Decisão Arbitral
I - Relatório
1. No dia 20-03-2014, a sociedade A SGPS, S.A., NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT) tendo por objecto a anulação da liquidação nº 2013 ... e o reembolso da importância paga no valor de €465.486,56 acrescido dos respectivos juros indemnizatórios, previstos nos art.°s 43.° da LGT e no art.° 61.° do CPPT.
2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes.
3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:
4.1 A Requerente recebeu a nota de liquidação oficiosa n.° 2013 ..., referente ao ano de 2009, a qual apurava imposto a pagar no montante de € 465.486,56, com data limite de pagamento voluntário 2014-01-17.
4.2 A Iiquidação aqui em causa resultou de uma inspecção interna efectuada sobre o exercício de 2009 da Sociedade aqui Requerente.
4.3 A Requerente, em 29 de Dezembro de 2009, celebrou vários contratos de cessão de acções, tendo por esse efeito adquirido acções das seguintes sociedades:
- B, SA (...) — doravante identificada como B;
- C, SA (...)- doravante identificada como C;
- D, SA (...) ― doravante identificada como D.
4.4 Nas sociedades C e B, em Dezembro de 2010, procedeu-se a aumentos de capital.
4.5 Posteriormente, a Requerente procedeu à venda de uma parte considerável da sua participação naquelas sociedades a outros sócios das mesmas sociedades.
4.6 No final de 2011, a Requerente tinha vendido aos antigos sócios parte substancial da sua participação nas 3 empresas, num total de €3.025.851 (três milhões e vinte e cinco mil oitocentos e cinquenta e um euros).
4.7 O valor unitário de venda correspondeu ao valor unitário por acção na operação de venda contestada pela AT em Dezembro de 2009.
4.8 A Requerente deixou de deter participação nas três sociedades, vendendo as acções remanescentes a 31/12/2012.
4.9 Tendo tido, inicialmente, lugar no final de 2009, as operações de venda foram concebidas antes, pretendendo os seus proprietários promover a venda conjugada das empresas, por forma a obter um valor bem mais substancial do que a venda isolada de cada uma delas.
4.10 Efectivamente, era intenção dos seus proprietários vender o negócio associado à ... e ... (D), áreas que a nível de comércio internacional estavam muito valorizadas. O grupo E tinha em Portugal uma posição considerável e as grandes empresas internacionais estavam interessadas em adquirir negócios em áreas que tivessem dimensão regional, ou seja, que tivessem uma dimensão considerável.
4.11 Sucede que a degradação da situação económica em Portugal fez gorar a possibilidade de proceder às vendas planeadas, uma vez que os investidores internacionais perderam o interesse no investimento em Portugal.
4.12 Afastada esta hipótese, a A tendo definido que a área de actividade das suas participadas seria o negócio da produção ..., decidiu desinvestir nos sectores da ..., ... e ..., que eram as áreas de negócio das 3 sociedades adquiridas.
4.13 Assim, procedeu à (re)venda, em duas fases, das suas participações: uma no início de 2011 e outra em 2012.
4.14 Na primeira fase, sem qualquer ganho ou perda, pois o que motivava a venda das participações era a reestruturação da actividade do grupo e não a realização de ganhos. Na segunda fase, com uma perda pouco relevante, pois, decidindo-se que iria desinvestir dessas empresas, não havia qualquer interesse em declarar valores de venda que nunca poderiam ser pagos, tanto mais que a intenção desta operação era o de proceder à recompra por compensação dos créditos existentes sobre a sociedade, ora Requerente.
4.15 Estas operações vêm a traduzir é um encontro de contas entre os sócios alienantes e a Requerente, que não tendo recebido de facto quantias no momento da venda das acções, consequentemente também nada receberam em dinheiro aguando das recompras posteriores.
4.16 Face a estes factos, entende a Requerente que a AT procedeu a uma errónea interpretação do regime legal tributário dos preços de transferência, o qual despoletou a subsequente aplicação indevida de vários normativos legais, nomeadamente o n.° 4 do artigo 6.° do CIRS e o art.° 15 do Código do Imposto do Selo e da qual resultou a liquidação oficiosa, que aqui se contesta.
4.17 No procedimento justificativo da correcção pretendida a AT invocou a existência de uma violação das regras de preços de transferência para justificar o seu procedimento.
4.18 Ou seja, e de acordo com a AT, feita a demonstração de que estava perante uma situação de relações especiais entre vendedores e adquirente, estava justificada a possibilidade de aplicar o regime dos preços de transferência.
4.19 No entanto, mesmo admitindo-se que se estaria perante uma situação de preços de transferência, o facto de se demonstrar um pressuposto de aplicação do regime não demite a AT de verificar os restantes pressupostos de aplicação ou certificar-se de que está a aplicar correctamente o regime.
4.20 Ora, as regras de preços de transferência são regras que pretendem permitir à AT corrigir a matéria colectável deste imposto, o IRC e não qualquer outro. A obtenção da menor carga fiscal que se pretende controlar é a do IRC ― e, eventualmente, o lucro tributável em sede de IRS de sujeitos passivos que exerçam uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
4.21 O que resultou das correcções do relatório elaborado pela AT não visou o IRC da Requerente, razão pela qual se entende ser infundado e ilegal quer o procedimento adoptado quer o resultado alcançado.
