DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Acordam os Árbitros, Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros (Presidente), o Dr. António Franco e a Dra. Adelaide Moura (relatora), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. Em 26-03-2021, a A...– Sucursal em Portugal (doravante “SP” ou “Requerente”), pessoa coletiva n.º..., com domicílio na ..., n.º..., ..., ...-... ..., veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2º e 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral com o seguinte objeto:
a) Anulação de doze liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), dezoito demonstrações de liquidação de IVA e dezoito demonstrações de acerto de contas de IVA, no valor de € 83.306,69;
b) Consequente anulação dos respetivos juros compensatórios, no valor de € 6.574,44.
c) A condenação da Autoridade Tributária (doravante “AT” ou “Requerida”) ao pagamento de juros indemnizatórios.
2. As partes não indicaram árbitro, pelo que foram os mesmos designados pelo Conselho Deontológico do CAAD em 17-05-2021.
3. O Tribunal ficou constituído por despacho do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 07-06-2021.
4. Por despacho de 07-06-2021 o Tribunal mandou notificar a Requerida para responder nos termos do artigo 17º do RJAT.
5. A Requerida apresentou a sua resposta em 08-07-2021.
6. Por despacho de 10-06-2021 o Tribunal solicitou às partes o envio das peças em formato word.
7. Por despacho de 11-07-2021 o Tribunal fixou que o SP deveria assegurar a tradução dos depoimentos que não fossem feitos em língua portuguesa.
8. Por despacho de 16-08-2021 o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18º do RJAT e designou o dia 25-10-2021 para inquirição de testemunha e depoimento de parte.
9. Na reunião de 25-10-2021 o Tribunal designou o dia 07-12-2021 para efeito de prolação da decisão arbitral.
10. A Requerente apresentou alegações em 05-11-2021 e a Requerida em 17-11-2021.
11. Por despacho de 12-11-2021, o Tribunal prorrogou por dois meses o prazo para ser proferida a decisão.
II. POSIÇÃO DAS PARTES
1. Da Requerente
12. A Requerente sustenta, em síntese, que estão feridos de ilegalidade doze liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), dezoito demonstrações de liquidação de IVA e dezoito demonstrações de acerto de contas de IVA, no valor de € 83.306,69, bem como devem ser anulados os respetivos juros compensatórios, no valor de € 6.574,44.
13. Alega para o efeito que:
14. Assume a natureza jurídica de representação permanente da sociedade B... SA, enquanto sucursal em Portugal de uma sociedade anónima de direito espanhol.
15. Para efeitos de IVA, encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.
16. Em conformidade com o seu objeto social, prossegue, a título principal e a nível nacional, a atividade de prestação de serviços de pooling de equipamentos, nomeadamente paletes, a clientes estabelecidos em Portugal, no âmbito de um modelo de negócio global desenvolvido pelo Grupo C... .
17. Em concreto, no âmbito do referido modelo de negócio, a D... NV (doravante “D...”), proprietária dos equipamentos, procede ao aluguer das paletes às empresas operacionais do Grupo C...– onde se insere a Requerente –, as quais posteriormente prestam serviços de pooling de paletes aos seus clientes localizados nos respetivos mercados domésticos, normalmente fabricantes ou distribuidores de mercadorias, para que estes possam utilizar tais paletes para proceder ao transporte dos seus produtos para os seus clientes localizados no país ou no estrageiro.
18. No âmbito dos serviços de pooling efetuados pela A... aos seus clientes, as paletes podem ser danificadas ou extraviadas, sendo que, quando tal ocorre, a D... cobra à A... um valor pelo dano ou extravio das paletes, sendo também faturado um montante pela A... aos seus clientes nacionais.
19. Foi objeto de uma ação inspetiva externa, a qual incidiu sobre o IVA nos anos 2016 e 2017 e sobre o IRC relativo aos exercícios de 2016 (findo a 30-06-2017) e de 2017 (findo a 30-06-2018).
20. Em 15-05-2020, foi notificada da alteração do âmbito da referida ação inspetiva externa, de parcial em sede de IRC e IVA, para geral, implicando, a análise dos procedimentos implementados pela Requerente em sede de Imposto do Selo.
21. Em resultado do procedimento de inspeção externa, levada a cabo pela Autoridade Tributária, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção no qual foi apurado imposto alegadamente em falta em sede de IVA e de Imposto do Selo, bem como foram propostas correções ao lucro tributável / matéria coletável do IRC.
22. A Requerente exerceu o respetivo direito de audição prévia, na parte correspondente às correções de IRC, tendo a AT aceite os argumentos por si apresentados (não tendo efetivado a proposta de correções em sede de IRC).
23. Ulteriormente, a Requerente foi notificada do Relatório (final) de Inspeção Tributária, no qual a AT manteve as correções propostas em sede de IVA e de Imposto do Selo.
24. A Requerente optou por aceitar as correções em sede de Imposto do Selo, pelo que as correspondentes liquidações não foram objeto do pedido de pronúncia arbitral.
25. Em resultado das correções em sede de IVA, a AT emitiu as seguintes liquidações adicionais e demostrações de liquidações de IVA, demostrações de acertos de contas de IVA, demostrações de liquidação de juros de IVA e demostrações de contas de juros:
26. As liquidações adicionais de IVA com referência aos anos 2016 foram compensadas com um crédito existente a favor da A..., junto da AT, cuja origem a Requerente diz desconhecer.
27. Foram emitidas liquidações adicionais de IVA, com referência apenas aos meses de fevereiro, março, maio, outubro, novembro e dezembro do ano 2017, no valor de € 52.043,77.
28. No entanto, afirma a Requerente, as correções de IVA desse ano tinham ascendido a € 65.841,03 e essas correções abrangiam também os períodos de janeiro, abril, junho, julho, agosto e setembro de 2017 (para os quais não foi notificada de qualquer demonstração de liquidação e de acerto de contas).
29. Procedeu ao pagamento das liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios, com referência aos meses de fevereiro, março, maio, outubro, novembro e dezembro do ano 2017.
30. Nos termos do “Contrato de aluguer de equipamentos B...” celebrado com os seus clientes, “[o] cliente é responsável perante a B... por todo e qualquer equipamento alugado, bem como por todos e quaisquer danos que o equipamento possa vir a sofrer”.
