DECISÃO ARBITRAL
A Signatária, DRA. ELISABETE FLORA LOURO MARTINS CARDOSO, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, o qual foi constituído em 10 de setembro de 2021.
I. RELATÓRIO
1. A..., registado com o NIF..., com domicilio na Rua ... nº ..., ... Porto (doravante, Requerente), apresentou no dia 1 de julho de 2021 pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira – serviços Aduaneiros (Alfândega de Braga) (doravante, Requerida).
No PPA, o Requerente pede que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado “provado e procedente e em consequência”: (i) “ser anulada parcialmente a liquidação de ISV de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11º do CISV à componente ambiental”; (ii) “ser a liquidação de ISV retificada, devendo ser a Autoridade tributária condenada a restituir o montante de €7.072,08€ cobrado em excesso”; (iii) “ser pago os juros indemnizatórios à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição; (iv) ser a Requerida condenada no pagamento de custas”.
Na fundamentação do seu pedido, o Requerente alega que o ato de liquidação de ISV em causa no PPA foi emitido com base no disposto no artigo 11.º do Código do ISV (CISV), norma que na redação aplicada pela Requerida viola o disposto artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), ao tributar de forma mais onerosa os veículos usados provenientes de outros Estados-Membros da União Europeia (EMUE), do que os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.
Defende o Requerente que a Requerida liquidou o ISV considerando no seu cálculo as regras do artigo 7.º do CISV, e aplicou a dedução correspondente ao número de anos de uso dos veículos prevista no artigo 11.º do CISV — “introduzida pela Lei 42/2016 de 27 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017), surgida após o Acórdão do Tribunal de Justiça (sétima secção) de 16 de junho de 2016, emitido no processo C-200/15 relativa à ação de incumprimento interposta pela Comissão Europeia contra a República Portuguesa no qual se declarou a desconformidade da anterior redação desta disposição com o art. 110º TFUE” — apenas no cálculo da componente de cilindrada, não tendo aplicado qualquer dedução em função do número de anos de uso dos veículos no cálculo da componente ambiental.
Entende o Requerente: “Sucede, porém, que a atual redação do art. 11º do CISV mantém uma diferenciação com os valores do ISV aplicáveis aos veículos nacionais, e que constam do art. 7º CISV e tabelas anexas, dado que o legislador, em conformidade com o acima referido acórdão do TJUE, alargou as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso, mas introduziu uma outra alteração diferenciadora em relação aos veículos com origem noutros Estados-Membros, com impacto no cálculo do ISV, uma vez que a atual redação do art. 11º CISV limita a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2), ao contrário do que sucede com os veículos usados já matriculados no território nacional. Por esse motivo, a jurisprudência deste CAAD tem decidido uniformemente que a atual redação do art. 11º CISV viola o disposto no art. 110º TFUE (cfr. as decisões dos processos 572/2018-T, 346/2019-T, 348/2019-T, 350-2019-T, 459/2019-T e 660/2019-T). É claramente essa a solução desta questão, uma vez que as normas do Direito da União Europeia, no caso o art. 110º TFUE, têm efeito direto e primado sobre o Direito Nacional, não podendo assim o art. 11º CISV contrariar aquela disposição. Ora, existe uma clara violação do artigo 110.° TFUE sempre que o montante de imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional, o que é o caso”.
No presente PPA, o Requerente impugna:
(i) a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, ao qual foi atribuído o número de processo ...2021..., proferida por despacho do Diretor da Alfandega de Braga, de 21 de abril de 2021; e
(ii) os “atos de liquidação de ISV, contante nas DAV 2017/... e 2018/... da Alfândega de Braga devendo estes ser anulados parcialmente, no que respeita ao cálculo da componente ambiental do Imposto Sobre Veículos (ISV), uma vez que a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11º CISV – viola, claramente, o disposto no art. 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais”;
(doravante conjuntamente designados, ato impugnado).
2. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 2 de julho de 2021 e foi automaticamente notificado à Requerida.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 23 de agosto de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Ainda em 23 de agosto de 2021, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 10 de setembro de 2021.