4.22 Com efeito, o n.° 11 do art.° 63 do CIRC é explícito ao afirmar que o que aqui está em causa é uma correcção no âmbito do IRC que, ao ser verificada, leva a que se efectue também uma correcção correspondente no âmbito do sujeito passivo que efectuou a operação com o sujeito passivo de IRC onde teve lugar a correcção original.
4.23 Nos termos do art.° 3 do CIRC, a base deste imposto consiste no lucro, sendo que o lucro consiste na diferença entre os valores do património liquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código.
4.24 O lucro tributável é um resultado operacional da actividade empresarial, que, consequentemente, se apura apenas no âmbito de empresas (note-se que este conceito, mais amplo, é diferente do conceito de pessoas colectivas), com base na contabilidade e corrigido para efeitos fiscais.
4.25 Conforme resulta do entendimento de parecer da Direcção-Geral dos Impostos, as correcções resultantes do regime das relações especiais só podem aplicar-se a sujeitos passivos (de IRS ou IRC) que sejam tributados com base em apuramento de lucro tributável determinado com base em resultado de actividade comercial, ou seja, de lucro apurado através de contabilidade (corrigida nos termos do CIRC).
4.26 Assim, só se apura em empresas e pessoas singulares no âmbito da categoria B com contabilidade organizada, pois são as únicas pessoas singulares que apuram um lucro tributável, por remissão expressa para o Código do IRC (art.º 32º do CIRC).
4.27 A AT elaborou em erro sobre os pressupostos de direito e de facto ao invocar fundamentos de direito errados, o que constitui vício de violação de lei, facto que é fundamento de impugnação, nos termos do art.° 99.º, alínea c).
4.28 Conclui-se que a liquidação efectuada pela AT carece de fundamento legal, na medida em que o regime dos preços de transferência não lhe permitia proceder da forma como o fez, por não verificação dos seus pressupostos.
4.29 A Lei Geral Tributária contém uma cláusula geral anti abuso no seu art.° 38.°, n.° 2, que é uma norma de natureza substantiva na qual se pretende consagrar a possibilidade de efectuar a tributação do acto ou negócio jurídico que teria sido praticado ou celebrado se não fossem esses fins, em vez do acto ou negócio jurídico respectivamente praticado ou celebrado com fins de mera elisão fiscal.
4.30 Por seu intermédio, os negócios jurídicos considerados abusivos passaram a poder ser susceptíveis de ser declarados fiscalmente irrelevantes.
4.31 No entanto, para que se possa aplicar esta norma, é necessário verificar a sua aplicabilidade aos factos tributários que se pretendem requalificar.
4.32 Para esse efeito, estabelece-se no art.° 63.°, n.° 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (C.P.P.T.) o condicionamento da aplicação da cláusula geral anti-abuso à abertura de um procedimento próprio, o qual determina (n.° 7) que a aplicação da disposição é prévia e obrigatoriamente autorizada pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tenha delegado tal competência.
4.33 Aqui verifica-se que a AT, ao proceder à requalificação da matéria de facto, omite a abertura do procedimento legalmente estabelecido por lei (cláusula geral anti-abuso) para considerar ineficazes os negócios de venda estabelecidos pelas partes, por forma a efectuar a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência, invalidando a produção das vantagens fiscais obtidas pelas partes.
4.34 E isto sempre sem conceder quanto à questão fundamental aqui, qual seja: as partes pretendiam realizar e realizaram uma operação de compra e venda de participações, geradores de mais-valias na esfera dos sócios.
4.35 A AT utilizou como critérios de avaliação das empresas os previstos no art.° 15º do CIS para efeitos de liquidação de imposto de selo em transmissões gratuitas, que estabelecem abordagens diferentes consoante se trate de sociedades por quotas ou por acções, respectivamente, o n.° 1 e n.° 3 a).
4.36 A AT não apresenta qualquer fundamento quanto ao método de avaliação utilizado e procedeu a uma avaliação regulamentar que, por lei, não se aplica à matéria dos preços de transferência, tendo apenas como pressuposto a maximização da colecta de imposto.
4.37 Os métodos utilizados pelos peritos em avaliação de empresas não consideram nunca como hipótese a utilização do critério estabelecido no CIS, mas sim outro tipo de critérios.
4.38 O método utilizado é um método regulamentar, aplicado a outra realidade (transmissão gratuita e para efeitos de tributação indirecta) e que contraria o disposto no nº 2 do art.º 58º do CIRC quanto ao objectivo a alcançar.
4.39 A operação de avaliação das empresas encetada pela AT é assim ilegal e arbitrária:
i. Por não respeitar o quadro normativo vigente, mormente o disposto no artigo 58º, o regime da Portaria 1446-c/2000, o disposto no artigo 77.0 da LGT, bem como o disposto no artigo 38.0 da LGT;
ii. Por em nenhum diploma do ordenamento contabilístico nacional ou internacional, ser abordada a fórmula de avaliação de empresas utilizada para efeito no CIS.
4.40 Esta fórmula não faz parte de qualquer imposição de carácter contabilístico, nem é aceitável como forma de mensuração contabilística de nenhuma empresa em nenhuma situação. É uma fórmula não reconhecida e inexistente nas normas contabilísticas e de auditoria.
