resultado na venda do bem dado em troca (bem presente), em função do respetivo valor contabilístico e o bem futuro objecto de permuta será relevado contabilisticamente e valorado ou mensurado nos termos adiante explicitados, mas a transmissão da propriedade só se produzirá quando os bens se tornarem presentes no património do permutante que no contrato fica com a obrigação de os entregar. Por outro lado, se os bens objecto de troca forem semelhantes, tal operação não releva para efeitos contabilísticos, sendo o bem recebido reconhecido pelo mesmo valor (contabilístico) do bem dado em troca, sem se apurar qualquer resultado. Assim, quando estejam em causa bens semelhantes, a permuta não gera rédito, como adiante melhor se detalhará.

44.          O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), acolhe o modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável.

45.          A dado passo, no seu Preâmbulo, concretamente no seu n.º 10, diz-se “Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável. As relações entre contabilidade e fiscalidade são, no entanto, um domínio que tem sido marcado por uma certa controvérsia e onde, por isso, são possíveis diferentes modos de conceber essas relações. Afastadas uma separação absoluta ou uma identificação total, continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extra contabilisticamente, as correções - positivas ou negativas - enunciadas na lei para tomar em consideração os objetivos e condicionalismos próprios da fiscalidade. Embora para concretizar a noção ampla de lucro tributável acolhida fosse possível adotar como ponto de referência o resultado apurado através da diferença entre os capitais próprios no fim e no início do exercício, mantém-se a metodologia tradicional de reportar o lucro tributável ao resultado líquido do exercício constante da demonstração de resultados líquidos, a que acrescem as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo e não refletidas naquele resultado. Nas demais regras enunciadas a propósito dos aspetos que se entendeu dever regular refletiu-se, sempre que possível, a preocupação de aproximar a fiscalidade da contabilidade.”

46.          O aludido modelo de tributação vindo de explicitar está, no essencial, consagrado no art.º 17º do respectivo Código, que estatui: “1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código. 2 — Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do período. 3 — De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve: a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código; b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.”

47.          Daquele normativo pode inferir-se a existência manifesta de uma correlação entre o lucro contabilístico e o lucro tributável, pese-embora os respectivos conceitos se não sobreponham.

48.          Efectivamente e quanto às pessoas colectivas e outras entidades residentes que exerçam a título principal uma actividade comercial, industrial ou agrícola, o ponto de partida para a determinação do lucro tributável é, como visto, o resultado contabilístico ao qual se introduzem extra-contabilisticamente as correções fiscais impostas pelo CIRC.

49.          Quanto a trocas/permutas de activos em sede de IRC, dispõe o n.º 3 do art.º 46 daquele normativo, a propósito do conceito de mais-valias e de menos-valias e mais concretamente quanto à conceituação de valor de realização, diz-se ali que tal valor é: “[N]o caso de troca, o valor de mercado dos bens ou direitos recebidos, acrescido ou diminuído, consoante o caso, da importância em dinheiro conjuntamente recebida ou paga.”

50.          No que tange à troca de bens presentes por bens futuros estatui o n.º 4 do artigo 46.º do Código do IRC, como segue: “No caso de troca por bens futuros, o valor de mercado destes é o que lhes corresponderia à data da troca.”

51.          Sucede, porém, que os normativos vindos de referir têm como âmbito de aplicação trocas/permutas de imóveis qualificados como ativos não correntes.

52.          Sendo certo que volvendo para as permutas de inventários (que são os activos que estão em causa na presente contenda), e quanto ao respetivo tratamento em sede de IRC, não podem aplicar-se as regras previstas nos acima referidos n.ºs 3 e 4 do art.º 46.º do CIRC, ou seja, in casu, não têm aplicação tais normas, só expressamente aplicáveis a trocas/permutas de ativos não correntes e já não a trocas/permutas de inventários, uma vez que estes configuram ativos correntes ao abrigo das disposições contabilísticas em vigor.

53.          Face a este aparente vazio legal e em conformidade com o disposto no art.º 17 do CIRC, as trocas/permutas de ativos de inventários são reguladas estritamente e tão-só pelo ordenamento jurídico-contabilístico, aliás, em conformidade com o que dispõe o n.º 1 do art.º 26.º do CIRC, donde, somos necessariamente remetidos, a tal propósito, para a NCRF 20 – Rédito , que adiante analisaremos com desenvolvimento e para onde se remete.

54.          A organização da contabilidade passa pelo cumprimento do sistema de normalização previsto no SNC, aprovado pelo DL n.º 158/2009, de 13 de Julho.

