SUMÁRIO:
I. Nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentos de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária;
II. Esta isenção, à semelhança de todas as outras, enquadra-se no conceito de benefício fiscal fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;
III. As SPGS que cinjam a sua atividade à gestão de participações puramente industriais não se encontram abrangidas pela isenção prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, nem aquelas que não preencham os pressupostos para serem qualificadas como companhias financeiras, companhias financeiras de investimento ou companhias financeiras mistas;
IV. Uma SGPS, como as Requerentes não constituem entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exercem nenhuma atividade bancária, nem atuam no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeitas a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade;
V. Não é possível extrair do regime jurídico das SGPS’s; do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) ou da Diretiva n.° 2013/36/UE, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento (UE) n.° 575/2013, que as SGPS's, como as Requerentes, pelo objeto e natureza das participações, integram o conceito de "instituição financeira";
VI. Os encargos decorrentes dos contratos de emissão de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos não cabem no conceito de formalidades conexas, a que se refere o artigo 5.º, n.º2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Rui Rodrigues e Martins Alfaro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
1. A..., SGPS, SA, pessoa coletiva n.º ..., com sede em ..., ...-... Olival Basto, com o capital social de 31 148 563,03 €, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de ... (doravante “Barraqueiro SGPS); B..., SGPS, SA, (anteriormente denominada C..., SGPS, Lda.) pessoa coletiva nº ..., com sede no ..., n.º ...-..., ..., ...-... Lisboa, com o capital social de 7 000 000,00 €, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de ... (doravante “B... SGPS”); e D..., SGPS, LDA. (anteriormente denominada E... – SGPS, Lda.) pessoa coletiva n.º ..., com sede no ..., n.º ...-..., ..., ...-... Lisboa, com o capital social de 6 250 000,00 €, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de ... (doravante “D... SGPS”), doravante designadas conjuntamente por “Requerentes”, vêm, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).
2. O pedido de pronúncia arbitral (ppa), apresentado em 04-08-2021, tem em vista a apreciação da legalidade do indeferimento das reclamações graciosas apresentadas pelos Requerentes, na medida em que desatende o reconhecimento de ilegalidade da autoliquidação de Imposto de Selo efetuado nos termos da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), no montante global de 160.460,56 €, relativo ao período compreendido entre novembro de 2018 e maio de 2019, repercutido nas Requerentes, pedindo a anulação dos atos tributários e o reembolso das quantias pagas, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), e o reenvio prejudicial, caso o Tribunal Arbitral entender necessário.
3. Ao ppa foram juntos 100 documentos, a respetiva procuração forense e o comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem inicial, tendo ainda sido arrolada uma testemunha a inquirir.
4. As Requerentes optaram por não designar árbitros.
5. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 11-08-2021.
6. Em 27-09-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
7. As Partes foram devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de as recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, pelo que o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 18-10-2021.
8. Em 19-10-2021, foi proferido despacho arbitral, em cumprimento do disposto no artigo 17.º do RJAT, notificado à AT para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.
9. Mais foi notificada para, no mesmo prazo, juntar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
10. Em 19-11-2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência, por não provada, do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação, com a consequente absolvição do pedido.
11. Na mesma data juntou o respetivo PA.
12. Tendo as Requerentes arrolado uma testemunha, foi proferido despacho arbitral, em 23-11-2021, determinando a notificação das mesmas, para, no prazo de 10 dias, indicar os factos que pretendem submeter a julgamento e não suscetíveis de prova documental.
13. Em 06-12-2021 as Requerentes informaram os autos da falta de interesse na inquirição da testemunha arrolada.
14. Por a questão ser essencialmente de direito e a prova assumir natureza documental, por despacho de 27-12-2021, foi dispensada a realização da audiência prevista no artigo 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações pelas Partes.
15. No mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até 18-04-2022, devendo até essa data as Requerentes efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
II - SANEAMENTO
1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2. O processo não enferma de nulidades.
3. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
4. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre decidir.
III – MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
1. Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
a) As Requerentes são sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), previstas e regidas pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro (e alterações subsequentes), com sede em Portugal (cfr. certidões permanentes do registo comercial e contratos de sociedade, os quais se dão aqui por reproduzidos - docs. n.ºs 1, 2, 3, 10, 11 e 12 juntos com o ppa);
b) O objeto das Requerentes consiste na gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas, podendo ainda a “A... SGPS”, nos termos e dentro dos limites previstos na legislação aplicável, conceder financiamento às sociedades participadas, cfr. docs. antes referidos e ainda Relatórios de Gestão e Contas dos anos de 2018 e 2019 (docs. 13 a 18);
c) No âmbito das atividades que desenvolvem têm vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito e à prestação de serviço destas entidades na emissão de papel comercial, cfr. diversos contratos celebrados com instituições de crédito, que aqui se dão por reproduzidos, cfr. docs. n.ºs 19 a 38;
d) A “A... SGPS” celebrou os seguintes contratos relevantes para o presente processo arbitral:
Com o F..., SA – Sucursal em Portugal, um contrato de abertura de crédito em conta-corrente, em 24-11-2014 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 19;
Com o G..., AG - Sucursal em Portugal, um contrato de financiamento, em 25-07-2017, cfr. doc. n.º 20;
Com o H..., SA – Sucursal em Portugal, um contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito, em 26-09-2017, cfr. doc. n.º 21;
Com o I... (Portugal), SA, um contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada, em 28-09-2011 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 22;
Com o J..., SA, um contrato de abertura de crédito (contrato ...), em 18-07-2013 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 23;
Com o K..., SA, um contrato de crédito grupado em conta corrente, em 03-02-2020, cfr. doc. n.º 24;
Com a L..., SA, um contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização múltipla, em 02-09-2013 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 25;
Com a M..., CRL, um contrato de crédito em contas correntes com livrança e aval, em 22-09-2014 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 26;
Com o N..., SA, um contrato de abertura de crédito de utilizações a prazo fixo de curta duração “Hot Money”, em 25-06-2007 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 27;
Com a O..., dois contratos de abertura de crédito, em 29-02-2000 e 31-12-2004, e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 28;
Com o H..., SA – Sucursal em Portugal, um contrato de organização, colocação, registo e garantia de subscrição de papel comercial, em 16-12-2016 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 29;
Com o K..., SA, um contrato de organização, colocação, registo e garantia de subscrição de papel comercial, em 08-09-2015 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 30;
Com a O..., um contrato de organização, colocação, registo e garantia de subscrição de papel comercial, em 24-01-2014 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 31;
Juntamente com a “B... SGPS” e a “D... SGPS” celebrou com o P..., SA, um contrato de abertura de crédito em conta corrente (grupado), 12-12-2012 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 32;
e) A “B... SGPS” celebrou os seguintes contratos relevantes para o presente processo arbitral:
Juntamente com a “A... SGPS” e a “D... SGPS” celebrou com o P..., SA, um contrato de abertura de crédito em conta corrente (grupado), 12-12-2012 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 32;
Com o N..., SA, um contrato de abertura de crédito em conta corrente, em 05-11-2013 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 33;
Com o N..., SA, um contrato de mútuo, em 17-04-2017, cfr. doc. n.º 34;
Com o G... AG – Sucursal em Portugal, um contrato de mútuo, em 28-12-2016, cfr. doc. n.º 35;
Com a L..., SA, um contrato de abertura de crédito em conta corrente, em 02-09-2013, e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 36;
Com a O..., um contrato de abertura de crédito em conta corrente, em 30-04-2014, cfr. doc. n.º 37;
Com a O..., um contrato de organização, colocação, registo e tomada firme de emissão de papel comercial, em 16-12-2016, e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 38;
f) A “D... SGPS”, juntamente com a “A... SGPS” e a “B... SGPS” celebraram com o P..., SA, um contrato de abertura de crédito em conta corrente (grupado), 12-12-2012 e respetivos aditamentos, cfr. doc. n.º 32;
g) As instituições de crédito supra referidas (mutuantes) têm sede ou sucursal em Portugal, cfr. certidões permanentes do registo comercial (docs. 50 a 60) e documentos do Banco de Portugal (docs. 39 a 49), que aqui se dão por reproduzidos.