6. Em 10 de setembro de 2021, o Tribunal proferiu despacho arbitral ordenando a notificação da Requerida para (i) apresentar resposta; (ii) solicitar a produção de prova adicional; e (iii) remeter cópia do processo administrativo (na falta de remessa é aplicado o disposto no artigo 110.º n.º 5 do CPPT); (Prazo: 30 dias). Deste despacho foi a Requerida notificada em 13 de setembro de 2021;
7. Decorrido o prazo legal, a Requerida não veio aos autos cumprir o despacho identificado no ponto anterior, pelo que em 1 de novembro de 2021 o Tribunal arbitral proferiu o seguinte despacho “Compulsados os autos, verifica-se que a Requerida foi notificada do despacho de dia 10 de setembro de 2021, e não veio aos autos apresentar Resposta. Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 110.º n.º 5 do CPPT, ordena-se ao serviço periférico local (Autoridade Tributária e Aduaneira – Serviços Aduaneiros Alfândega de Braga) a remessa, por via eletrónica, do processo administrativo”. Este despacho foi notificado à Requerida por correio registado com aviso de receção;
8. A Requerida veio juntar aos autos o processo administrativo por email de 18 de novembro de 2021 — as partes foram notificadas desta junção na mesma data;
10. Em 23 de novembro de 2021, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor:
“Uma vez que não está requerida a produção de prova testemunhal e não existe matéria de excepção sobre a qual o Requerente careça de se pronunciar (uma vez que a Requerida não apresentou Resposta), ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, e do disposto no n.º 2 do art.º 29.º do RJAT:
1) Dispensa-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT;
2) Faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas sucessivas — prazo de 10 dias; e
3) A decisão final será proferida até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT (até dia 10 de março de 2022 – 5ª feira), devendo o Requerente, até 10 dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente.
Ao abrigo do dever de colaboração, notifica-se as partes para enviarem as peças processuais entregues nos autos em formato WORD”;
Este despacho foi notificado ao Requerente e à Requerida na mesma data;
11. O Requerente e a Requerida não vieram aos autos apresentar alegações;
12. Em 29 de novembro de 2021 o Requerente veio aos autos juntar a taxa arbitral subsequente, e em 31 de janeiro de 2022 o Requerente veio aos autos dizer que: “os serviços das Alfândegas têm dado razão aos contribuintes afirmando que não foi aplicada a tabela D a que se refere o no 1 do art. 110º CISV, aprovado pela Lei nº 22 A/2007 de 29 de junho, de redução do ISV por anos de uso sobre a componente ambiental. Pelo que nada tem a opor quanto à correção da liquidação de ISV e ao reembolso com fundamento n art. 78º LGT, na senda das orientações veiculadas através da Instrução de Serviço nº 35158 – série II de 2021 10 14 do Senhor Subdiretor-Geral da AT, Dr. Miguel Correia, dando assim cumprimento ao Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 2021-09-02, proferido no âmbito do processo C-169/20. 7 – Como consequência das revisões oficiosas tem existido revogação parcial dos atos tributários e a criação de atos de liquidação de substituição, mediante aplicação à componente ambiental do ISV da igual redução percentual em função da idade do veículo então aplicada à componente cilindrada. 8 – Em virtude de tudo o supra exposto, todos os pedidos de revisão oficiosa que entrem nos respetivos serviços da Alfândega correspondente, estão a ser deferidos (havendo aplicação da tabela de redução à componente ambiental), e os reembolsos tem sido efetuados sem qualquer restrição. 9 – De onde deriva o Direito ao Reembolso do ISV”. A Requerida foi notificada deste requerimento na mesma data, e nada veio dizer.
II. SANEAMENTO
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112 A/2011 de 22 de Março).
O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar e decidir.
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1 FACTOS PROVADOS
1. O Requerente apresentou na Alfândega de Braga, por transmissão eletrónica de dados, as Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV): 2017/... e 2018/...para introdução no consumo em Portugal, dos veículos automóveis ligeiros de passageiros, respetivamente:
- da marca ..., modelo..., com a matricula..., movido a combustível gasolina, nº motor ... e cilindrada ... cc;
- da marca ..., modelo..., com a matrícula ..., movido a combustível gasolina, nº de motor ... e cilindrada ... cc;
2. As referidas DAVs foram apresentadas pelo Requerente, através de representante indireto, tendo o declarante inscrito nos Quadros F e G (referentes à apresentação do veículo e matrícula anterior), que os mesmos eram viaturas usadas, com 6361 e 48992 Km percorridos, respetivamente;
3. Tendo em consideração a data da primeira matrícula, respetivamente:
- 2016/02/08, no país de origem Alemanha, é considerado como veículo com até 1 ano de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1 do art 11º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 20%;
- 2015/05/26, no país de origem Alemanha, é considerado como veículo com mais de 3 a 4 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1 do art 11º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 35%;
4. O preço de aquisição pago no país de origem foi de, respetivamente, 124.000,00€ e 128.250,00€;
5. Os impostos em causa foram integralmente pagos pelo Requerente, sem os quais não poderia legalizar os veículos para poderem circular em Portugal;
6. Nas referidas DAV, verifica-se que o cálculo deste imposto foi efetuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira – serviços aduaneiros, com recurso à aplicação da tabela referente aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A) pelo valor total de, respetivamente: 11.725,81€ e 26.131,92€;
7. Do valor total do imposto, respetivamente:
- 9.351,64€ são relativos à componente cilindrada e 4.243,60€ são relativos à componente ambiental;
- 14.604,58€ são relativos à componente cilindrada e 17.781.04€ são relativos à componente ambiental;
8. No que diz respeito à componente cilindrada, respetivamente:
- o valor de 9.351,64€ foi deduzido pela quantia correspondente a 20% do seu montante, ou seja, 1.870,33€, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do art. 11º CISV aplicável aos veículos usados;
- o valor de 14.604,58€ foi deduzido pela quantia correspondente a 35% do seu montante, ou seja, 5.111,60€, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do art. 11º CISV aplicável aos veículos usados;
9. Relativamente aos montantes respeitantes à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental nos 2 veículos, não foi aplicada qualquer percentagem de redução;
10. Em 09/02/2021 o Requerente apresentou, junto da Alfandega de Braga, ao abrigo do disposto no art. 78º da LGT, a revisão da liquidação do referido imposto liquidado referente aos 2 veículos acima identificados, dando origem ao processo de Revisão Oficiosa, a que foi atribuído o nº ...2021..., tendo sido notificado para audição prévia no dia 08/04/2021, apresentando a sua audição prévia;
11. Tal pedido de revisão foi indeferido, por despacho proferido pelo Diretor da Alfandega de Braga de 21/04/2021, com os fundamentos melhor descritos na referida decisão (que foi junta com o PPA e também foi junta pela Requerida no seu email de dia 18 de novembro de 2021), a qual ora se considera integralmente reproduzida;
III.2 FACTOS NÃO PROVADOS
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.