31. Estipulando também que “[c]aso o cliente seja diretamente responsável perante a B..., por eventuais contaminações ou danos no equipamento, excetuando o normal desgaste do equipamento, o cliente deverá pagar à B... um custo por perda do equipamento (por cada equipamento danificado)”.
32. Pelo que, diz a Requerente, o cliente é responsável por eventuais danos que os equipamentos possam sofrer, conforme prevê a clausula "Obrigações" do mesmo contrato.
33. Nos termos da “Lista de preços Standard” anexa ao Contrato, existem preços base pelo serviço de aluguer de paletes e existem depois encargos adicionais, onde se incluem “(…) custos por perdas de equipamento” (v.g. LEC) que, como a própria designação o indicia, são independentes do preço do serviço que a Requerente presta aos seus clientes, apenas sendo devidos “(…) se for o caso”, ou seja, se houver um dano provocado pelos clientes na esfera da Requerente.
34. Não se vislumbra qualquer caráter sinalagmático entre o valor recebido pela A... Portugal a título de LEC e qualquer (hipotética) prestação de serviços para efeitos de IVA, na medida em que, conforme resulta dos contratos, aquele valor cobrado pela A... Portugal visa cobrir um prejuízo causado (encargo adicional), limitando-se tão só a visar repor a situação existente antes da ocorrência do dano/extravio das paletes.
35. Neste contexto, atente-se ainda à Cláusula “Responsabilidade” do contrato “Contrato de aluguer de equipamentos B...”, na qual se prevê expressamente que “[n]enhuma das partes será responsável, em qualquer circunstância, por eventuais lucros cessantes, perda de negócio, perda de poupanças previstas, perda de dados, ou qualquer perda emergente direta ou indiretamente sofrida pelas partes”.
36. Pelo que resulta da leitura dos contratos que esses custos por perdas de equipamento (v.g. LEC) entendem-se como não sujeitos a imposto de acordo com o artigo 1º do Código do IVA.
37. Os custos por perdas de equipamento só serão cobrados caso ocorra a (efetiva) perda do equipamento, o que representa um dano na esfera da A... Portugal.
38. Refere também, que a análise deverá fundar-se no conteúdo dos contratos, procurando alcançar-se a sua razão económica.
39. A Autoridade Tributaria parte de um pressuposto errado – i.e. análise da sujeição (ou não) a IVA de valores recebidos a título de indemnização, consoante visem compensar danos emergentes ou lucros cessantes – para concluir pela tributação em IVA dos valores recebidos, a título de LEC, pela A... Portugal (uma vez que os enquadrou como indemnização por lucros cessantes).
40. E entende tratar-se de uma situação perfeitamente independente do aluguer de paletes, para o qual se encontra definida uma contraprestação autónoma e individualizável, operação, essa sim, sujeita a IVA, por configurar uma prestação de serviços para efeitos deste imposto.
41. Alega ainda a Requerente que o modelo de negócio implementado pelo Grupo C... a nível europeu, implica que a A... Portugal assuma risco na operação da perda de paletes e que, sempre que esse risco é da A... Portugal, não exista uma fatura autonomizada a título de LEC.
42. Todavia, quando a perda é diretamente imputável ao cliente, opera a faturação via LEC.
43. Os LEC derivam de perdas apuradas com uma periodicidade anual, através da contagem física das paletes nos armazéns existentes nas instalações dos clientes.
44. Sendo que, num cenário em que existam divergências, essa perda de paletes será comunicada à D... e implicará o pagamento de um valor LEC, conforme previsto no contrato para estas situações de dano causado à A... Portugal.
45. No que diz respeito aos custos registados na conta de gastos relativos aos LEC, são assim totalmente refaturados aos respetivos clientes (responsáveis pelas perdas de equipamento), pelo que não é reconhecido qualquer gasto efetivo na esfera da A... Portugal.
46. Alega ainda que os valores faturados aos clientes por parte da A... Portugal são superiores (aos previamente faturados a si pela D...), uma vez que visam compensar os custos incorridos pela A... Portugal no decurso do processo de fiscalização das instalações por si levado a cabo (custo este que não existe na esfera da D...).
47. Não consubstanciando, assim, no seu entender, a remuneração de qualquer operação relevante para efeitos deste imposto (não existe onerosidade para a A... Portugal nestas operações, ou seja, a nada fica obrigada para com aquele que procede ao pagamento da indemnização), os valores recebidos a título de LEC encontram-se fora do âmbito de incidência de IVA, nos termos do 1º do Código deste imposto.
48. Alegando ainda que, por efetuar uma operação não relevante para efeitos de IVA, a A... Portugal não estaria sequer obrigada a emitir qualquer fatura, nos termos das regras de IVA, da alínea b) do nº 1 do artigo 29º do Código do IVA.
49. E que, por esse motivo, nem sequer deve ser objeto de reporte nos ficheiros SAF-T de faturação.
50. Ainda que, por hipótese meramente académica, fosse de acolher a distinção defendida pela Autoridade Tributária relativamente aos valores recebidos a título de danos emergentes e/ou lucros cessantes, o que estaria em causa seria um recebimento de um valor destinado a compensar um dano emergente e não um lucro cessante.
51. Face a tudo que vem de ser dito, conclui a Requerente que, no seu entender, fica demonstrado que os valores recebidos pela A... Portugal a título de LEC não são a contraprestação de uma operação relevante para efeitos deste imposto, pelo que não assiste razão à Autoridade Tributária nas correções efetuadas.
2. Da Requerida
52. Na resposta, a Requerida argumentou defendendo a sua posição.
53. Sustenta, em síntese, o seguinte:
54. Foi na leitura dos contratos que a AT se baseou, nomeadamente considerando a página 59 do relatório de inspeção: “No contrato celebrado entre a A... Portugal e a sociedade E... (anexo 27) na parte 2 – estrutura de preços e faturação, na parte referente à lista de preços, Preços Base – Anexo 1, Outros preços, refere o seguinte:
“A Compensação por Equipamentos Perdidos é um custo que a B... cobra por unidade de Equipamento e que é retirada da Conta do Cliente, salvo quando esse ajuste decorre de uma Devolução ou de uma Transferência. O pagamento da Compensação por Equipamento Perdido não altera, nunca, o direito de propriedade da B... ao seu equipamento. A empresa poderá acabar recuperando-os, através dos seus processos de recuperação contínua de equipamento, mas estes normalmente não permitem rastrear os elementos perdidos originais. O valor do custo reflete a perda de lucros pelo equipamento e os custos adicionais de transporte, manutenção, legais e de outra natureza que possam ser derivados do uso do equipamento em questão por parte de terceiros durante o período correspondente antes da sua recuperação e entrada na “pool” controlada pela empresa.”
