Decisão Arbitral
O Árbitro Rogério M. Fernandes Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral constituído em 11 de Março de 2013, decide o seguinte:
A) Relatório
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… e …, casados, doravante identificados por Requerentes, titulares dos NIF … e …, respectivamente, residentes em Rua …, em Lisboa, apresentaram, em 9 de Janeiro de 2013, pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”).
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Os Requerentes pretendem, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare:
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a ilegalidade e correspondente anulação da decisão de (in)deferimemtno parcial da Reclamação Graciosa apresentada pelos Requerentes, na parte em que indefere o seu pedido, e notificada através do Ofício de 8 de Outubro de 2012, da Exma. Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa – … .
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a ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, e de juros compensatórios, relativo ao ano de 2008, no montante total de € 12.963,81.
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a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do montante voluntariamente pago, no âmbito do processo executivo n.º …, no valor de € 14.563,64, acrescido de juros indemnizatórios e dos juros de mora a que houver lugar.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada como Requerida), em 10 de Janeiro de 2013.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado como árbitro único pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
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Em 29 de Abril de 2013, a Requerida apresentou a sua Resposta.
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Em 21 de Maio de 2013, e nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º, do RJAT, foi realizada a primeira reunião do Tribunal Arbitral, tendo sido lavrada acta, que se encontra junta aos autos.
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Nessa reunião, quer o mandatário dos Requerentes, quer o mandatário da Requerida, consideraram prescindir das alegações orais ou escritas, nada mais tendo a requerer.
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Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
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Os Requerentes são, e são ambos, residentes fiscais em Portugal;
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Os Requerentes residiram, até 6 de Novembro de 2008, no imóvel sito no …, Loures, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, Concelho de Loures, sob o artigo …, fracção …, de que era proprietário o Requerente marido e que, constituía habitação própria e permanente do agregado familiar (doravante “imóvel 1”);
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Em 6 de Novembro de 2008, o referido imóvel foi alienado, pelo preço de € 350.000,00;
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O rendimento que resultou da referida venda foi declarado no Anexo G, da Declaração Modelo 3, apresentada por referência ao exercício de 2008 e, bem assim, foi aí declarada a intenção de reinvestir a totalidade do valor de realização;
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Em 3 de Novembro de 2011, os Requerentes adquiriram um novo imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o n.º …, fracção …, pelo montante de € 804.744,00 (doravante “ imóvel 2”);
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Este novo imóvel foi, também ele, afecto à habitação própria e permanente do agrupamento familiar;
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Mais indicaram os Requerentes que o montante de € 804.744,00 se decompõe nos seguintes termos: i) € 350.000,00 resultaram do reinvestimento do valor de realização do imóvel 1; ii) € 307.000,00 foram obtidos com recurso a um empréstimo bancário; e iii) € 147.744,00 é capital próprio dos Requerentes, incluindo o valor de € 87.500,00 referente ao valor de realização decorrente da venda da fracção …, do imóvel inscrito sob o artigo …, da matriz predial urbana da freguesia do …, em Lisboa, alienado pela Requerente mulher em 2009 (doravante, “imóvel 3”);
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Os Requerentes não declararam o reinvestimento, no montante de € 350.000,00, na Declaração de Rendimentos Modelo 3, referente ao exercício de 2011 (ano da aquisição do imóvel 2);
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Tendo os Requerentes sido notificados, em 6 de Agosto de 2012, da liquidação adicional de IRS n.º 2012 …, relativa ao ano de 2008, no valor de € 49.862,53, apresentaram, em 10 de Agosto de 2012, uma declaração de substituição, referente ao exercício de 2011, corrigindo o referido lapso;
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Não obstante entenderem que a declaração de substituição apresentada deve ser convolada em Reclamação Graciosa, os Requerentes apresentaram Reclamação Graciosa, em 28 de Agosto de 2012, onde pediram a anulação da liquidação adicional de IRS relativa a 2008;
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Com efeito, alegam os Requerentes que se encontra documentalmente provado o reinvestimento do valor de realização decorrente da venda dos imóveis 1 e 3, na aquisição do imóvel 2, no prazo de 36 meses, então estipulado no Código do IRS para esse efeito, devendo, consequentemente, as mais-valias imobiliárias em causa estar excluídas de tributação, em sede de IRS;