III.3 FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.
IV. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA
A questão de fundo a analisar é a conformidade do disposto no artigo 11.º do CISV — norma com base na qual foram emitidos os atos de liquidação de ISV impugnados — com o disposto no artigo 110.º do TFUE (princípio da não discriminação), na medida em que a norma do CISV tributa de forma mais onerosa os veículos usados provenientes de outros EMUE, do que os veículos similares disponíveis no mercado Nacional.
Vejamos o quadro legal em análise:
O ISV (regulado pelo Código do Imposto sobre Veículos, previsto na Lei n.º 22-A/2007, Diário da República n.º 124/2007, 1º Suplemento, Série I) “obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infra-estruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” (artigo 1.º do CISV), e incide sobre os veículos automóveis identificados no artigo 2.º do CISV.
A base tributável do ISV está prevista no artigo 4.º do CISV:
“1 - O imposto sobre veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respetivo certificado de conformidade:
a) Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de partículas, quando aplicável, e o nível de emissão de dióxido de carbono (CO(índice 2)) relativo ao ciclo combinado de ensaios resultante dos testes realizados ao abrigo do 'Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle - NEDC) ou ao abrigo do 'Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros' (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP), consoante o sistema de testes a que o veículo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica;
b) Quanto aos automóveis ligeiros de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela B, a cilindrada e o nível de emissões de partículas, quando aplicável;
c) Quanto aos veículos fabricados antes de 1970, aos motociclos, triciclos, quadriciclos e autocaravanas, a cilindrada”.
Sob a epígrafe de “Facto gerador”, o n.º 1 do artigo 5.º do CISV determina que “Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”. Entende-se por “Admissão”, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional; e “Importação”, a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional – alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 5.º do CISV. O ISV torna se exigível “no momento da introdução no consumo”, quando o facto gerador do imposto é “o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional” – n.º 1 do artigo 6.º do CISV. Nos termos do mesmo n.º 1 do artigo 6.º, a “introdução no consumo” considera-se verificada:
a) “No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos”;
b) “No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares”. (Vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de janeiro de 2010, proferido no processo nº 0766/09).
As taxas de ISV são as previstas no disposto no artigo 7.º, norma que prevê:
“Artigo 7.º
Taxas normais - automóveis
1 - A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:
a) Aos automóveis de passageiros;
b) Aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia.
TABELA A
2 - A tabela B, a seguir indicada, tem em conta exclusivamente a componente cilindrada, sendo aplicável aos seguintes veículos:
a) Na totalidade do imposto, aos automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e altura interior da caixa de carga inferior a 120 cm;
b) Na totalidade do imposto, aos automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e tracção às quatro rodas, permanente ou adaptável;
c) Aos automóveis abrangidos pelos n.os 2 e 3 do artigo seguinte, nas percentagens aí previstas;
d) Aos automóveis abrangidos pelo artigo 9.º, nas percentagens aí previstas.
TABELA B
Componente cilindrada
3 - Ficam sujeitos a um agravamento de (euro) 500 no total do montante do imposto a pagar os veículos ligeiros equipados com sistema de propulsão a gasóleo, sendo o valor acima referido reduzido para (euro) 250 relativamente aos veículos ligeiros de mercadorias referidos no n.º 2 do artigo 9.º, com exceção dos veículos que apresentarem nos respetivos certificados de conformidade ou, na sua inexistência, nas homologações técnicas, um valor de emissão de partículas inferior a 0,002 g/km.
4 - Sempre que o imposto relativo à componente ambiental apresentar um resultado negativo, será o mesmo deduzido ao montante do imposto da componente cilindrada, não podendo o total do imposto a pagar ser inferior a (euro) 100, independentemente do cálculo que resultar da aplicação da tabela A ou da tabela B.
