Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 266/2021-T
Data da decisão: 2022-02-14  IRC IVA  
Valor do pedido: € 160.729,01
Tema: IRC e IVA/2015 e 2016 - Regime Especial de Transmissão de Bens em Segunda Mão, Objetos de Arte, de Coleção e Antiguidades (DL nº 199/96) - Erros sobre pressupostos de facto e de direito – Fundamentação.
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SUMÁRIO:

I-A  fundamentação dos atos  de liquidação no que respeita a casos, referentes ao ano de 2015, em que a coluna relativa ao valor do influxo financeiro recebido pelo sujeito passivo  se encontra em branco ou a zero,  não obstante nessas mesmas linhas se apurar um diferencial que foi objeto de correção em sede inspetiva,  não  permite que através dos seus termos se apreendam com precisão os factos com base nos quais se decidiu a correção em causa  não sendo, por isso, clara e  sendo, ainda,  insuficiente por não permitir ao destinatário dos atos um conhecimento concreto da motivação destes, no que respeita à base factual, pelo que, os atos em causa padecem, nesta medida,  de vício de fundamentação à luz do art. 77.º da LGT e do n.º 2 do art. 153.º, do Código de Procedimento Administrativo, ocorrendo, ainda, o mesmo vício no que respeita à correção respeitante ao ano de 2016, aqui por  ausência de qualquer elemento explicativo do alegado diferencial.

II- Tendo a Requerida constatado  a existência de uma incongruência na contabilidade do sujeito passivo, na medida em que esta comprou mercadoria, não a vendeu e a mesma não  consta da contabilidade em inventários, e  tendo notificado o sujeito passivo para apresentar documentos comprovativos do destino dado aos bens em causa, sem que este o tivesse feito, ainda assim, estava vedado à Requerida desconsiderar a posição da Requerente como adquirente   nas  faturas em referente às mercadorias em causa e  considerar que os bens constantes das mesmas  foram, não comprados, mas sim vendidos, pelo preço pela qual a Requerente declarou tê-los adquirido nas faturas e  sem consideração de qualquer custo, por tal consubstanciar   determinação da matéria tributável por métodos indiretos sem que, para o efeito, tivesse sido observado pela AT qualquer um dos formalismos prescritos pelos arts. 87.º e ss. da LGT sendo, por isso, ilegal, a correção em causa.

III- Relativamente ao regime de donativos o legislador teve a preocupação de proceder à sua definição, estabelecendo o art. 61.º do EBF que: “Para efeitos fiscais, os donativos constituem entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, previstas nos artigos seguintes, cuja atividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional.”, acrescendo que a referência a “entregas” (art. 61.º do EBF), bem como a referência a “depreciações”, nas regras relativas à avaliação de donativos em espécie (art. 62.º, n.º 11), ou até o compliance próprio dos donativos, ao referir-se a “dinheiro” e a “bens” (art. 66.º, do EBF), são demonstrativos de que o regime de mecenato previsto no EBF, não aceita donativos de serviços, a não ser nos casos especiais nele previstos que, no caso, não se verificam.

IV- Não resulta  das alíneas a) e b) do art. 10.º do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidade, em IVA, que as despesas de transporte recebidas do comprador pelo sujeito passivo sejam, para efeitos de valor tributável, deduzidas ao valor que àquele foi faturado para efeitos de valor tributável do imposto.

 

V- O denominado regime de tributação da margem consagrado no Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro, não se aplica exclusivamente a contratos de comissão de venda em leilão, pois que, de acordo com o disposto na al. c) do artigo 2.º, alínea a), n.º 1, artigo 3.º do referido Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro, «As transmissões de bens em segunda mão, de objetos de arte, de coleção ou de antiguidades, efetuadas por um sujeito passivo revendedor, são sujeitas ao regime especial de tributação da margem, desde que este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade».

VI- Conforme se decidiu no acórdão do o Supremo Tribunal Administrativo, de 7-10-1998, proferido no processo n.º 22801 “O princípio constitucional da proporcionalidade impede que os poderes conferidos à Administração Fiscal para suprir deficiências de escrita dos contribuintes de que resultem efeitos negativos para a Fazenda Pública sejam utilizados para permitir a cobrança de impostos em quantidades superiores às que presumivelmente resultariam da aplicação das normas de incidência e determinação da matéria colectável.”

VI- A expressão «devidamente justificada»,  relativa à diferença dos valores de aquisição e de revenda, utilizada no artigo 4.º, nº 1,  do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidade, é compatível com a utilização de qualquer meio de prova para a sua determinação.

VII- Não estando indicado na fundamentação dos atos de liquidação de juros compensatórios o comportamento que é imputado ao contribuinte que justifica a imposição do pagamento dos mesmos e  apenas se referindo no relatórios de inspeção tributária que “São devidos juros compensatórios, quanto à(s) liquidação(ões) subsequente(s), resultante(s) do(s) procedimento(s) de inspeção nos termos do artº 35º da LGT, se aplicável”, verifica-se  o vício de insuficiência de  fundamentação, equivalente à sua falta, nos termos do nº 2, do 153º, do Código de Procedimento Administrativo.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

I – Relatório

 

1.No dia 30.04.2022, a Requerente, A...– UNIPESSOAL, LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.º...,  Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  dos atos tributários de liquidação de IRC n.º 2019..., relativo ao exercício de 2015;nº  2019..., relativo ao exercício de 2016 bem como  dos atos tributários de liquidação de IVA  nº  2019..., relativo ao período 2015/01, n.º 2019..., relativo ao período 2015/02, n.º 2019..., relativo ao período 2015/03, n.º 2019..., relativo ao período 2015/04, n.º 2019..., relativo ao período 2015/05, n.º 2019..., relativo ao período 2015/06, n.º 2019..., relativo ao período 2015/07, n.º 2019..., relativo ao período 2015/08, n.º 2019..., relativo ao período 2015/10, n.º 2019..., relativo ao período 2015/11 e n.º 2019..., relativo ao período 2015/12;  n.º 2019..., relativo ao período 2016/01, n.º 2019..., relativo ao período 2016/03, n.º 2019..., relativo ao período 2016/04, n.º 2019..., relativo ao período 2016/05, n.º 2019..., relativo ao período 2016/06, n.º 2019..., relativo ao período 2016/07, n.º 2019..., relativo ao período 2016/08, n.º 2019..., relativo ao período 2016/10, n.º 2019..., relativo ao período 2016/11 e n.º 2019..., relativo ao período 2016/12 e, bem assim, dos correspondentes atos tributários de liquidação de juros compensatórios.

 

A Requerente peticiona, ainda, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”) ao reembolso do montante dos valores indevidamente pagos, bem como de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT.

 

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros os signatários, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído em 12.07.2021.

 

3. A Requerida apresentou resposta, na qual, para além de se defender por impugnação, suscitou a exceção de cumulação ilegal de pedidos, alegando, em síntese que:

 

a.            Do teor do pedido de pronúncia arbitral, resulta não estarem reunidos os pressupostos do n.º 1 do art. 3.º do RJAT.

b.            O facto de os pedidos resultarem da mesma ação inspetiva não implica que se esteja perante a possibilidade legal de cumulação de pedidos prevista no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT uma vez que os pedidos formulados nos presentes autos respeitam a diferentes atos tributários, mais concretamente a liquidações de IRC e de IVA, e não dependem da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

c.            Esta solução normativa vem no seguimento do disposto no art. 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), o qual dispõe que “Na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos e coligar-se os autores em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.”

d.            De acordo com o disposto no citado preceito só é admissível cumulação de pedidos quando estes se reportem a tributos idênticos, porquanto a pretensão de anulação de um determinado tributo assenta em normas próprias desse mesmo tributo, enquanto a pretensão de anulação de outro imposto, assenta em diferentes normas, próprias desse outro imposto.

e.            No caso em apreço, verifica-se uma situação de cumulação ilegal de pedidos, na medida em que no mesmo pedido de pronúncia arbitral são deduzidos pedidos de anulação de dois tributos diferentes, IVA e IRC, sendo que, cada uma das pretensões de anulação são diferentes.

f.             Nos termos da al. c) do n.º 2 do art.186.º, bem como do art. 187.º, do n.º 2 do art. 576.º, e da al. b) do art. 577.º, todos do Código de Processo Civil (“CPC”) (aplicável ex vi al. e) do n.º 1, do art. 29.º do RJAT), a cumulação ilegal de pedidos constitui exceção dilatória determinante da absolvição da instância.

g.            Nos termos supra expostos, deverá ser julgada procedente a exceção da cumulação ilegal de pedidos, absolvendo-se a entidade Requerida da instância quanto à totalidade do pedido ou, subsidiariamente, relativamente ao pedido que não prosseguir para apreciação do Tribunal.

 

A Requerente respondeu à exceção, em suma, nos termos seguintes:

 

a.            O enunciado do art. 104.º do CPPT que foi transcrito pela AT na sua Resposta – e por recurso ao qual esta entidade fundamentou a subsistência da exceção invocada – encontra-se desatualizado, já que, por força da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, o art. 104.º do CPPT passou a dispor, nos seus n.os 1 e 2, o seguinte:

“1 – Na impugnação judicial é admitida a cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos, e a coligação de autores, desde que, cumulativamente:

a)            Aos pedidos corresponda a mesma forma processual; e

b)           A sua apreciação tenha por base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório de inspeção tributária, ou sejam suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.