Assim:
F..., SA – Sucursal em Portugal, na modalidade de Banco, tem representação permanente na Rua ..., n.º ..., Lisboa, Portugal e sede na Calle ..., n.º ..., ... Corunha, Espanha, cfr. docs. 50 e 39;
H..., SA – Sucursal em Portugal, na modalidade de Banco, tem representação permanente na Praça ..., n.º ...-..., Lisboa, Portugal e sede no Paseo ..., n.º ..., Madrid, Espanha, cfr. docs. 51 e 40;
I..., SA – Sucursal em Portugal, na modalidade de Banco, tem representação permanente na Avenida ..., n.º ..., Lisboa, Portugal e sede na Plaza ..., n.º ..., Bilbao, Espanha, cfr. docs. 52 e 41:
J..., SA, na modalidade de Banco, tem sede na Praça ..., n.º ..., Porto, Portugal, cfr. docs. 53 e 42;
K..., na modalidade de Banco, tem sede na Rua ..., n.º ..., Porto, Portugal, cfr. docs. 54 e 43;
G..., AG - Sucursal em Portugal, na modalidade de Banco, tem representação permanente na Avenida ..., n.º ...-..., Lisboa, Portugal e sede em ... – ... ..., Áustria, cfr. docs. 55 e 44;
M..., CRL, na modalidade de Caixa Central, tem sede na Rua ..., n.º ...-... ..., Lisboa, Portugal, cfr. docs. 56 e 45;
L..., SA, na modalidade de Banco, tem sede na Avenida ..., n.º ..., Lisboa, Portugal, cfr. docs. 57 e 46;
N..., SA, na modalidade de Banco, tem sede na Avenida ..., n.º ..., Lisboa, Portugal, cfr. docs. 58 e 47;
O..., SA, na modalidade de Caixa Económica, tem sede na Rua ..., n.º ..., Lisboa, Portugal, cfr. docs. 59 e 48; e
P..., SA, na modalidade de Banco, tem sede na Rua ..., n.º ..., Lisboa, Portugal, cfr. docs. 60 e 49;
h) No âmbito dos contratos antes referidos, sendo de destacar os contratos de abertura de crédito, financiamento (mútuo), de conta corrente caucionada, de descoberto bancário e relativos a programas de papel comercial, como referido no artigo 18.º do ppa, foi liquidado pelas instituições mutuantes o respetivo imposto do selo, previsto na verba 17 da TGIS, no montante de 160.460,56 €, referente aos meses de novembro de 2018 a maio de 2019, correspondendo 75.133,99 € a “A..., SGPS, S.A”, 47.926,60 € a “B..., SGPS, S.A” e 37.399,97 € a “D..., SGPS, Lda”, tal como exposto nos quadros seguintes:
Certificação e identificação pelas instituições de crédito das respetivas guias do imposto do selo pelas mesmas liquidado, no montante de 75.133,99 €, repercutido à A..., SGPS, S.A, cfr. doc. n.º 4
Instituição de crédito Data da liquidação Guia do Imposto do Selo (n.º) Natureza do Gasto Valor de Imposto (€)
F…
Extrato
Doc. 64 nov/18 … Utilização de crédito bancário 219,84 €
dez/18 … 701,33 €
jan/19 … 581,07 €
fev/19 … 236,44 €
mar/19 … 5,38 €
abr/19 … 456,30 €
mai/19 … 386,60 €
Subtotal F… 2.586,96 €
H…
Extrato
Doc. 65
nov/18 … Utilização de crédito bancário 1.704,68 €
dez/18 … Papel Comercial 1.853,13 €
dez/18 … Utilização de crédito bancário 1.963,65 €
jan/19 … 1.896,32 €
fev/19 … 1.831,18 €
mar/19 … 1.698,35 €
abr/19 … 1.783,03 €
mai/19 … 1.580,51 €
Subtotal H… 14.310,85 €
I…
Extrato
Doc. 66
nov/18 … Utilização de crédito bancário 124,00 €
dez/18 … 99,90 €
jan/19 … 170,67 €
fev/19 … 86,67 €
mar/19 … 558,00 €
abr/19 … 372,27 €
mai/19 … 40,00 €
Subtotal I… 1.451,51 €
J…
Extrato
Doc. 67
nov/18 … Utilização de crédito bancário € 2.734,43 €
dez/18 … € 3.000,32 €
jan/19 … € 2.450,92 €
fev/19 … € 2.349,55 €
mar/19 … € 2.424,31 €
abr/19 … € 2.507,07 €
mai/19 … € 2.312,27 €
Subtotal J… 17.778,87 €
K…
Extrato
Doc. 68
nov/18 … Utilização de crédito bancário 59,84 €
dez/18 … 53,74 €
dez/18 … Papel Comercial 1.050,00 €
jan/19 … Utilização de crédito bancário 272,96 €
fev/19 … 105,62 €
mar/19 … 70,96 €
mar/19 … Papel Comercial 1.050,00 €
abr/19 … Utilização de crédito bancário 244,57 €
mai/19 … 110,90 €
Subtotal K… 3.018,59 €
G...
Extrato
Doc. 69
nov/18 …
Utilização de crédito bancário € 0,19 €
jan/19 … 16.495,74 €
Subtotal G… 16.495,93 €
M…
Extrato
Doc. 70 nov/18 … Utilização de crédito bancário 46,13 €
dez/18 … 154,25 €
jan/19 … 69,30 €
fev/19 … 48,29 €
mar/19 … 248,21 €
abr/19 … 1.556,62 €
mai/19 … 55,16 €
Subtotal M… 2.177,96 €
L…
Extrato
Doc. 71
nov/18 … Utilização de crédito bancário 704,00 €
dez/18 … 739,03 €
jan/19 … 305,33 €
fev/19 ... 587,00 €
mar/19 … 428,00 €
abr/19 … 2.204,00 €
mai/19 … 3.275,33 €
Subtotal L… 8.242,69 €
N...
Extrato
Doc. 72
nov/18 … Utilização de crédito bancário 66,29 €
dez/18 … 166,49 €
jan/19 … 388,31 €
fev/19 … 208,16 €
mar/19 … 276,15 €
abr/19 … 256,22 €
mai/19 … 88,91 €
Subtotal N… 1.450,53 €
nov/18 … Utilização de crédito bancário 1.023,14 €
O…
Extrato
Doc. 73
dez/18 … - 353,65 €
jan/19 … 533,98 €
fev/19 … 384,14 €
mar/19 … 297,80 €
abr/19 … 363,46 €
mai/19 … 573,04 €
Subtotal O… 2.821,91 €
P…
Extrato
Doc. 74
nov/18 … Utilização de crédito bancário 1.290,64 €
dez/18 … 1,00 €
jan/19 … 12,00 €
fev/19 … 236,45 €
mar/19 … 658,94 €
abr/19 … 423,23 €
mai/19 … 2.175,93 €
Subtotal P… 4.798,19 €
TOTAL 75.133,99 €
Certificação e identificação pelas instituições de crédito das respetivas guias do imposto do selo pelas mesmas liquidado, no montante de 47.926,60 €, repercutido à B..., SGPS, S.A, cfr. doc. n.º 5
Instituição de crédito Data da liquidação Guia do Imposto do Selo (n.º) Natureza do Gasto Valor de Imposto (€)
N...
Extrato
Doc. 75
nov/18 … Utilização de crédito bancário 584,92 €
dez/18 … 1.126,64 €
jan/19 … 847,64 €
fev/19 … 648,45 €
mar/19 … 1.151,14 €
abr/19 … 1.102,15 €
mai/19 … 1.031,20 €
Subtotal N... 6.492,14 €
G...
Extrato
Doc. 76
dez/18 … Utilização de crédito bancário 879,67 €
mar/19 … 435,00 €
Subtotal G… 1.314,67 €
L…
Extrato
Doc. 77
nov/18 … Utilização de crédito bancário 160,00 €
dez/18 … 250,98 €
jan/19 … 270,67 €
fev/19 … 400,00 €
mar/19 … 161,00 €
abr/19 … 172,00 €
mai/19 … 266,67 €
Subtotal L… 1.681,32 €
O…
Extrato
Doc. 78
nov/18 … Utilização de crédito bancário 586,00 €
dez/18 … 240,67 €
dez/18 … Papel Comercial 3.500,00 €
jan/19 … Utilização de crédito bancário 1.065,99 €
fev/19 … 670,41 €
mar/19 … 740,00 €
abr/19 … 1.248,49 €
mai/19 … 414,67 €
Subtotal O… 8.466,23 €
P… nov/18 … Utilização de crédito bancário 4.147,57 €
dez/18 … 2.916,00 €
jan/19 … 3.333,33 €
Extrato
Doc. 79
fev/19 … 5.791,67 €
mar/19 … 3.574,67 €
abr/19 … 4.493,33 €
mai/19 … 5.715,67 €
Subtotal P… 29.972,24 €
TOTAL 47.926,60 €
Certificação e identificação pelas instituições de crédito das respetivas guias do imposto do selo pelas mesmas liquidado, no montante de 37.399,97 €, repercutido à D..., SGPS, Lda, cfr. doc. n.º 6
.
Instituição de crédito Data da liquidação Guia do Imposto do Selo (n.º) Natureza do Gasto Valor de Imposto (€)
P…
Extrato
Doc. 80
nov/18 … Utilização de crédito 7.279,98 €
dez/18 … 4.640,00 €
jan/19 … 5.080,00 €
fev/19 … 4.480,00 €
mar/19 … 4.640,00 €
abr/19 … 5.120,00 €
mai/19 … 6.159,99 €
Subtotal P… 37.399,97 €
TOTAL 37.399,97 €
i) O imposto do selo autoliquidado pelas instituições mutuantes, no montante global de 160.460,56 €, relativo aos contratos supra referenciados e aos meses de novembro de 2018 a maio de 2019, foi integralmente repercutido na esfera das mutuárias Requerentes nos seguintes montantes: “A..., SGPS, S.A.” em 75.133,99 €; “B..., SGPS, S.A” em 47.926,60 €; e “D..., SGPS, Lda” em 37.399,97 €, cfr. certidões detalhadas emitidas pelo respetivo contabilista certificado, em 28-06-2021, e que constituem os docs. n.ºs 61, 62 e 63;
j) Em 18-12-2020, a Requerente “A..., SGPS, S.A.” apresentou reclamação graciosa da autoliquidação do imposto do selo, no montante de 75.712,64 €, posteriormente retificado em 75.133,99 €, efetuada pelas instituições de crédito mutuantes no âmbito dos contratos referidos na alínea d) supra, e repercutido à Requerente, originando o processo n.º ...2020..., cfr. PA;
k) Por carta de 07-04-2021 foi a reclamante, ora Requerente, notificada para, no prazo de 15 dias, exercer, querendo, o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia, previsto no artigo 60.º da LGT, cfr. documento n.º 82;
l) Por carta registada com aviso de receção (RH...PT) de 24-05-2021, foi a reclamante notificada do despacho de indeferimento proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de ..., de 12-05-2021, ao abrigo de subdelegação de competências, cfr. documento n.º 8;
m) Em 18-12-2020, a Requerente “B..., SGPS, S.A.” apresentou reclamação graciosa da autoliquidação do imposto do selo, no montante de 47.955,64 €, posteriormente retificado em 47.926,60 €, efetuada pelas instituições de crédito mutuantes no âmbito dos contratos referidos na alínea e) supra, e repercutido à Requerente, originando o processo n.º ...2020..., cfr. PA;
n) Por carta de 07-04-2021 foi a reclamante, ora Requerente, notificada para, no prazo de 15 dias, exercer, querendo, o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia, previsto no artigo 60.º da LGT, cfr. documento n.º 81;
o) Por carta registada com aviso de receção (RH...PT) de 19-05-2021, foi a reclamante notificada do despacho de indeferimento proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de ..., de 18-05-2021, ao abrigo de subdelegação de competências, cfr. documento n.º 7;
p) Em 18-12-2020, a Requerente “D..., SGPS, Lda” apresentou reclamação graciosa da autoliquidação do imposto do selo, no montante de 37.399,97 €, efetuada pelas instituições de crédito mutuantes no âmbito dos contratos referidos na alínea f) supra, e repercutido à Requerente, originando o processo n.º ...2021..., cfr. PA;
q) Por carta de 06-05-2021 foi a reclamante, ora Requerente, notificada para, no prazo de 15 dias, exercer, querendo, o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia, previsto no artigo 60.º da LGT, cfr. documento n.º 83;
r) Por carta registada com aviso de receção de 18-06-2021, foi a reclamante notificada do despacho de indeferimento proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de ..., de 17-06-2021, ao abrigo de subdelegação de competências, cfr. documento n.º 9;
s) Os despachos que indeferiram as reclamações graciosas foram proferidos com suporte na seguinte informação constante dos respetivos processos, instaurados em nome da “A... SGPS, SA” bem como no dos restantes Requerentes:
“V - ANÁLISE DO PEDIDO
A empresa A... SGPS SA é uma sociedade anónima, com sede no ... - ...-... Olival Basto, que está coletada em sede de IRC e de IVA desde 01-01-1993 e 15-01-1993, respetivamente, pelo exercício da atividade de: - CAE Principal 64202- “ACT. SOC. GESTORAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS NÃO FINANCEIRAS”.
