Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 307/2014-T
Data da decisão: 2014-12-04  IRS  
Valor do pedido: € 692,00
Tema: IRS – Aceitação de despesas para efeitos de tributação de rendimentos prediais
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PROCESSO ARBITRAL N.º 307/2014-T

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

A – RELATÓRIO

 

1.    A, contribuinte n.º ..., residente na …, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos art. 2º, n.º 1, a) e 10º, n.º 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no DL 10/2011, de 20 Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade do acto de liquidação n.º ... relativa a IRS, referente ao anos de 2012, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”).

 

2.    Admitido o pedido de constituição do tribunal arbitral singular, e não tendo o requerente optado pela designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro.

 

       As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, tendo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral ficado constituído em 04-06-2014.

 

3.    Notificada, a AT veio apresentar resposta em que não suscitou qualquer excepção.

 

4.    Foi realizada a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, tendo nessa ocasião sido inquiridas as testemunhas arroladas pelo requerente, Testemunha 1 e Testemunha 2, tendo de seguida sido produzidas alegações orais pelas partes.

 

* * *

 

5.    Pretende a requerente que seja declarada a ilegalidade e inerente anulação da liquidação do IRS e respectivos juros, referente ao ano de 2012, alegando em síntese:

 

       a)  Ter doado aos seus filhos Testemunha 2, NIF … e Testemunha 1, NIF …, respectivamente, o prédio urbano correspondente ao artigo nº ... F, da Freguesia de ..., ao filho e o prédio urbano correspondente ao artigo nº ... D da Freguesia de ..., à filha.

       b)  Ter celebrado com cada um dos seus referidos filhos, um acordo de cedência de rendas, para o que junta, como prova, documentos.

       c)  Realça constar das cláusulas de tais contratos, designadamente da cláusula segunda, que “as rendas, quando do seu arrendamento, do acima citado andar serão recebidas na sua totalidade pelo segundo outorgante, seu pai, fazendo estas apenas e só exclusivamente parte do seu rendimento anual” e que “todas as despesas de manutenção e reparação necessárias e feitas neste andar serão da inteira responsabilidade do segundo outorgante”, o aqui requerente.

       d) Atendendo que tais acordos foram feitos por tempo indeterminado, cessando por morte do doador ou através de denúncia de qualquer dos outorgantes, conclui que desde essa data (1 de Janeiro de 2012) e até à presente data, os mesmos se encontram vigentes.

       e)  No que toca ao imóvel pertencente a seu filho Testemunha 2, o requerente fez reparações no valor global de 21.790,29€, conforme cópia de factura que junta, correspondentes a diversas obras necessárias e imprescindíveis, após a vigência de um contrato de arrendamento que perdura há 40 anos.

       f)  Também no imóvel pertencente a sua filha Testemunha 1, o requerente fez obras no valor de 469,00€, conforme cópia de factura que juntou, correspondentes a reparações.

       g)  Em relação ao imóvel propriedade de Testemunha 2, o requerente auferiu rendas no valor global de 900,00€, correspondentes ao ano de 2012.

       h)  No que diz respeito ao imóvel, propriedade de Testemunha 1, o mesmo apenas esteve arrendado nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2012, tendo o reclamante auferido a quantia global de 1.950€ a título de rendas, com o contrato de arrendamento já sujeito ao NRAU.

       i)   A AT, apesar de aceitar os rendimentos e não os interrogar, conclui por não aceitar as despesas suportadas pelo reclamante, embora a tributação de tais rendimentos, que a AT não coloca em causa, só ser possível em razão directa, às obras que o reclamante suportou em tais imóveis.

       j)   Ao actuar, deste modo, a AT pretende aceitar como rendimento, por um lado, as rendas mas, por outro, pretende negar a dedução das despesas efectuadas para alcançar tais rendimentos.

       k)  A existência de tais contratos de cessão de rendas, revela, antes de mais, a vontade dos filhos Testemunha 2 e Testemunha 1, conferirem ao reclamante o direito ao usufruto dos apartamentos.

       l)   A AT, não terá de ficar sujeita ao “nomem iuris” atribuído pelas partes aos contratos por si celebrados, tendo, antes, que se ater aos efeitos que se pretendem produzir pela celebração desses contratos.

       m) Pelo teor dos aludidos contratos, comprova-se que se constitui o usufruto desses imóveis a favor do ora reclamante.