4.41 A AT não leva em consideração a realidade subjacente à operação de venda nem os termos em que efectivamente tais operações se desenrolaram no caso em concreto e se desenrolam em termos genéricos no mercado.
4.42 A situação em causa não configura, para efeitos de direito societário, qualquer adiantamento por conta de lucros.
4.43 Efectivamente, este sempre implicaria uma saída de um meio financeiro da sociedade, sendo que esta saída seria contabilizada a débito na conta #26 ― Sócios e a crédito na conta #1 — Meios Financeiros Líquidos.
4.44 Ora, a situação em causa não é uma antecipação de um valor ao sócio por conta de lucro futuro, mas uma dívida ao sócio por conta de uma compra e venda passada, com entrada de um activo na devedora e nenhuma saída em meios monetários (ou de outra espécie) para o credor/sócio.
4.45 A liquidação aqui contestada, e cuja anulação se reclama, foi já paga pela Requerente.
4.46 Resulta do disposto no nº 1 do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT) o direito ao ressarcimento através de juros indemnizatórios, calculados sobre o montante do imposto e correspondentes juros compensatórios indevidamente pagos, e contados desde a data do pagamento indevido até ao integral reembolso do mesmo.
4.47 Nestes termos, o artigo 43.º da LGT, ao reconhecer o direito a juros indemnizatórios, vem apenas indicar os casos em que é de presumir que os contribuintes têm direito a ser indemnizados por actos da AT, considerando que este direito já preexiste (sendo que noutros casos o contribuinte pode ver reconhecido o seu direito a indemnização por prejuízos que lhe advenham da prática de qualquer acto da Administração, tendo apenas que propor a adequada acção para efectivação da responsabilidade civil e nela fazer prova dos prejuízos sofridos pela imputabilidade dos mesmos à actuação da Administração tributária).
4.48 Ora, o erro de que padece a liquidação ora impugnada resulta de erro dos serviços sobre os pressupostos de direito (ao efectuar uma liquidação de imposto vedada nos termos legais).
4.49 Nestas circunstâncias, a Requerente terá direito a que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, no prazo e nas condições fixadas no artigo 61º do CPPT, ou seja calculados até ao efectivo reembolso do imposto indevidamente pago.
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:
5.1 A operação em análise é um caso característico de violação do Princípio de Plena Concorrência, desde logo porque as relações especiais entre comprador e vendedor alteram, aquele que seria o equilíbrio entre o que o vendedor aceita como preço e o que o comprador está disposto a pagar.
5.2 É de acordo com esta realidade e tendo em mente as limitações de uma avaliação imparcial das participações, que os Serviços de Inspecção Tributária compararam os valores resultantes da avaliação com os preços efectivamente praticados, utilizando a metodologia prevista no artigo 15º do Código do imposto do Selo.
5.3 Determinado o valor de avaliação pelos SIT, foi apurada a diferença entre os preços efectivamente praticados e aqueles que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, o que determinou um excesso totalizado em € 2.327.432,77.
5.4 Descortinado o panorama factual descrito em supra, os SIT concluíram que a venda das participações sociais à A SGPS, S..A, é uma operação vinculada e o preço praticado e as condições aceites não podem ser considerados substancialmente idênticos ao que seriam praticados entre entidades independentes.
5.5 O que resultou num excesso praticado relativamente ao preço determinado de acordo com os princípios da plena concorrência e que esse excesso, levou a que o património particular de cada vendedor fosse incrementado, sendo que esse incremento não foi objecto de qualquer tributação.
5.6 Mas esse incremento resulta e tem origem em recursos da sociedade, o que despoletou uma correcção ao valor da operação para efeitos fiscais, nos termos do disposto no n° 11 do artigo 58.° e n °2 do artigo 3,° da Portaria 1446—C/2001, de 21/12.
5.7 A tributação destes rendimentos foi efectuada, nos termos do ponto 2 da alínea a) do n° 3 do artigo 7.,° do CIRS, isto e por via do mecanismo de retenção na fonte à taxa liberatória de 20% (artigo 71,°, n,° 3, alínea C) do CIRS).
5.8 O que totaliza a quantia de €465,486,56, a título imposto, devido, não retido na fonte, e não entregue, e agora atacado contenciosamente.
5.9 A presente vexatio quaestio incide essencialmente sobre a interpretação que a Requerente faz da lei fiscal, particularmente do regime dos preços de transferência, consagrado no artigo 58° do CIRC (actual 63°) na redacção em vigor à data dos factos.
5.10 Um dos princípios fundamentais que rege os preços de transferência no nosso Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas é o principio de plena concorrência, em torno do qual se foi formando um amplo consenso internacional por se entender que a sua adopção permite não só estabelecer uma paridade no tratamento fiscal entre as empresas integradas em grupos internacionais e empresas independentes como neutralizar certas práticas de evasão fiscal e assegurar a consequente protecção da base tributável interna.
5.11 Quanto ao assento normativo, os preços de transferência encontram-se, à data dos factos, consagrados no artigo 58.° (actual artigo 63°) do CIRC e são regulados pela Portaria 1446/C 2001, de 21 de Dezembro.
5.12 Os serviços de inspecção tributária não colocam em crise a eficácia da venda mas apenas a valorização das acções e a sua violação à luz do princípio de plena concorrência.
