Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 355/2021-T
Data da decisão: 2022-02-20  ISV  
Valor do pedido: € 2.054,72
Tema: ISV – Admissão de veículos usados – Incidência sobre a componente ambiental
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 21 de junho de 2021, A…, contribuinte n.º …, com residência na Rua …., BRAGA, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade parcial dos atos de liquidação de Imposto sobre veículos (ISV), n.ºs 2017/…, 2017/…, 2019/…, 2019/… e 2020/… no valor total de €2,054,72 (dois mil e cinquenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos).

 

2.            Para fundamentar o seu pedido a Requerente, alega, em síntese, a ilegalidade do artigo 11.º do Código do Imposto sobre os Veículos (CISV), norma que sustenta a liquidação, por violação do artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (UE), pelo que requer a correção da liquidação do ISV, na parte do imposto que incide sobre a componente ambiental, devendo ser restituído o montante de €2,054,72, acrescido dos juros indemnizatórios.

 

3.            No dia 21-06-2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            A Requerida vem invocar a exceção de falta de legitimidade e causa de pedir quanto ao pedido de reembolso relativo ao montante de € 746,60, relativo à liquidação n.º 2017/…, de 17 de outubro de 2017, atendendo a que, contrariamente ao pedido apresentado, o ISV não foi calculado nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do CISV mas nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

 

6.            Em 05-08-2021, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

 

7.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 24-08-2021.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações.

 

10.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir decisão.

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            Foram apresentadas na Alfândega de Braga, por transmissão eletrónica de dados, as Declarações Aduaneira de Veículos (DAV) n.ºs:

a.            2017/…, para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca BMW, modelo 1K2, com a matrícula 71-…-89, movido a gasóleo, com 22756 km percorridos;

b.            2017/…, para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca BMW, modelo 7L, com a matrícula 51-…-33, movido a gasóleo, com 6211 km percorridos;

c.            2019/…, para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca Mercedes Benz, modelo 204, com a matrícula 50-…-70, movido a gasóleo, com 28062 km percorridos;

d.            2019/…, para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca BMW, modelo 1KA, com a matrícula 07-…-70, movido a gasóleo, com 55730 km percorridos;

e.            2020/…, para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca BMW, modelo G5K, com a matrícula AA-…-OC, movido a gasóleo, com 41005 km percorridos.

2-            O cálculo do ISV foi feito, nos termos descritos no campo R da DAV, com o valor de:

2.1 Viatura identificada no ponto a. do número anterior – valor total de € 1,767,08;

2.2 Viatura identificada no ponto c. do número anterior – valor total de € 6,365,18;

2.3 Viatura identificada no ponto d. do número anterior – valor total de € 1,496,07;

2.4 Viatura identificada no ponto e. do número anterior – valor total de € 4,896,21.

3-            O cálculo do ISV relativo à viatura identificada no ponto b. do número 1 foi feito nos termos previstos no n.º 3 do artigo 11.º do CISV (cfr. PA e ponto T – Liquidação da DAV apresentada pela Autora), tendo sido apurado o valor de € 13.754,64.

4-            A Requerente procedeu ao respetivo pagamento.

5-            Em 17-12-2020, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa relativa à liquidação de ISV dos DAV supra identificados, pedido indeferido por despacho do diretor da Alfândega de Braga em 07-04-2021.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

B. DO DIREITO

 

Ponto prévio: Da exceção de falta de legitimidade e causa de pedir apresentado pela Requerida

 

Na impugnação apresentada, a Requerente impugna, entre outras, a liquidação da DAV n.º 2017/…, no valor de 15,936,25, com fundamento na violação pelo artigo 11.º do CISV do artigo 110.º do TJUE, nomeadamente quanto à não aplicação da percentagem relativa à redução de anos de uso da viatura à componente ambiental, conforme previsto no n.º 1 do artigo 11.º em vigor à data.

 

Conforme resulta da própria DAV, a liquidação impugnada foi revogada e substituída pela liquidação efetuada nos termos do nº 3 do artigo 11.º do CISV, do qual resultou um imposto liquidado e pago de € 13.754,64, cujos pressupostos de direito são distintos e não enquadráveis na fundamentação que sustenta o pedido.

 

Em reação, a Requerida invoca a exceção de falta de legitimidade da Requerente e da causa de pedir, atendendo a que o ato já não vigora na ordem jurídica.