55.          Determinando o n.º 1 do art.º 123º do CIRC que “1 — As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direcção efectiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável.” Dizendo ainda o n.º 2 do mesmo normativo que “Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;  b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos.”

56.          Com a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, o POC sofreu diversas alterações até à aprovação do DL n.º 158/2009, de 13 de julho, que aprovou o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), revogando o POC.

57.          O SNC entrou em vigor em Portugal em 1 de Janeiro de 2010.

58.          O DL n.º 98/2015, de 2 de Junho, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2016 e transpõe para o normativo interno a Diretiva n.º 2013/34/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas.

59.          Relevando um conjunto de instrumentos, descritos no anexo ao DL 98/2015, de 2 de Junho, relativos ao referencial contabilístico com vista à normalização contabilística . São eles: i) Bases para a apresentação de demonstrações financeiras (BADF); ii) Modelos de demonstrações financeiras (MDF); iii) Código de contas (CC); iv) Normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF);Normas contabilísticas e de relato financeiro para pequenas entidades (NCRF PE); v) Normas contabilísticas e de relato financeiro para entidades do sector não lucrativo (NCRF-ESNL); vi) Normas contabilísticas para microempresas (NC-ME); vii) Normas interpretativas; viii) A estrutura conceptual [EC], baseada no anexo 5 das «Observações relativas a certas disposições do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho», publicado pela Comissão Europeia em Novembro de 2003, que enquadra aqueles instrumentos, constitui um documento autónomo.

60.          A actual Estrutura Conceptual  do SNC foi publicada pelo Aviso n.º 8254/2015 do Diário da República, n.º 146, Série II, de 29 de Julho de 2015. O § 2º da estrutura conceptual diz: “Esta Estrutura estabelece conceitos que estão subjacentes à preparação e apresentação das demonstrações financeiras para utentes externos, seja pelas entidades que preparam um conjunto de demonstrações financeiras, seja pelas pequenas entidades (…)”.

61.          Em perfeita consonância com o disposto no CIRC, a EC do Sistema de Normalização Contabilística, publicada no Aviso n.º 8254/2015, de 29 de Julho, no seu § 22, diz: “A fim de satisfazerem os seus objetivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo. Através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. As demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transações passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo, proporciona -se informação acerca das transações passadas e outros acontecimentos que seja mais útil aos utentes na tomada de decisões económicas.”

62.          Em termos declarativos, a conversão do resultado líquido do exercício no lucro tributável é feita no Quadro 07 da Declaração Modelo 22, sendo que a 1ª linha desse Quadro recebe o saldo da conta que apura o resultado líquido do exercício (na ótica contabilística) ao qual são adicionadas as variações patrimoniais positivas e negativas que não foram consideradas no apuramento do RLE mas que nos termos do CIRC deverão influenciar o lucro tributável, bem como as correcções positivas e negativas impostas pelo mesmo CIRC.

63.          O tratamento contabilístico dos inventários encontra essencialmente respaldo na NCRF 18.

64.          Ademais e de acordo com a definição constante do § 6 da acima referida NCRF 18, inventários, são ativos: “(...) a) Detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial; b) No processo de produção para tal venda; ou c) Na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços.”

65.          Nos termos do § 8 da NCRF 18, “(...) Os inventários englobam bens comprados e detidos para revenda incluindo, por exemplo, mercadorias compradas por um retalhista e detidas para revenda ou terrenos e outras propriedades detidas para revenda. Os inventários também englobam produtos acabados, ou trabalhos em curso que estejam a ser produzidos pela entidade e incluem materiais e consumíveis aguardando o seu uso no processo de produção. Consequentemente, as classificações comuns de inventários são: mercadorias, matérias-primas, consumíveis de produção, materiais, trabalhos em curso e produtos acabados. (...).”

66.          Em conformidade com o disposto no § 9 da NCRF 18, “Os inventários devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o mais baixo.”.  A mensuração inicial, pelo custo, deve incluir todos os custos de compra, custos de conversão e outros custos incorridos para colocar os inventários no seu local e na sua condição atuais. Neste sentido veja-se o § 10 da NCRF 18.

67.          A determinação do custo far-se-á em observância das regras constantes dos §§ 10 a 22 da NCRF 18.

68.          As fórmulas de custeio estão previstas nos §§ 23 a 27 da NCRF 18. Destacam-se as seguintes fórmulas de custeio: i) FIFO (first in first out); e o ii) custo médio ponderado, previstas no § 25 da NCRF 18.