5.13 Assim, ao invés da aplicação da cláusula geral anti abuso, nos moldes defendidos pela Requerente, apenas colhia, e assim procederam os SIT, a aplicação do regime de preços de transferências.
5.14 Por sua vez, no caso sub judice, a administração tributária reconhece sentido económico às vendas realizadas, considerando destituído de sentido económico o preço praticado, pelo que, só lhe era devida e demonstração da irracionalidade do preço praticado, mormente pela prova do seu desvio em relação aos valores de mercado.
5.15 Cingindo-se a análise apenas ao preço de venda das acções, na parte em que excedeu o seu valor esperado, quando acordado entre partes independentes, restou aos SIT apurar o preço real, expurgando os inputs concernentes às relações especiais existentes entre partes relacionadas.
5.16 Normativamente as alíneas a) e c) do n,° 4 do artigo 58º do CIRC estabelecem que existem relações especiais nas seguintes situações:
"Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer; directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre.:
a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capitai ou dos direitos de voto;
c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes”.
5.17 Presentemente, verificamos que o alienante F, o seu cônjuge G e os seus descendentes, H e I, são accionistas que em conjunto detêm o controlo, com uma participação de 85%, da entidade adquirente, A, SGPS, S.A, NIPC ....
5.18 E para além disso, os alienantes F e G ocupam, respectivamente o cargo de presidente e de vogal da entidade adquirente.
5.19 Por sua vez o alienante K detém uma participação de 15% na entidade adquirente, pertencendo ainda ao seu Conselho de Administração, onde ocupa o cargo de vogal.
5.20 Tendo em conta a dificuldade inerente à avaliação de uma empresa em concreto o legislador através do artigo 15,° do Código do Imposto do Selo, estipulou que o valor das acções é o da cotação à data da transmissão.
5.21 É que, a não ser deste modo, deixa de ser aplicável o ajustamento ao nível de preços de transferência, porquanto seria impossível encontrar um comparável que transmitisse o mais elevado grau de comparabilidade de uma determinada participação social, na medida em que todas diferem entre si, não só ao nível de balanço, como de oportunidades de crescimento, quotas de mercado e posição no sector de actividade, etc.
5.22 No presente caso, os SIT procederam a uma quantificação da contraprestação que a Requerente pagaria (depois de retida na fonte o montante correspondente) numa situação de ausência de relações especiais e de cumprimento do Princípio de Plena Concorrência.
5.23 Acontece que, o preço acordado na compra e venda de acções foi claramente superior àquele que teria sido praticado numa operação não vinculada.
5.24 Consequentemente, atendendo ao regime dos preços de transferência, tal excesso não pode ser considerado como parte do vector de venda das participações.
5.25 A actuação da Autoridade Tributária pautou-se pela estrita observância dos preceitos legais, constitucionais e de direito comunitário e internacional a que se encontra vinculada.
5.26 Não se poderá nunca considerar que tenha existido erro imputável aos serviços na emissão da liquidação em causa, condição indispensável para a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
5.27 Acresce que o artigo 43° da LGT apenas prevê o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, pelo que, também, não existe no presente caso, qualquer direito a juros de mora.
6. No dia 10-10-2014 realizou-se reunião do tribunal arbitral, nos termos do art. 18º do RJAT.
6.1 Procedeu-se seguidamente à inquirição de testemunhas com reprodução sonora dos depoimentos prestados, nos termos do n.º 2 do art. 118.º do CPPT, aplicável ex vi al. a) do n.º 1 do art. 29.9 do RJAT.
6.2 O Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começaria a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente.
7. Tanto a Requerente como a Requerida apresentaram alegações escritas onde reiteraram as posições expressas nos seus articulados.
II – Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, bem como das testemunhas …, consultor, e …, ROC, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente, A SGPS, S.A, foi alvo de uma inspecção interna proposta por informação datada de 16 de Julho de 2013, em que, tendo em conta a análise feita, na sequência de anterior ordem de serviço, ao processo de aquisição aos accionistas F e G, de acções das sociedades B, SA (também designada B); C, SA (também designada C); D, SA (também designada D, e até 2009, J (p. 9 do RIT), e verificando-se que essa aquisição, em 2009, tinha sido por um valor bastante elevado, propôs-se emissão de ordem de serviço interna para aquela sociedade com extensão ao ano de 2009 e âmbito parcial de retenções na fonte de IRS,
b) A ordem de serviço foi emitida com data de 18/07/2013, com nº OI2… (PA 1, fls. 29 a 31), e a acção de inspecção tributária interna decorreu entre esse dia e 01/10/2013 (PA 1, fls 5).
c) A Requerente iniciou a actividade em 01/07/1995, sob a forma de sociedade por quotas A Lda com o capital social de € 7.482,20 (Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, p. 5, Doc. nº 4 junto pela Requerente com o pedido e Processo Administrativo 1).
d) Em 15 de Dezembro de 2009, foi aprovado por deliberação societária o aumento do respectivo capital social para € 50.000,00, composto por 10.000 acções com o valor nominal de € 5,00 cada, e sua transformação numa sociedade com a denominação, A SGPS, S.A (art. 24º Resposta AT, p. 5 do RIT, Doc. nº 4 junto pela R. e PA 1, fls. 5 e 6).