A reclamante entende que, na qualidade de SGPS e titular do encargo do imposto, configura um tipo “particular de instituição financeira” preenchendo, por esse motivo, o conceito de “Instituições de crédito” previsto na legislação comunitária, considerando como demonstrado que:
1- A definição de “instituição financeira” prevista na legislação comunitária abrange uma empresa cuja atividade principal é a aquisição de participações;
2- As SGPS, tal como definidas em Portugal no âmbito do RJSGPS, têm por objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades, enquadrando-se esse tipo societário na noção de instituição que tem como atividade principal a aquisição de participações, pelo que:
3- Encontram-se reunidas as condições para que as operações sub judice beneficiem da isenção prevista na alínea e) do nº 1 do art.7º do CIS.
Ora, como é entendimento da AT nesta matéria, cumpre-nos informar o seguinte:
Dispõe a alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS que estão isentos de imposto de selo “os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”.
De onde, para o que aqui nos interessa, a norma de isenção exige que a sua aplicação dependa da natureza jurídica que é reconhecida na legislação comunitária ao sujeito sobre quem incide o encargo do imposto que, neste caso, é a reclamante.
Começa a requerente por invocar a Diretiva n.º 2013/36 e o Regulamento (UE) n.º 575/2013 para concluir que uma “instituição financeira” é, entre outros, uma empresa cuja atividade principal consista na aquisição de participações o que, tendo em atenção a atividade e o objeto das sociedades gestoras de participações sociais – como é o caso – resulta evidente que estas empresas deverão ser consideradas como “instituições financeiras” para efeito da Diretiva.
Contudo, contrariamente ao alegado, consideramos que da conjugação do ponto 22) do n.º 1 do art. 3.º da Diretiva n.º 2013/36 com o ponto 26) do n.º 1 do art. 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013 que, por uma questão de clareza de seguida se transcreve:
“Instituição financeira”: uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/EU, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno e uma sociedade de gestão de ativos mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º n.º1 ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.
Não se extrai da definição de “instituição financeira” nele contida que as SGPS integrem o conceito fornecido pela legislação comunitária.
Com efeito, não é pelo facto de o legislador comunitário ter delimitado negativamente a definição de “instituição financeira” dele excluindo expressamente as instituições que não sejam instituições de crédito ou empresas de investimento e as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do art. 212.º n.º 1 ponto g) da Diretiva 2009/138/CE” que se pode concluir que esta definição, conjugada com o RJSGPS, as SGPS cabem no conceito de “instituição financeira” previsto no Regulamento (UE) n.º 575/2013.
A Diretiva visou harmonizar no espaço europeu o acesso à atividade das instituições de crédito e a supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, constituindo, em conjunto com o uniformizador Regulamento (UE) n.º 575/2013, o enquadramento legal que rege as atividades bancárias, o quadro de supervisão, as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento e a uniformização dos requisitos prudenciais gerais aplicáveis às “instituições” sujeitas à Diretiva que estão estritamente relacionados com o mercado bancário e de serviços financeiros.
Ora, a reclamante não é uma entidade financeira, não exerce nenhuma atividade bancária, nem tão-pouco atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros não estando, por isso, sujeita a autorização, registo ou supervisão de qualquer Banco Central, para exercício da sua atividade.
Com efeito, a reclamante é uma SGPS que, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 1.º do RJSGPS, se qualifica como holding de direção, cuja atuação no mercado não se reconduz à realização de investimentos financeiros nem, por outro lado, ao exercício direto de uma atividade económica, ou seja, a gestão de participações sociais é uma forma indireta de exercício de atividades económicas.
Ora, só as SGPS que, através da “gestão de participações sociais” exerçam de forma indireta uma atividade típica de uma instituição de crédito ou sociedade financeira, é que podem ficar abrangidas pelo conceito de “instituição financeira” previsto no ponto 22) do n.º1 do art. 3.º da Diretiva n.º 2013/36 conjugado com o ponto 26) do n.º 1 do art. 4.º do Regulamento n.º 575/2013.
Dito isto, a comprovação de que a reclamante não é uma “instituição financeira” pode obter-se pela simples verificação de que não se encontra sob a supervisão de nenhum Banco Central, nomeadamente o Banco de Portugal.
No que respeita às orientações administrativas referidas sob a isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS, cumpre relembrar que elas foram proferidas a propósito de situações concretas e especificas que nada tem a ver com o caso sub judice pois no parecer 25/2013 do CEF estavam em causa SCR e FCR e a sua qualificação como instituições financeiras e a informação vinculativa n.º 11733 debruçou-se sobre organismos de investimento coletivo (OIC).
Ademais, se entendêssemos, como defende a reclamante, que uma SGPS, por via do seu objeto social, configura, por si só, uma “instituição financeira”, nos termos e para os efeitos da aplicação da isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS, mais do que a fazer uma interpretação extensiva de normas que consagram benefícios fiscais estaríamos a fazer uma interpretação analógica das mesmas, violando os mais elementares preceitos legais e constitucionais que estabelecem a sua proibição.
Pelo que, somos a concluir que a SGPS, ora reclamante, não se qualifica, face à legislação comunitária referida, como uma “instituição financeira”, não preenchendo, por esse motivo, o pressuposto subjetivo da isenção previsto na alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.
VI – PROPOSTA DE DECISÃO
Face ao acima exposto e, salvo melhor entendimento, propõe-se o INDEFERIMENTO da presente reclamação graciosa, de acordo com os fundamentos supra descritos.
À consideração superior”.
t) Em 04-08-2021, as Requerentes apresentaram o pedido de constituição de tribunal arbitral, que deu origem ao presente processo.
2. Factos dados como não provados
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
3. Motivação da matéria de facto
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental, junta aos autos pelas Requerentes, bem como a constante do PA.
IV- DO DIREITO
1. Quanto às alegadas ilegalidades
A questão central que se discute, nos presentes autos, incide sobre a alegada ilegalidade das autoliquidações de IS sobre operações de crédito e encargos com a emissão de papel comercial cobradas pelas instituições bancárias supra referidas, realizadas entre novembro de 2018 e maio de 2019, no montante total de 160 460,56 €, e legalmente repercutidas às Requerentes, por violação do artigo 1.º, n.º 1 do CIS conjugado com a Tabela Geral de Imposto do Selo e, bem assim, por violação do direito comunitário, mais concretamente do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro 2008.
Em suma, de acordo com as Requerentes, os referidos atos serão ilegais, designadamente, por violação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS.
A questão de mérito que está em causa gira em torno de saber se as Requerentes, na qualidade de sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e contraparte nas operações de concessão de crédito e de cobrança de juros e comissões integram, ou não, o elemento subjetivo da norma de isenção, prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, onde cabem, no que aqui tem relevo, “sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchem os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.
A fundamentar o pedido alegam as Requerentes como causa de pedir:
A. Ilegalidade por violação do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008 (em conexão com o artigo 1.º, n.º 1, do CIS conjugado com a Tabela Geral do IS);
B. Ilegalidade por violação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo; e
C. Ilegalidade por alegado comportamento arbitrário da Requerida.
Vejamos.
A. Quanto à ilegalidade por violação do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008 (em conexão com o artigo 1.º, n.º 1, do CIS conjugado com a Tabela Geral do IS).
A este propósito alegam as Requerentes que o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE incorpora também a proibição de sujeição a Imposto do Selo dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos (instituições que detêm o exclusivo legal da tomada firme e colocação das emissões) na vigência dos referidos contratos, por revestirem a natureza de “formalidades conexas” com estes mesmos contratos.
O referido preceito, sob a epígrafe “ Operações não sujeitas a impostos indiretos”, tem o seguinte conteúdo:
«2. Os Estados Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto:
b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.»