69.          Quanto ao reconhecimento como gastos dos inventários, estatuem os §§ 34 a 36 da NCRF 18. Diz o § 34: “[Q]uando os inventários forem vendidos, a quantia escriturada desses inventários deve ser reconhecida como um gasto do período em que o respetivo rédito seja reconhecido. A quantia de qualquer ajustamento dos inventários para o valor realizável líquido e todas as perdas de inventários devem ser reconhecidas como um gasto do período em que o ajustamento ou perda ocorra. A quantia de qualquer reversão do ajustamento de inventários, proveniente de um aumento no valor realizável líquido, deve ser reconhecida como uma redução na quantia de inventários reconhecida como um gasto no período em que a reversão ocorra.” E ainda o § 35: “[A] quantia de inventários reconhecida como um gasto durante o período, que é muitas vezes referida como o custo de venda, consiste nos custos previamente incluídos na mensuração do inventário agora vendido, nos gastos gerais de produção não imputados e nas quantias anormais de custos de produção de inventários. As circunstâncias da entidade também podem admitir a inclusão de outras quantias, tais como custos de distribuição.”

70.          Intuindo-se do que vem de ser transcrito que a aquisição ou detenção de inventários não implica, por si, o reconhecimento de qualquer gasto. 

71.          O gasto correspondente ao valor da mensuração (inicial) do inventário, e tal como está no § 34 da NCRF 18, apenas é reconhecido quando é relevado o rédito, por ocorrência de um evento de realização, como seja, v.g. a venda do respectivo inventário. Assim sendo e atendendo a que o imóvel sito na Avenida ... (que é o que aqui está em causa) foi alienado no decorrer do exercício de 2018 e atendendo ainda a que o custo das mercadorias vendidas daquele mesmo imóvel sempre teria de ser relevado somente nesse exercício (por aplicação do princípio do balanceamento ou regra do matching ), perde acuidade a questão suscitada pela Requerida relacionada com a periodização dos correspondentes ganhos e perdas associados a tal operação. 

72.          Ainda que reconhecidas imparidades em inventários, determinando-se a redução do valor do custo para o valor realizável líquido, o valor dos inventários a considerar para apuramento do Custo das Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas (CMVMC) é o custo consubstanciado na mensuração inicial.

73.          A acima referida NCRF 18 que, como vimos, descreve o tratamento contabilístico a dar aos inventários, simplesmente cala a propósito de permutas ou trocas de inventários.

74.          Tal como acima aventado, o tratamento contabilístico para as permutas de inventários está definido no parágrafo 12 da NCRF 20 - "Rédito" que dispõe como segue: “Quando os bens ou serviços sejam trocados ou objeto de swap por bens ou serviços que sejam de natureza e valor semelhante, a troca não é vista como uma transação que gera réditos. É muitas vezes o caso de mercadorias como petróleo ou leite em que os fornecedores trocam ou entram em swap de inventários em vários locais para satisfazer a procura numa base tempestiva num dado local. Quando os bens sejam vendidos ou os serviços sejam prestados em troca de bens ou serviços dissemelhantes, a troca é vista como uma transação que gera rédito. O rédito é mensurado pelo justo valor dos bens ou serviços recebidos ajustado pela quantia transferida de dinheiro ou seus equivalentes. Quando o justo valor dos bens ou serviços recebidos não possa ser fiavelmente mensurado, o rédito é mensurado pelo justo valor dos bens ou serviços entregues, ajustado pela quantia transferida de dinheiro ou seus equivalentes.”

75.          Intuindo-se do teor daquele § 12 da NCRF 20 que há que fazer a distinção entre transacções que incidam sobre bens de natureza e valor semelhante e transacções que incidam sobre bens dissemelhantes.

76.          E assim sendo, no caso de troca (permuta) de bens, quando os activos em causa tiverem natureza e valores semelhantes, o valor atribuído ao bem recebido na permuta é avaliado pelo valor contabilístico do bem dado em troca, considerando-se que existe uma mera variação qualitativa do património e não se apurando qualquer resultado.

77.          No dizer do § 12 da NCRF 20, a permuta “não é vista como uma transação que gera réditos.”

78.          Já no caso de troca (permuta) de bens, quando os activos em causa forem bens dissemelhantes, há que reconhecer o respetivo rédito dessa transação. Aqui o tratamento será já similar ao previsto no Código do IRC para as permutas de activos não correntes, ou seja, apurando-se um resultado no tocante à transmissão do bem dado em troca e registando-se na contabilidade o bem recebido por um valor “atualizado”.