e) A nova sociedade por acções ficou constituída por cinco sócios, F, G, K, H e I, que detinham, respectivamente, 40%, 37,5%, 15%, 5% e 2,5% do capital, sendo o Conselho de Administração composto pelos três primeiros, como presidente e vogais, respectivamente (RIT, fls. 6).
f) Quatro dos sócios, detentores de 85% do capital, estão ligados por laços familiares (pai, mãe e dois filhos) (p. 5 do RIT).
g) Cada um dos sócios da A SGPS, S.A, cedeu a esta sociedade, em 29 de Dezembro de 2009, participações sociais que detinham nas seguintes sociedades: B, SA (também designada B); C, SA (também designada C); D, SA (também designada D, e até 2009, J (p. 9 do RIT).
h) Por um dos contratos, F cedeu os seguintes lotes de acções: 53.020 acções representativas de 40 % do capital social da B, SA (pelo valor de € 974.632,35); 44.892 acções representativas de 44,89%, do capital social da C, (por € 1.301.868,00) e de 12033 acções representativas de 44,88% do capital social da sociedade D, SA (por € 360.990,00 ), num total de € 2,637.490,35), e G cedeu os seguintes lotes de acções : 45.838 acções, representativas de 35,03% do capital social da B, SA (por € 842.606,62), 39.904 acções, representativas de 39.90% do capital social da C SA (por € 1.157.216,00) e de 10696 acções, representativas de 40% do capital social da D S.A (por € 320,880,00), num total de € 2.320.702,62) (p. 10 do RIT).
i) No contrato consta que o valor da venda das acções encontra-se totalmente pago e verifica-se que o saldo credor das contas de Outros devedores e Credores referentes aos vendedores das acções foi sendo abatido por vários pagamentos ao longo dos anos de 2010 a 2013, não se encontrando qualquer registado qualquer pagamento no ano de 2009.
j) Quanto a F, um saldo credor de € 2.637.490,35 passou, entre 2010 e 2012, a um saldo credor sucessivamente de € 2.336.265,17, € 1.072.311,48 e € 62.943,89, verificando-se os lançamentos a débito dos valores referentes à alienação de acções da A, verificadas em 2011 e 2012 (p. 10 do RIT) e quanto a G, um saldo credor no valor de € 2.320.702,62 foi sendo abatido ao longo dos anos de 2010 e 2012, passou sucessivamente a um saldo credor de € 2.081.418,67, € 1.149.334,71 e € 53.809,66, verificando-se os lançamentos a débito dos valores referentes à alienação de acções da A, verificadas em 2011 e 2012.
k) H cedeu os seguintes lotes de acções: 3.022 acções representativas de 2,22% do capital da B, SA (por € 55.500,00); e 136 acções representativas de 0,14% do capital social da C S A (por € 3.944,00), num total de € 59.444,00, constando no contrato de cessão que o valor das acções estava totalmente pago (RIT e PA 3, fls 111);
l) No contrato de H consta que o valor da venda das acções encontra-se totalmente pago e verifica-se que o saldo credor das contas de Outros devedores e Credores referentes aos vendedores das acções foi sendo abatido por vários pagamentos ao longo dos anos de 2010 e 2011, não se encontrando qualquer registado qualquer pagamento no ano de 2009.
m) O saldo credor da Conta de Outros Devedores e Credores, referente a H, no valor de € 59.444,00 passou a um saldo credor de € 57.789,59, em 2010-12-31, e de € 0,00 (zero), em 2011-10-19, verificando-se o lançamento a débito do valor referente à alienação de acções da A, verificada em Julho de 2011 (p. 11 RIT).
n) I cedeu 1511 acções representativas de 1,1 % do capital da B, SA (por € 27.750,00) e 68 acções representativas de 0,07% de capital social na C ..., pelo valor de € 1.972,00, num total de total € 29.722,00, constando do contrato de cessão de I que o valor das acções estava totalmente pago (p. 11 e 12 RIT e fls. 110, PA 3).
o) Não há registo de qualquer pagamento em 2009, mas o saldo credor da Conta de Outros devedores e credores, relativamente a I, inicialmente no valor de € 29.722,00, foi sendo abatido ao longo dos anos de 2010 e 2011, passando a um saldo credor de € 28.894,80, em 2010-12-31, e de € 0,00 (zero), em 2011-10-19, verificando-se o lançamento a débito do valor referente à alienação de acções da A, verificada em Julho de 2011 (p. 12 RIT).
p) K cedeu lotes de acções representativos de: 12,53 % do capital social da B, SA (por € 302.882,35); 14,98% do capital social da C S A (por € 434.420,00) e de 14,96 % do capital social da sociedade D, SA (por € 120.330,00), num total de € 857.632,35, constando do contrato de cessão que o valor das acções estava totalmente pago (p. 12 RIT e fls. 108 e 109, PA3).
q) Não há registo de qualquer pagamento em 2009, mas o saldo credor da Conta de Outros devedores e credores, referente a K, inicialmente no valor de € 857.632,35 foi sendo abatido ao longo dos anos de 2010 e 2011; não se encontrando registado qualquer pagamento no ano de 2009, passou a um saldo credor de € 762.187,60, em 2010-12-31, e de € 0,00 (zero), em 2011-07-24, verificando-se os lançamentos a débito dos valores referentes à alienação de acções da A para K verificada em Julho de 2011 (p. 12 e 13 RIT).
r) Também L, mulher de K, cedeu à A SGPS, no mesmo dia 29 de Dezembro, 1768 acções da B por 8.840,00 e 20 acções da C por 580,00 (Pedido, nº 7 e PA3 fls. 108 e 109)
s) No final do processo de aquisição das acções acima referidas, a Requerente ficou titular, em finais de 2009, de 100.000 acções da C, 121.636 acções da B e 26.740 acções da D (I, 8 do Pedido).