Defendem as Requerentes que a expressão “formalidades conexas” deve ser interpretada em sentido amplo de modo a abranger inclusivamente as comissões pagas pelas Requerentes às instituições de crédito com as quais celebraram contratos com vista à emissão de papel comercial junto de investidores, incluindo a clientes aos seus balcões.
Realce-se, assim, repete-se, que não está em causa a autoliquidação do imposto do selo sobre quaisquer operações que tenham por objeto operações com títulos de dívida decorrentes de emissão de papel comercial, mas sim sobre “comissões bancárias” associadas aos empréstimos obrigacionistas e aos programas de papel comercial contratados pelas Requerentes com instituições de crédito.
Posto isto, verifica-se que esta questão foi decidida, em sentido contrário ao propugnado pelas Requerentes, nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 586/2019-T e 2/2020-T. Por não terem sido invocadas razões para divergir da jurisprudência fixada nas referidas decisões arbitrais, passamos a segui-las de muito perto.
Na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 586/2019-T, pode ler-se, entre o mais:
“É unanimemente aceite, pela doutrina e jurisprudência, que a emissão de obrigações e, bem assim, de papel comercial, não está sujeita a Imposto do Selo, na medida em que a verba 17.1 da TGIS não tributa estas operações. Esta realidade constitui uma decorrência da Directiva 2008/7/CE. Através desta, o legislador europeu pretendeu, de forma clara e inequívoca, colocar em pé de igualdade todos os operadores que recorram a mercados primários para a obtenção de financiamento.
“Tal resulta, entre outros, do segundo e terceiro considerandos da Directiva, que explicam aquele objectivo da seguinte forma:
“(2) Os impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente o imposto sobre as entradas de capital (imposto que incide sobre as entradas de capital nas sociedades), o imposto de selo sobre os títulos, e o imposto sobre as operações de reestruturação, independentemente de essas operações envolverem ou não um aumento de capital, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais. O mesmo se aplica a outros impostos indirectos com características idênticas às do imposto sobre as entradas de capital e do imposto de selo sobre os títulos.
(3) Consequentemente, é do interesse do mercado interno harmonizar a legislação relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais para eliminar, tanto quanto possível, factores susceptíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais.”
“Partindo da função auxiliar interpretativa desempenhada pelos considerandos enunciados, compreende-se o dispositivo no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE, quando determina o seguinte:
"2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:
(...)
b. Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis."
“Dito de outra forma, a Directiva dispõe que os Estados-membros não possam tributar através de impostos indirectos, nomeadamente em sede de imposto de selo, inter alia, operações de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis.
“A Directiva não identifica os sujeitos passivos que estão abrangidos por essa exigência de não-incidência de tributação indirecta. Nem podia ser dessa forma.
“Na verdade, a Directiva 2008/7/CE determina que os Estados-membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto, entre outras, a emissão de papel comercial, independentemente de quem os emitiu.
“Com efeito, é sabido que a emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, como papel comercial, pode ser realizada por diversas entidades.
“Em Portugal, a possibilidade de uma sociedade comercial proceder à emissão de obrigações encontra-se prevista no quadro do artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais, (…)” permitindo-se “concluir ser legítimo, a qualquer sociedade comercial, recorrer à emissão de obrigações ou papel comercial como forma de financiamento, não estando estas operações sujeitas a imposto de selo, como resulta – de forma clara e inequívoca, reitere-se - quer da Diretiva, quer da Tabela Geral de Imposto de selo (atendendo à não incidência).”
Face ao exposto, as Requerentes não se encontravam – nem se encontram - impedidas de proceder diretamente à emissão de papel comercial beneficiando, nesse caso, da não-tributação em sede de imposto do selo.
Como se pode ler na Decisão Arbitral, que estamos a seguir, “Reitere-se que tal resulta, de forma clara e inequívoca, do disposto no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE quando determina que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto os empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis “(…) independentemente de quem os emitiu (…)” (sublinhado nosso).
“Caso a Requerente optasse por proceder directamente à emissão de obrigações beneficiaria da isenção não apenas sobre a emissão, stricto sensu, mas igualmente sobre as formalidades conexas como, verbi gratia, o registo da emissão no livro de registo; o registo dos titulares das obrigações; eventuais autenticações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão pela sociedade.
“A parte final do artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE corrobora, aliás, este entendimento quando se refere à admissão à cotação em bolsa da emissão ou à colocação em circulação da emissão no mercado primário ou secundário, por exemplo através da colocação junto do público (que pode ser mais ou menos restrita).
“Em sentido idêntico, o TJUE pronunciou-se, no supra-citado acórdão “Air Berlin” (processo C-573/16). Atente-se, a este propósito, na seguinte conclusão então proferida: “o artigo 5.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações.”[1]
“Aqui chegados, verifica-se que, nos presentes autos, a factualidade subjacente é ligeiramente distinta da que se resulta da aplicação da Directiva 2008/7/CE ou do acórdão “Air Berlin”.
“No caso em análise, a Requerente solicitou os serviços de intermediação financeira de instituições de crédito – Bancos – para procederem à emissão de papel comercial.
“Neste contexto, a Requerente alega não estarem sujeitos a Imposto do Selo os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos na vigência dos referidos contratos.
“Aqui, deve começar por se reiterar que a Requerente optou por não proceder directamente à emissão de obrigações ou papel comercial – apesar de o Código das Sociedades Comerciais o permitir – tendo contratado, para o efeito, os serviços de intermediação financeira prestados por bancos.
“Não estava obrigada a fazê-lo em face da realização de operações de emissão de papel comercial, não podendo aqui ser invocado o princípio da exclusividade das instituições de crédito e sociedades financeiras.“Este princípio, previsto nos artigos 4.º, n.º1, alínea f) e 8.º, n.º 2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) refere-se ao exercício, a título profissional, entre outras atividades, das instituições de crédito e sociedades financeiras nas “participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos”.
“No entanto não exige que uma sociedade comercial contrate os serviços de uma instituição de crédito ou sociedade financeira para a emissão de obrigações por parte dessa mesma sociedade.” São questões completamente distintas.
“Em síntese, a Requerente não estava vinculada a contratar uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira em ordem a proceder à emissão de papel comercial.
“Não pode, por isso, considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 2008/7/CE.
“Estão em causa realidades distintas.
“No caso da Directiva 2008/7/CE proíbe-se a sujeição, a qualquer forma de imposto indirecto, dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis independentemente de quem os emitiu. Ora as emissões de papel comercial sub judice não foram tributadas em imposto de selo.
“Por outro lado, os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos, são tributados em sede de imposto de selo (cfr., v.g., verbas 17 e 17.3.3. da Tabela Geral de Imposto de Selo).”
Por sua vez, na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 2/2020-T, com interesse para o caso em análise, pode ler-se:
“A Diretiva visa criar um level playng field em toda a União, facilitando a livre circulação de capitais e favorecendo a concorrência em todo o espaço europeu, permitindo a reestruturação de empresas e seu desenvolvimento ou reagrupamento, liberando sobretudo operações que se traduzam em entradas de capital social (cfr. arts. 1º, 3º a 5º da Diretiva).
No que respeita aos empréstimos, estatui-se também que os Estados-membros “não devem sujeitar sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indireto sobre: (…) b) os empréstimos (…) contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa (…)” – artigo 5º, nºs 1 e 2, alínea b) da Diretiva.
Prosseguindo estas finalidades, e no que respeita às emissões obrigacionistas o legislador da União i) visa obviar a impostos indiretos sobre o capital mutuado, i.e. sobre o montante do empréstimo “contraído sob a forma de emissão de obrigações”; ii) sobre todas as formalidades conexas à emissão de obrigações, vg a realização de assembleias gerais societárias, as escrituras e demais atos notariais, os registos e as publicações obrigatórias; iii) sobre “a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa”. Valem aqui, mutatis mutandis, os argumentos já expendidos quanto ao âmbito de aplicação da isenção: abrange os atos e garantias, legalmente previstas e, como tal, inerentes a uma relação de emissão e de subscrição de valores mobiliários, e não quaisquer obrigações creditícias voluntariamente assumidas vg pela emitente com terceiros contratados pela sociedade emitente.”
Transpondo esta jurisprudência para o caso em análise a expressão “formalidades conexas” não pode entender-se com o sentido amplo pretendido pelas Requerentes, mas sim no sentido de abranger apenas as formalidades que fazem parte do procedimento da operação em causa, ou seja, aquelas formalidades previstas na lei como um trâmite, entre outros, característicos do mesmo. Nesse sentido vai, aliás, o sentido imediato e literal do artigo 5.º, n.º 2, alínea c) da Directiva 2008/7/CE.
Mas mesmo que assim não fosse impunha-se proceder a uma interpretação do preceito em conformidade com a Constituição da República Portuguesa. Com efeito, admitindo a lei às Requerentes procederem por si próprias à emissão de papel comercial, mas tendo estas optado por cometer esse serviço a um terceiro (instituição de crédito), que lhes cobra comissões pela prestação desse serviço financeiro, seria deixar a aplicação da isenção fiscal na disponibilidade das partes, com violação dos princípios da legalidade e da tipicidade dos impostos. A este propósito pode ler-se o que ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 2/2020-T:
“O artigo 103.º, n.º 2, da CRP diz-nos que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” Cabe desta forma à AR estabelecer a disciplina dos elementos essenciais dos impostos, sendo que destes se destaca, para o caso em apreço, desde logo, a incidência, quer subjetiva (cabendo à AR determinar quem deve pagar imposto), quer a objetiva (determinação sobre que matéria há-de incidir o imposto), bem como os benefícios fiscais. Ora, em relação a estes últimos, a doutrina converge que “Qualquer que seja a particular forma que assumam, (…), os benefícios fiscais caracterizam-se por determinarem um desagravamento da carga fiscal sobre determinados contribuintes em homenagem a razões de ordem extrafiscal. Assim, a criação de benefícios fiscais não apenas tende a suscitar questões delicadas de segurança jurídica e de tutela da expetactiva dos contribuintes como acarreta sempre uma redistribuição da carga tributária global, aliviando os respectivos beneficiários para em contrapartida sobrecarregar os demais contribuintes." Nas palavras de Saldanha Sanches, as normas que estabelecem benefícios fiscais compreendem “uma decisão sobre distribuição dos encargos tributários, aumentando a tributação dos contribuintes não isentos”. Também o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 188/2003, de 8.4.2003) conclui “que as isenções tributárias, traduzindo uma excepção à regra geral da incidência dos impostos, introduzem nestes um elemento de desigualdade e de privilégio que exige que elas sejam justificadas por um motivo ou interesse público “relevante”, capaz de lhes dar fundamento” (Cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2011, Almedina, Coimbra, p. 283ss. e notas 455 da página 285 e 499, da página 311, respetivamente. Mais recentemente, do mesmo Autor, Manual de Direito Fiscal, Reimpressão, 2015).