5 - A cilindrada dos automóveis movidos por motores Wankel corresponde ao dobro da cilindrada nominal, calculada nos termos do Regulamento das Homologações CE de Veículos, Sistemas e Unidades Técnicas Relativo às Emissões Poluentes, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 202/2000, de 1 de Setembro.
6 - Nas situações previstas na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º, o montante do imposto a pagar é o que resulta da diferença entre o imposto incidente sobre o veículo após a respectiva operação, atento o tempo de uso entretanto decorrido, e o imposto originariamente pago, excepto nos casos de mudança de chassis, em que o imposto é devido pela totalidade.
7 - (Revogado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro).
8 - Os veículos que se encontrem equipados com motores preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, exclusivamente de gás de petróleo liquefeito (GPL), gás natural ou bioetanol, são tributados, na componente ambiental, pelas taxas correspondentes aos veículos a gasolina.
9 - Os veículos que se encontrem equipados com motores preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, de biodiesel são tributados, na componente ambiental, pelas taxas correspondentes aos veículos a gasóleo”.
A letra do artigo 11.º n.º 1 do CISV — na redação vigente à data da emissão do ato impugnado, que é a redação da Lei 42/2016, de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017 — LOE 2017) — era, à data, a seguinte:
“Artigo 11.º
Taxas - veículos usados
1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:
TABELA D
2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.
3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:
ISV=((V/VR) x Y) + C
em que:
ISV representa o montante do imposto a pagar;
V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;
VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;
Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;
C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.
4 - Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume--se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.
5 – (Revogado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro)”.
A letra do artigo 110.º do TFUE é a seguinte:
“Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares.
Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções”.
Esta redação do artigo 11º, n.º 1 do CISV introduzida pela LOE 2017 surgiu após o Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 16 de junho de 2016, emitido no processo C-200/15 relativo à ação incumprimento interposta pela Comissão Europeia contra a República Portuguesa no qual se declarou a desconformidade da anterior redação desta disposição (11º, n.º 1, do CISV) com o art. 110º TFUE, nos seguintes termos:
“A título preliminar, importa referir que a Comissão solicita, no petitum da petição, que figura no n.° 1 do presente acórdão, que seja declarado que a República Portuguesa não cumpriu os deveres que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território nacional, um método de cálculo da desvalorização destes veículos «que não tem em conta o valor real do veículo e, em particular, que não tem em conta a desvalorização antes de o veículo atingir 1 ano, nem qualquer outra desvalorização no caso de veículos com mais de 5 anos». A este respeito, embora a Comissão utilize a expressão «em particular», decorre do corpo da sua petição que a Comissão formula, na realidade, duas acusações, a saber, por um lado, para efeitos do cálculo do imposto sobre os veículos em causa, a não tomada em consideração da desvalorização dos veículos automóveis utilizados há menos de um ano e, por outro, a determinação de um limite máximo de 52% da desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos. Nestas circunstâncias, deve entender‑se que a ação intentada pela Comissão abrange estas duas acusações.
23 Conforme resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros Estados‑Membros (v., designadamente, acórdãos de 18 de janeiro de 2007, Brzeziński, C‑313/05, EU:C:2007:33, n.° 27, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 34).
24 Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 21; de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 53; e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 25).
25 Assim, a cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro é contrária ao artigo 110.° TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, acórdãos de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C‑345/93, EU:C:1995:66, n.° 20, e de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 23).
26 Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar‑se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).
27 No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados‑Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.
28 Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.
29 Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 78).
30 Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.
31 Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE.
32 A este respeito, não procede o argumento da República Portuguesa segundo o qual a aplicação da tabela de percentagens fixas é frequentemente mais vantajosa para os veículos automóveis com mais de cinco anos, designadamente quando estão em causa veículos clássicos ou de coleção, dado o seu valor histórico. Com efeito, ainda que esta afirmação procedesse, esta tabela continuaria a ser, pelo menos nalguns dos casos indicados no n.° 30 do presente acórdão, discriminatória.
33 Há também que rejeitar o argumento da República Portuguesa segundo o qual o sistema de tributação misto dos veículos usados, baseado numa tabela de percentagens fixas e, complementarmente, quando o sujeito passivo o pretenda, numa avaliação do veículo, está organizado de modo a excluir qualquer efeito discriminatório, pelo que é compatível com o artigo 110.° TFUE.
34 Com efeito, não basta, para evitar que um sistema de tributação seja contrário a este artigo, que o sujeito passivo tenha possibilidade de requerer uma avaliação do veículo em causa (v., neste sentido, acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 41). Esta possibilidade não atenua o facto de que a tabela de percentagens fixas aplicável, a não ser que o sujeito passivo requeira uma avaliação do veículo, é discriminatória e não permite garantir que os veículos usados importados de outros Estados‑Membros sejam sujeitos a um imposto que não exceda o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional.