N.º de acções Valor nominal Valor de aquisição
C 100.000 500.000 2.900.000,00
B 121.636 608.180 2.235.871,32
D 26.740 133.700 802.200,00
€ 5.938.071,32
t) Após aumento de capital das sociedades C e B a titularidade da Requerente nas três sociedades participadas acima referidas passou a ter a seguinte composição (I-10 do pedido)
N.º de acções Valor nominal Valor de aquisição
C 120.000 600.000 3.000.000,00
B 152.046 760.230 2.387.921,32
D 26.740 133.700 802.200,00
€ 6.190.121,32
u) Em 2011, a Requerente veio a (re)vender as participações objecto das aquisições acima descritas aos anteriores sócios (11 e 12 do Pedido, não contestado pela AT):
- Em 24 de Julho de 2011, cedeu ao sócio K 114.025,00 acções da B, por € 357.682,35, e 90.480 acções da C, por € 450.000 e 4011 acções da D, por € 120.330,00.
- Em 21/10/2011, cedeu ao sócio F, 24.404 acções da B, por € 122.020,00 e 26.400 acções da C, por € 132.000,00 e à sócia G, 21.539 acções da B por € 395.935,77 e 16.800 acções da C, por € 487.200,00.
v) No final de 2011, a Requerente tinha (re)vendido aos sócios acima referidos, parte substancial da sua participação nas 3 outras empresas, num total de € 3.025.851 (três milhões e vinte e cinco mil oitocentos e cinquenta e um euros) mas mantinha a seguinte participação nas sociedades: 58.800 acções da C, 83.298 acções da B e 22.729 acções da D.
w) Em 31/12/2012, a Requerente deixou de deter participação em qualquer das três sociedades B, SA (B), C, SA (C) e D SA (D) (nº 18 Pedido):
- em 14/12/2012, cedeu, por € 580.663,19, a K, 83.300 acções da B que adquirira por € 1.185.200,26;
- em 31/12/2012, cedeu, por € 652.080,00, a G, 58.800 acções da C que adquirira por € 1.297.200,00 e a M, por € 613.683,00, 22.729 acções da D que adquirira por € 681.870,00.
x) Com base, fundamentalmente na situação descrita nas alíneas a) a u), a Inspecção Tributária considerou que a operação de compra e venda de acções pela A tinha sido praticada entre entidades em situação de relações especiais na acepção do n.º4 do artigo 58º do CIRC.
y) A IT calculou que os preços de venda das acções dos sócios à A foram os seguintes (p. 13 do RIT ) :
- € 18,37 ou € 18,38 por cada acção da sociedade B, S.A.;
- € 29,00 por cada ação da sociedade C, S A;
- € 30,00 por cada ação da sociedade D SA.
z) Com vista a encontrar um valor que considerava mais correcto para as participações, a AT utilizou a metodologia prevista no artigo 15º do Código do Imposto do Selo (CIS), nº 3 (caso da B, S.A e da C S.A) e nº 1 (para D) (RIT, p. 13)
aa) Quanto às duas primeiras, aplicando a fórmula, os valores calculados foram : €14,7372 para as acções da B, € 16,6338 para as acções da C; quanto à D € 608.787,48, como valor de 100% da participação (pp. 13 a 16 do RIT);
bb) O RIT calculou a existência de um excesso pelo que teriam sido celebrados os contratos de compra e venda das acções representativas do capital das sociedades B, S.A., C SA e D S.A., em 2009-12-29, entre os vendedores e o comprador A SGPS, SA, no montante de € 2.327.432,77 (€ 436.855,78+ € 1.236.367,70 + € 654.209,29) (RIT, p. 18).
cc) Procedeu à correcção do valor da operação para efeitos fiscais, nos termos do disposto no n.o 11 do artigo 58.º e nº 2 do artigo 3.º da Portaria 1446-C/2001, de 21/12, o RIT concluiu que “tendo em conta o enquadramento fiscal para a tribulação do excesso apurado em resultado da correcção proposta por efeitos da aplicação do regime de preços de transferência à operação de venda de partes de capital entre entidades relacionadas, bem como o momento em que essa tributação deve ocorrer, a tributação destes rendimentos a efectuar nos termos do disposto no ponto 2 da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.° e alínea c) do n.º 3 do 71.° do CIRS, artigo 13.° do Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de Janeiro, o n.º do artigo 98º e alínea a) do n.º3 do artigo 101.° do CIRS”, foi calculado que o imposto de IRS não retido na fonte e não entregue foi de € 465.486,56, importância correspondente à aplicação da taxa de retenção de 20% a € 2.327.432,77 montante do excesso sobre o preço praticado “entre entidades independentes em operações comparáveis” (RIT, pp. 21 e 22).