79.          Em conformidade com o § 12 da NCRF 20, o rédito da permuta de um terreno por bens futuros, é mensurado pelo justo valor dos bens recebidos (bens futuros) ajustado pela eventual quantia transferida de dinheiro ou seus equivalentes. Quando o justo valor dos bens recebidos (bens futuros)  não possa ser fiavelmente mensurado, o rédito é mensurado pelo justo valor (estimado) do bem presente (terreno a entregar), ajustado pela quantia transferida de dinheiro ou seus equivalentes.

80.          Sendo os bens permutados dissemelhantes  (o que não se verifica no caso em apreço, conforme se explicitará em maior detalhe adiante) e sendo a permuta de bem presente por bens futuros, há que proceder ao reconhecimento do respetivo rédito da entrega do bem presente permutado/trocado, tendo por base o justo valor dos bens futuros (que é fiavelmente determinado pelos valores indicados na escritura de permuta).

81.          Em termos de registos contabilísticos e na óptica do permutante do bem presente, teria de se proceder tal como se explicitará nos pontos seguintes.

82.          No momento da saída (entrega na permuta) do bem presente: A) Procedendo ao registo do gasto correspondente à venda, debitando-se a conta 61 - "Custo das mercadorias vendidas e Matérias Consumidas" por contrapartida, a crédito, da conta 3x - "Inventários", pelo custo específico do terreno (bem presente) permutado. B) Pelo rédito da venda: - Débito 21 - "Clientes" por contrapartida a crédito da conta 71x - Vendas", pelo rédito (justo valor do bem futuro a receber). Na prática, o valor registado a débito na conta 21 - "Clientes", como ativo, representa o direito da empresa receber o bem futuro a entregar pelo outro interveniente no contrato de permuta, sendo esse o valor a ter em conta para reconhecimento do custo do bem futuro a ser reconhecido como ativo (inventários);

83.          No momento do recebimento do bem futuro previsto no contrato de permuta: C) Pelo reconhecimento do inventário: - Débito da conta 31x - "Compras" por contrapartida, a crédito, da conta 22 - "Fornecedores", pelo justo valor do bem futuro recebido; - Débito da conta 3x - "Inventários" por contrapartida a crédito da conta 31x - "Compras", pelo custo específico do bem futuro recebido; D) Pela compensação financeira dos saldos de clientes e de fornecedores no âmbito da permuta: - Débito da conta 22 - "Fornecedores" por contrapartida a crédito da conta 21 - "Clientes", pelo justo valor do bem futuro. O montante do reconhecimento do custo dos inventários (justo valor do bem futuro recebido) corresponde à anulação total do saldo devedor da conta 21, uma vez que esse ativo reconhecido pelo recebimento das fracções corresponde exatamente ao rédito do bem presente entregue, conforme critério de mensuração previsto no § 12 da NCRF 20.

84.          Volvendo agora para a questão sub judicio, considera este Tribunal que estamos perante bens semelhantes, já que foram trocados ativos, ambos de natureza imobiliária, localizados em ..., aliás na mesma freguesia, a 270m de distância, e as partes consideraram que ambos os bens (a ... e o terreno para construção sito na Avenida ...) tinham exatamente o mesmo valor de 10.700.000,00 €, i.e., eram bens de valor equivalente.

85.          Assim sendo e tal como visto acima, do ponto de vista contabilístico, a permuta não deve gerar rédito e, ademais, em termos de mensuração, os bens adquiridos em permuta ficavam com o mesmo valor contabilístico (custo de aquisição) dos bens dados em troca, ou seja, in casu, o valor atribuído ao bem recebido na permuta (o terreno da Avenida ...) seria mensurado pelo valor contabilístico do bem dado em troca (a ...), i.e., tal como está no ponto P) do probatório, o valor de 496.221,95 €. 

86.          Sendo que, não pode o Tribunal olvidá-lo, o reconhecimento de gastos com inventários é, como se afirma nos §§ 34 a 36 (acima transcritos) da NCRF 18, decorrente da “quantia escriturada desses inventários”, ou seja, a quantia efectivamente contabilizada que, in casu, se cifrava em 1.921.945,86 € (tal como está nos pontos Q) e R) do probatório).

87.          E, nessa conformidade, o valor atribuído ao bem recebido (o terreno da Avenida ...) não podia deixar, in casu, de coincidir com o valor contabilístico do bem dado em troca (a ...), acrescido de outros custos para além do custo de aquisição, num total de 1.921.945,86 €, sendo esse o CMVMC a considerar.     