2 – Não obsta à cumulação ou à coligação referida no número anterior a circunstância de os pedidos se reportarem a diferentes tributos, desde que todos se reconduzam à mesma natureza, à luz da classificação prevista do n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária”.

b.            Não obstante o que antecede, impõe-se ainda sublinhar, em qualquer caso, que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente nos presentes autos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

c.            Com efeito, sobressai, quer da fundamentação subjacente aos atos tributários de liquidação adicional de IRC e de IVA contestados nos presentes autos, quer dos fundamentos invocados pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral, que a ilegalidade dos atos contestados resulta, em ambos os casos (i.e., tanto no caso do IRC, como no do IVA), essencialmente, dos mesmos erros sobre os pressupostos de facto e sobre os pressupostos de direito cometidos pelos Serviços de Inspeção Tributária.

d.            Deve ser julgada improcedente a exceção dilatória invocada e prosseguindo os presentes autos para apreciação da totalidade dos pedidos oportunamente formulados no pedido arbitral submetido.

 

4. No dia 7.12.2021 teve lugar uma reunião arbitral na qual foi inquirida a testemunha arrolada pela Requerente.

Na mesma reunião foram as partes notificadas para apresentar alegações no prazo de vinte dias, a correr em simultâneo para ambas as partes.

Foi, ainda, determinada a prorrogação por dois meses do prazo referido no n.º 1 do art. 21º, do RJAT, ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo.

As partes apresentaram alegações no prazo acima referido.

 

5. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

6. Cumpre solucionar as seguintes questões:

1) Exceção dilatória de cumulação ilegal de pedidos.

2) Ilegalidade dos atos tributários objeto do processo.

3) Direito da Requerente ao reembolso dos montantes indevidamente pagos e a juros indemnizatórios.

 

7. Por ter precedência lógica relativamente ao fundo da causa, o tribunal passa a conhecer da exceção de cumulação ilegal de pedidos, suscitada pela Requerida.

 

Nos termos do n.º 1 do art. 3.º do RJAT:

“A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”

 

Sobre esta norma escreveu Jorge Lopes de Sousa, à luz da anterior redação do no art. 104.º do CPPT  , o seguinte:

“O facto de no artigo 3º, nº 1, do RJAT não se fazer referência à identidade dos tributos revela que não existe em relação aos tribunais arbitrais a limitação relativa à identidade de tributo que é feita no artigo 104º do CPPT, pelo que, por exemplo, pode ser pedida a um Tribunal Arbitral a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de IVA e IRC que tenham subjacente a mesma materialidade fáctica detetada em ação de inspeção.”

O mesmo autor acrescenta:

“Não é necessário, para ser viável a cumulação de execuções e a coligação de autores, que haja uma identidade absoluta de situações fácticas, bastando que seja essencialmente idêntica a questão jurídico-fiscal a apreciar e que a situação fáctica seja semelhante nos pontos que relevem para a decisão.”  

 

No caso dos autos, as liquidações de IVA e IRC, além de terem como fundamento o mesmo relatório de inspeção tributária dependem, efetivamente e no essencial, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

Na verdade, conforme se constata da leitura do relatório de inspeção tributária, as questões de facto são essencialmente as mesmas, produzindo correções nos dois impostos. Acresce que, no caso, relativamente a cada correção, da  procedência do pedido relativamente a um imposto resulta, em princípio, a mesma consequência relativamente  ao outro.

Nestas circunstâncias estão, pois, reunidas as condições legais para a cumulação de pedidos.

Assim, à luz do n.º 1, do art. 3.º, do RJAT improcede esta exceção suscitada pela Requerida.

 

II – A matéria de facto relevante

 

8. Consideram-se provados os seguintes factos:

8.1. A Requerente foi sujeita a procedimento inspetivo externo, de âmbito geral, aos exercícios de 2015 e 2016, constando do respetivo relatório final, que constitui fundamento dos atos de liquidação objeto do processo, além do mais, o seguinte:

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

  (…)

(…)

 

(…)

 

(…)

 

8.2. O  anexo 6 do relatório de inspeção tributária  tem o seguinte conteúdo:

 

8.3. A liquidação de IRC referente ao ano de 2015, objeto do presente processo, tem o seguinte teor:

 

8.4.  A liquidação de IRC referente ao ano de 2016, objeto do presente processo, tem o seguinte teor:

 

8.5. No que respeita à liquidação de juros compensatórios do relatório de inspeção tributária apenas consta a seguinte menção: 

 

8.6. Parte do produto da venda do quadro «Retrato ...», de..., a que corresponde a fatura n.º 004023, de 26-11-2015, no valor global de € 250.000,08, foi, a pedido e no interesse do respetivo comitente, pago diretamente a terceiros previamente identificados no valor de € 207.751,55.

8.7. Parte do produto da venda do quadro «Hut ab –...», de..., a que corresponde a fatura n.º 005735, de 14-12-2016, no valor global de € 350.000,00, foi, a pedido e no interesse da respetiva comitente, pago diretamente a K... no valor de € 100.000,00.

8.8. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra os atos tributários objeto do presente processo, enviada por correio registado em 3.07.2020 e recebida pela Requerida em 6.07.2020, que foi indeferida por decisão datada de 11.11.2020.

 

Com interesse para a decisão da causa, não se provou que a Requerente tenha pago os valores das liquidações objeto do processo.

 

9. A convicção do Tribunal quanto aos factos dos números 8.1., 8.2., 8.3., 8.4 e 8.5. do probatório alicerçou-se nos documentos constantes do processo administrativo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes.

Relativamente ao facto do ponto 8.6 do probatório a convicção do tribunal fundou-se, por um lado, nos  documentos constantes dos Anexos 14 e 16 do Relatório de Inspeção Tributária junto ao processo administrativo de onde constam o detalhe dos diversos pagamentos realizados a terceiros, com indicação do nome das pessoas a quem os pagamentos foram efetuados e declaração atestando a sua realização e, por outro lado, no depoimento prestado pela testemunha oferecida pela Requerente que explicou, em detalhe, as circunstâncias e as razões de tais pagamentos, relacionadas com situação de insolvência pessoal do proprietário da obra em questão e a intervenção dos respetivos advogados, no que respeita à indicação dos credores a quem os pagamentos deveriam ser efetuados.

Apesar de se tratar do gerente de facto da Requerente e sobrinho da sócia da mesma, revelou depor com aparente conhecimento direto dos factos e sem motivo de reparo quanto à sinceridade do seu relato, não deixando dúvidas objetivas quanto à veracidade do seu depoimento.

Não se olvida a discrepância entre o nome do declarante e presumível insolvente e proprietário L... e da suposta comitente D... (nome constante em “contrato de comissão” não assinado), apontada pela Requerida. No entanto, à luz   das regras da experiência, tal discrepância poderá ter explicação na circunstância da insolvência do proprietário e aspetos envolventes, detalhadamente explicadas pela testemunha. Em todo o caso, face ao depoimento da testemunha inquirida que, espontaneamente, por diversas vezes, aludiu no seu relato à insolvência “do cliente” o tribunal firmou a convicção, de que era L... o real proprietário da obra e o efetivo cliente da Requerente.

Acresce ainda que, tendo a Requerente indicado à Requerida as pessoas a quem os pagamentos em causa foram efetuados, em caso de dúvida sobre os mesmos, sempre poderia a Requerida, obter a confirmação dos pagamentos junto das pessoas em causa.

Por último, sempre se dirá que não se harmonizaria com os valores normais de remuneração das operações da Requerente o hipotético lucro obtido com a operação em causa com desconsideração dos pagamentos em questão, pelo que as regras da experiência apontam, também, no sentido da verosimilhança dos pagamentos em questão.

Em suma, quer da prova documental e testemunhal produzida, quer das regras da experiência, quer cada um destes elementos de per si, quer de todos valorados no seu conjunto resulta que deve o facto em causa ser considerado provado.

Relativamente ao facto do ponto 8.7 do probatório a convicção do tribunal fundou-se, por um lado, nos  documentos constantes dos documentos constantes do Anexo 14 do Relatório de Inspeção Tributária junto ao processo administrativo e do documento junto como doc. nº 7 pela Requerente aos presentes autos (do qual consta, em anexo, declaração assinada pela respetiva comitente atestando o pagamento do referido montante a terceiro) e por outro lado, no depoimento pela testemunha inquirida que explicou, em pormenor, as circunstâncias e as razões de tais pagamentos, valendo aqui relativamente à credibilidade  do depoimento da testemunha as considerações acima formuladas na apreciação crítica referente ao facto 8.6.

No que respeita ao facto considerado não provado, que a Requerente apenas alega implicitamente, ao formular pedido de reembolso de quantias indevidamente pagas e de reconhecimento a juros indemnizatórios, a decisão deve-se à total ausência de prova sobre tal matéria.

 

III- O Direito aplicável

 

Tendo a Requerente imputado ilegalidades às liquidações consubstanciadas nas correções propostas no relatório de inspeção tributária e refletidas nas liquidações, identificando-as no pedido de pronúncia arbitral em função de cada correção, o tribunal arbitral irá seguir idêntica metodologia, indicando, também, sinteticamente, as posições das partes relativamente a cada uma das ilegalidades assacadas aos atos tributários objeto do processo.