“Também na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 37/2020-T, como melhor será analisado mais adiante, se pode ler, entre o mais, que “Não obstante afastarem as normas de incidência, os benefícios fiscais também estão submetidos à reserva de lei, por via do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (…)
“Importa, ainda, recordar que o princípio da legalidade tributária assenta não apenas na exigência formal de reserva de lei parlamentar em matéria fiscal mas também na exigência de tipicidade ou determinabilidade da lei de imposto, na sua expressão material, sem deixar espaço, através do uso de formulações abertas, para a sua concretização casuística da administração e, muito menos, dos particulares através da possibilidade da sua utilização facultativa ainda que com base num contrato.”
Em suma, a interpretação que se adota não viola o direito da União, uma vez que se a operação de emissão de papel comercial fosse levado a cabo pelas Requerentes, tal como permitido pela lei, essas operações não estariam sujeitas a imposto do selo, cumprindo-se desta forma as finalidades da garantia da liberdade de circulação de capitais que a Diretiva 2008/7/CE visa prosseguir.
Pelo contrário, a seguir-se a orientação das Requerentes, impunha-se uma interpretação em conformidade com a CRP, sob pena de violação do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, como acima ficou demonstrado.
Finalmente, quanto ao pedido subsidiário de reenvio prejudicial, a obrigatoriedade de efetuar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional, que tem de proferir a decisão, fizer sobre a sua necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE: “Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça” (Acórdão de 10 de julho de 2018, Jehovan Todistajat, C-25/17, n.º 31 e jurisprudência referida; Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, n.º 42; Acórdão de 02-10-2018 processo C-207/16, n.º 45; Acórdão de 28-11-2018, processo C-295/17, n.º 33).
Ora, ficou demonstrado, pela jurisprudência supra mencionada, incluindo do TJUE, que não subsistem dúvidas quanto à desnecessidade do reenvio, termos em que se indefere o requerimento de reenvio prejudicial.
B.1 Ilegalidade por violação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo
A interpretação dada pelas Requerentes vai no sentido de que, enquanto sociedades gestoras de participações sociais, subsumem-se como uma instituição financeira ao abrigo da legislação europeia e enquadram-se, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013.
Em sentido diverso, a Requerida considera que as Requerentes não se subsumem no conceito de entidades financeiras ou instituições financeiras pelo que não podem beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS relativo às operações de financiamento, juros e comissões sub judice.
Como vimos, está em causa apreciar a ilegalidade do indeferimento das reclamações graciosas supra identificadas, quer as autoliquidações de Imposto do Selo no montante total de 160.460,56 €, repercutido nas Requerentes, ora impugnantes, relativas a operações de crédito e de emissão de papel comercial com as instituições de crédito supra identificadas nos meses de novembro de 2018 a maio de 2019, por vício material de violação de lei.
Em suma, de acordo com a Requerente, os referidos atos serão ilegais, designadamente, por violação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS.
A questão de mérito que está em causa gira em torno de saber se as Requerentes, na qualidade de sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e contraparte nas operações de concessão de crédito e de cobrança de juros e comissões integra, ou não, o elemento subjetivo da norma de isenção, prevista no artigo 7.º, n.º1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, onde cabem, no que aqui tem relevo, “sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchem os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.
Assim recortada a questão verifica-se que a mesma já foi objeto de decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 37/2020-T, 559/2020-T, 79/2021-T e 170/2021-T, cuja jurisprudência, por continuar a merecer o nosso acolhimento, passamos a seguir muito de perto.
A alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, já identificado, visa isentar as operações financeiras strictu sensu promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira entre instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.
Estão em causa situações contempladas na verba 17 da Tabela Geral de IS, conforme decorre do n.º 1 do artigo 1.º do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadoras do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia (UE) ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado.
A questão do sentido e alcance deste preceito ficou tratada na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T, em termos tais que, por continuarem a merecer a nossa adesão, passamos a transcrever:
“Em linha com a jurisprudência afirmada no processo n.º 348/2016-T, do CAAD, pode concluir-se que a alínea e), do n.° 1, do artigo 7.° do CIS divide-se em duas partes, com a subdivisão de uma delas:
a. uma primeira, de natureza objetiva, onde se enunciam taxativamente "os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido";
b. a segunda, de natureza subjetiva, que se subdivide em duas secções:
a. "instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras";
b. “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças";
O n.° 7 do artigo 7.° do CIS dispõe ainda que a isenção prevista na alínea e) do n.° 1 "apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”
Assim, nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, nas seguintes operações:
- utilização do crédito concedido;
- garantia prestada na concessão do crédito;
- juros cobrados pela concessão do crédito;
- comissões cobradas "diretamente destinadas" à concessão do crédito.
Da leitura das disposições ficamos a compreender que esta isenção, à semelhança de todas as outras, tem uma delimitação fechada. Por este modo, os benefícios fiscais como tal, saem da indisponibilidade própria do quadro normativo tributário e entram no campo da disponibilidade, fora daquilo que constitui o núcleo essencial da tributação.
Não obstante afastarem as normas de incidência, os benefícios fiscais também estão submetidos à reserva de lei, por via do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade os motivos que justificam a integração dos benefícios fiscais no âmbito da exigência constitucional de reserva de lei, apesar do seu carácter desonerador, tem que ver com a excecionalidade que caracteriza os benefícios fiscais[2], mas também com a necessidade de uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, quando se discriminam positivamente contribuintes, sem perder de vista o princípio da coerência sistemática que necessariamente rege o sistema fiscal.
Ademais, esta excecionalidade evidenciada resulta de uma opção política de fundo centrada no incentivo individual, de natureza económica, social e cultural, do comportamento dos sujeitos passivos.
Em concreto, no caso sub judice, e não obstante a inexistência de uma norma geral de incidência, percebe-se que o selo visa tributar manifestações da capacidade contributiva. Deste modo, a extrafiscalidade associada aos benefícios fiscais deste imposto derroga necessariamente aquela capacidade contributiva identificada. É de assinalar, nesse sentido, que os benefícios fiscais no imposto do selo inserem-se em dois grupos:
a. o primeiro que chamamos benefícios fiscais acessórios, e que por razões de uniformidade tributária, associa a extrafiscalidade dos benefícios criados, à extrafiscalidade criada para outros impostos estaduais, como sejam o IRC e IRS.
Esta extrafiscalidade por associação não retira o valor atribuído nos outros tributos. Apenas uniformiza o tratamento dos sujeitos passivos ou contribuintes, cujo comportamento é desagravado por razões extrafiscais. Isto vem demonstrar que não é o carácter eclético do legislador no imposto do selo que impede uma determinada uniformidade no tratamento das matérias que merecem relevância extrafiscal, dado o acolhimento constitucional devido, que legitima a cedência da capacidade contributiva.
b. o segundo grupo, que abrange os benefícios fiscais exclusivos do imposto. Estes são, porém em menor número, e visam objetivos muitos concretos.
São de apontar dois exemplos: o dos benefícios respeitantes aos contratos de futuros e opções (previstos no artº 7º/1, alíneas c) e d) do CIS e os respeitantes aos contratos de reporte de valores mobiliários realizados em bolsa (previstos no artigo artº 7º/1, alínea m) do CIS). Estão aqui em causa, como legitimadores da derrogação à capacidade contributiva, os artigos 61.º e 87.º, ambos da CRP. O legislador cria, assim, condições para propiciar à celebração de determinados contratos relativos a valores mobiliários, pela remoção de barreiras, tendo em vista o financiamento de entidades públicas e privadas, atraindo o investimento interno e externo, potenciando os interesses dos adquirentes.
Com relevância para o caso concreto, o núcleo essencial do imposto, no que respeita às operações financeiras identificadas na verba 17 da Tabela Geral, é desta forma recortado pelo artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do mesmo CIS, derrogando a igualdade, pelo revestimento de um benefício ao investimento e à desoneração do crédito. E esse recorte do núcleo essencial, pelo referido benefício, determina que os elementos objetivos e subjetivos nele constantes não possam sofrer qualquer ampliação ou derrogação para além do previsto.
Por isso, desde logo, nos parece que encontrar argumentos que extravasem esta delimitação fechada de um benefício fiscal exclusivo do IS serão abusivos e desprovidos de qualquer fundamento”.
B.2 Quanto a saber se a Requerente preenche o requisito subjetivo previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS
Nesta sede, a questão central gira em torno de averiguar se as Requerentes, pelo simples facto de terem como objeto social a gestão de participações sociais, cabe na definição de instituição financeira, cujo conceito é delimitado por remissão para os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013.