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A pretensão dos Requerentes foi apenas parcialmente acolhida pela Requerida, que deferiu parcialmente a referida Reclamação Graciosa, anulando a liquidação de IRS n.º 2012 … e emitindo nova liquidação n.º 2012 …, no valor de € 12.963,81;
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Ao contrário do que resulta da decisão de (in)deferimento parcial de Reclamação Graciosa apresentada pelos Requerentes, estes consideram que a lei aplicável ao caso concreto não exige que o reinvestimento seja considerado em apenas 50%, relativamente a cada um dos cônjuges que integrem o agregado familiar;
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Mais alegam os Requerentes que, da conjugação entre o Código do IRS e a Lei Geral Tributária, resulta claro que é irrelevante a esfera do cônjuge que aufere os rendimentos, sendo ambos solidariamente responsáveis pelas dívidas de IRS, pelo que, também para efeitos de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias deverá ser irrelevante a origem do rendimento;
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Sustentam, assim, os Requerentes que o entendimento constante da decisão de (in)deferimento parcial proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira é manifestamente abusiva, questionável de boa fé e em clara contradição com os princípios de proporcionalidade, legalidade e de justiça constitucionalmente consagrados;
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Alegam, ainda, os Requerentes, que inexiste norma de incidência fiscal que permita à Autoridade Tributária e Aduaneira tributar parte da mais-valia obtida com a venda do imóvel 1;
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Em suma, os Requerentes pretendem que seja reconhecido o reinvestimento da totalidade do valor de realização, obtido com a venda dos imoveis 1 e 3, na aquisição do imóvel 2 assim se concluindo pela exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias em causa, e anulando-se quer a decisão de (in)deferimento parcial de Reclamação Graciosa apresentada, quer a liquidação n.º 2012 … de IRS e Juros Compensatórios, relativos a 2008, e, bem assim, que a Autoridade Tributária e Aduaneira seja condenada no reembolso do montante pago no âmbito do processo executivo instaurado, acrescido de juros indemnizatórios e de juros de mora, se a eles houver lugar, e consideram que a liquidação em apreço viola os princípios da legalidade e da proporcionalidade.
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A Requerida respondeu alegando, em síntese, que:
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O imóvel 1 pertence ao Requerente marido, sendo considerado como bem próprio, na medida em que foi adquirido por doação;
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O valor de realização, decorrente da venda do imóvel 1, não foi integralmente reinvestido, na medida em que apenas o valor de € 248.872,00 é susceptível de reinvestimento, por corresponder ao valor de aquisição, imputável ao Requerente marido, de acordo com a sua meação no imóvel adquirido para habitação própria e permanente do casal;
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Alega, ainda, a Requerida que o imóvel adquirido em 2011 é propriedade comum dos Requerentes e, por isso, cabe a cada cônjuge uma quota ideal de ½, de acordo com a meação dos bens comuns nos termos do regime civil de comunhão de bens adquiridos e que, logo, a cada Requerente cabe uma quota de reinvestimento possível no imóvel adquirido, no referido montante de € 248.872,00;
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Acrescenta a Recorrida que não se pode confundir a titularidade do imóvel cujo valor de realização é susceptível de reinvestimento para efeitos de exclusão tributária, com a titularidade dos rendimentos obtidos para efeitos de tributação em IRS, sob pena de o legislador fiscal desvirtuar o regime de bens decorrente do casamento e previsto no Código Civil;
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Entende também a Requerida que a norma em causa, constante do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, não prevê uma exclusão de tributação susceptível de beneficiar o reinvestimento, ainda que este se concretize na aquisição de um bem comum, na parte em que essa aquisição ultrapassa a quota ideal do titular do reinvestimento;
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Mais sustenta a Requerida que não se poderá beneficiar um dos cônjuges, ou dos unidos de facto, quando optarem pela tributação conjunta, com a exclusão de tributação decorrente do valor de realização obtido com a alienação de um imóvel próprio do outro cônjuge, ainda que esse imóvel constitua o domicílio fiscal de ambos, não sendo admissível a interpretação de normas que regulam a incidência fiscal por analogia;
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Por fim, quanto aos juros indemnizatórios, a Requerida considera não serem devidos, na medida em que sustenta que o pagamento do imposto em montante superior ao devido, não é imputável aos serviços e, bem assim, porque não decorreu mais de um ano após a apresentação do pedido dos Requerentes para revisão do acto tributário.