 

A) ILEGALIDADES IMPUTADAS ÀS LIQUIDAÇÕES DE IRC

 

I. Diferencial entre faturas emitidas e recebimentos respetivos (exercícios de 2015 e 2016) [ponto iii.1.2, C), do Relatório]

Sobre esta questão, entende a Requerente que o critério de apuramento dos valores corrigidos nesta sede pela AT é manifestamente incognoscível e insindicável em virtude de omitir valores considerados para quantificar a correção realizada, impedindo a Requerente de conhecer as razões de facto que determinaram a sua prática e violando, em consequência, o dever legal de fundamentação prescrito pelo art. 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), com a consequente ilegalidade do ato tributário.

Por sua vez a Requerida alega que  “Relativamente à alegada impossibilidade da Requerente em compreender o apuramento das diferenças determinadas pelos SIT e que correspondem a omissões de rendimentos conforme tabelas de cálculos apresentadas em anexo 6 ao RIT11 pois alegadamente “a coluna relativa ao valor do influxo financeiro recebido pela REQUERENTE (aí designado por «Pagamento»), se encontra, em inúmeros casos, em branco, não obstante, nessas mesmas linhas, se apurar um diferencial que foi objeto de correção em sede inspetiva”, alerta-se para o facto de que, em cada uma dessas linhas questionadas pela Requerente na coluna “Situação do documento” , estão identificadas todos os meios de recebimento referentes às faturas em causa, elementos estes disponibilizados pela Requerente no decurso do procedimento inspetivo e que a mesma pode consultar e constatar a divergência apurada pelos SIT  que ascende a €10.414,85 em 2015 e €5.273,50 em 2016 (valores sem IVA).”

Acontece que, no anexo invocado pela Requerida (8.2. do probatório) para além de não se encontrar qualquer elemento referente a 2016, conforme de constata pela leitura do referido documento, as notas aí constantes na coluna “situação do documento”, para além da sua heterogeneidade, não têm virtualidade explicativa dos valores em branco ou a zero (e, consequentemente, do diferencial em causa). De resto, só a esta luz se pode compreender o facto da Requerida não ter inserido os valores em causa, à semelhança do que fez nos demais 15 casos.

Conforme se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14-03-2018, proferido no processo 512/17:

“(…) este dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função: endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência; exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa (cfr. o ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05). Daí que essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”

No caso em apreço, é manifesto que a fundamentação do ato no que respeita aos 17 casos num total de 32 em que a coluna relativa ao valor do influxo financeiro recebido pela REQUERENTE (aí designado por «Pagamento»), se encontra em branco ou a zero (14 EM BRANCO + 3 EM ZERO, dum total de 32) não obstante, nessas mesmas linhas, se apurar um diferencial que foi objeto de correção em sede inspetiva  não  permite que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos com base nos quais se decidiu a correção em causa, não sendo por isso clara. É também insuficiente, pois não permite ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste, no que respeita à base factual.

Por outro lado, os esclarecimentos fornecidos pela Requerida na resposta continuam a não ter virtualidade explicativa dos valores omitidos na fundamentação e, ainda que a tivessem, por não serem contemporâneos do próprio ato, não poderiam ser considerados, por se traduzirem em fundamentação sucessiva ou a posteriori não admissível.

Ocorre, pois, à luz do art. 77.º da LGT e do n.º 2 do art. 153.º, do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), o vício de fundamentação alegado, no que respeita à correção respeitante ao ano de 2016, por  ausência de qualquer elemento explicativo do alegado diferencial bem como no que se refere   aos 17 casos referidos do ano de 2015, em que a coluna relativa ao valor do influxo financeiro recebido pela Requerente se encontra em branco ou a zero, procedendo nesta parte, com este fundamento,  o pedido.

Todavia, é manifesto que o vício não se estende aos demais 15 casos referentes a 2015 em que a coluna relativa ao valor do influxo financeiro recebido pela Requerente, se encontra preenchida com o montante em causa, inexistindo, nesta parte, o vício de fundamentação acima apontado aos demais 17 casos.

Nesta medida, nos termos referidos, assiste razão à Requerente no que respeita à matéria coletável corrigida pela Requerida (denominada no anexo 6 do RIT “base de diferencial”), declarando-se a ilegalidade das liquidações em causa no que respeita à correção da matéria coletável de 2015, no valor de € 9438,52 e de 2016, no valor de € 5.273,50.

 

II.        Faturas emitidas pelo sujeito passivo cujo emitente e adquirente é o próprio (exercícios de 2015 e 2016) [ponto iii.1.2, D), do Relatório]

Alega, em suma, a Requerente que:

 

“(…), resulta do Relatório de Inspeção que a Autoridade Tributária presumiu a alienação das respetivas obras de arte a terceiros, na medida em que, perante a identificação da «emissão de faturas cujo emitente e adquirente é a A... [ora Requerente]», a Autoridade Tributária se limitou a observar – de forma conclusiva e não sustentada em qualquer outro elemento factual apurado ou identificado em sede inspetiva – que «Atendendo à emissão das faturas ao adquirente/cliente final, que ocorre quando a peça é vendida (com tipologia ‘invoice”), concluiu-se que as peças que constam das referidas faturas foram todas vendidas.

Ora, um tal juízo conclusivo (firmado, ainda por cima, por referência a documentos que titulam a mera a aquisição de obras de arte por parte da própria Requerente), consubstancia, linearmente, um apuramento presuntivo de rendimentos, na medida em que o pertinente facto tributário (i.e., o de alienação de tais obras de arte a terceiros) não foi factualmente confirmado – ou sequer indiciado – em sede inspetiva, limitando-se a Autoridade Tributária a ficcioná-lo ou a presumi-lo para efeitos de tributação.

Consequentemente, constituindo as referidas – e presumidas – alienações de obras de arte por parte da Requerente pressupostos do apuramento do rendimento tributável acrescido pela Autoridade Tributária aos exercícios de 2015 e de 2016, impõe-se concluir que a correção sub judice não só assenta em evidente erro sobre os pressupostos de facto, como, bem assim, é ainda ilegal por consubstanciar a determinação da matéria tributável por métodos indiretos (ou presuntivos) sem que, para o efeito, tivesse sido observado pela Autoridade Tributária qualquer um dos formalismos prescritos pelos artigos 87.º e ss. da LGT.”

 Na resposta refere a AT que:

 

“relativamente às faturas em causa ( 28 faturas em 2015 totalizando €40.114,45 e 12 faturas em 2016 totalizando €10.730,00, emitidas pela A... para si) apenas foram reconhecidos rendimentos no montante de €1.009,45 no período de tributação de 2015, tendo-se  considerado a diferença, €39.105,00=€40.114,45 -1.009,45 em 2015 e €10.730,00 em 2016, como omissão de rendimentos tributada em sede de IRC nos termos do art.º 20.º do CIRC. Pois, nunca foram apresentados pela requerente cópia dos exemplares das faturas em apreço, mesmo tendo sido notificada para tal, não sendo possível sequer conhecer quais os bens transacionados e muito menos classificá-los como bens em segunda mão, objetos de arte, objetos de coleção ou antiguidades, nos termos estritamente definidos pelo artigo 2.ºdo RETBSM.

 

Acrescenta-se ainda  que, apesar de não constarem em inventário final da empresa pois este é nulo (o saldo final da conta 32: Mercadorias, apresenta valor nulo, conforme evidenciado no balancete analítico de encerramento, quer do exercício de 2015, quer do exercício de 2016), também não foram prestados quaisquer elementos comprovativos do destino dos bens transacionados, não existe qualquer identificação na contabilidade dos fornecedores desses bens, (…).”

 

Vejamos.

 

De acordo com matéria constante do RIT, não contestada pela Requerente, constata-se a existência de uma incongruência na contabilidade do sujeito passivo, na medida em que:

- Comprou mercadoria.

- Não a vendeu.

- A mesma não consta da contabilidade em inventários, como deveria, no caso de não ter sido transmitida.

Adicionalmente, tendo a Requerida notificado o sujeito passivo para apresentar documentos comprovativos do destino dado aos bens em causa esta não apresentou qualquer elemento.

 

Face a isto a Requerida, conforme se consta do ponto iii.1.2, D), do Relatório tomou a seguinte posição:

- Desconsiderou, relativamente aos bens em causa, a posição da Requerente como adquirente      constante das faturas em causa.

- Considerou que os bens constantes das faturas foram, não comprados, mas sim vendidos, pelo preço pela qual a Requerente declarou tê-los adquirido.

- Que o valor pelo qual considerou que os bens foram vendidos constituiu integralmente um ganho, na medida em que não considerou qualquer gasto com a sua aquisição.

 

A posição da Requerida, em substância, traduz, face ao não apuramento do que na realidade se passou com os bens em causa, uma presunção de vendas e uma ficção de rendimentos.

 

Presunção de vendas porque a Requerida, face à ausência do esclarecimento que solicitou à Requerente, manifesta desconhecer o destino dos bens. Ficção de rendimentos, porque a Requerida se limitou, aleatoriamente, a considerar como rendimento a totalidade do valor pelo qual a Requerente declarou ter adquirido os bens em causa, sem considerar qualquer custo com a sua aquisição. Ou seja, a Requerida transformou um gasto declarado, num rendimento e não considerou qualquer gasto.