       n)  Ainda que esse não fosse o entendimento da AT, o ora reclamante, não pode deixar de ser considerado detentor ou possuidor precário (artº 1253º do Código Civil).

       o)  Terá de se concluir que os rendimentos prediais que advêm desse imóvel são exclusivos do sujeito passivo.

       p)  Conforme os fundamentos supra enunciados e de acordo com a legislação vigente, poderemos verificar que a declaração modelo 3 de IRS para o ano de 2012, se encontra conforme a legislação em vigor, pelo que deverão ser consideradas todas as despesas aí apresentadas, visto as mesmas se encontrarem em conformidade com a lei, devendo assim ser incluídas as despesas constante do quadro 4 do anexo F dessa declaração, por se encontrarem documentalmente comprovadas.

       q)  O acto de liquidação enferma de clara falta de fundamentação, no que toca aos fundamentos quanto às regras de determinação da matéria coletável.

       r)  A fundamentação daquele não é suficiente, clara e congruente, não permitindo ao sujeito passivo a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT.

      

 

6.    Por seu turno a requerida veio em resposta alegar, em síntese:

 

       a)  Entende-se como sujeito passivo do imposto, nos termos do artº 8º nº 1 do CIRS, o respectivo titular do prédio, sendo fiscalmente tratados como titulares o proprietário ou o usufrutuário, o que consultando a matriz predial não se verifica no caso sub judice com o requerente.

       b)  Tendo o Requerente declarado o recebimento de rendimentos da categoria F, não pode a AT, desconsiderá-los, no entanto não poderá considerar as despesas efetuadas pelo Requerente, porque não é sujeito passivo dos rendimentos prediais.

       c)  Estando esta dedução específica indissociavelmente ligada a quem for sujeito passivo, tal como é definido nos termos da lei, não pode a AT extrapolar para além dos limites da legalidade, conforme pretende o requerente.

       d) São desde logo razões formais que impedem a qualificação dos “contratos de cessão de rendas” como constitutivos do direito real de ususfruto, porque não se encontram registados quaisquer usufrutos a favor do requerente.

       e)  Sendo o usufruto, um direito real, com conteúdo tipificado na lei, definido nos termos do artº 1439º do CC como o direito de gozar temporária e plenamente um coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância, conferindo assim a plenitude do gozo, não se pode concordar com a qualificação jurídica que o requerente faz dos contratos celebrados, pois o único benefício que pode retirar dos imóveis são as rendas, quando do seu arrendamento, as quais fazem parte “apenas e só exclusivamente” do seu rendimento.

       f)  Os contratos celebrados não constituem, a favor do requerente, nenhum direito real, não podendo qualificar-se como sujeito passivo, para efeitos de usufruir da dedução específica prevista no artº 41º do CIRS.

       g)  Quando o requerente invoca ser, em qualquer circunstância, detentor ou possuidor precário (artº 1253º do CC)”, é claro o nº 1 do artº 1306º do CC, quando estabelece que: “Não é permitida a constituição, com caráter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito, senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nessas condições, tem natureza obrigacional”.

       h)  O requerente vem, em sede arbitral, alegar falta de fundamentação da liquidação não tendo em sede de reclamação graciosa alegado tal facto.

       i)   Deduzido pedido arbitral do indeferimento de uma reclamação graciosa, a impugnação arbitral tem por objecto quer a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quer o próprio acto atributário, a liquidação. Cabe ao Tribunal Arbitral confirmar o indeferimento, mantendo-se o acto tributário impugnado, ou anular esse indeferimento, no entanto o seu enquadramento está condicionado aos factos e fundamentos que alicerçaram a formação da decisão administrativa.

       j)   O acto tributário não enferma do vício de falta de fundamentação, pois considera-se terem sido atingidas as finalidades pretendidas com tal fundamentação, a saber, a compreensão do conteúdo do acto pelos seus destinatários e a possibilidade de contra ele reagirem. Não deixou o requerente de apreender a totalidade das circunstâncias porque tal acto de liquidação teve lugar, como se pode ver da matéria articulada na petição arbitral.

       k)  A fundamentação do acto de liquidação é suficiente, clara, precisa e objetiva. Mas mesmo que a fundamentação utilizada se revele insuficiente face aos seus pressupostos legais, o requerente apreendeu-a na sua totalidade, veio a exercer plenamente a sua defesa, então, tal insuficiência não equivale à falta de fundamentação do acto, por o fim legal que com ela se visa atingir, ter sido, eficaz e perfeitamente alcançado.

       l)   Sustenta que a liquidação controvertida foi correctamente efectuada, pelo que deve ser mantida.