Os contratos rubricados entre a B... e os seus clientes integram também os Procedimentos Standard B... (disponíveis online em https://www... e https://... e em formato PDF), os quais o cliente concorda cumprir a partir da data efetiva de contrato.”
55. No ponto 4 dos Procedimentos Standard B..., consta exatamente o mesmo texto que existe no contrato celebrado com a E... :
56. Como podemos verificar a páginas 61 e seguintes do relatório de inspeção, o valor unitário cobrado pela perda das paletes aos clientes não é exatamente igual ao valor unitário cobrado pela proprietária das mesmas, e o valor total do gasto proveniente da perda das paletes não é exatamente igual ao proveito obtido, pois só se fosse exatamente igual se reporia a situação existente antes da ocorrência do dano ou extravio.
57. Pelo contrário, verifica-se que os valores unitários cobrados pela perda das paletes são significativamente superiores aos valores unitários cobrados pela proprietária das paletes, conforme consta do quadro infra:
58. Como se pode verificar a Requerente refatura um valor manifestamente superior ao valor que lhe é faturado pela sociedade proprietária das paletes e, assim, não está só a repor a situação existente antes da ocorrência do dano ou extravio.
59. Pelo que, deve ser dado como provado que a Requerente cobra aos seus clientes pelo extravio das paletes, quantias que corresponderam entre 1.73 e 1.9 vezes o valor do custo que suporta com esse mesmo extravio das paletes.
60. Alega a Requerente no ponto 92º do pedido de pronúncia arbitral que os valores faturados aos clientes por parte da Requerente são superiores (aos previamente faturados a si pela D...), uma vez que visam compensar os custos incorridos pela A... Portugal no decurso do processo de fiscalização das instalações por si levado a cabo (custo este que não existe na esfera da D...).
61. Se assim fosse, diz a AT, tal significaria que a Requerente é compensada pela perda das paletes com o valor exatamente igual ao que lhe é faturado, e que se trata de uma indemnização, operação não sujeita a IVA e o remanescente, ou seja a diferença entre o valor pago à D... e o valor pago pelo cliente seria uma compensação pelos custos incorridos no decurso do processo de fiscalização das instalações por si levado a cabo.
62. Entende a Requerida que, sendo as operações tituladas por faturas e, atentos os termos dos contractos, acima referidos, deve ser dado como provado que, a Requerente cobra o referido valor integralmente pela perda de paletes.
63. De outra forma, sempre teria a Requerente de provar que o valor pago pelo cliente se dividia em duas parcelas, uma que seria uma indemnização (ao qual refere que nem devia passar fatura) e o restante seria uma prestação de serviços referente ao serviço de fiscalização (prestado ao cliente), o que não logra fazer, até porque nenhum dos elementos de prova documental reflete isso, pelo contrário, refletindo que aquele valor se refere, exclusivamente às paletes.
64. É o que se verifica da leitura das faturas, por exemplo a fatura nº 6716400439 emitida em 24/10/2016 ao cliente F..., S.A., que na página referente ao relatório de atividade consta a seguinte denominação “Regularização inventário B... – Perdas”, ou seja, de modo algum na mesma é feita referência a duas componentes, em que uma seja a indemnização paga pela perda das paletes e outra relativa aos custos incorridos no processo de fiscalização.
65. Deve ser dado como provado o constante do RIT a este respeito, designadamente, que a Requerente cobrou aos seus clientes, um valor entre 1.73 e 1.9 vezes superior, ao custo suportado pela perda das paletes.
66. Tanto mais que, a alegação da Requerente de que uma parte do montante faturado por cada palete perdida corresponde numa parte ao montante despendido com a fiscalização das paletes e no demais, ao efetivo custo suportado pela Requerente com a substituição de cada uma das paletes perdidas, sempre teria de ter por base a incrível e inacreditável hipótese de os custos com a fiscalização terem descido na exatíssima mesma proporção de que os custos com a substituição das paletes subiu, o que é, às regras da experiência comum, absolutamente improvável ou até impossível.
67. Atento o alegado pela Requerente, sempre se daria como provado que, a cliente debitou aos seus clientes, os custos suportados com a perda das paletes e, o serviço de fiscalização, num valor global, que não discriminou nas faturas.
III. SANEAMENTO
68. As partes gozam de personalidade e capacidade, são legítimas e estão devidamente representadas (art.ºs 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
69. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer o pedido (art.º 2º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
70. O processo não enferma de qualquer nulidade.
71. O objeto do pedido arbitral são os atos tributários de liquidação adicional de IVA e de liquidação de juros com referência aos anos de 2016 e 2017.
IV. OBJECTO DO LITÍGIO
72. O thema decidendum principal dos presentes autos consiste em averiguar se os valores recebidos pela Requerente a título de LEC são uma indemnização não sujeita a IVA ou a contraprestação de uma operação relevante para efeitos deste imposto.
73. O Tribunal apreciará também a quantificação das correções tributárias feitas pela AT.
74. O Tribunal deverá, ainda, apreciar a legalidade de juros compensatórios peticionados pela Requerida, se aplicável.
V. FACTOS PROVADOS
75. A Requerente assume a natureza jurídica de representação permanente da sociedade B... SA, enquanto sucursal em Portugal.
76. Para efeitos de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.
77. A Requerente, em conformidade com o seu objeto social, prossegue atividades de prestação de serviços de pooling de equipamentos, como paletes e contentores, a clientes estabelecidos em Portugal.
78. As atividades económicas desenvolvidas pela Requerente encontram-se inseridas no âmbito de um modelo de negócio global desenvolvido pelo Grupo C... .
79. Para efeitos desse modelo de negócio, a D..., proprietária dos equipamentos, procede ao aluguer de paletes às empresas operacionais do Grupo C..., incluindo a Requerente, que posteriormente prestam serviços de pooling de paletes aos seus clientes localizados nos respetivos mercados domésticos, para que estes possam utilizar tais paletes para proceder ao transporte dos seus produtos para os seus clientes no país ou no estrageiro.
80. Na prestação de serviços de pooling pela A... Portugal aos seus clientes, as paletes podem ser danificadas ou extraviadas.