Esta questão também já foi analisada, primeiro, na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 856/2019-T e, posteriormente, de forma mais desenvolvida, nos processos n.ºs 37/2020-T, 559/2020-T, 79/2001-T e 170/2021-T, que passamos a reproduzir, para os devidos e legais efeitos:
“Na lei portuguesa não encontramos uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/12, de 31/12, a proceder à enumeração de entidades que qualifica casuisticamente como “Instituições de crédito” (artigo 3.º), “Empresas de investimento” (artigo 4.º-A) e “Sociedades financeiras” (artigo 6.º), e, no artigo 6.º n.º1, alínea b) refere que são instituições financeiras as referidas nas subalíneas ii) e iv da alínea z) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem: i)As sociedades financeiras de crédito; ii) As sociedades de investimento; iii) As sociedades de locação financeira; iv) As sociedades de factoring; v) As sociedades de garantia mútua; vi) As sociedades gestoras de fundos de investimento; vii) As sociedades de desenvolvimento regional; viii) As agências de câmbio; ix) As sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos; x) As sociedades financeiras de microcrédito.”
“Esta opção do legislador nacional vai, aliás, no mesmo sentido do Direito das União.
Nos termos e para os efeitos do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”(artigo 4.º, n.º 1, ponto 26): “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE[3], incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE.”
1. No ponto 27) do artigo 4.º Regulamento (UE) n.º 575/2013, uma “Entidade do setor financeiro” compreende:
a. Uma instituição;
b. Uma instituição financeira;
c. Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição;
d. Uma empresa de seguros;
e. Uma empresa de seguros de um país terceiro;
f. Uma empresa de resseguros;
g. Uma empresa de resseguros de um país terceiro;
h. Uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros;
i. (…)”.
Do legislador da União retira-se que uma instituição financeira é uma empresa que não seja uma “instituição” (ou seja, uma instituição de crédito ou empresa de investimento – artigo 4.º, n.º1, 3), e cuja atividade principal seja a gestão de participações sociais em empresas que desenvolvam atividades no setor bancário e financeiro (as atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE).[4]
Elemento não menos importante reside no facto de tais entidades ficarem sujeitas ao regime jurídico desta Diretiva e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, a seguir tão só “Regulamento”.
Com efeito, o que o intérprete não pode deixar de ter em vista, na interpretação de qualquer conceito ou definição, é o objeto dos diplomas mencionados. Ora, o “Regulamento” é muito claro ao estatuir que o mesmo visa estabelecer” regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais que as instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Diretiva 2014/36/UE cumprem…(…)” (artigo 1.º do “Regulamento), bem como a estabelecer que “Para efeitos do cumprimento do presente regulamento, as autoridades competentes dispõem dos poderes e respeitam os procedimentos estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.”
Por sua vez, no Considerando (5) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, podemos ler:
“Conjuntamente, o presente regulamento e a Diretiva 2013/36/UE deverão constituir o enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento (a seguir conjuntamente designadas por “instituições”). Por conseguinte, o presente regulamento deverá ser interpretado em conjunto com a referida diretiva.”
Por sua vez, no Considerando (6), lê-se:
“A Diretiva 2013/36/UE, baseada no artigo 53.º, n.º 1, do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE), deverá, nomeadamente, conter as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, tais como as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, aos poderes das autoridades competentes do Estados-Membros de origem e de acolhimento nesta matéria e as disposições que regem o capital inicial e a supervisão das instituições.”
Destaca-se, ainda, o Considerando (7) que refere:”
“O presente regulamento deverá, nomeadamente, conter os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionadas com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes. O presente regulamento visa contribuir de forma determinada para o bom funcionamento do mercado interno (…)”.
“Mais impressivo são, ainda, como vimos, os preceitos referentes ao estabelecimento de regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais, bem como os poderes de supervisão estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.
“Do exposto resulta que as entidades abrangidas pelos diplomas comunitários mencionados se encontram sujeitas a um regime especial, com vista a garantir, atenta a natureza da sua atividade, com potencial gerador de risco sistémico, a estabilidade financeira do mercado bancário e dos mercados dos serviços financeiros, assim como proteger os investidores e depositantes.” (…)”. Daí que essa atividade se encontre reservada às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal, no quadro do regime do Mecanismo Único de Supervisão – cfr. Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho de 15 de outubro de 2013, que confere ao Banco Central Europeu (BCE) atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito e Regulamento (UE) n.º 468/2014 do Banco Central Europeu de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS).
“Significa isto que o exercício desta atividade é apenas permitido a entidades que foram objeto de um processo de autorização ou habilitação (este, no caso de instituições financeiras autorizadas noutros Estados Membros da União Europeia), realizado junto do Banco de Portugal, no quadro do MUS. No âmbito deste processo, é assegurada a observância de uma série de requisitos que asseguram a solvabilidade e a capacidade da entidade e dos membros dos principais órgãos sociais para prosseguirem a atividade financeira. Neste quadro, o RGICSF prevê que o exercício de atividade financeira por entidade não autorizada ou habilitada pode constituir crime, sendo uma contraordenação grave, punível, entre outras sanções, com coima, de acordo com aquele regime”.
Ora, no quadro exposto, não oferece dúvidas que, se tivermos por referência os sujeitos passivos mutuantes em causa (os referidos na alínea g) da matéria de facto dada como provada), os mesmos preenchem o conceito de instituição financeira, sendo que, no caso das instituições de crédito portuguesas, são qualificadas como bancos. Conforme resulta da alínea w) do artigo 2.º-A e artigo 4.º, ambos do RGICSF, são definidas como instituições de crédito, os bancos, as caixas económicas, a M... e as caixas de crédito agrícola mútuo, as instituições financeiras de crédito, as instituições de crédito hipotecário e outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior, como tal sejam qualificadas pela lei.
Diferentemente se passam as coisas em relação às Requerentes, uma vez que, além de não constarem do elenco estabelecido no artigo 4.º, n.º 1, ponto 27) do Regulamento n.º 575/2013, não cabem no conceito de instituição financeira previsto no artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), nem desenvolvem quaisquer atividades das enumeradas no anexo I, pontos 2 a 15 da Diretiva 2013/36/UE, que relevem do sector bancário ou financeiro, que compreende, além do bancário, os setores dos seguros e dos valores mobiliários.
Acresce que estão sujeitas a um regime jurídico completamente diferente das entidades mutuantes. Com efeito, as Requerentes, como fixado na alínea a) da matéria de facto dada como provada, são sociedades gestoras de participações sociais, nos termos do Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS), previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro (com as alterações subsequentes). Em concreto, no caso das Requerentes, a sua atividade tem como objeto “a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta de atividade económica”, a qual se traduz no CAE principal 64202 – “Atividades das sociedades gestoras de participações sociais não financeiras” (cfr. Documentos n.os 1, 2 e 3 (certidões permanentes do registo comercial) e 10, 11 e 12 (contratos de sociedade) juntos com o ppa. Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 1.º do Regime Jurídico das SGPS, estas "têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas", não se referindo a qualquer atividade bancária e financeira que as qualifique como instituições financeiras.
Quanto à forma de constituição das SGPS, refira-se que não há dependência de qualquer autorização prévia, embora se estabeleça o dever de comunicação, enquanto a forma de fiscalização fica limitada à verificação da manutenção dos requisitos que a lei exige para a definição do seu tipo e para a atribuição dos benefícios de natureza fiscal, sendo a Inspeção-Geral de Finanças, a entidade a quem compete a supervisão das SGPS, nos termos dos artigos 9.º e 10.º do Regime Jurídico das SGPS.
Assim, a criação das SGPS não obedece às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é, na sequência do Direito Europeu mencionado, que o RGICSF estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.
No quadro exposto, impõe-se concluir que, para aplicação da isenção em sentido subjetivo, prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, não basta estarmos perante uma entidade que se dedique à tomada e gestão de participações noutras sociedades. É preciso atender ao tipo de atividade e à natureza dessas participações. Apenas cabem no conceito europeu de instituição financeira as entidades enumeradas no artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 [artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE, ponto 26)].
Assim sendo, as Requerentes não cabem no conceito de instituição financeira – nem sequer numa interpretação lato sensu –, não consta daquela enumeração, não exercem nenhuma atividade bancária, nem atuam no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeitas a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do BCE no âmbito da sua atividade. Ou sujeitas a autorização ou registo de outra entidade reguladora do sector financeiro como, por exemplo, a ....
No sentido exposto, Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins, in “Imposto do Selo – Operações Financeiras e de Garantia”, 1.ª ed., Almedina, 2019, p. 86/89 e 188/190: “2.1.2 Conceito de “instituição financeira” – Ao contrário do que sucede em relação aos conceitos de “instituição de crédito” e “sociedade financeira”, o conceito de “instituição financeira” aparenta ter um sentido mais abrangente. E é o seu sentido amplo que poderá tornar mais complexa a tarefa de descortinar o alcance da expressão “quaisquer outras instituições financeiras” presente na norma de incidência da verba 17.3.
Desde logo, porque, ao contrário do que acontece com os outros dois conceitos, não estão exaustivamente tipificadas no RGICSF as entidades subsumíveis neste conceito. Conforme desenvolveremos de seguida, o RGICSF tipifica, claramente, um conjunto restrito de entidades subsumíveis no conceito de “instituição financeira”, remetendo para as atividades do Anexo I da Diretiva Bancária quanto à determinação das demais entidades passíveis de se enquadrar enquanto tal.
Em concreto, o artigo 2.º-A, alínea z), do RGICSF, define como “instituições financeiras” (excetuando, desse logo, as instituições de crédito e as empresas de investimento) as seguintes tipologias de entidade:
a) SGPS’s sujeitas à supervisão do BdP, incluindo as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas;
b) Sociedades cuja atividade principal consista no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do Anexo I à Diretiva Bancária;
c) Instituições de pagamento; e
d) Sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliários e imobiliários na aceção, respetivamente, dos n.ºs 6 e 7 do artigo 199.º-A do RGICSF.