 

* * *

 

7.    O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

       O processo não enferma de nulidades.

 

B. DECISÃO

 

1. MATÉRIA DE FACTO

 

1.1. FACTOS PROVADOS

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    O requerente juntou à declaração de IRS relativa ao ano de 2012, anexo F onde incluiu rendas relativas aos artigos matriciais urbanos ... F e ...-D, ambos da Freguesia de ....

b)    Desse mesmo anexo constam despesas relativas aos mesmos prédios no valor de, respectivamente, 469,00 € e 22.440,29 €.

c)    Está inscrito no cadastro matricial como proprietário do prédio urbano correspondente ao artigo nº ... F, da Freguesia de ..., o contribuinte Testemunha 2, NIF ....

d)    Está inscrito no cadastro matricial como proprietária do prédio urbano correspondente ao artigo nº ... D da Freguesia de ..., a contribuinte Testemunha 1, NIF ....

e)    Dá-se como reproduzido o teor dos documentos juntos, sob os n.º 1 e 2, com a petição inicial.

f)    Foi acordado entre o requerente e os seus filhos, subscritores dos referidos documentos, que, em caso de arrendamento dos imóveis, as rendas seriam recebidas na totalidade pelo seu pai, o aqui requerente.

g)    Foi o requerente que suportou as despesas indicadas na alínea b) supra.

h)    O requerente foi notificado de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2012, subsequente a notificação para exercício de audição prévia.

i)     O requerente apresentou reclamação graciosa do acto de liquidação em crise.

j)     Sobre tal reclamação recaiu despacho de indeferimento proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de … em 20-12-2013, notificado ao requerente no dia seguinte.

k)    Em 31-03-2014 o requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

1.2  Os factos foram dados como provados com base na análise dos documentos juntos à petição inicial bem como dos incorporados no processo administrativo, bem como pelo depoimento das testemunhas inquiridas.

 

1.3  FACTOS NÃO PROVADOS

      

       Não se deu como provado que os prédios em causa tenham sido doados pelo requerente aos seus filhos, factualidade que apenas poderia ser provada por documento autêntico, como impõe n.º 1 do art. 364º do CC, o que o requerente não fez.

 

 

 

1.4  O DIREITO

 

São, em suma, duas as questões a apreciar no presente pedido de pronúncia arbitral: qualidade de sujeito passivo de IRS do requerente relativamente aos rendimentos prediais incluídos na sua declaração de IRS e falta ou insuficiência do acto de liquidação.

 

Pese embora o requerente tenha arguido os pretensos vícios na ordem agora referida, entendemos ser de conhecimento prioritário o vício de falta de fundamentação, na medida em que o seu procedimento afectaria a própria possibilidade de o tribunal arbitral se aperceber de qual o real conteúdo do acto impugnado.

 

Desse modo, em cumprimento do disposto no art. 124º do CPPT, ordenaremos o conhecimento dos vícios invocados e sua apreciação, começando pelo falta e/ou insuficiência da fundamentação do acto de liquidação para só depois se conhecer da legalidade em concreto do mesmo acto.

 

DA FALTA / INSUFICIÊNCIA DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO

 

Alega o requerente que o acto de liquidação impugnado enferma de clara falta de fundamentação, no que toca aos fundamentos quanto às regras de determinação da matéria coletável e, ainda, que aquela não é suficiente, clara e congruente, não permitindo ao sujeito passivo a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT.

 

A requerida invoca, a este propósito, que tal fundamento não pode ser apreciado no presente processo, uma vez que tal fundamento não foi alegado pelo requerente na reclamação graciosa que prévia e tempestivamente apresentou.

 

Entendemos não assistir razão à AT.

 

Constitui fundamento da impugnação [e também do pedido de pronúncia arbitral, face à remissão do art. 10º, n.º 2 , a) do RJAT] “qualquer ilegalidade” (art. 99º do CPPT).

 

Como referem Diogo L. Campos, Benjamim Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., pag. 743, “no contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária”.

Nessa linha, diremos que o objecto da impugnação judicial é o acto tributário e a sua legalidade, não ficando precludido o direito do contribuinte, que tenha optado por submeter o acto à apreciação prévia da AT por via de reclamação graciosa, de invocar, na sequência de indeferimento da reclamação, quaisquer outros vícios não alegados nesse processo administrativo.