88.          É claro que levando-se em consideração, para efeitos de determinação do CMVMC, o valor contabilístico do bem dado em troca, em conformidade com o acima referido e respaldados no que a tal propósito dispõe o ordenamento jurídico-contabilístico, o valor contabilístico do bem recebido (o terreno sito na Avenida ...) mostrava-se-nos desajustado do seu valor real, mas tal solução deriva do critério de prudência que o legislador segue há muitos anos nesta matéria, na medida em que, por razões de segurança, elegeu como relevante o custo de aquisição e não o justo valor ou o valor de mercado.

89.          Caso a tese advogada pela Requerente pudesse colher, então, o reconhecimento do valor do ativo adquirido (o terreno sito na Avenida ..., pelos aludidos 10.700.000,00 €) também devia ter gerado (e não gerou!) um ganho tributável (aquando da permuta) por diferença com o custo de aquisição do terreno (...).

90.          Tudo visto e ponderado, entende o tribunal que a posição sustentada pela Requerente não é minimamente consistente. Vejamos,

91.          Não reconheceu o rédito pela permuta e não pagou o IRC que lhe correspondia por esse incremento patrimonial (que era o que lhe permitiria atualizar o valor do terreno adquirido, pelos 10,7 milhões de euros); mas em relação à venda subsequente, quer repristinar o valor de aquisição dos 10.700.000,00 € que, na sua tese, devia ter declarado fiscalmente e não declarou – o que, aliás, é assumido por aquela –, ou seja, sem o ter dado à tributação, para reduzir a base de incidência do IRC no que tange à subsequente alienação do imóvel que recebeu em resultado da materialização e integral produção de efeitos da permuta antes realizada.

92.          Pretende assim a Requerente prevalecer-se do valor de aquisição dos 10.700.000,00 € apenas quando lhe é conveniente e quando, por efeito da caducidade, já não se pode ir atrás corrigir a inconsistente falta de declaração dos ganhos da permuta, que anularia o efeito que agora pretende alcançar.

93.          E partindo o tribunal da conclusão de que os bens permutados não são dissemelhantes, defendendo-se, tal como acima explicitado, que são bens incontornavelmente semelhantes e sopesados convenientemente os normativos contabilísticos em vigor, não seria reconhecido qualquer rédito associado à transmissão do imóvel permutado e denominado ..., o que só ocorreria aquando da venda do imóvel recebido em troca e sito na Avenida ...  (procedimento de relevação contabilística esse que foi, aliás e bem, o efectivamente seguido pela Requerente), pelo que, in casu, inexiste erro de relevação contabilística, já que o valor do CMVMC a considerar sempre teria de ser o efectivamente considerado pela Requerente e que, como visto, se cifrou em 1.921.945,86 €.

94.          Assim sendo, está encontrada base legal para se decidir a favor da Requerida.

 

IV.D.2) QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO:

 

95.          Tal como já se deixou antever, julgando-se improcedente o pedido principal quanto à ilegalidade da decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa (n.º ...2020...) apresentada e ainda quanto à ilegalidade parcial do acto de autoliquidação relativo ao exercício de 2018 do grupo sujeito ao RETGS, constante da declaração modelo 22 do grupo com o n.º ...-...-..., espelhada na demostração de liquidação de IRC com o n.º 2019 ..., mais tarde corrigida pela declaração Modelo 22 de substituição do grupo com o n.º ...-...-... e reflectida na demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2020 ..., no montante de 2.541.584,78 €, fica prejudicada, por inútil, a apreciação da questão da não aceitação como devendo influenciar a rubrica inventários do montante de 671.836,00 €.

96.          Ainda assim, circunstanciando, deve ter-se em conta que a  AT, quer na informação que está a ancorar o indeferimento da reclamação graciosa, quer até no ponto 32. da sua resposta, fundamentava tal não aceitação na circunstância de se depreender, da leitura da escritura pública datada de 1.6.2005 e que está junta ao PPA como Doc. n.º 11, que o pagamento daquele valor não era adicional ao valor atribuído, mas sim uma parte desse valor, especificando que o valor do negócio se cifrava em 10.713.468,00 €, em que, desse valor, a Requerente pagou no acto da escritura o montante de 671.836,00 €, mantendo-se o valor global atribuído em 10.713.468,00 €.