B) Saneador
10. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
11. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
12. Não se verificam nulidades, nem questões prévias, que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
C) Objecto pronúncia arbitral
13. Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:
(i) A não consideração do reinvestimento da totalidade do valor de realização de € 350.000,00, decorrente da venda do imóvel 1, bem próprio do Requerente marido e habitação própria e permanente do agregado familiar, na aquisição do imóvel 3, por ambos os Requerentes, para habitação própria e permanente do agregado familiar, no prazo de 36 meses, é ilegal por constituir violação do disposto no n.º 5, do artigo 10.º, do Código do IRS, do principio de legalidade previsto nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa e 8.º da Lei Geral Tributária, e do principio de proporcionalidade constitucionalmente previsto e consagrado?
(ii) Os Requerentes têm direito a ser reembolsados do montante de € 14.563,64 voluntariamente pago no âmbito do processo de execução fiscal n.º …, acrescido de juros indemnizatórios e de juros de mora?
D) Matéria de facto
D.1 Factos provados
14. Consideram-se como provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos:
14.1 O Requerente marido adquiriu o imóvel 1, a título gratuito, por doação, em Outubro de 2008 (cfr. contrato de doação junto à Resposta apresentada pela Requerida, como Doc. 1);
14.2 O Requerente marido celebrou, em 6 de Novembro de 2008, com o consentimento da Requerente mulher, escritura pública de compra e venda do imóvel 1, pelo preço de € 350.000,00 (cfr. Documento n.º 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
14.3 O imóvel 1 alienado em 2008 constituía, à data da respectiva alienação o domicílio fiscal do Requerente marido;
14.4 Os Requerentes apresentaram, como casados, em 1 de Junho de 2009, a declaração de IRS n.º …, relativa aos rendimentos obtidos em 2008, em cujo Anexo G, declararam a intenção de reinvestimento do valor de realização obtido com a venda do imóvel 1, de € 350.000,00;
14.5 Em 19 de Janeiro de 2009, ambos os Requerentes alteraram o respectivo domicílio fiscal para a morada do imóvel 2 (cfr. Documento n.º 3 junto à Resposta da Requerida);
14.6 Em 3 de Novembro de 2011, os Requerentes outorgaram a escritura pública, referente à aquisição do imóvel 2, no valor de € 804.744,00 (cfr. Documento n.º 5 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
14.7 O imóvel 2 foi afecto à habitação própria e permanente dos Requerentes (cfr. o mesmo Documento n.º 5 junto do pedido de pronuncia arbitral);
14.8 O valor de € 804.744,00 pago pelos Requerentes na aquisição do imóvel 2 decompôs-se nos seguintes termos:
- € 350.000,00 (reinvestimento da venda do imóvel 1);
- € 307.000,00 (empréstimo bancário); e
- € 147.744,00 (capital próprio que inclui o valor de realização da venda do imóvel 3);
14.9 Por lapso, não foi declarada pelos Requerentes, a concretização do reinvestimento do referido valor de realização de € 350.000,00 decorrente da venda do imóvel 1, por aquisição do imóvel 2, na Declaração de IRS n.º … , referente ao ano 2011, apresentada em 30 de Abril de 2012 (cfr. Documento n.º 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
14.10 Em 6 de Agosto de 2012, os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS n.º 2012… e de juros compensatórios n.ºs 2012 … e 2012 …, relativa ao ano de 2008, no valor de € 49.862,53 (cfr. Documento n.º 7 junto ao pedido de pronuncia arbitral);
14.11 Em 10 de Agosto de 2012, os Requerentes apresentaram a declaração de IRS de substituição n.º …, relativa ao ano de 2008, incluindo no Anexo G a concretização do reinvestimento do valor de realização de € 350.000,00, decorrente da venda do imóvel 1 e, bem assim, do valor de realização de €87.500,00 decorrente da venda do imóvel 3, (cfr. Documento n.º 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
14.12 Os Requerentes apresentaram, em 3 de Setembro de 2012, Reclamação Graciosa do acto de liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios, solicitando a anulação da liquidação adicional e de juros compensatórios, relativos a 2008 (cfr. Documento n.º 9 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
14.13 Através de Ofício, assinado pela Exma. Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - …, datado de 12 de Setembro de 2012, os Requerentes foram notificados do projecto de decisão de (in)deferimento parcial da Reclamação Graciosa e, bem assim, para exercer o respectivo direito de audição previa, no prazo de 10 dias (cfr. Documento n.º 10 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