81. As perdas das paletes são apuradas com periodicidade anual, por contagem física das paletes existentes nos armazéns e instalações dos clientes.
82. Quando se verifiquem divergências entre a quantidade prevista e a quantidade apurada, a correspondente perda de paletes é comunicada à D... .
83. Quando ocorre danificação ou extravio das paletes, a D... cobra à A... Portugal um certo valor LEC pelo dano ou extravio das paletes, cujo montante corresponde ao valor de substituição das paletes danificadas ou extraviadas – valor de aquisição de paletes substitutivas.
84. O valor unitário cobrado pela D... à A... Portugal foi de € 4,85 em 2017 e € 5,34 em 2018.
85. A A... Portugal também pode cobrar aos seus clientes um valor pelo dano ou extravio das referidas paletes.
86. Nos termos do “Contrato de Aluguer de Equipamentos B...” celebrado entre a A... Portugal e os seus clientes, a cláusula 5. prevê que “O CLIENTE é responsável perante a B... por todo e qualquer Equipamento alugado, bem como por todos e quaisquer danos que o Equipamento possa vir a sofrer”.
87. A A... Portugal assume risco e custos na operação da perda de paletes, mas quando ocorre perda diretamente imputável aos clientes, essa B... fatura a estes um encargo adicional LEC.
88. A “Lista de preços Standard” anexa ao “Contrato de Aluguer de Equipamentos B...” indica preços base pelo serviço de aluguer de paletes e encargos adicionais, onde se incluem “custos por perdas de equipamento” (“LEC”).
89. A A... Portugal fixou, em 2016 e 2017, como encargo LEC a quantia de € 9,25, cobrada aos clientes.
90. Sem prejuízo da fixação do valor LEC na “Lista de preços Standard”, a A... Portugal negoceia, por vezes, os valores cobrados aos clientes a esse título.
91. Mesmo que contratualmente exigível, a A... Portugal nem sempre cobra quantias a título de LEC aos seus clientes.
92. Os valores LEC cobrados pela A... Portugal pela perda das paletes são significativamente superiores aos valores unitários LEC cobrados pela proprietária das paletes (D...) à A... Portugal.
93. O valor total de despesa da A... Portugal proveniente da perda das paletes não iguala o proveito obtido pela A... Portugal com a faturação de valores LEC aos clientes.
94. No “Contrato de Aluguer de Equipamentos B...” celebrado entre a A... Portugal e os seus clientes, a cláusula 8. estipula que “Nenhuma das partes será responsável, em qualquer circunstância, por eventuais lucros cessantes, perda de negócio, perda de poupanças previstas, perda de dados, ou qualquer perda emergente direta ou indiretamente sofrida pelas partes”.
95. Os “Procedimentos Operacionais Standard B...”, enquanto parte integrante do “Contrato de Aluguer de Equipamentos B...”, prevêem que “Os equipamentos que se considerem perdidos após um inventário podem ser eliminados da conta de aluguer, aquando da emissão e liquidação de uma fatura por Perda de Equipamento. Há que considerar que se continuará a incorrer em custos por aluguer até que a B... receba o pagamento a título de Compensação por Equipamentos Perdidos. A Compensação por Equipamentos Perdidos é um custo que a B... cobra por unidade de Equipamento e que é retirada da Conta do Cliente, salvo quando esse ajuste decorre de uma Devolução ou de uma Transferência. O pagamento da Compensação por Equipamento Perdido não altera, nunca, o direito de propriedade da B... ao seu equipamento. A empresa poderá acabar recuperando-os, através dos seus processos de recuperação contínua de equipamento, mas estes normalmente não permitem rastrear os elementos perdidos originais. O valor do custo reflete a perda de lucros pelo equipamento e os custos adicionais de transporte, manutenção, legais e de outra natureza que possam ser derivados do uso do equipamento em questão por parte de terceiros durante o período correspondente antes da sua recuperação e entrada na pool controlada da empresa.”
96. Na fatura nº 6716400439, emitida em 24-10-2016, pela A... Portugal ao cliente F..., S.A., consta a inscrição “Regularização inventário B...– Perdas”.
97. A Autoridade Tributária realizou um procedimento de ação inspetiva à Requerente.
98. A Requerente prestou informações e diversos esclarecimentos à Requerida durante a inspeção tributária.
99. No âmbito da inspeção tributária, a Requerida apresentou projeto de Relatório e notificou-o pessoalmente à Requerente em 06-11-2020.
100. A Requerente apresentou pronúncia mediante audição prévia relativamente ao projeto de Relatório de Inspeção Tributária.
101. A Autoridade Tributária notificou a Requerente da conclusão dos atos de inspeção, com as respetivas notas de diligência, por carta registada de 25-11-2020.
102. Após os devidos trâmites, a versão final do Relatório de Inspeção Tributária foi emitida, tendo a Requerente sido notificada por carta de 27-11-2020.
103. Daí resultou a emissão dos seguintes atos tributários com liquidação de IVA:
104. As liquidações adicionais de IVA e respetiva documentação complementar foram notificadas à Requerente.
105. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
VI. FACTOS NÃO PROVADOS
106. Os valores faturados aos clientes por parte da A... Portugal visam apenas repor a situação anterior ao dano ou extravio das paletes.
107. Os valores faturados aos clientes por parte da A... Portugal visam compensar os custos incorridos pela A... Portugal no decurso do processo de auditoria ou fiscalização das instalações e paletes.
108. Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido provados.
VII. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
109. Atendendo à posição vertida pelas partes nos autos, constata-se que são invocados pela Requerente certos vícios como erro nos pressupostos de facto e de direito e violação da lei substantiva por parte da Requerida.
110. Os vícios invocados relacionam-se estritamente com o fundo da questão decidenda, seja a configuração do modo de cobrança dos valores LEC, seja a sua materialidade relevante para efeitos de tributação em sede de IVA, e respetiva aplicação da lei fiscal.
111. Com relevância para a boa decisão da causa, recordemos o seguinte:
112. Sempre que ocorre danificação ou extravio de paletes propriedade da D..., a D... cobra à A... Portugal um certo valor LEC por cada palete danificada ou extraviada.
113. Por sua vez, a A... Portugal cobra também aos seus clientes, pretensos responsáveis pela danificação ou extravio das referidas paletes, um certo valor LEC pelas paletes.