Desta disposição do RGICSF fica claro o enquadramento como “instituição financeira” das entidades que, juridicamente, se qualifiquem como (i) SGPS’s sujeitas à supervisão do BdP, (ii) companhias financeiras, (iii) companhias financeiras mistas, (iv) instituições de pagamentos e (v) sociedades gestoras de fundos de investimento, mobiliários e imobiliários.
(…) No que respeita ao elemento subjetivo (refere-se à isenção prevista na alínea e), n.º 1 do artigo 7.º do CIS), no essencial, previu-se que a isenção apenas é aplicável a operações entre entidades financeiras (ou seja, operações entre “instituições de crédito”, “sociedades financeiras” e “instituições financeiras”). No entanto por estar consciente de que o mercado monetário interbancário é global, o legislador do CIS não limitou a aplicação da isenção a operações internas, prevendo que a isenção cubra igualmente operações com contrapartes não residentes (exceto contrapartes domiciliadas em territórios de baixa tributação). Esse será o motivo pelo qual a legislação comunitária é referenciada para aferir se uma qualquer entidade qualifica como “instituição de crédito”, “sociedade financeira” ou “instituição financeira” para efeitos da isenção.
À data de introdução desta norma no CIS, em 2000, a legislação comunitária era menos densa do que é atualmente, o que facilitava a perceção dos conceitos relevantes para efeitos da isenção. Porém, a evolução legislativa na EU tem sido significativa ao longo dos anos, existindo atualmente uma panóplia e Diretivas e Regulamentos, com os mais variados desígnios, contêm tais conceitos. Pese embora este facto, entendemos que o diploma mais relevante neste âmbito é a Diretiva Bancária (Diretiva n.º 2013/36/EU do parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013), principalmente por ser a base da legislação bancária e financeira que alimenta os Estados-Membros. De resto, é para a Diretiva Bancária que a generalidade das Diretivas e Regulamentos Europeus relativos a temáticas financeiras remete quanto aos conceitos relevantes. Além disso, é na Diretiva Bancária que o RGICSF se apoia para determinar os conceitos de “instituição de crédito” e “sociedade financeira” na lei interna, para além de que é para a Diretiva Bancária que remete quando pretende dar substância ao seu conceito (interno) de “instituição financeira”.
Na nota n.º 337 de rodapé, a p. 190, é referido que “(…) o art. 1.º, n.º 6 desta última Diretiva (refere-se à Segunda Diretiva do Conselho, n.º 89/646/CEE, de 15 de Dezembro de 1989) definiria entretanto por instituição financeira uma empresa que não fosse instituição de crédito e cuja actividade principal consistisse em exercer uma ou mais das actividades constantes dos pontos 2 a 12 da lista anexa, que incluiriam nomeadamente a recepção de depósitos ou de outros fundos reembolsáveis, o empréstimo, a locação financeira, as operações de pagamento, a emissão de gestão de meios de pagamento, designadamente cartões de crédito, cheques de viagem e cartas de crédito e a concessão de garantias e outros compromissos.
Também no mesmo sentido, João Pedro Castro Mendes pondera que “Ao remeter para o conceito de instituição financeira, o legislador português remete para o conceito previsto “na legislação comunitária”, ou seja, no Direito da União Europeia.
“Considera-se que, atualmente, esta remissão deve ser entendida para a definição constante do CRR, tal como alterada pelo CRR II, dado que a mesma surge ao lado de remissões para os conceitos de instituição de crédito e de sociedade financeira, bem “como no contexto da realização de operações de crédito.
Conforme visto supra, o legislador europeu atribui às instituições financeiras as seguintes características:
São empresas;
A sua atividade principal consiste na aquisição de participações ou no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da C;
São entidades do setor financeiro.
“Por outro lado, com destaque particularmente relevante para o presente artigo, o legislador europeu refere expressamente que são instituições financeiras:
As companhias financeiras, que são instituições financeiras cujas filiais são exclusiva ou principalmente instituições de crédito ou instituições financeiras, e que não sejam companhias financeiras mistas;
As companhias financeiras mistas, que são empresas-mãe de um conglomerado financeiro;
As companhias financeiras de investimento, que são instituições financeiras cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma dessas filiais uma empresa de investimento, e que não seja uma companhia financeira.
“Cumpra ainda relembrar que o legislador europeu expressamente exclui do âmbito do conceito de instituição financeira as sociedades gestoras de participações puramente industriais. (…)
“Atendendo ao supra exposto, considera-se que as SGPS podem integrar o conceito de instituição financeira, para efeitos da al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, quando integrem preencham os requisitos necessários para integrarem os conceitos de companhia financeira, companhia financeira mista ou companhia financeira de investimento.
Ficam automaticamente excluídas as SGPS que giram participações puramente industriais.”(cfr.“O conceito de “instituição financeira”, o conceito de “sociedade gestora de participações sociais” e a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo”, in Cadernos Jurídicos 4, 2021, Banco de Portugal – https://www.bportugal.pt), pp 94 ss., a seguir tão só designado por “estudos” ou ” Conceito de instituição financeira”.
Termos em que improcede a argumentação das Requerentes.
Sem prejuízo, do exposto,
B.3 Analisemos mais de perto outros argumentos das Requerentes
A Requerente invoca a seu favor jurisprudência do CAAD, designadamente, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 911/2019-T e a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 819/2019-T, como contendo argumentos válidos para considerar esta isenção como lhe sendo aplicável. Porém, os argumentos neles contidos, salvo o devido respeito, interpretam grosseiramente as normas aplicáveis, ao concluírem no sentido de que a norma do artigo 7.º, n. º 1, alínea e) do CIS remete para um conceito europeu de instituição financeira, porque não encontra guarida nos normativos nacionais aplicáveis. Na realidade, a remissão que é feita naquelas decisões arbitrais para a Diretiva n.º 2013/36/UE e para o Regulamento n.º 575/2013 desconsidera por completo que aqueles instrumentos normativos financeiros têm como objeto o sector bancário e as entidades sujeitas à supervisão bancária, pelo que não podem abranger (nem abrangem) SGPS como a Requerente.
Por outro lado, para justificar a qualificação da Requerente como instituição financeira, invoca-se igualmente a definição de “participação” constante entre as definições do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 (ponto 35) do artigo 4.º, n.º 1 ). Pretender extrair do simples facto de a Requerente deter participações noutras sociedades e se dedicar à gestão dessas participações, que se subsume no conceito de instituição financeira, afigura-se uma interpretação sem o mínimo de sustentação, quer na letra, quer na teleologia dos normativos de direito da UE atrás referenciados. Afigura-se mesmo destituído de qualquer fundamento pretender extrapolar da definição de “participação”, que a mesma sirva, só por si, para delimitar o conceito de “instituição financeira”. Esquece-se, desde logo, que as definições desempenham uma função instrumental à interpretação e aplicação do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, com vista a tornar efetivo o seu âmbito e regime jurídico. A definição de participação, sobretudo relevante para efeitos de supervisão prudencial, não pode, assim, deixar de referir-se, repete-se, às que são detidas pelas entidades que atuam no mercado bancário e financeiro, nos termos e para os efeitos dos diplomas acima mencionados. Para esse efeito basta atentar nas definições de Companhia financeira e Companhia financeira mista (cfr. artigo 4.º, pontos 20) e 21) do Regulamento n.º 575/2013).
Argumentam, ainda, as Requerentes que, por referência à categoria de “sociedades gestoras de participações”, a norma comunitária (artigo 4.º, n.º1, parágrafo 26), do Regulamento EU n.º 575/2013), “apenas exclui do conceito de instituições financeiras as seguintes sociedades gestoras de participações: as sociedades gestoras de participações no sector dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE” (artigo 82.º do ppa), sendo que as Requerentes “não caem na exclusão desse conceito de que padecem as sociedades gestoras de participações que controlam ou dominem uma (ou mais) empresas de seguro ou de resseguro (cfr. artigo 212.º, n.º 1, pontos f) e g) da Diretiva 2009/138/CE)”” (artigo 90.º do ppa). Concluem as Requerentes que, por conseguinte, preenchem “o requisito subjectivo da isenção previsto para o mutuário na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo” (cfr. artigo 91.º do ppa).
Na ótica das Requerentes, se a norma comunitária se limita a excluir expressamente sociedades gestoras de participações do sector dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas do conceito de instituição financeira, então é porque todas as outras, desde que se dediquem à gestão de participações sociais, integram o conceito de instituição financeira. Ora, mais uma vez, como se pode ler na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 37/2020-T, “esta interpretação não tem o mínimo apoio literal, sistemático nem teleológico dos preceitos em causa. Repete-se, a interpretação da norma tem de ter em conta que estamos a tratar de entidades que, pela sua atividade, estão sujeitas aos requisitos prudenciais e regime de supervisão a que se refere o “Regulamento”, no domínio do setor bancário e financeiro, como ficou dito”. O que não é o caso das Requerentes, como ficou demonstrado.
As definições constantes do Regulamento n.º 575/2013 não deverão ser interpretadas oportunisticamente, sendo que qualquer âmbito de exclusão de uma definição, por mais literal que seja, não poderá, por si só, determinar, a contrario, um âmbito de aplicação que não tem colhimento no âmbito do próprio Regulamento, o qual estabelece os “requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionados com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes” (considerando 7 do Regulamento).
Com efeito, a mera exclusão literal das “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, pontos f) e g), respetivamente, da Diretiva 2009/138/CE” na definição de "instituição financeira", por si só, não poderá implicar a extrapolação de que todas as demais sociedades gestoras de participações são necessariamente instituições financeiras, extrapolação essa que ignora o âmbito de aplicação do Regulamento acima referido.