 

O que decorre quer do art. 66º da LGT, quando estabelece:

“1 – Os contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer actos ou omissões da administração tributária.

2 – A reclamação referida no número anterior não suspende o procedimento, mas os interessados podem recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade”

Quer do art. 96º do mesmo diploma quando estabelece que “a renúncia ao exercício do direito de impugnação ou recurso só é válida se constar de declaração ou outro instrumento formal”. Quer dizer, não se aplica em matéria tributária a aceitação tácita do acto administrativo genericamente admitida para o acto administrativo, nos termos do art. 53º, n.º 4 do CPA.

 

Improcede, pois, o argumento da requerida de que o tribunal arbitral não pode conhecer do pedido de falta ou insuficiência da fundamentação por esta não ter sido alegada no processo de reclamação graciosa.

 

Posto isto, é indiscutível, desde logo por consagração constitucional expressa no art. 268º, n.º 3 da CRP, o dever de fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos, o qual tem expressão, no que se refere aos actos tributários, no art. 77º da LGT, quando estabelece que:

“- 1- A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou proposta, incluindo os que integrem o relatório de fiscalização tributária.

2 – A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos actos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

 

Subscrevem-se na íntegra as considerações doutrinais e jurisprudenciais invocadas pelo requerente no seu articulado.

 

Com efeito, “a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (Diogo L. Campos, Benjamim Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., pag. 675)

 

Posto isto, entendemos - pese embora alguma insuficiência da notificação do acto ao requerente - estarem suficientemente explanadas as razões que levaram a AT a proceder a correcções do rendimento tributável do requerente. Considerou-se não terem sido comprovadas as despesas constantes do Anexo F da declaração de IRS que o requerente apresentou. A este propósito temos presente que, como se refere no Ac. Pleno STA de25-05-93 – Rec. n.º 27387, “atento o fim meramente instrumental prosseguido pela fundamentação dos actos administrativos, dever-se-á entender que este ficará assegurado sempre que, mau grado a inexistência da referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão em causa se situe indubitavelmente num determinado quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal”.

 

Na mesma linha, o mais recente Ac. STA de 17-8-2009 – Proc. 0246/09, considerou que “nos actos de liquidação de IRS, atenta a sua natureza de “processo de massa”, o dever de fundamentação é cumprido pela Administração Fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, mas sem que possa deixar de se observar o disposto no n.º 2 do artigo 77º da LGT ou de pôr em causa as finalidades do direito à fundamentação. Estando o conteúdo do acto tributário em sintonia com o resultado do procedimento administrativo de que aos contribuintes foi sendo dado conhecimento pela via adequada e tendo estes reagido contra o acto de indeferimento de reclamação que está na origem do resultado espelhado na liquidação, não se verifica motivo determinante da anulação do acto tributário por falta de fundamentação”.

 

Não se vislumbra que, no caso em apreço, o requerente não tenha alcançado a totalidade das circunstâncias e motivação da liquidação em crise. É disso elucidativo a fundamentação que alegou em sede de reclamação graciosa onde, de forma consciente, esgrimiu os fundamentos da liquidação, os quais subsistem no presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Não pode, pois, dizer-se que da fundamentação da liquidação impugnada tenha resultado prejuízo para a defesa do requerente, cumprindo-se assim uma das finalidades primaciais do dever de fundamentação. De qualquer forma, diga-se que, se a fundamentação do acto que lhe foi facultada, não lhe permitia ultrapassar dúvidas que tivesse quanto às razões fundamentantes da liquidação (que não terão existido), pois que o conteúdo do acto não lhe era acessível, poderia procurar esclarecê-las utilizando a faculdade que lhe confere o n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, solicitando à AT fundamentação menos sintetizada do que aquela que lhe foi comunicada com a liquidação.

 

Improcede, assim, o alegado vício de falta ou insuficiência de fundamentação.

 

DA LEGALIDADE EM CONCRETO DA LIQUIDAÇÃO

 

Em suma, pretende o requerente, com o presente pedido de pronúncia arbitral, ser considerado pela AT como sujeito passivo de IRS relativamente a rendas que recebe em resultado de arrendamentos de imóveis de que não é proprietário.