114. Para efeitos fiscais, a questão fundamental centra-se no objeto e natureza dos valores LEC que a A... Portugal cobra aos seus clientes.
115. Principiando pelo substrato documental que conforma esses valores LEC, refira-se que o denominado “Contrato de Aluguer de Equipamentos B...” que a A... Portugal celebra com os seus clientes dispõe de algumas cláusulas e estipulações relevantes neste âmbito. Vejamos.
116. A cláusula 5. do “Contrato de Aluguer de Equipamentos B...” prevê que “O CLIENTE é responsável perante a B... por todo e qualquer Equipamento alugado, bem como por todos e quaisquer danos que o Equipamento possa vir a sofrer dentro das suas instalações ou dos seus operadores e que torne a palete inutilizável, como a contaminação, destruição física ou perda. Caso o CLIENTE seja diretamente responsável perante a B... por eventuais contaminações ou danos no Equipamento, excetuando o normal desgaste do Equipamento, o CLIENTE deverá pagar à B... um Custo por Perda do Equipamento, de acordo com o indicado nos Procedimentos Standard da B..., por cada Equipamento danificado.” (sublinhado nosso)
117. No âmbito dos “Procedimentos Operacionais Standard B...” refere-se que “Os equipamentos que se considerem perdidos após um inventário podem ser eliminados da conta de aluguer, aquando da emissão e liquidação de uma fatura por Perda de Equipamento. Há que considerar que se continuará a incorrer em custos por aluguer até que a B... receba o pagamento a título de Compensação por Equipamentos Perdidos. A Compensação por Equipamentos Perdidos é um custo que a B... cobra por unidade de Equipamento e que é retirada da Conta do Cliente, salvo quando esse ajuste decorre de uma Devolução ou de uma Transferência. O pagamento da Compensação por Equipamento Perdido não altera, nunca, o direito de propriedade da B... ao seu equipamento. A empresa poderá acabar recuperando-os, através dos seus processos de recuperação contínua de equipamento, mas estes normalmente não permitem rastrear os elementos perdidos originais. O valor do custo reflete a perda de lucros pelo equipamento e os custos adicionais de transporte, manutenção, legais e de outra natureza que possam ser derivados do uso do equipamento em questão por parte de terceiros durante o período correspondente antes da sua recuperação e entrada no pool controlado da empresa.” (sublinhado nosso)
118. Na “Lista de Preços Standard da B...” estipula-se que o “Custo por Perda de Equipamento” insere-se nos “Encargos Adicionais” que “se somam aos Preços Base”.
119. Todavia, na referida “Lista de Preços Standard da B...” clarifica-se que “Todos os custos e encargos indicados não incluem o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), que será acrescentado à factura conforme o seu valor actual. Excepto o custo por perda do equipamento que não está sujeito ao Imposto sobre o Valor Acrescentado de acordo com o artigo 1º [do Código] do IVA.” (sublinhado nosso)
120. Ora, a Requerente entende que o valor LEC cobrado aos seus clientes não constitui qualquer contraprestação sujeita a IVA, e que, no limite, representa uma indemnização por danos emergentes da perda das paletes e outros custos com a fiscalização e trâmites subsequentes para eventual recuperação das referidas paletes.
121. Por sua vez, a Requerida considera que o valor LEC configura uma indemnização por lucros cessantes com sujeição a IVA.
122. Diga-se, desde já, que não assiste razão à Requerente. Vejamos.
123. Com interesse para a boa decisão da causa, há que atender ao disposto no Código do IVA.
124. De acordo com o artigo 1.º, n.º 1 do Código do IVA: “Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado: a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal”.
125. O artigo 4.º, n.º 1 do Código do IVA determina que “São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens”, relevando a natureza económica das operações em causa.
126. Quanto ao respetivo valor tributável, o artigo 16.º, n.º 1 do Código do IVA dispõe que “o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro”.
127. Ora, questiona-se, assim, se os tais valores LEC cobrados pela A... Portugal são operações económicas que se enquadram nesses normativos legais e, por conseguinte, se são sujeitas a IVA ou não.
128. Refira-se que a Requerente recorre a diversas denominações para definir os valores LEC que cobra aos seus clientes, as quais podem abranger naturezas e objetos diferentes, como “indemnização”, “compensação”, “encargo adicional”, “custo”, entre outros.
129. Daqui se retira, indiciariamente, que a Requerida não concebe os valores LEC com natureza unívoca.
130. A título de exemplo, “indemnização” e “compensação” podem representar realidades conceptuais distintas.
131. E a referência a “encargo adicional” e “custos” também não remete inequivocamente para uma situação em que os clientes da A... Portugal estejam adstritos ao pagamento de certas quantias de caráter ressarcitório por cada palete danificada ou extraviada.
132. A documentação contratual utilizada no circuito comercial da Requerente conecta o valor LEC a “eventuais contaminações ou danos” das paletes pelos clientes (ou nos casos em que estes sejam “diretamente” responsáveis).
133. Essa mesma documentação contratual também prevê expressamente que o valor cobrado a título de LEC reflete a “perda de lucros pelo equipamento” e os “custos adicionais de transporte, manutenção, legais e de outra natureza que possam ser derivados do uso do equipamento em questão por parte de terceiros durante o período correspondente antes da sua recuperação e entrada no pool controlado da empresa”.
134. Desde logo, face a esta dispersão de conceitos, a própria documentação contratual de que a Requerente se faz valer é suficientemente dúbia para dela não se conseguir retirar, sem qualquer análise lógica adicional e com foco na materialidade subjacente, que o valor LEC cobrado não constitui qualquer contraprestação ou que representa uma mera indemnização por danos emergentes.
135. A documentação apreciada não é per si clarividente quanto ao objeto do valor LEC em causa, contrariamente ao que a Requerente pretende demonstrar nos presentes autos.
136. Assim sendo, há que considerar os depoimentos das testemunhas arroladas. Vejamos.
137. A testemunha G... começa por assumir que o valor LEC é cobrado enquanto compensação pelo valor de substituição (“the replacement value”) das paletes perdidas, com base na diferença entre o inventário físico e o balanço contabilístico das paletes em circulação, indicando ainda que o dito valor de substituição corresponde ao valor de mercado das paletes, sem qualquer margem adicional.
138. A mesma testemunha clarifica que a A... Portugal integra também no valor LEC cobrado aos seus clientes o próprio custo da perda das concretas paletes.