35 Do mesmo modo, há que afastar os argumentos da República Portuguesa relativos ao facto de o artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos assentar em razões de ordem prática, uma vez que, por um lado, a maioria dos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros para Portugal são veículos que têm entre um e cinco anos e que, por outro, tanto a aplicação do método de cálculo do imposto baseado na avaliação de todos os veículos automóveis em causa como a conceção e a aplicação de uma tabela que tenha exaustivamente em conta todos os critérios, tais como a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, gerariam inconvenientes administrativos, custos elevados e perdas de tempo.
36 A este respeito, no que se refere às dificuldades práticas relacionadas com o cálculo do valor real dos veículos usados para efeitos de cálculo do imposto em litígio, admitindo que a existência dessas dificuldades possa ser comprovada, elas não podem justificar a aplicação de imposições internas discriminatórias em relação aos produtos originários de outros Estados‑Membros, contrárias ao artigo 110.° TFUE (v. acórdão de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C‑345/93, EU:C:1995:66, n.° 19).
37 Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração da desvalorização real dos veículos não tem necessariamente que levar a uma avaliação ou a uma prova pericial de cada um deles. Com efeito, evitando as dificuldades inerentes a tal sistema, um Estado‑Membro pode fixar, através de tabelas de percentagens fixas determinadas por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa e calculadas com base em critérios como a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, um valor dos veículos usados que, regra geral, é muito próximo do seu valor real (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 24, e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 29).
38 Assim, embora não decorra desta jurisprudência que as tabelas de percentagens fixas devam ser concebidas com base em todos estes critérios, uma vez que esta contém só, como confirma a utilização do termo «como», uma lista exemplificativa e não exaustiva de critérios de elaboração das referidas tabelas, importa contudo que, conforme resulta dos n.os 24 a 26 do presente acórdão, a aplicação destas tabelas não conduza, ainda que apenas em certos casos, a uma tributação dos veículos usados importados de outros Estados‑Membros superior à dos veículos similares já matriculados no Estado‑Membro em causa.
39 A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração de vários fatores de desvalorização, como os indicados no n.° 37 do presente acórdão, é suscetível de garantir que a tabela de percentagens fixas reflita de forma muito mais precisa a desvalorização efetiva dos veículos e permita atingir o objetivo de uma tributação dos veículos usados importados que não seja em caso algum superior ao montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional (v., neste sentido, acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 28).
40 Resulta de todas as considerações precedentes que a ação da Comissão deve ser julgada procedente.
41 Por conseguinte, há que declarar que a República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE”.
Contudo, a redação do art. 11º do CISV dada pela LOE 2017 mantém uma diferenciação com os valores do ISV aplicáveis aos veículos nacionais, e que constam do art. 7º CISV e tabelas anexas, dado que o legislador, em conformidade com o acima referido acórdão do TJUE, alargou as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso, mas introduziu uma outra alteração diferenciadora em relação aos veículos com origem noutros Estados-Membros, com impacto no cálculo do ISV, uma vez que a actual redacção do art. 11º CISV limita a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada — não aplicando as percentagens de redução à componente ambiental (emissão de CO2).
Ora, uma vez que, nos termos do artigo 7.º do CISV, a taxa de ISV é determinada de acordo com as duas componentes (cilindrada e ambiental), tal significa que, no que respeita à componente ambiental, os veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros EMUE vão ser tributados como se fossem veículos novos — ou seja, vão ser sujeitos a um imposto superior ao montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional — o que, nos termos expostos, constitui uma violação do disposto no artigo 110.º do TFUE.
Note-se que o Estado Português tanto sabe que assim é, que na Lei n.º 75-B/2020, de 31/12 (Orçamento do Estado para 2021) veio alterar a redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV passando a norma a prever: “1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente”.
Embora seja discutível se a nova redação do artigo 11.º n.º 1 já respeita cabalmente o Direito Comunitário (questão que não se coloca no âmbito dos presentes autos), a verdade é que: “Mais precisamente, um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional” (vide Acórdão do TJUE referido supra).
Temos assim de concluir do exposto, que o Requerente está correto quando afirma que a redação do artigo 11.º n.º 1 à data da emissão do ato impugnado (redação da LOE 2017) viola o artigo 110.º do TFUE (antigo artigo 90.º do TCE), uma vez que o quadro legal em análise não garante que “os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE” (vide Acórdão do TJUE referido supra).
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8.º n.º 3 da CRP “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”. Esta norma traduz o princípio do primado do Direito Comunitário (Acórdão do TJUE — Costa contra Enel, de 15 de Julho de 1964) que determina que os Estados (designadamente a Autoridade Tributária e Aduaneira) não podem aplicar normas que violem as normas de Direito Comunitário, designadamente as normas dos Tratados.