 

Conforme se refere no Acórdão do STA, de 09-05-2001, relativo ao Proc. 044341, “A legitimidade afere-se pelo interesse em demandar, o que pressupõe a titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido...”. Em conformidade, dispõe o n.º 2 do artigo 30.º do CPC, “O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha”.

 

Ora, a impugnação pela Requerente de um ato de liquidação já objeto de anulação e estranho aos pressupostos de facto e direito que sustentam a impugnação dos demais atos tributários tem como consequência que não há, nesta impugnação qualquer utilidade.

 

Pelo exposto, procede a exceção dilatória invocada, absolvendo-se a Requerida da instância quanto ao ato de liquidação da DAV n.º 2017/…, no valor de 15,936,25, e consequente pedido de anulação parcial, no montante de € 746,60, nos termos previstos no artigo 577.º, al. e), e artigo 576.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

 

Da violação do artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

Quanto à impugnação das liquidações relativas às DAV n.ºs 2017/…, 2019/…, 2019/… e 2020/…, a Requerente solicita a anulação parcial da liquidação e reembolso do imposto pago em excesso, com fundamento na violação do artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

Ora, o artigo estabelece que “Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.”

 

Acrescenta ainda que nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções.”

 

Analisemos, por isso, o regime legal para aferir da eventual violação do princípio da não discriminação ínsito no artigo 110.º do TFUE, nomeadamente no que concerne à componente ambiental, expressamente alegada pela Requerente a título subsidiário.

 

A questão da conformidade com o direito comunitário das normas nacionais relativas à tributação de veículos usados “importados” de outro Estado Membro já foi objeto de apreciação no Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

Na vigência do revogado imposto automóvel, o Tribunal considerou que “A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.” (Ac. de 09-03-1995, proc. C-345/03, Nunes Tadeu).

 

No mesmo sentido, em 2001, o TJUE declarou que “A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional” (Ac. de 22-02-2001, proc. C-393/98, Gomes Valente).

 

 Relativamente aos critérios, incluindo a componente ambiental, o Tribunal de Justiça da UE considerou também que: “No âmbito de um regime relativo ao imposto automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em considerações ambientais constituem critérios objetivos. Daí poderem ser utilizados num regime desses. Em compensação, não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo.

Contudo, o imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros EstadosMembros do que os produtos nacionais similares.

(Ac. de 05-10-2006, processos pensos C-290/05 e C-33/05, Akos Nadasdi).

 

Sobre o sistema nacional de tributação automóvel, nomeadamente a norma do artigo 11.º do CISV, na redação em vigor até à alteração introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, o Tribunal de Justiça decidiu:

“26 Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar-se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).

 

27 No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.

 

28 Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.

 

29 Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C-101/00, EU:C:2002:505, n.° 78).

 

30 Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.

 

31 Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado-Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE”. Em conclusão, viria o Tribunal a declarar que “1) A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.”(Ac. de 16-06-2016, proc. C-200/15, Comissão Europeia vs República Portuguesa).

 

Em consequência, pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, foi alterada a redação do citado artigo 11.º, passando considerar-se a desvalorização do veículo a que a mesma se refere mas tão-somente quanto à componente cilindrada, ficando agora, de todo, excluída qualquer redução no tocante à componente ambiental.

 

Deste modo, é claro que a tributação automóvel pode assentar em critérios objetivos, como sejam o tipo de motor, a cilindrada e, inclusivamente, uma classificação assente em considerações ambientais. Porém, quando aplicados a veículos usados importados de outros Estados-Membros, o montante de imposto cobrado não pode exceder o montante que se contém no valor residual de veículos usados similares já registados no Estado-Membro de importação. É, pois, constante a orientação do Tribunal de Justiça, no que concerne à interpretação daquele artigo 110.º quando referido a tributação automóvel: um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros EstadosMembros do que os produtos nacionais similares.

 

A desconformidade do direito nacional, na sua atual redação, com a norma comunitária conduziu já ao início de procedimento de infração. Conforme comunicado de 24-01-2019, a Comissão Europeia deu início a ação judicial contra o Estado Português “por este Estado-Membro não ter em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação. A Comissão considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta. Se Portugal não atuar no prazo de dois meses, a Comissão poderá enviar um parecer fundamentado sobre esta matéria às autoridades portuguesas.”