139. E explica que a A... Portugal cobra aos seus clientes um valor LEC superior ao que a A... Portugal suporta junto da D..., dado que, enquanto a D... apenas cobra à A... Portugal o valor de substituição da palete perdida por outra, a A... Portugal, por sua vez, a título de indemnização ou compensação, cobra não só esse valor ao cliente, mas também o custo da perda do equipamento.
140. A testemunha admite que a A... Portugal apenas sofre diretamente o custo relativo ao valor LEC cobrado pela D..., e que, não sendo proprietária dos equipamentos perdidos, não tem responsabilidade na substituição das paletes por outras.
141. Pese embora a D... seja a única proprietária dos referidos equipamentos, e, por isso, a única que sofre diretamente com as respetivas perdas, a testemunha verbaliza que a A... Portugal assume custos com as perdas, recuperando esses mesmos custos através dos valores LEC cobrados aos seus clientes.
142. Concomitantemente, a testemunha clarifica que os custos com auditorias e fiscalizações relacionadas com as perdas, e gestão de todos os procedimentos necessários, são relativamente reduzidos e não integram os valores LEC cobrados pela A... Portugal.
143. Explica ainda que é o modelo de negócio do Grupo C... que incute às B... nacionais, como a A... Portugal, a cobrança dos alegados custos na exata forma em que se processa atualmente junto dos seus clientes, independentemente do concreto e limitado custo que a perda de paletes importa à A... Portugal.
144. Por sua vez, a testemunha H... explanou que a cobrança de valores LEC envolve um processo de negociação com os respetivos clientes e que, por vezes, a A... Portugal até nem cobra esses valores, por razões comerciais.
145. A testemunha explica que os valores LEC cobrados aos clientes configuram-se como indemnização pela perda dos bens, pela reposição por outros equipamentos substitutivos e pelos custos associados ao processo de gestão das perdas.
146. Admite, porém, que esses tais custos associados ao processo de gestão das perdas de paletes estão genericamente internalizados e diluídos no modelo de negócio da B..., sendo que as atividades de auditoria e fiscalização são realizadas tanto aos clientes que perdem como aos que não perdem equipamentos B..., e independentemente de as paletes serem ou não recuperadas a final.
147. Ou seja, a testemunha afirma que tais custos existem sempre, em maior ou menor amplitude, independentemente de se aplicarem ou não certos valores LEC aos respetivos clientes, pelo que poderão ser tidos como custos do próprio serviço prestado.
148. A testemunha também refere que a A... Portugal cobra os correspondentes valores LEC aos clientes, creditando a estes, embora contratualmente não esteja previsto, outros valores faturados durante o tempo que vigorou o aluguer das paletes após a sua danificação ou extravio.
149. E refere que ambas as cobranças não devem coexistir, caso contrário os clientes estariam a pagar “em duplicado”.
150. Cumpre assim referir que a A... Portugal afigura os valores LEC de forma mercantilista, negociando as pretensas indemnizações e, por vezes, nem as cobrando aos seus clientes, aparentando partir de um pressuposto quase estritamente comercial que difere do alegado principal caráter indemnizatório e ressarcitório das prestações pecuniárias em causa.
151. Impõe-se assim apreciar qual a natureza e objeto da prestação LEC que a A... Portugal imputa aos seus clientes, em especial enquanto alegada “indemnização”.
152. Ora, o IVA, enquanto imposto sobre o consumo, incide sobre atividades económicas, em concreto as operações que, tendo enquadramento nos critérios de incidência objetiva contemplados no artigo 1.º do Código do IVA, preenchem os pressupostos do n.º 1 do artigo 2.º do Código, como atividades de produção, comercialização ou prestação de serviços.
153. Conforme já exposto, a qualificação da prestação de serviços é realizada com consideração pela natureza económica, ultrapassando a definição contida no artigo 1154.º do Código Civil.
154. Para efeitos de IVA, a tributação de determinada operação é, assim, feita com base na existência de contraprestação associada a transmissão de bens ou a prestação de serviços, enquanto expressão da atividade económica de concreto sujeito passivo.
155. Tendo presente os fundamentos e as particularidades do IVA, cumpre esclarecer que o conceito de “indemnização” está ligado intrinsecamente à responsabilidade civil contratual ou extracontratual – fontes de obrigações –, e materializa-se num pagamento que visa repor situação patrimonial anterior afetada por determinada lesão ou dano.
156. Em qualquer caso, o princípio geral das obrigações de indemnização, conforme enunciado no artigo 562.º do Código Civil, implica que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
157. Em concreto, o n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil dispõe que o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado (danos emergentes) e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência de lesão (lucros cessantes).
158. No fundo, os “danos emergentes” correspondem aos concretos prejuízos causados nos bens ou direitos existentes à data da lesão e os “lucros cessantes” traduzem-se nos benefícios que o lesado deixou de vir a obter por causa da ocorrência do facto ilícito.
159. A tributação em IVA de determinada operação pressupõe a existência de uma contraprestação e para enquadramento da sujeição ou não a IVA das quantias pagas a título de indemnização, tem-se que atentar aos princípios cimeiros do IVA, como imposto sobre o consumo.
160. Do disposto na Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, depreende-se que o que o IVA pretende tributar é a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, quando estes não tenham caráter remuneratório.
161. Por conseguinte, as indemnizações que apenas sancionem a lesão de um interesse, sem caráter remuneratório (não remunerando qualquer operação económica), e que se destinem meramente a ressarcir um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma operação tributável.
162. Já se as indemnizações se destinarem a compensar, com carater remuneratório, eventuais lucros cessantes, ou seja, a repor um certo nível de rendimento que, por força de determinado dano, o SP deixou de obter, encontramo-nos, genericamente, perante uma operação sujeita a IVA.
163. Considere-se a seguinte jurisprudência:
164. “O pagamento de indemnização, incluindo lucros cessantes, poderá ter caráter remuneratório ou ressarcitório. Apenas está sujeita a IVA a indemnização com função remuneratória.” (Cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 03-12-2020)
165. “O que releva para a qualificação tributária das importâncias auferidas é o carácter remuneratório de tais importâncias. Na verdade, estamos perante uma obrigação de conteúdo negativo, na medida em que pretende compensar os proveitos que deixam, em tais casos, de ser obtidos (lucros cessantes), pelo que devem entender-se como contraprestação de operação sujeita a imposto, nos termos do artigo 4.º do Código do IVA.” (Cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25-06-2020)
166. “Com base numa interpretação teleológica e sistemática do artº 16º, nº 6, alínea a), do CIVA, em conjugação com o disposto nos arts. 1º, nº 1, e 4º, nº 1, do mesmo normativo, e tendo presente o conceito de indemnização, serão tributadas as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços.”