No caso concreto, a Requerida não podia (i) ter aplicado o artigo 11.º do CISV em violação artigo 110.º do TFUE, quando emitiu os atos de liquidação de ISV, e (ii) ter mantido esses atos de liquidação, recusando-se a reconhecer a ilegalidade dos mesmos na decisão do procedimento de Revisão Oficiosa. Ao fazê-lo, incorreu em erro (de Direito) imputável aos serviços da AT (note-se que é já muito extensa a jurisprudência do CAAD que existe sobre esta matéria). Neste sentido, veja-se, entre muitas outras, a Decisão Arbitral proferida em 17 de dezembro de 2020 no processo n.º 296/2020-T, a qual acompanhamos integralmente:
“37. Como se disse supra, para o Tribunal de Justiça, a proibição contida no artigo 110.º TFUE serve de complemento às disposições relativas à supressão de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente no âmbito do mercado interno. Muito embora os Tratados admitam compressões à proibição de restrições quantitativas à importação e exportação inscrita nos artigos 34.º e 35.º do TFUE (cf. artigo 36.º), idêntica possibilidade não procede em matéria de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente, onde vale uma proibição absoluta, entenda-se, uma proibição não mediada por razões imperativas de interesse geral ou pelos interesses públicos expressamente elencados no artigo 36.º (cf., por ex., o Acórdão do Tribunal de Justiça de 11-03-1992, Sociétés Compagnie commerciale de l'Ouest, processos apensos C-78/90, C-79/90, C-80/90, C-81/90, C-82/90 e C-83/90, pontos 24 ss., disponível em http://curia.europa.eu/).
38. Acresce que a última palavra sobre a interpretação do direito primário e derivado da União pertence ao Tribunal de Justiça. Nisso consiste, aliás, o princípio da autonomia da ordem jurídica da União (cf., sobre este princípio, entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal de Justiça de 03-09-2008, Kadi, processos apensos C-402/05 e C-415/05 P, e na doutrina, Tobias Lock, «Walking on a tightrope: the draft ECHR accession agreement and the autonomy of the EU legal order», Common Market Law Review, 48, 2011, pp. 1025-1054). Assim sendo, não pode a Requerida interpretar o artigo 110.º do TFUE à revelia daquilo que, sobre o mesmo preceito, vem sendo dito pelo Tribunal de Justiça.
39. Tenha-se presente, em todo o caso, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o artigo 110.º TFUE não desconsidera o interesse geral de proteção do ambiente. Pelo contrário, como se fez referência, admite-se que os Estados-membros estabeleçam um sistema de tributação diferenciado para certos produtos em função de critérios objetivos, como, por ex., a natureza das matérias primas utilizadas ou os processos de produção aplicados. O que o direito da União não permite é que aquela tributação resulte em desfavor para os produtos provenientes de outros Estados-membros.
40. Depois, o que o Requerente veio ao processo peticionar é – tão-só – o funcionamento dos princípios do primado e do efeito direto, ou seja, a desaplicação das normas nacionais contrárias ao direito da União, a correspondente anulação parcial do ato de liquidação e a prática do ato legalmente devido à luz da norma de direito da União dotada de efeito direto – o artigo 110.º TFUE. Daqui não resulta entorse para o princípio da legalidade da administração nem para o princípio da legalidade fiscal, antes um reforço dessa mesma legalidade, à luz de um princípio de preferência de aplicação.
41. Finalmente, a Requerida faz uma incorreta interpretação das normas do artigo 66.º CRP (als. f) e h) do n.º 2) e das convenções internacionais em matéria ambiental de que Portugal é signatário. O artigo 66.º, n.º 2, nas alíneas que agora importa apreciar, dispõe o seguinte: «2- Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com envolvimento e a participação dos cidadãos: (...) f) Promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial (...); h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida» (o itálico é nosso). É certo que o direito ao ambiente e qualidade de vida, apesar de consagrado no catálogo dos direitos económicos, sociais e culturais possui, em algumas das suas dimensões, suficientemente determinidade para constituir um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.º CRP) – neste sentido, cf. M. Glória Dias Garcia / Gonçalo Matias, “Artigo 66.º”, in Constituição Portuguesa Anotada (org. Jorge Miranda/Rui Medeiros), vol. 1, 2.ª edição revista, UCE, Lisboa, 2017, p. 974.
Não é o caso, todavia, dos segmentos destacados pela Requerida, porquanto aí estarão em causa normas programáticas, isto é, normas constitucionais impositivas de legislação, na determinação do conteúdo das quais goza o legislador, por via de legitimação democrática, de margem de conformação não negligenciável. Por sua vez, o Acordo de Paris, do qual – aliás – a União Europeia é subscritora, juntamente com os seus Estados-membros - contém um conjunto de compromissos vinculativos em matéria ambiental, mas não inclui nenhuma obrigação específica em matéria de tributação automóvel, que esteja apta a reduzir drasticamente a margem de conformação de que o legislador parlamentar dispõe nesta matéria.