 

Sustenta-se para o efeito em documentos particulares subscritos por si e pelos seus filhos, proprietários dos referidos imóveis, intitulados como “acordo de cedência de rendas” por virtude dos quais:

- “as rendas, quando do seu arrendamento, do acima citado andar serão recebidas na sua totalidade pelo segundo outorgante, seu Pai, fazendo estas apenas e só exclusivamente parte do seu rendimento anual”;

- “todas as despesas de manutenção e reparação necessárias e feitas neste andar serão da inteira responsabilidade do segundo outorgante”.

 

Para concluir que “a existência de tais contratos de cessão de rendas revela, antes de mais, a vontade dos filhos Testemunha 2 e Testemunha 1, conferirem ao reclamante o direito ao usufruto dos apartamentos”.

 

Comecemos por salientar que não está na disponibilidade nem da AT, nem dos contribuintes, por força do princípio da legalidade tributária, alterar as regras de incidência do imposto (no caso, a incidência pessoal, que determina quem é o sujeito passivo).

 

Sujeito passivo que é “a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável” (art. 18º, n.º 3 da LGT).

 

A repercussão de qualquer contrato, negócio jurídico ou declaração negocial, nas regras de incidência só existirá nos exactos termos definidos na lei.

 

No que ao caso importa, temos que são sujeitos passivos de IRS, relativamente a rendimentos prediais, as pessoas (residentes ou não, em território português) que aufiram rendas, de que sejam titulares, de prédios rústicos, urbanos e mistos (art. 8º, n.º 1 e 13º, n.º 1 do CIRS).

 

Há, então, que apurar quem será o titular de tais rendas. Avançamos, desde já, que o elemento que determina tal qualidade não poderá ser uma qualquer declaração de vontade do contribuinte, sob pena de se violar o aludido princípio da legalidade tributária e, também o da capacidade contributiva.

 

Titular das rendas será, então, aquele que de acordo com a lei civil terá direito ao seu recebimento: o proprietário, o usufrutuário e o locatário (através da sublocação).

 

Defende o requerente ser usufrutuário dos imóveis objecto dos autos, por força do acordo que celebrou com os seus filhos, titulado por documento particular de “cedência de rendas”.

 

O usufruto é um direito real tipificado na lei como todos os direitos reais legalmente admissíveis. É o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância.

 

Como direito real que é, a sua constituição não é abarcada pelo princípio da liberdade de forma, estando, ao invés, sujeito a regras formais substanciais.

 

Com efeito, o usufruto só é válido se for celebrado por escritura pública ou documento particular autenticado, face ao disposto na alínea a) do art. 22º do DL 116/2008, de 4 de Julho.

 

Não se questiona se os filhos do requerente quiseram efectivamente constituir, a favor de seu pai, usufruto sobre os imóveis de que são proprietários, mas o que é incontornável é que a pretensa constituição do mesmo estaria ferida de nulidade, por falta de forma legalmente prescrita (art. 220º do CC).

 

Não existindo qualquer usufruto que o requerente possa invocar, não pode incidir sobre ele a qualidade de sujeito passivo do imposto pelo recebimento das rendas em causa e, nessa medida, não pode impor à AT que esta considere como deduções ao seu rendimento despesas que não têm adesão a quaisquer rendimentos seus susceptíveis de tributação.

 

O facto de o requerente ter feito constar da sua declaração de rendimentos as rendas em causa é algo que só a ele pode ser imputável, não podendo a AT desconsiderá-las por sua iniciativa.

 

Caberia ao contribuinte encetar procedimento tendo em vista a sua exclusão do seu rendimento colectável. Não pode é impôr à AT que considere despesas sobre rendimentos que não deverão ser tributados na sua esfera.

 

Nenhuma censura merece, pois, a liquidação efectuada.

 

 

3. DECISÃO

 

 

Face ao exposto, decide-se:

 

                                             a)  julgar totalmente improcedente o pedido, dele absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira;

                                             b) condenar o requerente no pagamento das custas do processo.

 

 

 

VALOR DO PROCESSO: De acordo com o disposto nos art. 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil, art. 97º-A, n.º 1, a) do Código do Processo e de Procedimento Tributário e art. 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 692,00 € (seiscentos e noventa e dois euros).

 

 

 

CUSTAS:                            Nos termos do disposto no art. 22.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 306,00 € (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 04 de Dezembro de 2014

 

 

 

                                                                              O árbitro

 

                                                                        António Alberto Franco