14.14 Os Requerentes exerceram o direito de audição prévia por escrito, através de documento entregue, no Serviço de Finanças de Lisboa-…, em 27 de Setembro de 2012 (cfr. Documento n.º 11 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
14.15 Por Ofício assinado pela Exma. Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - …, e datado de 8 de Outubro de 2012, os Requerentes foram notificados da decisão final de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, por Despacho de 4 de Outubro de 2012, admitindo a exclusão tributária prevista no n.º 5, do artigo 10.º, do Código do IRS, relativamente ao montante de € 248.872,00, resultante da alienação efectuada em 2008 do bem próprio do Requerente marido e de € 87.500,00 resultante da alienação efectuada, em 2009, do bem próprio da Requerente mulher (cfr. Documento n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
14.16 Na sequência daquela decisão, a Autoridade Tributária e Aduaneira, anulou as liquidações de IRS e de juros compensatórios, referentes ao ano de 2008, no valor de € 49.860,43, emitindo novas liquidações de IRS e de juros compensatórios no valor total de € 12.963,81 (cfr. Documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
14.17 A falta de pagamento voluntário da primeira liquidação levou à instauração do processo de execução fiscal, n.º … (cfr. Documento n.º 12 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
14.18 Os Requerentes procederam ao pagamento voluntário do montante de € 14.563,64, tendo pago € 12.500,00, em 12 de Outubro de 2012 e os restantes € 2.063,64, em 30 de Novembro de 2012 (cfr. Documento n.º 14 junto ao pedido de pronúncia arbitral e Documento n.º 4 junto a Resposta);
14.19 O processo de execução fiscal n.º … está actualmente extinto (cfr. Documento n.º 13 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
15. Não se provaram quaisquer outros factos passiveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte importa considerar como não provados.
E) Do Direito
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Da aferição da (i)legalidade da não consideração do reinvestimento da totalidade do valor de realização decorrente da venda do imóvel alienado pelo Requerente marido na aquisição por ambos os Requerentes do imóvel que é actual habitação própria e permanente do agregado familiar:
16. A primeira questão a decidir, nestes autos, tem por referência o regime de tributação dos rendimentos de mais-valias em sede de IRS e, em particular a interpretação do regime do reinvestimento das mais-valias imobiliárias, constante do n.º 5, do artigo 10.º, do Código do IRS, que ora se prescreve:
“5- São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; (Redacção da Lei n.º64-A/2008, de 31 de Dezembro)
b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior desde que efectuada nos 24 meses anteriores; (Redacção da Lei n.º64-A/2008, de 31 de Dezembro)
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;
d) (Revogada pelo DL 211/2005-07/12)”
17. Antes de mais, importa ter presente que as mais-valias se inserem na categoria G – incrementos patrimoniais -, nos termos do artigo 9.º do Código do IRS e podem ser definidas como ganhos, inesperados, do valor dos activos patrimoniais, isto é, quando as alienações onerosas são efectuadas fora dos quadros de uma actividade económica deliberada.
18. As mais-valias sujeitas a tributação encontram as suas regras de incidência nos termos do artigo 10.º, n.º 1, do Código do IRS, pelo que, podemos considerar que existe uma tributação selectiva, sendo o elenco previsto exaustivo (numerus clausus).
19. No que aos presentes autos respeita, importa atender à situação em que a mais-valia decorre da transmissão de imóvel que constitua habitação própria permanente do sujeito passivo e que poderá ser excluída de tributação, caso o valor de realização decorrente dessa venda venha a ser reinvestido na aquisição de nova habitação própria e permanente, nos termos do regime descrito no artigo 10.º, n.ºs 5 e 6, do Código do IRS.
20. Nos termos do Código do IRS, apenas se prevê a tributação das mais-valias imobiliárias efectivamente realizadas, de acordo com o princípio da realização, o que implica que o activo deverá ser efectivamente transaccionado. Numa certa perspectiva, poderá considerar-se que a tributação de determinados rendimentos poderá constituir um factor de imobilização de activos, impedindo a actividade económica e a respectiva transacção (cfr. José Guilherme Xavier de Bastos, IRS – Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 386).