 

Escrevem Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade (CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, Vol. I, 2017, Almedina, pag. 376):

“(…) se o procedimento de avaliação directa visa o apuramento da verdade material, a determinação dos rendimentos reais ou o valor real [dos] bens sujeitos a tributação nos termos do artigo 83º, nº 2 da LGT, o procedimento de avaliação indirecta visa, por seu turno, a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis através de indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração Tributária disponha. Isto significa que, enquanto no âmbito da avaliação directa se visa a descoberta da verdade material, em sede de avaliação indirecta a Administração contenta-se com uma “verdade material aproximada”, à mingua de elementos que permitam a avaliação real, daí a excepcionalidade deste método”

 

O art. 83º da LGT estabelece o seguinte:

“1 - A avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.

2 - A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.”

 

Resulta evidente, quer  do discurso fundamentador da correção, quer do teor da correção em causa, que a Requerida  não aplicou o método direto pois, manifestamente, não visou a determinação do valor real dos rendimentos mas antes uma hipotética “verdade material aproximada” (diríamos, todavia, que “pouco aproximada” uma vez que não foi considerado qualquer custo com a aquisição das mercadorias), uma vez que se traduziu em presumir vendas e ficcionar um preço para as mesmas, que fixou precisamente nos valores de aquisição constantes das faturas.

 

Não pode, pois, deixar de se reconhecer razão à Requerente quando refere que a correção em causa consubstanciou “determinação da matéria tributável por métodos indiretos (ou presuntivos)” sem que, para o efeito, tivesse sido observado pela AT qualquer um dos formalismos prescritos pelos arts. 87.º e ss. da LGT.

 

Dispõe o n.º 1, do art. 81.º da LGT, que a “matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei.”

 

Por sua vez estabelece o n.º 1 do art. 57.º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas que a “aplicação de métodos indirectos efectua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º a 89.º da Lei Geral Tributária.”.

 

É, porém, manifesto que, no caso, a Requerida não procedeu à avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstas na lei, nos arts. 87.º e seguintes da LGT.

 

Assim sendo, a correção em causa é ilegal, no que respeita à correção à matéria coletável de 2015, no valor de €39.105,00 e de 2016 no valor de €10.730,00 pelo que se declara a ilegalidade das liquidações, no que respeita a estas correções.

 

III. Faturas emitidas ao comprador sem emissão de notas de venda inerentes (exercícios de 2015 e 2016) [ponto iii.1.2, E), do Relatório]

Relativamente a este ponto, alega a Requerente, em suma:

 

“Porém, e antes do mais, impõe-se sublinhar que, em face dos elementos juntos pela Requerente em sede inspetiva entende-se ter ficado demonstrado que os pagamentos realizados em ambos os casos correspondem a pagamentos efetuados pela Requerente ao, ou por conta do, respetivo comitente, impondo-se à Administração tributária, a essa luz, considerar comprovados os pagamentos devidos em cada caso pela Requerente.

Acresce, por seu turno, que a Requerente juntou, no direito de audição exercido quanto ao Projeto de Relatório de Inspeção Tributária  elementos probatórios adicionais que permitiram à Autoridade Tributária correlacionar os meios de pagamento analisados em sede inspetiva com o efetivo pagamento dos valores devidos pela Requerente no âmbito dos contratos celebrados, em particular:

               i.Quanto ao exercício de 2015, uma declaração subscrita e assinada pelo respetivo comitente atestando o recebimento da (ou, reflexamente, o pagamento realizado pela) Requerente do (no) valor global de € 207.751,55.

               i.Quanto ao exercício de 2016, uma declaração subscrita e assinada pelo respetivo comitente atestando o recebimento da (ou, reflexamente, o pagamento realizado pela) Requerente do (no) valor global de € 300.000,00.”

 A Requerida, por sua vez, alega, em síntese:

“Pela análise das referidas declarações e não tendo a requerente apresentado os contratos a favor de terceiro alegadamente celebrados com os respetivos comitentes contata-se que a Requerente não alcança comprovar outros pagamentos aos comitentes em causa para além dos considerados pelos AT pois:

Relativamente a 2015, a declaração16 encontra-se subscrita por L... e não pela comitente D..., com NIF ... . Além disso, nessa declaração consta uma listagem de inúmeros pagamentos alegadamente efetuados pela Requerente a diferentes beneficiários, sendo que apenas €45.100,00 foram pagos à comitente D... .

Em relação a 2016, a referida declaração17 encontrando-se subscrita pela comitente G..., mas menciona alegados recebimentos ocorridos em fevereiro de 2016 quando os bens causa foram leiloados em dezembro de 2016.”

 

Face ao facto do ponto 8.6. do probatório é manifesto que, relativamente a estas correções, assiste razão à Requerente no que respeita à matéria coletável corrigida pela Requerida referente a 2015, no valor de € 158.455,28, e de € 121.951,22 respeitante a 2016, pelo que se declara a ilegalidade das liquidações no que respeita a estas correções à matéria coletável.

IV.                    Donativos indevidamente considerados (exercício de 2016) [ponto iii.1.3 do Relatório]

 

Sobre este ponto alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

“Assim, apesar de sobressair da indicada factualidade uma errada quantificação do donativo concedido pela REQUERENTE à J... (o qual, conforme observado, foi indevidamente registado pelo valor correspondente ao produto da venda, em leilão, das obras doadas àquela entidade), o certo é que resulta igualmente da factualidade apurada pela Autoridade Tributária que a REQUERENTE, não obstante ter intermediado os leilões em causa – serviço pelo qual usualmente cobra uma comissão correspondente a 10% do valor de venda –, não exigiu qualquer comissão à J... .

Ora, neste contexto, a estipulação expressa de uma comissão de 0% no âmbito do contrato de consignação e de colocação de venda de bens em leilão celebrado entre a REQUERENTE e a J... (…) assume inequívoco animus donandi na perspetiva da REQUERENTE, na medida em que esta, não obstante ter prestado os serviços de intermediação e de organização do respetivo leilão, abdicou de cobrar esses mesmos serviços à entidade beneficiária.

O que antecede consubstancia, materialmente, uma doação do valor correspondente à comissão de 10% usualmente exigida pela REQUERENTE para a prestação dos seus serviços, já que é indiferente, quer do ponto de vista financeiro, quer do ponto de vista fiscal, doar aquele valor em numerário ou, como sucedeu, em espécie, através da prestação de serviços de forma gratuita – i.e., com a estipulação de uma comissão de 0%, como se verificou em sede inspetiva ter sido o caso – em benefício da mesma entidade.

Por conseguinte, ao contrário do que afirma a Autoridade Tributária, não se está perante o registo indevido de um donativo, mas, antes, perante uma errada quantificação do valor do donativo atribuído pela REQUERENTE à J..., o qual, afinal, deveria ter correspondido a 10% do produto da venda: € 372.000,00 * 10% = € 37.200,00.”

Por sua vez a Requerida, manifestou a seguinte posição:

“Antes de mais, salienta-se que contrariamente ao defendido pela Requerente, o valor da comissão de venda praticada pela Requerente para a prestação dos seus serviços é muito variável, veja-se os exemplos em discussão apresentados no ponto anterior da presente informação. Conforme constatam os SIT no RIT, esta comissão de venda nem sempre era cobrada por questões concorrenciais, sendo ajustada em função da peça, volume, por exemplo.

Em relação aos donativos, muito sucintamente, em sede de IRC, as perdas reconhecidas por donativos podem ser dedutíveis na determinação do lucro tributável desde que se enquadre no regime fiscal do mecenato previsto no artigo 61.º e 62.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

Ora, de acordo com o artigo 61.º do EBF, para efeitos fiscais, os donativos constituem entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de caráter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, previstas nos artigos seguintes, cuja atividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional.

 

Sendo que, relativamente aos donativos em espécie, estabelece o n.º 11 do art.º 62.º do EBF que, o valor a considerar, para efeitos do cálculo da dedução ao lucro tributável, é o valor fiscal que os bens tiverem no exercício em que forem doados, deduzido, quando for caso disso, das depreciações ou provisões efetivamente praticadas e aceites como custo fiscal ao abrigo da legislação aplicável, apelando explicitamente às realidades "bens do ativo tangível" e "inventários", e não às prestações de serviços.

 

Acresce ainda que, nos termos do artigo 66.º do EBF, a entidade beneficiária do donativo, está obrigada a emitir um documento comprovativo dos montantes dos donativos recebidos (recibo de donativo), a entregar à entidade mecenas, que deve conter, entre outros elementos obrigatórios, a "identificação dos bens, no caso de donativos em espécie" (alínea d) do n.º 2 do art.º 66.º), nada se referindo no que concerne às prestações de serviços.

 

Ou seja, considera-se que as prestações de serviços efetuadas a título gratuito, com objetivos mecenáticos não se encontram genericamente abrangidas pelo regime incentivador constante do EBF. O que pode encontrar explicação na (eventual) dificuldade acrescida de controle e quantificação que delas derivam para a tutela pública, possibilitando usos abusivos, situação essa a que o legislador, naturalmente, também não pode ficar indiferente.

 

Resulta assim evidenciada a legalidade das correções ao resultado tributável da Requerente realizadas pelos SIT, com referência aos períodos de tributação de 2015 e 2016 controvertidas.”

 

Apreciemos.