42. Isto para dizer que, ao manter-se fiel ao princípio do primado no que respeita à interpretação do artigo 110.º TFUE – o que in casu significa estender a redução prevista no artigo 11.º CISV à componente ambiental – o Estado Português não estará, certamente, a “desaplicar” nem tampouco a violar as obrigações internacionais subscritas com o Acordo de Paris, ou as normas constitucionais impositivas de legislação em matéria ambiental, vertidas nas alíneas f) e h) do n.º 2 do artigo 66.º. O que sucede é que o empenho na construção e aprofundamento da União Europeia (artigo 7.º, n.º 6 CRP), do qual o princípio do primado é reflexo, constitui um interesse constitucionalmente relevante e que tem de ser tido em conta no momento da definição da política ambiental do Estado Português.
43. Dito de outro modo, Portugal não tem uma política ambiental – nacional ou internacional – desgarrada ou à revelia do projeto europeu, dos Tratados (TUE e TFUE) e da própria política da União em matéria de ambiente (artigo 191.º TFUE), que como se sabe é uma matéria de competência partilhada entre a União e os Estados-membros (cf. artigo 4.º, n.º 2, al. e) do TFUE). É isso que resulta, no fundo, da autocontenção soberana presente no artigo 7.º, n.º 6 e no artigo 8.º, n.º 4 CRP.
44. Uma vez que o thema decidendum levanta uma questão de interpretação do direito da União, cumpre indagar se este Tribunal Arbitral não estaria, enquanto tribunal que decide em última instância (cf. artigo 267.º TFUE), obrigado a colocar ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial com o propósito de dilucidar a compatibilidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º TFUE. Porém, como resulta da denominada jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o “ato clarificado” (cf. acórdão do Tribunal de Justiça de 27-03-1963, Da Costa en Schaake NV, processos apensos 28/62, 29/62 e 30/62) não existe obrigação de reenvio prejudicial, nos termos do artigo 267.º do TFUE, quando a questão suscitada seja materialmente idêntica a questão que já tenha sido objeto anteriormente de uma decisão com caráter prejudicial. Em face da jurisprudência de que supra mencionada, parece a este Tribunal indiscutível que, apesar de o Tribunal de Justiça ainda não ter tido ensejo de se debruçar, em sede de reenvio prejudicial ou noutra, sobre a atual configuração do artigo 11.º do CISV, aquele acervo jurisprudencial, tendo por objeto questões materialmente idênticas, constitui suporte bastante para a conclusão alcançada.
45. Em consequência, entende-se que a atual legislação portuguesa vertida no artigo 11.º do Código do ISV não está em conformidade com o direito da União, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE. Por conseguinte, determina este Tribunal Arbitral a anulação parcial do ato de liquidação de ISV objeto do pedido, por o mesmo padecer de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE”.
Para além da Decisão transcrita, chamamos também a atenção para:
(1) entre muitas outras, as Decisões Arbitrais proferidas nos processos: (i) 572/2018-T; (ii) 346/2019-T; (iii) 158/2020-T; (iv) 201/2020-T; (v) 293/2020-T; (vi) 296/2020-T; (vii) 297/2020-T; (viii) 329/2020-T; e (ix) 391/2020-T; e
(2) O Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção) de 2 de setembro de 2021, proferido no processo C‑169/20, que decidiu: “Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE”.
Uma das questões que tem sido levantada no âmbito da problemática da interpretação e aplicação do artigo 11.º do CISV, é a da inconstitucionalidade da interpretação do art. 11º do CISV em conformidade com o artigo 110º do TFUE. Relativamente à mesma, acompanhamos na íntegra a Decisão Arbitral de 23 de Novembro de 2020, proferida no processo n.º 293/2020-T, para a qual remetemos:
“12. Veio ainda a Requerida alegar que a desaplicação do artigo 11.º do CISV resulta numa violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º da CRP e do disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4, 66º, e 266.º, todos da CRP, i.e. violação dos princípios do Estado de Direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
É manifesto que tal não sucede, sendo de salientar que, nos termos do art. 8º, nº4 da Constituição, "as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático". Não é assim possível aos tribunais, salvo em caso de violação dos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, que in casu não se verificam, recusar a aplicação de normas do Direito da União Europeia invocando disposições do Direito Interno Português.
Relativamente à invocação da limitação dos recursos em sede da arbitragem tributária, tal resulta da vinculação da Administração Tributária à jurisdição do CAAD resultante da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, com as alterações resultantes da Portaria 287/2019, de 3 de Outubro, e ao regime instituído no RJAT que este Tribunal tem que observar. É por isso que tem o dever de apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação de ISV aqui em causa, limitado e no âmbito da competência que lhe é conferida pelo artigo 2.º n.º s 1 e 2 do RJAT, não se verificando qualquer inconstitucionalidade nessa sua competência. Na verdade, a existência de tribunais arbitrais é reconhecida pelo art. 209º, nº2, da Constituição”.