21. Uma forma de contornar este efeito de imobilização (lock-in effect) é o de não tributar a mais-valia, quando o produto da sua realização seja reinvestido noutros activos patrimoniais, dentro de um determinado momento temporal. Assim, tal como resulta do n.º 5, do artigo 10.º, do Código do IRS, não são tributáveis as mais-valias imobiliárias quando os valores de realização forem reinvestidos em imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do agrupamento familiar, o que implica que este requisito deverá verificar-se tanto em relação ao imóvel de “partida”, como em relação ao imóvel de “chegada” (cfr. José Guilherme Xavier de Bastos, IRS – Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 413). Neste sentido, o Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão de 15 de Abril de 2011, e o CAAD, na decisão n.º 84/2012-T, pronunciaram-se já no sentido de que “A exclusão da tributação vale quando o imóvel de partida e o imóvel de chegada são destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo.”
II.
22. Assim, no que respeita à exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias, é importante ter presente os requisitos legais referentes aos três aspectos fundamentais do regime do reinvestimento: o prazo, o reinvestimento e a afectação do bem alienado e do bem a adquirir (cfr. também Informação n.º 1169/99, de 2/11/1999, DGI/DSIRS)
23. No que respeita ao requisito relativo ao prazo para o reinvestimento do valor de realização, à data da alienação do imovel 1, bem próprio do Requerente marido – ano de 2008 - era de 24 meses, contados da data da realização. Atente-se a que o artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS dispunha, na redacção em vigor à data da realização da mais-valia, o seguinte:
“5 – São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de 24 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos doze meses anteriores;
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;”
24. Todavia, com as alterações introduzidas pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009), o prazo referido foi alargado para 36 meses e a redacção do n.º 5, do artigo 10.º, do Código do IRS passou a ser a seguinte:
“5 – São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior desde que efectuada nos 24 meses anteriores;
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;” (Sublinhado nosso)
No seguimento desta alteração, é importante atender ao artigo 69.º da Lei 64-A/2008, por considerar que o alargamento do prazo para o reinvestimento é “ aplicável às situações em que o período de 24 ou 12 meses ainda está vigente ou se extingue no ano de 2009.”
25. Acresce que, ainda que assim não fosse, sendo o referido prazo de 36 meses aplicável à situação concreta sob análise, na medida em que, nos termos do artigo 297.º do Código Civil, quando a lei fixe um prazo mais longo do que o inicialmente previsto, este é aplicável aos prazos que já estejam em curso.
26. Em face do exposto e do enquadramento legal descrito, importa atender ao caso em apreço, pelo que, o imóvel 1 em causa tinha sido alienado em 6 de Novembro de 2008, pelo que os Requerentes poderiam reinvestir o respectivo valor de realização até 6 de Novembro de 2011, ficando, assim, abrangidos pelo regime da exclusão de tributação, em sede de IRS, desde que cumpridos os demais requisitos legalmente previstos.
27. Com efeito, tal como ficou provado, os Requerentes adquiriram o imóvel 2, em 3 de Novembro de 2011, que, se considera que o reinvestimento do valor de realização do imóvel 1 em causa ocorreu tempestivamente. Acresce que, no que respeita ao imóvel 3, se considera que o reinvestimento do respectivo valor de realização ocorreu tempestivamente.
III.
28. Passando, agora, para a análise do montante que poderá ser objecto de reinvestimento, o Código do IRS considera, desde logo, no referido artigo 10.º, n.º 5, que ao valor da realização será deduzido o montante relativo a eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel.
29. Ora, os Requerentes demonstraram que, para a aquisição do imóvel 2, recorreram a um empréstimo bancário no valor de € 307.000,00 (cfr. Documento n.º 5 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
30. Assim, uma vez que o valor de aquisição do imóvel foi de € 804.744,00, teremos de subtrair a este o valor do empréstimo, pelo que o valor que poderá ser objecto de reinvestimento, no caso concreto, ascende a € 497.744,00 (804.744,00 – 307.000,00 = 497.744,00). Atente-se ao disposto no artigo 10.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS: “(...) o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição de imóvel, (...)”.