Relativamente ao regime de donativos o legislador teve a preocupação de proceder à sua definição, estabelecendo o art. 61.º do EBF que: “Para efeitos fiscais, os donativos constituem entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, previstas nos artigos seguintes, cuja atividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional.”(sublinhado nosso).

Destacamos, assim, que a noção de donativo resultante do EBF foi estabelecida para efeitos fiscais. Significa isto, por um lado, que o recurso ao conceito ou terminologia “donativo” no quadro de legislação fiscal não produz os efeitos previstos nos arts. 61.º e seguintes do EBF se os requisitos previstos neste regime não se encontrarem verificados. Por outro lado, também significa que não existe uma sobreposição entre a noção de donativo resultante do EBF e outros conceitos resultantes da legislação civil, tal como o conceito de doação prevista no artigo 940.º do Código Civil.

A referência a “entregas” (art. 61.º do EBF), bem como a referência a “depreciações” nas regras relativas à avaliação de donativos em espécie (art. 62.º, n.º 11), ou até o compliance próprio dos donativos, ao referir-se a “dinheiro” e a “bens” (art. 66.º, do EBF), são bem demonstrativos de que o regime de mecenato previsto no EBF, em regra, não aceita donativos de serviços (com as exceções, bem delimitadas do mecenato de recursos humanos previstos no n.º 6 do art. 62.º-A, e n.º 8 do art. 62.º-B).

Com efeito, o n.º 11 do art. 62.º do EBF determina que:

“No caso de donativos em espécie, incluindo bens alimentares, o valor a considerar, para efeitos do cálculo da dedução ao lucro tributável, é o valor fiscal que os bens tiverem no exercício em que forem doados, deduzido, quando for caso disso, das depreciações ou provisões efetivamente praticadas e aceites como custo fiscal ao abrigo da legislação aplicável.”

 

Por outro lado, o artigo 66.º do EBF determina que:

 

“1 - As entidades beneficiárias dos donativos são obrigadas a:

a) Emitir documento comprovativo dos montantes dos donativos recebidos dos seus mecenas, com a indicação do seu enquadramento no âmbito do presente capítulo e, bem assim, com a menção de que o donativo é concedido sem contrapartidas, de acordo com o previsto no artigo 60.º;

(…)

2 - Para efeitos da alínea a) do número anterior, o documento comprovativo deve conter:

a) (…)

b) (…).

c) O montante do donativo em dinheiro, quando este seja de natureza monetária;

d) A identificação dos bens, no caso de donativos em espécie.”

 

Não cumprindo, aqui, analisar da possibilidade de deduzir proporcionalmente o gasto relativo ao dispêndio de tempo dos recursos humanos afetos à intermediação dos leilões em causa, refere-se, simplesmente, que a prestação do serviço, pela Requerente, a título gratuito, não se pode reconduzir ao regime previsto no art. 61.º e ss do EBF, assistindo, neste ponto, razão à Requerida, pelo que não se declara a ilegalidade do ato tributário nesta parte.

 

V.             Sobre a ilegalidade dos atos de liquidação de IRC praticados por erro sobre os pressupostos de facto e por falta de fundamentação.

Sobre este ponto alega a Requerente que:

 

“(…) especificamente compulsadas todas as correções vertidas no ponto III.1 do Relatório de Inspeção Tributária, bem como o IRC adicional delas resultante que foi exigido à Requerente através dos atos de liquidação de IRC n.º 2019..., relativo ao exercício de 2015, e n.º 2019..., relativo ao exercício de 2016, cumpre, em todo o caso, destacar que subsistem valores de imposto remanescentes cuja liquidação parece não encontrar justificação em nenhuma das correções realizadas em sede inspetiva, a saber:

                               ii.            Quanto à liquidação de IRC n.º 2019..., relativa ao exercício de 2015, o valor de € 9.816,46 (ao qual acrescerão os respetivos juros compensatórios);

                             iii.            Quanto à liquidação de IRC n.º 2019..., relativa ao exercício de 2016, o valor de € 9.567,25 (ao qual acrescerão os respetivos juros compensatórios).”

 

      E que:

“Por conseguinte, perante a impossibilidade de aferir – maxime, para efeitos de contestação – a fundamentação subjacente ao apuramento de tais valores de imposto (implícitos nos atos de liquidação contestados), não poderão VV. Exas. deixar de promover a anulação dos atos contestados na parte correspondente, em virtude de os mesmos padecerem de erro sobre os pressupostos de facto (i.e., por transporem erradamente as correções promovidas em sede inspetiva) ou, caso assim não suceda, por falta de fundamentação (uma vez que não se permite à Requerente conhecer – e, nessa medida, pretendendo, contestar – as razões determinativas da exigibilidade dos montantes em questão).”

 

Vejamos.

 

A Requerente juntou as “demonstrações de acerto de contas” mas não as notificações das liquidações de IRC (não alegando omissão de notificação das mesmas).

 

No entanto, constam do RIT os quadros com o lucro tributável corrigido, constando também do processo administrativo as liquidações de IRC de 2015 e 2016, que assentam naquele lucro tributável corrigido e, no demais, traduzem a correta aplicação do direito aos factos.

 

Assim, além das liquidações se afigurarem corretas face ao lucro tributável corrigido, os atos tributários mostram-se devidamente fundamentados e em harmonia com o valor das liquidações constante das “demonstrações de acerto de contas” que a Requerente juntou.

 

Improcede, pois, nesta parte, a pretensão anulatória da Requerente.

 

B) ILEGALIDADES IMPUTADAS ÀS LIQUIDAÇÕES DE IVA

 

I-Liquidação de IVA em falta resultante de diferencial de recebimentos (exercícios de 2015 e 2016) [ponto iii.2.2 do Relatório]

Sobre esta correção alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

“Conforme analisado a propósito da correção vertida no ponto III.1.2, C), do Relatório de Inspeção Tributária, a Autoridade Tributária identificou diversas situações em que entendeu subsistir um diferencial entre o valor faturado pela REQUERENTE e o respetivo influxo financeiro, apurando e corrigindo as respetivas discrepâncias em sede de IRC e neste contexto, e já em sede de IVA (cf. ponto III.2.2 do mesmo Relatório), a Autoridade Tributária repesca aqueles mesmos diferenciais para, sobre os mesmos, apurar e liquidar IVA em falta no valor de € 2.395,39, relativamente ao exercício de 2015, e no valor de € 1.212,90, relativamente ao exercício de 2016.

Contudo, pelas razões detalhadamente analisadas no capítulo anterior do presente pedido arbitral (para onde, a este propósito, se remete), a correção em causa é ostensivamente ilegal em virtude de o apuramento levado a cabo pela Autoridade Tributária no Anexo 6 ao Relatório de Inspeção Tributária se revelar incoerente e insindicável pelo que, deverá concluir-se pela ilegalidade da presente correção.

Sem conceder, destaca-se, adicionalmente, que, conforme observado pela Autoridade Tributária em sede inspetiva, os referidos diferenciais «são maioritariamente devido a despesas de transportes, entre outras, cobradas e não faturadas aos compradores».

 

Ora, perante a constatação de que a maioria dos diferenciais apurados corresponde a despesas (de transportes e outras) cobradas pela REQUERENTE aos respetivos compradores, impunha-se à Autoridade Tributária concluir que tais valores não se encontravam, sequer, sujeitos a IVA, já que deveriam ser obrigatoriamente considerados no apuramento da margem sujeita a tributação, nos termos conjugados dos artigos 10.º, 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro.

 

Na verdade, de acordo com as referidas disposições legais, o valor tributável em sede de IVA é constituído pelo montante faturado ao comprador [o qual inclui as despesas acessórias, tais como despesas de comissão, embalagem, transporte e seguro, cobradas pelo organizador ao comprador do bem – cf. artigo 12.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro], deduzido do montante pago ou a pagar pelo organizador de vendas em leilão.

 

Por conseguinte, entendendo a Autoridade Tributária – como fez – dever relevar fiscalmente os indicados montantes cobrados a título de despesas aos respetivos compradores, impor-se-á concluir, necessária e consequentemente, que os mesmos valores deverão concorrer (negativamente) para o apuramento da margem sujeita a IVA, circunstância que redundará no apuramento da comissão já sujeita a tributação na esfera da REQUERENTE sem apuramento de qualquer valor de imposto em falta devendo ser declarada a ilegalidade da correção que se discute, bem como os atos de liquidação de IVA praticados ao seu abrigo, na parte correspondente.”

Por sua vez, alega a Requerida, em suma:

“De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º do Regime Especial, na fatura emitida pelo organizador de vendas em leilão, este deve indicar o montante total da transmissão dos bens e especificar, nomeadamente, «[a]s despesas acessórias, tais como despesas de comissão, embalagem, transporte e seguro, cobradas pelo organizador ao comprador do bem».

 

Ora, conforme já se disse, nos termos do artigo 10.º do Regime Especial, «[o] valor tributável das transmissões de bens em segunda mão, de objectos de arte, de colecção ou antiguidades, efectuadas por organizadores é constituído pelo montante facturado ao comprador, nos termos do artigo 12.º, deduzido: a) O montante líquido pago ou a pagar pelo organizador de vendas em leilão, determinado nos termos do artigo 11.º; e b) O montante do imposto devido pelo organizador de vendas em leilão, relativo à transmissão dos bens.»