“As indemnizações pagas pelo locatário à locadora, traduzidas no pagamento de eventuais rendas vencidas e respectivos juros, porque radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas, tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, tais quantias representam, ainda, contraprestações de operações tributáveis em IVA.” (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-10-2012)
167. “Começa-se por referir que as indemnizações ou penalizações não estão sujeitas a IVA quando não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços, isto é, quando sancionam a lesão de qualquer interesse sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, destinando-se antes à reparação de danos sofridos e não à sua compensação. Com efeito, não pode haver sujeição a IVA nos casos em que a entrega de uma indemnização pressupõe por si só a ausência de um nexo sinalagmático e, em consequência, a inexistência de qualquer natureza onerosa, ou seja, nos casos em que não existe qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação que caiba ao lesado efetuar. Trata-se de casos em que existe apenas uma prestação a satisfazer, não podendo ser reclamado do lesado o cumprimento de uma obrigação a que ele se encontrasse adstrito. É o que normalmente se passa quando estamos na presença de questões de pura responsabilidade extracontratual. Ora, isto não acontece no caso em apreço, em que se assiste a uma situação de responsabilidade contratual ou negocial.” (Cf. Decisão Arbitral CAAD de 21-02-2018)
168. No caso dos presentes autos arbitrais, constata-se que a “indemnização” não é sempre debitada pela A... Portugal aos seus clientes, nem o respetivo valor é certo ou fixo, sendo negociado entre as partes.
169. O mais relevante, todavia, é que o valor da “indemnização” cobrada pela A... Portugal aos clientes não é igual ao valor que a D..., proprietário das paletes, cobra à A... Portugal pela perda das mesmas.
170. Considerando os valores tabelados, a A... Portugal cobra quase 2 vezes mais aos clientes do que o pretenso dano que sofre na sua esfera jurídica com a perda de paletes.
171. A A... Portugal, através da alegada “indemnização” a título de LEC, não visa comportar única e exclusivamente danos emergentes, conforme já amplamente densificado acima.
172. Ora, na apreciação do Tribunal Arbitral, a concreta substância económica do negócio em causa é a de que, perdendo-se paletes, a A... Portugal, aproveitando esse facto, acaba por cobrar, sem pleno caráter ressarcitório, quantias adicionais aos seus clientes no âmbito dos serviços que presta.
173. Os valores LEC cobrados pela A... Portugal radicam no cumprimento de obrigações (de non facere) contratualmente assumidas pelos seus clientes, evitando a perda de equipamentos.
174. E, conforme se refere nos “Procedimentos Operacionais Standard B...”, esses valores LEC “reflete(m) os lucros cessantes” derivados das perdas de paletes, pois a A... Portugal fica impossibilitada (até à recuperação das referidas paletes, pelo menos) de as continuar a alugar a clientes.
175. É certo que essa mesma estipulação contratual também refere outros custos, mas dos depoimentos de ambas as testemunhas ouvidas pelo Tribunal Arbitral resulta que esses custos não são expressivos, e que, em última análise, são suportados e internalizados pela A... Portugal.
176. E, com isso, esvazia-se parcialmente o conteúdo da cláusula 5. do “Contrato de Aluguer de Equipamentos B...”, o que denota incongruências e contradições da própria Requerente.
177. Se os clientes não fossem responsáveis por eventuais lucros cessantes ou perdas emergentes, então nunca os valores LEC cobrados pela A... Portugal teriam um caráter indemnizatório ou compensatório, contrariamente ao que alega a Requerente, inclusivamente através dos depoimentos das testemunhas.
178. Por outro lado, nunca a A... Portugal concretizou quais as parcelas exatas em que decompõe os elementos que alegadamente constituem os valores LEC cobrados, que podem variar.
179. Nem fez prova cabal de que esses eventuais custos efetivamente ocorrem e em que medida, bem como se são necessariamente imputados aos respetivos clientes.
180. Como é possível depreender da prova produzida, a A... Portugal, não sendo proprietária dos equipamentos perdidos, não tem qualquer responsabilidade na substituição dos mesmos por outros, e os custos que assume nos procedimentos de auditoria e fiscalização são custos correntes da atividade que exerce.
181. Pelo que uma eventual indemnização por danos emergentes cingir-se-ia ao efetivo dano provocado na esfera jurídica da A... Portugal, ou seja, deveria igualar o valor LEC que a A... Portugal paga à D..., em termos genéricos.
182. Se superior, só se fossem demonstrados outros danos efetivos derivados dessa concreta perda de paletes pelos seus clientes, o que a Requerente não logrou evidenciar.
183. Não sendo assim, a única justificação para cobrar um valor superior, distinto do valor que constitui efetivo prejuízo, é visar lucros cessantes pela inutilização daqueles equipamentos perdidos, como aliás decorre do disposto nos “Procedimentos Operacionais Standard B...”.
184. E mesmo que tal pretensa indemnização vise comparticipar danos, a verdade é que, como já se referiu, a A... Portugal não faz qualquer separação ou distinção de elementos alegadamente constitutivos do valor LEC cobrado aos seus clientes, inclusivamente para efeitos fiscais, pelo que não pode ser a Requerida a ficcionar esses cálculos no apuramento do IVA devido, sem prejuízo do disposto no artigo 18.º do Código do IVA.
185. Ademais, a eventual compensação de custos administrativos da A... Portugal decorrentes da perda de paletes sempre configurariam serviços por si prestados no âmbito da relação contratual estabelecida entre as partes.
186. Refira-se que a “indemnização” tem subjacente uma prestação de serviços no conceito residual previsto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, visto que o valor LEC cobrado pela A... Portugal representa uma contrapartida, visando-se repor rendimentos que aquela deixou de obter.
187. Na verdade, o Tribunal Arbitral considera que os valores LEC cobrados pela A... Portugal aos seus clientes configuram-se como uma efetiva contraprestação para efeitos de tributação em sede de IVA, tudo se integrando no amplo serviço de pooling prestado pela A... Portugal.