97.          Não obstante o tribunal haver decidido que tal questão tinha o conhecimento prejudicado, sempre se dirá, a tal propósito e em aditamento, que o Colectivo não podia concordar com a Requerida.

98.          É que, tal como está expressamente referido na aludida escritura de 1.6.2005, os 33.163 m2 de área de construção foram valorizados a 10.713.468,00 €. A permuta ficou ali condicionada à verificação de quatro condições. A segunda dessas condições empreende a distribuição dos lotes permutados e atribui à Requerente uma área de construção de 35.702,00 m2, mas dada a impossibilidade de se estabelecer uma exacta conversão de 34.480,48 m2 atribuída àquela, apurou-se uma diferença, para mais, de 1.221,48 m2, que foi valorizada, provisoriamente, ao valor unitário de 500,00 m2 (Cfr. pontos L), M) e N) do probatório) e donde resultou um valor adicional ao inicialmente atribuído de 10.713.468,00 € que se cifrou em 671.836,00 € pagos pela Requerente nesse acto.

99.          Inferindo-se daqui e bem ao invés do que defende a Requerida, que os 671.836,00 € são efectivamente valor que acresceu aos 10.713.468,00 €, não colhendo a tese de que tal valor não é valor adicional ao inicialmente atribuído.

100.       Além de que os 671.836,00 €, logo em 2005, influenciaram as contas de inventários, tendo sido adicionados a outros custos (nomeadamente honorários) até ao final do exercício de 2018.

101.       O valor que estava a influenciar contas de inventários e ligado ao imóvel permutado e aqui em causa deveria cifrar-se, por isso, incontornavelmente, em 1.921.945,86 €, que foi, aliás, o CMVMC considerado pela Requerente na autoliquidação que aqui se sindica e que a Requerida não corrigiu.

 

IV.D.2) JUROS INDEMNIZATÓRIOS E RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO

 

102.       Estatui o art.º 43º. N.º 1 da LGT, sob a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”, como segue: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

103.       O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, posição que tem sido acolhida de forma unânime pela jurisprudência.

104.       Porém, dada a improcedência da ação, não se verifica o pressuposto do pagamento indevido de prestação tributária (de IRC) por parte da Requerente, mantendo-se válida a autoliquidação do imposto aqui impugnada, pelo que não se constituiu qualquer obrigação de pagamento de juros indemnizatórios por parte da Requerida. Improcede desta forma o pedido de juros indemnizatórios e, bem assim, o pedido de restituição do imposto.

 

V. DECISÃO:

 

FACE AO EXPOSTO, O TRIBUNAL ARBITRAL COLECTIVO DECIDE:

 

A)           JULGAR A AÇÃO IMPROCEDENTE IN TOTUM, MANTENDO-SE A DECISÃO DE INDEFERIMENTO QUE RECAIU SOBRE A RECLAMAÇÃO GRACIOSA N.º ...2020... E A AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRC REFERENTE AO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2018, NO VALOR DE 2.541.584,78 €;

B)           JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA À RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO PAGO;

C)           JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA AO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

 

VI. VALOR DO PROCESSO:

 

FIXO O VALOR DO PROCESSO EM 2.541.584,78 € EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO ART.º 97.º-A DO CPPT, APLICÁVEL POR REMISSÃO DO ART.º 3º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS NOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA (RCPAT).

 

VII. CUSTAS:

 

FIXO O VALOR DAS CUSTAS EM 32.742,00 €, CALCULADAS EM CONFORMIDADE COM A TABELA I DO REGULAMENTO DE CUSTAS DOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA EM FUNÇÃO DO VALOR DO PEDIDO (SENDO QUE, TAL VALOR FOI O INDICADO PELA REQUERENTE NO PPA E NÃO CONTESTADO PELA REQUERIDA E CORRESPONDE AO VALOR DA AUTOLIQUIDAÇÃO SINDICADA), A CARGO DA REQUERENTE,  NOS TERMOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 12.º, N.º 2 E 22.º, N.º 4 DO RJAT E AINDA ART.º 4.º, N.º 5 DO RCPAT E ART.º 527, NºS 1 E 2 DO CPC, EX VI DO ART.º 29.º, N.º 1, ALÍNEA E) DO RJAT.

 

NOTIFIQUE-SE.

 

10 de Fevereiro de 2022.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

A Árbitro Presidente,

(Alexandra Coelho Martins)

 

O Árbitro Vogal,

(Sofia Jorge Gonçalves Xavier)

 

O Árbitro Vogal e Relator,

(Fernando Marques Simões)