No que respeita à questão dos juros indemnizatórios, acompanhamos na íntegra e remetemos para o exposto na Decisão Arbitral de 31 de dezembro de 2020, proferida no processo nº 922/2019-T (presidido pela Conselheira Fernanda Maçãs), atendendo à semelhança da com a situação em causa nos autos:
“Como ficou dito, a Requerente solicita o pagamento dos juros indemnizatórios sobre os montantes indevidamente pagos, calculados à taxa legal desde o trânsito em julgado que declare a ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação impugnada, nos termos dos n.ºs. 1 e 3 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 61.º do CPPT, ex vi do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
«Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
(…)
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(...)
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
(…)»
Neste caso, independentemente de a ilegalidade ser ou não ser imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, há direito da Requerente a juros indemnizatórios nos termos mencionados.
Como consignado, no Acórdão do STA de 14/10/2020, processo n.º 01273/08-6BELRS01364/17, perfeitamente transponível para o caso em apreço, “Ora, no caso concreto, verificado o erro e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que, para além da devolução dos montantes ilegalmente retidos, a Recorrida tem direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores (ilegalmente retidos) até integral restituição, sendo indiferente, ao reconhecimento desse direito, que o erro decorra especialmente da violação de normas comunitárias e não apenas de normas nacionais. Ou seja, não é o facto do erro de violação de lei resultar da desconformidade do ordenamento nacional com o Direito da União que sustenta o afastamento do direito a juros indemnizatórios uma vez que o que releva é a imputabilidade do seu cometimento à Administração Fiscal, como é o caso. As normas de direito comunitário porque vigoram directamente na ordem jurídica interna, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo ser afastadas pelos Estados Membros através de imposição de normas de direito interno, que, como se viu, foram aplicadas pela Administração Fiscal.”
Por sua vez, quanto ao momento a partir do qual devem ser calculados tais juros, constitui jurisprudência uniforme do STA, consolidada no Acórdão do Pleno de 4 de Março de 2020 Processo n.º 08/19, o seguinte:
“A questão da medida no tempo dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão da liquidação por iniciativa do contribuinte tem-se colocado diversas vezes e mereceu resposta uniforme, desde logo, do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, orientação jurisprudencial essa que actualmente está consolidada (cfr. ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 23/05/2018, rec.1201/17; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 24/10/2018, rec. 99/18.3BALSB; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 27/02/2019, rec.22/18.5BALSB; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 8/05/2019, rec. 116/18.7BALSB; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 3/07/2019, rec. 4/19.0BALSB; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 11/12/2019, rec. 51/19.1BALSB) (Em três dos citados arestos do Pleno o acórdão fundamento identificado pelo recorrente é idêntico ao do presente processo, a saber, o exarado pela Secção do S.T.A., em 28/01/2015, no âmbito do rec.722/14).
Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, remetemos para a fundamentação expendida num desses acórdãos do Pleno, o proferido em 27 de Fevereiro de 2019 no processo n.o 22/18.5BALSB:
"(...)
O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.
A decisão arbitral recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação.». É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do acto de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do n.º 3 do art.º 43º da LGT.
Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de acto ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte, já que o prazo de um ano fixado nesse normativo nem sequer coincide com o prazo de quatro meses que a LGT fixa para a emissão de decisão (art. 57.º, n.o 1).
(...)".
Ante o exposto, no que concerne a juros indemnizatórios, nos casos de pedidos de revisão oficiosa, apenas são devidos juros depois de decorrido um ano a partir da iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, como decorre da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
No caso em apreço, decorre dos factos dados como provados, que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado 28 de Maio de 2019, logo menos de um ano antes da apresentação deste PPA em 30 de Dezembro de 2019, pelo que a Requerente não tem direito, no âmbito deste processo, a juros indemnizatórios. Qualquer atraso na reposição da situação original da Requerente, decorrente da anulação, apenas pode ser apreciado e decido em sede de execução de sentença.”
Na situação em causa nos autos, o pedido de Revisão Oficiosa foi apresentado em 09 de fevereiro de 2021, logo menos de um ano antes da apresentação deste PPA (em 1 de julho de 2021), pelo que o Requerente não tem direito, no âmbito deste processo, a juros indemnizatórios. Qualquer atraso na reposição da situação original do Requerente, decorrente da anulação, apenas pode ser apreciado e decidido em sede de execução de sentença.
V. DECISÃO
Termos em que, decide este Tribunal:
a) Julgar procedente o pedido de anulação parcial do ato impugnado;
b) Condenar a Requerida a reembolsar o Requerente no montante de ISV pago em excesso;
c) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;
d) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 7072,08.
VII. CUSTAS
O montante das custas (a cargo da Requerida) é fixado em EUR 612,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).
Notifique-se.
Notifique-se o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 72.º n.º 3 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro).
Lisboa, 21 de fevereiro de 2022.
Elisabete Flora Louro Martins Cardoso
(Árbitro Singular)