188. Ora, conforme jurisprudência aplicável, para efeitos de IVA é pressuposto a existência de contraprestação em operação a título oneroso, com prestações recíprocas, relativamente a prestação de serviços individualizável, interpretando nos termos da jurisprudência abrangente do TJUE – o que se afigura preenchido.
189. Os valores LEC são um elemento constitutivo dos contratos entre a A... Portugal e os seus clientes, sendo que a existência do vínculo jurídico que une as partes depende do pagamento de todas as prestações previstas, incluindo esses encargos adicionais.
190. Resulta dos elementos de que o Tribunal Arbitral dispõe que, no âmbito dos contratos em causa, a A... Portugal se comprometeu a disponibilizar aos clientes equipamentos B... em regime de aluguer, e em contrapartida, os clientes devem pagar valores fixos durante a execução do contrato, incluindo também encargos adicionais, caso disso, como sejam os valores cobrados a título de LEC.
191. Por sua vez, a contrapartida dos montantes pagos pelos clientes à A... Portugal consiste no direito desses clientes beneficiarem da execução, por parte da A... Portugal, das obrigações específicas decorrentes do contrato, mesmo que tais clientes não pretendam ou não possam exercer esse direito por um motivo que lhe seja imputável, como no caso de perda de equipamentos.
192. Daqui resulta que os valores LEC devidos em caso de perda de paletes são parte integrante das obrigações estipuladas (de facere e non facere) entre a A... Portugal e os seus clientes, de onde derivam contrapartidas no cumprimento por ambas as partes.
193. Ademais, as obrigações relacionadas com o pagamento de valores LEC que incumbem aos clientes da A... Portugal e o montante faturado aos referidos clientes, em caso de perda ou extraio de paletes, foram determinadas no momento da celebração desse contrato, sem prejuízo de posterior negociação.
194. Tudo isto é compatível com a argumentação da Requerida, no sentido de que os valores LEC cobrados pela A... Portugal representam uma indemnização por lucros cessantes.
195. A dita indemnização visa os proveitos que a Requerente deixa de obter por motivos imputáveis aos seus clientes.
196. E assim também se entende porque a Requerente não faz prova inequívoca no sentido de afastar o entendimento da Requerida e de se considerar que os valores LEC cobrados aos clientes constituem única e exclusivamente indeminizações por danos emergentes.
197. Sendo que, conforme já exposto, mesmo numa teorização alheada destes conceitos relacionados com indemnizações, sempre se concluirá que os valores LEC cobrados pela A... Portugal representam uma contraprestação para efeitos de tributação em IVA.
198. Para tal, cabe também a aplicação do princípio da substância sobre a forma, na medida em que a substância económica do negócio é a de que, conforme acima referido, perdendo-se paletes, a A... Portugal, aproveitando esse facto, acaba por cobrar mais aos seus clientes.
199. A construção que a Requerente faz dos valores LEC não é óbvia, nem crível, face à documentação escrita e depoimentos das testemunhas, sendo que o Tribunal Arbitral deve também atender à materialidade subjacente das respetivas operações descritas. Vejamos.
200. Considerando jurisprudência dos tribunais fiscais, “Segundo o princípio da prevalência da substância sobre a forma, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado. Tal princípio deve ser examinado em conjugação com o fenómeno da fraude à lei” (Cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23-02-2017).
201. “O intérprete da lei fiscal não pode deixar de atender à substância económica dos factos tributários. “Isto porque, como frequentemente se acentua, o que efectivamente importa ao direito fiscal são as realidades económicas, as situações reais que expressam a percepção de rendimento ou a capacidade contributiva, e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam exteriormente” (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02-02-2006).
202. Ora, atente-se ao disposto no artigo 11.º, n.º 1, 2 e 3 da LGT e no artigo 9.º do CC, relevando, assim, a substância económica dos factos tributários em causa.
203. A “forma” da operação económica em causa, conforme alegado pela A... Portugal, visa afastar a tributação em sede de IVA relativamente a contraprestações que, substantivamente, se terão como tributáveis.
204. A cobrança dos valores LEC faz parte do modelo de negócio da B... e o conceito “lucro cessante” é suficientemente amplo para se considerar que abrange a realidade económica em causa.
205. Assim, interpreta-se o conceito de “lucro cessante” pela sua natureza económica, ou seja, pela substância material relevante in casu.
206. Por fim, há que notar também que as faturas visam titular prestações de serviços, por exemplo, nos termos dos artigos 29.º e 36.º do Código do IVA.
207. E a A... Portugal, como admite, emitiu faturas cobrando valores LEC, referindo “Regularização inventário B... – Perdas”, de forma unitária e específica.
208. O próprio contrato identifica os valores LEC como “encargos adicionais”, que até poderiam ser tidos como penalizações contratuais, constituindo também aí contraprestação pelos serviços prestados pela A... Portugal.
209. Afigura-se assim, por tudo o vertido acima, que não assiste razão à Requerente.
210. Sendo que, conforme decorre do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
211. Considerando a prova produzida, a Requerente não logrou demonstrar a sua posição em termos suficientes e adequados à sua pretensão.
212. Refira-se que a convicção do Tribunal Arbitral se fundou nos documentos juntos aos autos pelas partes, incluindo os constantes no processo administrativo, bem como o acordo das partes, expresso ou por falta de impugnação, quanto aos respetivos factos alegados.
213. Ora, face à convicção do Tribunal Arbitral, com base na fundamentação acima carreada e na prova produzida, cumpre mencionar que os atos tributários impugnados não padecem de vícios ou ilegalidades invocadas pela Requerente.
214. Com efeito, e não tendo sido suscitado expressamente pela Requerente, tem-se como válidos os atos tributários em causa, incluindo no que respeita à quantificação das correções tributárias feitas pela AT.
215. Não procedendo a pretensão da Requerente, não há causa para serem devidos juros indemnizatórios pela Requerida.
VIII. DECISÃO
Termos em que, decidem os árbitros que constituem este Tribunal:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado, dele absolvendo a Requerida.
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
***
Fixa-se o valor do processo em € 89.881,13, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se a taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de janeiro de 2022
Os Árbitros,
(Manuel Luís Macaísta Malheiros)
(António Franco)
(Adelaide Moura)
Nos termos do artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de maio, atesta o voto de conformidade do Árbitro Presidente, Senhor Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, e do Árbitro Adjunto, Senhor Dr. António Franco.