 

Por outras palavras, no caso vertente, o valor tributável, de acordo com o artigo 10.º do Regime Especial, corresponde ao montante faturado ao comprador, o qual inclui, evidentemente, as despesas acessórias, como as despesas de transporte – que ora estão em discussão – uma vez que é o que resulta, inelutavelmente, da aplicação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º do apontado Regime.

 

Por último, a respeito da alegação da Requerente de que a correção ora em análise seria “ostensivamente ilegal” pelo facto de o apuramento levado a cabo pela AT se revelar “incoerente e insindicável”, sempre cumpre sublinhar que, quer os factos, quer os fundamentos que justificam a correção constantes do RIT, são manifestamente intelegíveis e tangíveis, de tal forma que foram objeto de reclamação graciosa pela Requerente.”

 

Vejamos, antes de mais, o invocado vício de violação de lei.

O art. 10.º do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidade (Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro), dispõe o seguinte:

“O valor tributável das transmissões de bens em segunda mão, de objectos de arte, de colecção ou antiguidades, efectuadas por organizadores de vendas em leilão, de acordo com o disposto no artigo anterior, é constituído pelo montante facturado ao comprador, nos termos do artigo 12.º, deduzido:

a) O montante líquido pago ou a pagar pelo organizador de vendas em leilão, determinado nos termos do artigo 11.º; e

b) O montante do imposto devido pelo organizador de vendas em leilão, relativo à transmissão dos bens.”

O artigo 11.º, do mesmo diploma, tem a seguinte redação:

“O montante líquido pago ou a pagar pelo organizador de vendas em leilão ao seu comitente é igual à diferença entre:

a) O preço de adjudicação do bem em leilão; e

b) O montante da comissão obtida ou a obter, pelo organizador de vendas em leilão, do respectivo comitente, de acordo com o estabelecido no contrato de comissão de venda”.

Por vez, sua o artigo 12.º do mesmo diploma estipula o seguinte:

“1 - O organizador de vendas em leilão deve fornecer ao comprador uma factura, ou documento equivalente, com indicação do montante total da transmissão dos bens e em que se especifique, nomeadamente:

a) O preço de adjudicação do bem.

 b) Os impostos, direitos, contribuições e taxas, com exclusão do próprio imposto sobre o valor acrescentado;

c) As despesas acessórias, tais como despesas de comissão, embalagem, transporte e seguro, cobradas pelo organizador ao comprador do bem.

2 - As facturas ou documentos equivalentes, emitidos pelos sujeitos passivos organizadores de vendas em leilão, devem conter a menção «IVA - Regime especial de venda de bens em leilão», sem discriminar o imposto sobre o valor acrescentado.

3 – (…)

4 –(…)

É manifesto não assistir razão à Requerente quando sustenta que os valores cobrados a título de despesas aos respetivos compradores, “deverão concorrer (negativamente) para o apuramento da margem sujeita a IVA”.

Desde logo, porque não resulta  das alíneas a) e b) do art. 10.º do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidade que as despesas de transporte recebidas do comprador   sejam para efeitos de valor tributável deduzidas ao valor que àquele foi faturado, o que desde logo inviabiliza a pretensão da Requerente.

Assim, improcede, necessariamente, o vício de violação de lei invocado.

Em todo o caso, sempre se dirá, ainda, que,  como se refere no RIT na apreciação do direito de audição da Requerente, esta “não comprova, para cada um desses compradores, que incorreu nessas despesas, pelo mesmo montante recebido (…)” o que significa que  Requerente cobrou os valores em causa, mas tal não significa, necessariamente, que tenha tido tais custos e, por outro lado, que, nos termos conjugados dos arts 10º e  12º, nº 1, al. c), do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidade, que as despesas de transporte, para efeitos de determinação do valor tributável do imposto apenas poderão ser relevantes para o aumentar, se faturadas, e nunca para o diminuir.

Apreciemos, então, o vício de falta de fundamentação alegado pela Requerente.

Relativamente a este vício há apenas que reafirmar o supra exposto em sede de IRC relativamente ao ponto iii.1.2, C), do Relatório.

Ocorre, pois, à luz do art. 77.º da LGT e do n.º 2 do art. 153.º, do CPA, o vício de fundamentação alegado, relativamente às liquidações do ano de 2015, no que respeita aos 17 casos referidos em que a coluna relativa ao valor do influxo financeiro recebido pela Requerente, se encontra em branco ou a zero, bem como a todas as liquidações resultante desta correção referentes ao ano de 2016, procedendo nesta parte, com este fundamento, o pedido.

Todavia, é manifesto que o vício não se estende aos demais 15 casos respeitantes a 2015 em que a coluna relativa ao valor do influxo financeiro recebido pela Requerente, se encontra preenchida, inexistindo nesta parte, o vício de fundamentação acima apontado aos demais 17 casos.”

Nesta medida, também em sede de IVA, são ilegais as liquidações em causa, na parte respeitante às correções em questão referentes a 2015 no valor total de €2.170,86 e todas as liquidações, na parte respeitante às correções em causa, referentes ao ano de 2016, no valor total de €1212,90.

 

II.             Liquidação de IVA em falta de faturas emitidas pelo sujeito passivo cujo emitente e adquirente é o próprio (ponto iii.2.3 do Relatório)

 

Sobre esta correção alega o Requerente, essencialmente, o seguinte:

“conforme se analisou de forma detalhada acima (cf. capítulo § 2.º, II., do presente pedido arbitral) a propósito dos valores apurados no ponto III.1.2, D) do Relatório de Inspeção Tributária – para onde, a este propósito, se remete –, as correções em causa são manifestamente ilegais, na medida em que:

Ao contrário do que a Administração tributária erradamente assume nesta correção, o denominado regime de tributação da margem consagrado no Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro, não se aplica exclusivamente a contratos de comissão de venda em leilão;

Incluindo o objeto social da REQUERENTE, de acordo com a sua certidão permanente, comércio de artigos em segunda mão a simples circunstância de a REQUERENTE ter adquirido determinada obra de arte em nome próprio, para promover de seguida a sua revenda, não prejudica a aplicação do regime de tributação da margem consagrado no Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro, como sustenta a Administração tributária.

 

A correção sub judice não só assenta em evidente erro sobre os pressupostos de facto [na medida em que o pertinente facto tributário (i.e., a alienação de obras de arte a terceiros) não foi identificado ou confirmado em sede inspetiva], como, bem assim, é ainda ilegal por consubstanciar a determinação da matéria tributável por métodos indiretos (ou presuntivos) sem que, para o efeito, tivesse sido observado pela Autoridade Tributária qualquer um dos formalismos prescritos pelos artigos 87.º e ss. da LGT;

Por fim, na medida em que a correção sob apreciação padece de vício de violação de lei por violar o disposto, quer no artigo 46.º do Código do IRC, quer no artigo 58.º da LGT, quer, ainda, no artigo 4.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro.”

 

Por sua vez, refere a Requerida que:

 

“De acordo com o descrito no ponto III.1.2 D) do RIT, no decurso da ação de inspeção, os SIT detetaram a emissão de faturas nas quais o emitente e o adquirente das mesmas foi a própria Requerente.”

 

“Sucede, porém, que, decorre do RIT que a Requerente, notificada para o efeito, «(…) não justificou a emissão das faturas nem apresentou fotocópia das mesmas, nem os relatórios dos conteúdos inerentes, nem documentos comprovativos dos destinos dados aos bens em causa.

 

se assim é, como é, a Requerente não comprovou que as peças que elencou nas referidas faturas foram alienadas por conta de comitente, uma vez que não apresentou os relatórios dos comitentes, nem tão pouco os contratos de comissão, razão pela qual a conclusão não pode ser senão aquela que os SIT retiraram, isto é, não se verificam as condições para a aplicação do Regime Especial a estas faturas.

 

Ora, se a Requerente, enquanto organizadora de vendas em leilão, não cumpriu as obrigações a que estava obrigada enquanto tal, a conclusão a retirar, de facto, não pode ser outra se não a de que, no caso de transmissão de bens efetuadas por leiloeiras, em que não se verifiquem as condições para aplicação do Regime Especial, são aplicáveis as regras gerais do Código do IVA

 

Deste modo, resulta evidente dos factos vertidos no ponto III.2.3 do RIT que, não se encontrando reunidas as condições para a aplicação do Regime Especial, no caso em apreço, são aplicáveis as regras gerais do Código do IVA.”

 

Vejamos.

 

Nos termos do n.º 1 do art. 90.º, do Código do IVA:

“Sem prejuízo do disposto no presente Código, a liquidação do imposto com base em presunções ou métodos indirectos efectua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º e 89.º da lei geral tributária, seguindo os termos do artigo 90.º da referida lei.”.

 

Nesta conformidade, são também em matéria de IVA aplicáveis, as considerações supra efetuadas, referentes à mesma matéria em sede de IRC (ponto III.1.2, D, do RIT), pelo que, pelas mesmas razões não pode deixar de se concluir pela ilegalidade das liquidações de IVA em causa.