dd) A Requerente foi notificada do Projecto, por ofício nº ..., de 3/10/2013 (PA. 1 folhas numeradas, 67 e ss) e, também em 14 de Outubro de 2013, para exercer o direito de audição prévia.
ee) Em 21 de Outubro de 2013, a Requerente exerceu o direito de audição atacando a legalidade da liquidação por caducidade do direito à liquidação (por não observância do prazo de 3 anos previsto no nº 2 do art. 45º da LGT), inaplicabilidade do regime de preços de transferência (por não se apurar qualquer correcção sobre a matéria colectável de IRC) e inaplicabilidade, à avaliação da transmissão de acções, do artigo 15º do Código do Imposto de Selo (por esta norma não consagrar um método adequado à obtenção do valor de mercado de acções) (PA 1, fls . 37 a 43).
ff) O Relatório final da Inspecção tributária, datado de 4 de Novembro de 2013, enviado pelo ofício nº ..., de 11 de Novembro de 2013 (Doc. nº 4), rejeitou os argumentos invocados no exercício do direito de audição, e, confirmou o projecto de relatório, constando do Parecer de Chefe de equipa, que mereceu concordância superior: “Confirmo as correcções de natureza meramente aritméticas operadas no ano de 2009 em sede de retenções na fonte de IRS no montante de € 465.486,56, devidas nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 71º e alínea a) do nº 2 do artigo 101º, ambos do CIRS e na redacção à data dos factos, resultante da aplicação da disciplina dos Preços de transferência prevista no artigo 58º do CIRC, na redacção à data dos factos, e Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de Dezembro (...)” (Doc. nº 4 junto com o Pedido e PA1, fls 1 a 27).
gg) Em 19/11/2013 foi emitida a liquidação nº ..., (DUC ...) de IRC (Outros rendimentos) no valor de € 465.486,56 e de € 70.600,92 de juros compensatórios, para pagamento até 17/01/2014 (doc. nº 2 junto com o Pedido).
hh) Em 17/01/2014, foi efectuado o pagamento “parcial de retenção na fonte de IRS sem juros”, no montante de € 465.486,56 (Docs. 6,7 e 8, fls 12) .
III – Factos não provados
Não provado o pressuposto de a “N ter manifestado interesse em investir nesta área em Portugal e por esse facto, ter manifestado interesse na aquisição destas empresas” .
Não provado que a decisão de vender as acções dos sócios das empresas B, C e D à A SGPS tenha tido como causa a intenção de venda conjugada das mesmas empresas.
Não provado que os sócios das empresas não tenham recebido, total ou parcialmente, as quantias pelas quais declararam vender as suas participações.
Não provado que o método de avaliação utilizado no documento seja o mais adequado a traduzir o valor de mercado da Requerente.
IV – Do Direito
DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE IRC
Dispõe o artigo 63º (anterior 58º) do CIRC:
“1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
2 — O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.
(…)
4 — Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;
b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respectivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;
c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;”
Como se pode verificar, nos termos deste artigo, está manifestamente preenchido o requisito da existência de relações especiais entre a sociedade e os seus sócios, sendo que o facto de estes não estarem sujeitos a IRC não exclui a aplicação desta disposição.
Conforme refere o artigo 1º, nº1 da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro: “Nas operações efectuadas entre um sujeito passivo do IRS ou do IRC e qualquer outra entidade, sujeita ou não a estes impostos, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”. Parece manifesto, em face dos termos da operação, que esses termos não foram praticados, sendo naturalmente de salientar que se chegou ao ponto de declarar nos contratos já ter sido pago o preço de venda das acções quando tal não chegou a ocorrer. Na verdade, tudo indicia que o objectivo do conjunto das operações é transferir valor aos sócios, escapando à tributação habitual neste tipo de operações.
Acrescenta ainda o artigo 3º, nº2 da referida Portaria: “Quando os termos e condições de uma operação vinculada em que intervenha um sujeito passivo e uma entidade residente em território português difiram dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, a Direcção-Geral dos Impostos pode efectuar as correcções ao lucro tributável que sejam necessárias para que o respectivo montante corresponda ao que teria sido obtido se a operação se tivesse processado numa situação normal de mercado. Ora, tendo sido demonstrado a prática de condições diferentes das praticadas entre entidades independentes, naturalmente que pode à AT recorrer ao regime dos preços de transferência, não sendo obrigada a recorrer à cláusula geral anti-abuso.
Relativamente ao método a adoptar para estabelecimento das correcções, haverá que recorrer ao disposto no artigo 4º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro:
“1 - O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:
a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;
b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
2 - Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.