Ora, se atentarmos à própria organização sistemática das definições, constantes no artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, percebemos que o conceito de “instituição financeira” (cfr. ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento) integra o conceito “entidade do sector financeiro” (cfr. com a alínea a) do ponto 27) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento), conceito este que igualmente inclui as “sociedade[s] gestora[s] de participações no setor dos seguros, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto f), da Diretiva 2009/138/CE”. Pelo que se poderá concluir, precisamente através de uma interpretação sistemática, que, sendo a instituição financeira uma entidade do setor financeiro, esta nunca poderá integrar empresas cuja atividade principal seja a aquisição de participações de entidades excluídas do setor financeiro. Neste sentido se conclui que caberá no conceito de instituição financeira, previsto no ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor financeiro. Só assim faz sentido a exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e sociedades gestoras de participações de seguros mistas, uma vez que as mesmas, pela sua natureza, seriam sempre qualificadas como entidades do sector financeiro, sendo que na ausência de uma expressa exclusão, as mesmas, implicitamente, qualificariam como instituições financeiras. E, na verdade, não o deixam de o ser, não para efeitos do Regulamento n.º 575/2013 e da Diretiva 2013//36/UE, mas antes para efeitos do regime de supervisão prudencial das empresas de seguros e resseguros que fazem parte de um grupo, previsto no Título III da Diretiva 2009/138/CE, de acordo com a qual qualificam como “[i]nstituição financeira” as “[e]mpresas de seguros, empresas de resseguros ou sociedades gestoras de participações no sector dos seguros na acepção da alínea f) do n.º 1 do artigo 212.º” (cfr. alínea b) do n.º 25 do artigo 13.º da referida Diretiva 2009/138/CE).
Neste sentido, vão também as alterações introduzidas pelo Regulamento n.º 2019/876 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio (Regulamento n.º 2019/876), ao ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 que, em consequência, passou a dispor que: “uma empresa que não seja uma instituição nem uma sociedade gestora de participações no setor puramente industrial, cuja atividade principal seja a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas (…)”.
Sem prejuízo de à data dos atos tributários de liquidação impugnados a redação acima referida do ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 não se encontrar sequer em vigor, a mesma não deixa de reforçar precisamente a necessidade de o legislador clarificar que a definição de “instituição financeira” deverá apenas abarcar as sociedades gestoras de participações no setor financeiro, sendo excluídas as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial. De notar que, para efeitos da aplicação do ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, foram remetidas à Autoridade Bancária Europeia dúvidas interpretativas sobre o significado de “sociedade gestora de participações no setor puramente industrial", sendo certo que estas respeitam inequivocamente a participações no setor não financeiro (pois a expressão industrial serve para ilustrar o setor não financeiro, por contraposição ao setor financeiro). Com efeito, as dúvidas em causa respeitam à determinação da extensão do caráter “puramente” não financeiro das participações sociais e não quanto ao facto de as mesmas poderem ou não respeitar a um qualquer outro setor de atividade não financeiro que não fosse o setor industrial (cfr.https://www.eba.europa.eu/single-rule-book-qa/qna/view/publicId/2021_5798). No mesmo sentido, pode ler-se no estudo “Conceito de “instituição financeira”, cit. pp. 87 ss, supramencionado, que “mesmo à luz da versão originária da definição, a melhor interpretação já seria a de considerar que estas entidades se encontravam excluídas da definição de instituição financeira. O legislador europeu apenas veio confirmar esse entendimento tornando-o expresso. Mas o mesmo já decorria do regime vigente logo a partir da entrada em vigor do CRR, tendo em atenção, deste logo, a teleologia da norma, e a sua articulação sistemática com outras normas do CRR e da Diretiva (UE) 36/2013/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (“CRD IV”), que foi alterada, entretanto, pela Diretiva (UE) 2019/878, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019 (“CRD V”) .
Uma determinada empresa preencher a definição de instituição financeira constitui o pressuposto subjetivo de aplicação de certos regimes previstos no CRR e CRD IV, de cariz prudencial. A definição não existe isolada desses regimes, devendo ser lida de forma integrada com os mesmos, à luz das preocupações que lhes deram origem.
O regime aplicável às instituições financeiras por força da CRD IV, na versão alterada pela CRD V, inclui, por exemplo:
• Disposições relativas à cooperação entre autoridades responsáveis pela supervisão prudencial, dentro do mesmo Estado-Membro (cf. artigo 5.º da CRD);
• Regime de aprovação pelo supervisor prudencial de companhias financeiras e companhias financeiras mistas (cf. artigo 21-A da CRD IV);
• Controlo prudencial no domínio da liberdade de estabelecimento e liberdade de prestações de serviços (cf. artigo 34 da CRD IV);
• Trocas de informações (cf., p. ex., artigos 48, 56, 57, 59 ou 124) ou um regime relativo à aprovação de companhias financeiras e companhias financeiras mistas (cf. artigo 21-A da CRD IV).
Subjacente à aplicabilidade destes regimes encontram-se sempre preocupações prudenciais, relativas ao exercício indireto de atividades no setor bancário e financeiro, derivadas de uma relação estabelecida entre a holding e uma instituição de crédito.”
Face ao exposto, não pode proceder a argumentação das Requerentes de que preenche o conceito de instituição financeira à luz da legislação primária europeia mencionada.
Finalmente, como também se pode ler na Decisão arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T, também não tem qualquer paralelo o “papel de intermediação do financiamento da participada”, que as Requerente alegam, confrontado com aquele que é exclusivamente desempenhado pelas instituições de crédito – “atividade de receção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria” (artigo 8.º do RGICSF).
Em suma, remete-se para Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 37/2020-T, com base na qual “[e]m síntese, podemos concluir que a Requerente, enquanto entidade meramente gestora de participações sociais, não preenche os requisitos que levam a classificar uma entidade como instituição financeira, a saber: i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional); e ii) O material, uma vez que a sua atividade não releva do mercado bancário ou financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013 e o RGICSF.
Assim sendo, tal como se conclui na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 586/2019-T, não é possível extrair regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".
A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.
Assim, não ocorre, por tudo isto, a violação de lei invocada pelas Requerentes:
a. Não só porque o conceito de benefício fiscal (no qual se enquadra o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS) é fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;
b. Mas também porque não é possível extrair de todo do regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's, como as Requerentes, integram o conceito de "instituição financeira".
Ora, esta conclusão é perfeitamente transponível para o caso em análise.
C. Quanto ao alegado comportamento arbitrário da Requerida
Por fim, quanto ao argumento de uma alegada discriminação entre as SGPS e outros tipos de entidades – os FCR, SCR, FII – que a AT terá qualificado como “instituição financeira” para efeitos da Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, afigura-se assistir razão à Requerida quando argumenta que não faz sentido empreender um exercício de comparação, tanto mais que o enquadramento legal daquelas entidades, tanto no plano nacional como europeu, são distintos.
Não há, por conseguinte, qualquer arbitrariedade por parte da Requerida, uma vez que não há preceito a consagrar as sociedades gestoras de participações sociais, como as Requerentes, como instituição financeira.
D. Conclusões:
Conclui-se no mencionado estudo, “Conceito de instituição financeira”, entre o mais, que :
A) As SGPS gerem participações sociais, como forma de exercício indireto de uma determinada atividade económica, visando promover, através da centralização, uma maior eficiência na captação e distribuição de recursos entre as suas participadas, numa lógica de grupo económico;
B) Esta atividade não é equiparável à atividade bancária e financeira, que consiste na prestação de bens e serviços bancários e financeiros ao público, de forma regular e consistente, enquanto parte integrante do setor financeiro;
C) As SGPS não integram, per se, o setor financeiro; apenas integram o setor financeiro se a sua atividade se centrar exclusiva ou principalmente na gestão de participações em sociedades que integram o setor financeiro;
D) De acordo com a definição constante do artigo 4(1)(26) do CRR, as instituições financeiras são empresas cuja atividade principal consiste na aquisição de participações ou no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da C, incluindo as companhias financeiras, as companhias financeiras de investimento e as companhias financeiras mistas, além de outras entidades, que não sejam instituições de crédito, sociedades gestoras de participações puramente industriais, sociedades gestoras de participações no setor dos seguros ou sociedades gestoras de participações no setor dos seguros mistas;
E) O objetivo do legislador com a isenção prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do IS visa desonerar o setor financeiro no contexto da aplicação do IS;
F) A al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS remete para o conceito de instituição financeira previsto no CRR, e apenas as SGPS que integrem esse conceito são abrangidas pela isenção, ou seja, aquelas que preencham os conceitos de companhia financeira, companhia financeira de investimento ou companhia financeira mista;
G) As SPGS que cinjam a sua atividade à gestão de participações puramente industriais não se encontram abrangidas pela isenção prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, nem aquelas que não preencham os pressupostos para serem qualificadas como companhias financeiras, companhias financeiras de investimento ou companhias financeiras mistas;
H) Não parece existir inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, por o legislador fazer uma distinção entre quais as SGPS abrangidas pela isenção prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, dado que essa distinção não é arbitrária, assentando, ao invés, na diferença ligação entre as SGPS em causa e o setor financeiro.
E - Questões de conhecimento prejudicado
Improcedendo o pedido principal e o subsidiário improcede, em consequência, o pedido de reembolso e de juros indemnizatórios.
V - Decisão
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:
a. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral (principal e subsidiário), com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão de indeferimento da decisão de reclamação graciosa;
b. Condenar as Requerentes no pagamento das custas do processo.
VI - Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 160.460,56 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII - Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 3 672,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas Requerentes, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 8 de fevereiro de 2022
O Árbitro Presidente
(Fernanda Maças)
O Árbitro vogal
(Rui Rodrigues)
(Relator)
O Árbitro vogal
(Martins Alfaro)