 

Sempre se dirá, ainda, que, também assiste à  Requerente quando sustenta que o denominado regime de tributação da margem consagrado no Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro, não se aplica exclusivamente a contratos de comissão de venda em leilão, pois que, de acordo com o disposto na al. c) do artigo 2.º, alínea a), n.º 1, artigo 3.º do referido Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro, «As transmissões de bens em segunda mão, de objetos de arte, de coleção ou de antiguidades, efetuadas por um sujeito passivo revendedor, são sujeitas ao regime especial de tributação da margem, desde que este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade», considerando-se sujeito passivo revendedor, para este efeito, «o sujeito passivo que, no âmbito da sua atividade, compra, afeta às necessidades da sua empresa ou importa, para revenda, bens em segunda mão, objetos de arte, de coleção ou antiguidades, quer esse sujeito passivo atue por conta própria, quer por conta de outrem nos termos de um contrato de comissão de compra e venda».

 

Ora, como bem refere a Requerente, incluindo o seu objeto social o comércio de artigos em segunda mão a simples circunstância de ter adquirido determinada obra de arte em nome próprio, para promover de seguida a sua revenda, não prejudica a aplicação do regime de tributação da margem consagrado no Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro, como sustenta a Administração tributária.

Pelo que, também com este fundamento, se verifica a ilegalidade das correções em causa no que respeita ao valor de 8994,15 € referente a 2015 e ao valor de 2467,9 € respeitante a 2016.

 

III.           Liquidação de IVA em falta em faturação emitida pelo sujeito passivo (ponto iii.2.4 do Relatório)

Sobre este ponto alega a Requerente que:

“De acordo com o artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro, «As transmissões de bens em segunda mão, de objetos de arte, de coleção ou de antiguidades, sujeitas ao regime especial de tributação da margem, são isentas de imposto, quando efetuadas nos termos do artigo 14.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado», estabelecendo as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, por seu turno, que «Estão isentas do imposto: a) As transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste; b) As transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade por um adquirente sem residência ou estabelecimento em território nacional ou por um terceiro por conta deste».

A Administração tributária destacou diversas faturas emitidas pela Requerente sem liquidação de IVA sobre as respetivas margens, observando que tal falta de liquidação não foi justificada e, bem assim, que «As transmissões efetuadas nos termos deste Regime, não beneficiam de qualquer isenção nos termos do RITI, de acordo com o n.º 2 do art.º 14 desse normativo».

Em sede de direito de audição a ora REQUERENTE sublinhou, porém, que parte das faturas em causa nesta correção correspondem a operações de exportação de mercadorias para compradores localizados em países terceiros, ou seja, em países que não são Estados-Membros da União Europeia.

 

Tais operações de exportação foram, de resto, analisadas pela Administração tributária no decurso da ação inspetiva, constando a sua identificação das pp. 23 e 24 do Relatório de Inspeção Tributária

No Relatório (final) de Inspeção Tributária a Autoridade Tributária veio reconhecer que, «atendendo que no decurso dos atos inspetivos foi possível obter informação, no universo STADA- EXP (Sistema de Tratamento Automático da Declaração Aduaneira de Exportação), referente a exportações efetuadas em nome do sujeito passivo e faturas inerentes, nas quais se incluem as faturas constantes na tabela anterior, são anuladas as correções propostas em projeto de relatório, de liquidação de IVA em falta, nos montantes e períodos indicados, descritos na tabela anterior», a qual abrange as faturas n.os 3356, 3383, 3445, 3577, 4023 e 4350.

 

Verifica-se, todavia, que a Autoridade Tributária não anulou o valor do IVA corrigido quanto à fatura n.º 3556 do exercício de 2015, a qual vem igualmente identificada na listagem retirada do mencionado Sistema de Tratamento Automático da Declaração Aduaneira de Exportação, impondo-se, por este motivo, a anulação da correção em causa na parte correspondente, bem como a anulação do consequente ato de liquidação de IVA.”

 

Sobre este ponto a Requerida não contesta que a fatura 3556  corresponda a uma exportação mas alega que:

 

“Apesar de estar em causa a aplicação de uma norma de isenção de imposto, e por isso, recair, especialmente, sobre o transmitente dos bens a obrigação de comprovar, através de documentos alfandegários apropriados, a transmissão de bens que se considera isenta, perfilhamos o trilho percorrido pela AT que, oficiosamente, reuniu informação de que dependia a atribuição de isenção tributária às transmissões de bens inerentes às faturas que mereceram a anulação das correções.

 

No entanto, e como vimos, tal não sucedeu no que respeita às faturas emitidas pela Requerente.

Deste modo, quanto às faturas emitidas pela Requerente, sobre as quais não foi possível comprovar que as transmissões nelas subjacentes se tratavam de operações de exportação, estas não beneficiam de qualquer isenção, ao abrigo do artigo 14.º do Código do IVA.”

 

Na fundamentação constante do RIT em que se aceitou a isenção de impostos para as operações das faturas referentes a exportações não é avançada qualquer razão para distinguir este estas fatura e as demais deste tipo relativamente às quais foi reconhecida a isenção e que constam da listagem em que está também a fatura em causa.

Não parece, pois, que proceda a argumentação da Requerida que sempre consubstanciaria fundamentação a posteriori.

Por outro lado, a argumentação da AT, ao referir as faturas “no plural “, também seria aplicável às demais faturas de exportação cuja isenção o RIT aceitou.

 

Em suma, ao não aceitar a isenção de imposto relativamente à fatura em causa, à semelhança do que ocorreu com mas demais faturas constantes da mesma listagem, a Requerida violou a alíneas a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, pelo a correção padece de ilegalidade, não podendo deixar de ser declarada  a ilegalidade da correspondente liquidação no que se reporta ao valor de €966,97.

 

IV.           Liquidação de IVA em falta sem emissão de notas de venda inerentes (ponto iii.2.5 do Relatório)

Quanto a este ponto, a Requerente reiterou os argumentos já expostos em sede de IRC relativamente à mesma matéria de facto (ponto iii.1.2.,E, do RIT).

 

Por sua vez a Requerida alega, em suma:

 

“no âmbito do procedimento inspetivo, os SIT apuraram que «[o] sujeito passivo emitiu a fatura n.º 5735, de 14-12-2016, no valor de €350.000,00, relativamente à qual não foi cobrada comissão de compra. Essa fatura foi objecto de recebimento pela A..., por transferência bancária no B..., em 21/12/2016, de F...» (Cfr. página 60 do RIT).

 

E mais, que «[n]ão foi apresentada qualquer nota de venda associada. Em relação aos meios de pagamento inerentes ao alegado comitente, efectuados alegadamente entre 02/02/2017 e 28/12/2017, cujo montante perfaz €306.954,22, não [foi] possível fazer correlação direta com elementos apresentados.» (Cfr. página 60 do RIT).

 

Portanto, concluiu-se que a Requerente «[n]ão apresentou elementos bancários que comprovem pagamentos efectuados, ocorridos em 2017, sendo ainda que destes, somente €200.000,00 foram pagamentos efectuados a G... .

 

Deste modo, considerando que apenas comprovou o reembolso do valor de €200.000,00, considerou-se que ocorreu omissão de rendimentos com IVA incluído, no valor restante ao preço de venda de €350.000,00, sendo o IVA liquidado em falta de €28.048,78 (€121.951,22*0,23), no período 2016-12.» (Cfr. página 60 do RIT).

 

Em sede de direito de audição, foram apresentadas declarações subscritas pelos credores.

 

Ora, e ao contrário do que afirma a Requerente, estes elementos não permitem comprovar a realização de pagamentos no valor global de €306.954,22, uma vez que foi apresentada qualquer nota de venda associada.

 

Com efeito, a prova dos factos constitutivos do direito da Requerente, no caso ora em apreço, só pode ser feita mediante a apresentação da nota de venda associada, o que, não aconteceu, pelo que a correção em causa não padece de qualquer ilegalidade.”

 

Vejamos.

 

Nos termos do artigo 4.º, nº 1,  do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidade ”O valor tributável das transmissões de bens referidas no artigo anterior, efectuadas pelo sujeito passivo revendedor, é constituído pela diferença, devidamente justificada, entre a contraprestação obtida ou a obter do cliente, determinada nos termos do artigo 16.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, e o preço de compra dos mesmos bens, com inclusão do imposto sobre o valor acrescentado, caso este tenha sido liquidado e venha expresso na factura ou documento equivalente.”

 

Pode ler-se no sumário do acórdão do o Supremo Tribunal Administrativo, de 7-10-1998 , proferido no processo n.º 22801 (citado na decisão arbitral proferida no processo 168/2017-T ), o seguinte:

 

“I - O valor tributável relativo a transmissão de bens em segunda mão feitas por sujeitos passivos do IVA que os tenham adquirido para revenda, deverá aproximar-se, tanto quanto possível, do valor resultante da diferença entre a contraprestação obtida ou a obter do cliente e o preço de compra dos mesmos bens.

II - O princípio constitucional da proporcionalidade impede que os poderes conferidos à Administração Fiscal para suprir deficiências de escrita dos contribuintes de que resultem efeitos negativos para a Fazenda Pública sejam utilizados para permitir a cobrança de impostos em quantidades superiores às que presumivelmente resultariam da aplicação das normas de incidência e determinação da matéria colectável.

III - Para determinação da diferença entre o preço de venda e o preço de compra de bens em segunda mão, à face do preceituado nos arts. 16, n. 1, alínea f), do C.I.V.A. e 1, n. 2, do Decreto-Lei n. 504-G/85, de 31 de Dezembro, não é imprescindível que sejam exibidos à Administração Fiscal, quando efectua exame à escrita, documentos comprovativos do valor das aquisições, designadamente, facturas ou documentos equivalentes.