 

Não o tendo feito, em comunicado de 27 de novembro de 2019, a Comissão refere:

A Comissão decidiu hoje enviar um parecer fundamentado a Portugal por tributar veículos usados importados de outros Estados-Membros mais do que os automóveis usados adquiridos no mercado português. Atualmente, a legislação portuguesa não tem plenamente em conta a depreciação de veículos importados de outros Estados-Membros, pelo que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE. O Tribunal de Justiça Europeu tinha já concluído, em 16 de junho de 2016 (Acórdão C-200/15), que uma versão anterior deste imposto português era contrária ao direito da UE. Se Portugal não atuar no prazo de um mês, a Comissão pode decidir remeter o processo para o Tribunal de Justiça da UE.

 

Na sequência deste entendimento, a Comissão Europeia deu início, em 23/04/2020, junto do TJUE, a uma ação por incumprimento contra o Estado português - processo n.º C-169/20.

 

No dia 2 de setembro de 2020, o TJUE veio a proferir decisão no processo C-169/20, tendo concluído que:

“Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro EstadoMembro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.”

 

Assim, subscrevendo a posição que o TJUE tem expressamente assumido, e que foi recentemente reiterada no processo C-169/20, não se nos afiguram dúvidas quanto à incompatibilidade do artigo 11.º do CISV, na redação em vigor à data da emissão das liquidações em crise, com o artigo 110.º do TFUE, ao fazer impender uma carga tributária agravada sobre os veículos usados provenientes de outros Estados Membros, comparativamente com os nacionais que não tinha em conta a necessária redução do montante do imposto na componente ambiental.

 

Conforme supra referido,  esta matéria foi já objeto de detalhada análise nas decisões arbitrais proferidas nos processos 346/2019-T, 474/2020-T, 457/2020-T e 572/2018-T, tendo-se concluído que o artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE porquanto aquele artigo não pode, em conformidade com o que este artigo dispõe, calcular o imposto sobre veículos usados oriundos de outro EM sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação.

 

Acompanhando, sem reservas, aquelas decisões, considera este Tribunal que, face à reiterada e constante posição do Tribunal de Justiça a que acima se fez referência, não se suscitam dúvidas quanto a incompatibilidade com o direito comunitário da norma aplicada à liquidação impugnada, concluindo-se pela desnecessidade de reenvio prejudicial.

 

Nestes termos, julga-se incompatível com o direito comunitário a norma do artigo 11.º do Código do ISV, na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional.

 

No presente caso, as liquidações do ISV sobre viaturas provenientes de outro Estado Membro da União Europeia foram efetuadas com observância da norma do artigo 11.º do CISV, não tendo, na componente ambiental, sido considerada qualquer redução em função do número de anos de uso do veículo.

 

Consequentemente, os atos de liquidação em causa, desconsiderando a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, encontram-se feridos de ilegalidade devendo ser anulados apenas quanto àquele. Ou seja, restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, pelo que o ato de liquidação objeto de impugnação deve ser parcialmente anulado.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

A par da anulação dos atos de liquidação, e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação do ISV, pelas razões que se apontaram anteriormente, a Requerente efetuou o pagamento de importâncias manifestamente indevidas.

 

Reconhece-se, assim, à Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre os montantes indevidamente cobrados, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Absolver da instância a Requerida por ser verificar a exceção de ilegitimidade quanto ao ato de liquidação da DAV n.º 2017/… no valor de 15,936,25, e consequente pedido de anulação parcial no montante de € 746,60;

b)           julgar procedente o pedido arbitral formulado quanto às liquidações relativas às DAV n.ºs 2017/…, 2019/…, 2019/… e 2020/… e, em consequência, determinar a anulação parcial da liquidação de ISV identificada no pedido arbitral, ordenando-se o reembolso à Requerente da quantia paga em excesso, no valor de €1.308,05;

c)            Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, em conformidade com o peticionado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 2.054,65, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente e Requerida na proporção do respetivo decaimento, fixando-se o montante de € 389,62 a cargo da Requerida e € 222,38 a cargo da Requerente, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifiquem-se as partes, bem como o Ministério Público para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 17.º do RJAT.

 

Lisboa, 20 de fevereiro de 2022

 

O Árbitro

(Amândio Silva)