É efectivamente discutível se o método referido no artigo 15º, nº3, do CIS para avaliação das participações sociais é o mais adequado a esta realidade. De acordo com o referido artigo:
“3 - O valor das acções, títulos e certificados da dívida pública e outros papéis de crédito é o da cotação na data da transmissão e, não a havendo nesta data, o da última mais próxima dentro dos seis meses anteriores, observando-se o seguinte, na falta de cotação oficial:
a) O valor das acções é o correspondente ao seu valor nominal, quando o total do valor assim determinado, relativamente a cada sociedade participada, correspondente às acções transmitidas, não ultrapassar (euro) 500 e o que resultar da aplicação da seguinte fórmula nos restantes casos: Va = 1/2n[S + ((R1 + R2)/2)f]
em que:
Va representa o valor de cada acção à data da transmissão;
n é o número de acções representativas do capital da sociedade participada;
S é o valor substancial da sociedade participada, o qual é calculado a partir do valor contabilístico correspondente ao último exercício anterior à transmissão com as correcções que se revelem justificadas, considerando-se, sempre que for caso disso, a provisão para impostos sobre lucros;
R1 e R2 são os resultados líquidos obtidos pela sociedade participada nos dois últimos exercícios anteriores à transmissão, considerando-se R1 + R2 = 0 nos casos em que o somatório desses resultados for negativo;
f é o factor da capitalização dos resultados líquidos calculado com base na taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada no Jornal Oficial da União Europeia e em vigor na data em que ocorra a transmissão;
b) No caso de sociedades constituídas há menos de dois anos, quando tiver de recorrer-se ao uso da fórmula, o valor das respectivas acções é o que lhes corresponder no valor substancial, ou seja: Va = S/n
c) Os títulos e certificados da dívida pública e outros valores mobiliários para os quais não se estabelecem no presente Código regras próprias de valorização são tomados pelo valor indicado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, nos termos da alínea d) do n.º 6 do artigo 26.º, que resultar da aplicação da seguinte fórmula: Vt = (N + J)/(1 + rt/1200)
em que:
Vt representa o valor do título à data da transmissão;
N é o valor nominal do título;
J representa o somatório dos juros calculados desde o último vencimento anterior à transmissão até à data da amortização do capital, devendo o valor apurado ser reduzido a metade quando os títulos estiverem sujeitos a mais de uma amortização;
r é a taxa de desconto implícita no movimento do valor das obrigações e outros títulos, cotados na bolsa, a qual é fixada anualmente por portaria do Ministro das Finanças, sob proposta da Direcção-Geral dos Impostos, após audição da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;
t é o tempo que decorre entre a data da transmissão e a da amortização, expresso em meses e arredondado por excesso, devendo o número apurado ser reduzido a metade quando os títulos estiverem sujeitos a mais de uma amortização;
d) Os títulos ou certificados da dívida pública cujo valor não possa determinar-se por esta forma são considerados pelo valor indicado pelo Instituto de Gestão do Crédito Público.”
No entanto, este é o único critério existente na legislação para o caso de acções não cotadas, não se vendo razão para excluir a sua aplicabilidade em sede de preços de transferência. Na verdade, não estando as acções cotadas, haverá que aplicar um critério para determinar o seu valor no momento da transmissão, sendo que a regra deve ser o recurso aos critérios legalmente estabelecidos em casos semelhantes.
Na verdade, embora se reconheça a adopção pelo Direito Fiscal dos critérios de autoavaliação comercial, essa aplicação depende de a norma fiscal o permitir. Como escreve SALDANHA SANCHES, A quantificação da obrigação tributária, Lisboa, CEF, 1995, p. 234, "na determinação do valor de bens pertencentes ao património individual dos sujeitos passivos, estamos a utilizar, como vimos anteriormente, regras com uma função unicamente fiscal, moldadas pelo interesse público de aplicação da lei fiscal e desde o início prejudicadas, na sua objectividade pela unilateralidade dos fins que pretendem alcançar".
Defender a solução proposta pela Requerente, de permitir a utilização de critérios de avaliação não existentes na lei, implicaria correr o risco de criar graves desigualdades, passando cada contribuinte a defender o seu próprio método de avaliação das suas participações sociais.
Embora se possa aceitar que a solução do art. 15º CIS não é a mais adequada, parece-nos evidente é a que está efectivamente presente na legislação.
Entende-se por isso que, neste caso, a Administração Tributária procedeu da forma legalmente prevista, nada havendo por isso a apontar ao critério de avaliação utilizado.
Ora, tendo sido considerada a existência de lançamentos nas contas dos sócios não justificados pelo contrato de transmissão das acções, há naturalmente lugar à tributação destes por força da aplicação da presunção do art. 6º, nº4, CIRS.
Essa tributação deveria ser efectuada no momento da colocação à disposição dos rendimentos, nos termos do ponto 2 da alínea a) do n° 3 do artigo 7,° do CIRS, por via do mecanismo de retenção na fonte à taxa liberatória de 20% (artigo 71,°, n,° 3, alínea c) do CIRS, então vigente).
Tem, por isso, que se considerar que a liquidação impugnada não padece de qualquer vício.
DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Estabelece o artigo 43º/1 da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
No entanto, neste caso não existe efectivamente qualquer erro por parte dos serviços, imputável a estes ou não. Portanto, não podem existir juros indemnizatórios.
IV. Decisão:
Termos em que este Tribunal Arbitral colectivo:
- Julga improcedente o pedido de anulação da liquidação nº 2013 ..., no valor global de €465.486,56
- Julga improcedente o pedido de condenação em juros indemnizatórios.
- Absolve a requerida dos referidos pedidos.
Valor do processo: Fixa-se ao processo o valor de € 465.486,56 (valor indicado e não contestado), e nos termos do art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, o valor da correspondente taxa de arbitragem em €7227,56 , nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas a cargo da entidade requerente.
Lisboa e CAAD, 5 de Dezembro de 2014
Os Árbitros
José Poças Falcão
(Presidente)
Maria Manuela do Nascimento Roseiro
Luís Menezes Leitão