IV - A expressão «devidamente justificada», relativa à diferença dos valores de aquisição e de revenda, utilizada naquelas normas, é compatível com a utilização de qualquer meio de prova para a sua determinação.”

 

Acompanhando-se esta jurisprudência, face aos factos provados constantes do ponto 8.7. do probatório, declara-se a ilegalidade da correção em causa, no que respeita ao montante de €28.048,78.

 

C) SOBRE A ILEGALIDADE AUTÓNOMA DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS

Sobre esta questão Alega a Requerente, em síntese:

“sem prejuízo da ilegalidade consequente dos atos de liquidação de juros compensatórios que igualmente se contestam nesta sede – por força dos identificados erros sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito em que assentaram as pressupostas correções –, o certo é que os referidos atos tributários padecem, motu proprio, de vício determinativo da sua ilegalidade.

 

Com efeito, tais atos de liquidação de juros compensatórios não foram acompanhados de qualquer fundamentação que justificasse ou demonstrasse, minimamente que fosse, os pressupostos, de facto e de direito, da sua exigibilidade, tal como prescritos pelo n.º 1 do artigo 35.º da LGT, quando determina que «São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido».

Porém, é hoje pacífico no seio da doutrina e da jurisprudência que se têm vindo a sedimentar, que os juros compensatórios só serão de liquidar no caso de haver prejuízo para a Fazenda Pública e por facto imputável — a título de culpa, portanto — ao sujeito passivo (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 4 de maio de 1999, Processo n.º 946/98).

Com efeito, e conforme sustentado pelo Supremo Tribunal Administrativo, «(...) os juros compensatórios decorrentes do atraso na liquidação do respetivo imposto (...) pressupõem a existência de culpa (dolo ou negligência) do contribuinte pelo atraso ou falta da liquidação» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de outubro de 2002, Processo n.º 1145/02).

No entanto, conforme resulta da análise do Relatório de Inspeção Tributária, o certo é que a Autoridade Tributária se limitou a exigir, de forma automática — i.e., sem qualquer ponderação da culpa da ora REQUERENTE —, os respetivos juros compensatórios, ultrapassando as formalidades legais estabelecidas para a respetiva liquidação, razão pela qual os atos tributários de liquidação de juros compensatórios objeto da presente reclamação graciosa padecem de vício de forma por falta de fundamentação e de violação de lei por ofensa ao disposto no artigo 35.º, n.º 1, da LGT, devendo, por esse motivo, ser declarada a sua ilegalidade.”

A Requerida não se pronunciou relativamente a esta pretensão da Requerente.

Apreciemos.

Nos termos do artigo 35.º da LGT:

“1-São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

(…)

3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação.

(…)

8 - Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.

9 - A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.”

Relativamente aos juros compensatórios referente às dívidas de imposto cujas liquidações são objeto de anulação por esta decisão arbitral, é manifesto que não podem deixar de ser anulados, por vício de violação de lei, por força da anulação da obrigação pecuniária que lhe serve de base, por não haver imposto devido ou vencido e não haver “dívida de imposto” em que se integrem os juros compensatórios.

Apreciemos o vício de violação de lei quando às demais liquidações.

Referem Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade que “(…) não serão devidos juros compensatórios se a Administração se baseou na declaração do contribuinte quando procedeu à liquidação, verificando-se posteriormente que o imposto devido era superior ao liquidado sendo necessário porém que o erro do sujeito passivo seja não censurável”

Não tendo sido alegada nem demonstrada a falta de culpa da Requerente não se decreta a anulação destes atos por vício de violação de lei, passando-se de seguida a apreciar se devem os mesmos ser anulados por vício de falta de fundamentação.

Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal administrativo, de 16.12.2020, proferido no processo n.º 587/10, em linha com a jurisprudência citada pela Requerente:

“I – A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência).

II – Nesse contexto, e em face do preceituado nos artigos 35.° da LGT e 89.° do CIVA, constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e da imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte.”

 

Conforme explicam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa :

“De um modo geral, a fundamentação deverá permitir conhecer integralmente o itinerário seguido pela entidade liquidadora para calcular os juros.

Por outro lado, sendo necessária a culpa do contribuinte para ser imputada responsabilidade por juros compensatórios, a fundamentação da liquidação dos juros deverá indicar o comportamento que lhe é imputado que justifica a imposição do pagamento de juros”

 

No relatório de inspeção tributária relativamente a juros compensatórios apenas se refere que “São devidos juros compensatórios, quanto à(s) liquidação(ões) subsequente(s), resultante(s) do(s) procedimento(s) de inspeção nos termos do artº 35º da LGT, se aplicável”

Não está, pois, indicado o comportamento que é imputado ao contribuinte que justifica a imposição do pagamento de juros compensatórios, pelo que se verifica  o vício de insuficiência de  fundamentação, equivalente à sua falta, nos termos do nº 2, do 153º, do Código de Procedimento Administrativo,  relativamente a todas as liquidações de juros compensatórios.

Esta insuficiência  de fundamentação é, ainda, reforçada pela expressão “se aplicável” que, ao colocar a imposição da obrigação de juros compensatórios como eventual, sempre  retiraria à declaração do RIT qualquer eficácia fundamentadora.

Netes termos, todos os atos de liquidação de juros compensatórios padecem, à luz dos art. 268º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, do art. 77º da Lei Geral Tributária e do art. 153º do Código de Procedimento Administrativo   de vício de fundamentação, o que implica a sua  anulação.

 

C) CONSEQUÊNCIAS DAS ILEGALIDADES DAS LIQUIDAÇÕES

 

Decidiu o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de janeiro de 2019, proferido no recurso para uniformização de jurisprudência, processo n.º 0436/18.0BALSB:

 

“I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.

II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.

III - Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior accertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a diminuição ao valor da matéria colectável apurada em sede de acção inspectiva do valor respeitante às correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal.”

 

Na mesma linha, pode ler-se no sumário do acórdão do mesmo tribunal de 17.02.2011, de 17.02.2021:

 

“I - Na certeza, transitada em julgado, de que a liquidação de IRS impugnada considerou, além de outros, um rendimento tributável, da categoria G (mais-valias), num quantitativo superior em 50% ao que devia ter ocorrido (foi utilizada a percentagem de 100 em vez da legal de 50) é possível ser declarada, pelo tribunal, a consequente, incontornável, ilegalidade de tal ato tributário, apenas, quanto à consideração do rendimento, respeitante às mais-valias auferidas, em 100%, devendo sê-lo em 50%, deixando, concomitantemente, incólume a restante composição do rendimento tributável, do impugnante/sujeito passivo, para o ano respetivo.

 

II - Cabe, no momento oportuno, aos serviços da autoridade tributária e aduaneira (AT), com competência para o efeito, desenvolverem os trâmites necessários ao suprimento da ilegalidade cometida, corrigindo, na medida precisa e adequada, o ato de liquidação de IRS em crise, de forma a que, em todas as suas componentes (rendimento tributável, abatimentos, taxa, deduções (…) se refletiam os efeitos decorrentes da decretada, judicialmente, anulação parcial do mesmo.”

 

Em linha com esta jurisprudência, entende-se que as ilegalidades das  correções fundadas  no relatório inspetivo, que  determinaram diminuição da  matéria coletável considerada nos atos de liquidação, afetam os respetivos atos tributários apenas na medida da sua ilegalidade o  que, subsistindo matéria coletável para além da anulada, determina a sua anulação apenas parcial, na medida do acima exposto, relativamente  a cada uma das correções emergentes do relatório de inspeção tributária, sem prejuízo dos serviços da Requerida, com competência para o efeito, desenvolverem os trâmites necessários ao suprimento das ilegalidades cometidas, corrigindo os atos de liquidação por forma a que este reflitam os efeitos decorrentes da anulação parcial.

 

D) REEMBOLSO DO VALOR DAS LIQUIDAÇÕES E JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

 

Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a reembolso das quantias indevidamente pagos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.

Tendo em conta que tal facto foi dado como não provado, tais pedidos são, manifestamente, improcedentes, com a consequente absolvição da Requerida destes pedidos.

 

IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral:

a) julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia   arbitral, decretando-se ilegalidade e consequente anulação parcial dos atos tributários de liquidação de imposto impugnados, nos termos supra mencionados, referentes a cada uma das correções emergentes do relatório de inspeção tributária.

b) Julgar integralmente procedente o pedido de anulação de todas as liquidações de juros compensatórios.

c) Julgar improcedente o pedido de restituição dos valores das liquidações alegadamente pagos pela Requerente, bem como o de pagamento de juros indemnizatórios, pelo que se absolve a Requerida destes pedidos.

 

Valor da ação: €160.729,01 (cento e sessenta mil, setecentos e vinte e nove euros e um cêntimo),

nos termos do disposto no n.º 2, do art. 306.º, do CPC e al. a) n.º 1, do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2, art. 3.ºdo Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas por Requerente e Requerida, na proporção de 18,13 % e 81,87%, respetivamente, no valor de €3.672.00 €, nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

CAAD, Lisboa, 14 de fevereiro de 2022

 

O Árbitro-Presidente

José Poças Falcão

 

O Árbitro-Adjunto

Leonardo Marques dos santos

 

O árbitro-Adjunto

Marcolino Pisão Pedreiro

(Relator)