31. Neste sentido, o Supremo Tribunal Administrativo, pronunciou-se já, no processo n.º 0950/12, de 16 de Janeiro de 2013, que, estando “assente que para adquirem o novo prédio também recorreram a um empréstimo bancário, o montante do empréstimo não pode fazer parte do capital reinvestido. É que esse montante não tem qualquer nexo de causalidade com o produto da alienação, sendo uma “nova” quantia investida num outro imóvel. Sobre a repercussão que o empréstimo bancário tem na exclusão da tributação das mais-valias, formou-se jurisprudência consolidada de que «o reinvestimento a que se referia o artigo 10º, nº 5 al. a) do CIRS e que levava à exclusão da tributação, era apenas o reinvestimento do produto da alienação, com exclusão do reinvestimento de um empréstimo bancário».
Apenas a diferença entre o valor do empréstimo e o valor do prédio adquirido é que constitui reinvestimento para efeitos de integração na delimitação negativa expressa no nº 5 do artigo 10º do CIRS. (cfr. acs. do STA de 12/3/2003, rec nº 01721/02, de 28/1/2004, rec. 01359/03, de 3/3/2004, rec. nº 01774/03, de 20/4/2004, rec. nº 01876/03, de 2473/2004, rec nº 02053/03, de 28/9/2006, rec. nº 0125/06, de 24/3/2010, rec nº 01241/09).
32. Tendo presente que o valor a reinvestir decorre directamente do valor de realização considerado na da transmissão onerosa dos imoveis que constituam até esse momento a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar, importa referir que no caso em apreço se verificaram duas alienações de imóveis. Em concreto, o imóvel 1 foi alienado pelo Requerente marido, por € 350.000,00, em 6 de Novembro de 2008; por sua vez, o imóvel 3 foi alienado pela Requerente mulher por €87.500, em 2009. Assim, estamos perante duas transmissões de imóveis, pelo que o montante total dos valores de realização em causa ascende a € 437.500,00. Ora, desde logo se conclui que este valor não excede o valor do reinvestimento admitido e que concluímos corresponder a € 497.744,00.
33. Neste sentido, e nos termos do artigo 10.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS, encontra-se excluído da tributação o valor de € 437.500,00, resultante dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar, pois os mesmos foram reinvestidos, aquando da aquisição do imóvel 2 e no prazo legalmente fixado para o efeito, de 36 meses.
IV.
34. Não obstante, a Requerida entende, perante a decisão de (in)deferimento parcial de Reclamação Graciosa apresentada pelos ora Requerentes e subjacente às liquidações de IRS e de juros compensatórios objecto de presente decisão, que o valor do reinvestimento terá de ser dividido em duas partes iguais, na medida em que está em causa o reinvestimento dos valores de realização, decorrentes da venda de dois imoveis, cada um deles alienado por cada um dos cônjuges, na aquisição de um imóvel para habitação própria e permanente do agregado familiar.
35. Assim, na interpretação que a Requerida faz do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, o reinvestimento estaria limitado a um valor de € 248.872,00 (€ 497.744,00 / 2 = € 248.872,00), por cada cônjuge.
36. Considera que o valor passível de reinvestimento ascende a € 87.500,00, resultante da alienação do imóvel 3, em 2009, pela Requerente mulher, e a € 248.872,00, resultante da alienação do imóvel 1, em 2008, pelo Requerente marido, não aceitando o reinvestimento da totalidade do valor de € 350.000,00, correspondente ao valor pelo qual o imóvel 1 foi alienado.
37. Para sustentar a sua posição, a Requerida recorre à aplicação do regime do direito civil, tendo em consideração o regime de bens aplicável ao casamento dos Requerentes.
38. Assim, fundamenta o seu entendimento atendendo ao disposto no artigo 1404.º do Código Civil, por considerar que cada um dos cônjuges dispõe de uma quota de reinvestimento que corresponde a metade do valor total do reinvestimento. Atende, ainda, ao disposto no artigo 1730.º do Código Civil, na medida em que os “cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso”.
39. Ora, não existem dúvidas de que o artigo 1730.º do Código Civil não está previsto para estas situações, mas, sim, para os casos de dissolução do casamento por divórcio ou mortis causa: “A determinação da participação de cada um dos cônjuges na comunhão tem especialmente em vista o momento da dissolução e partilha do património comum e não a fixação do objecto do direito de cada um deles na vigência da sociedade conjugal” (cfr. Abílio Neto, Código Civil Anotado, 1990, p. 1267).
40. O legislador fiscal não estabeleceu nenhuma exigência quanto à titularidade do imóvel afecto à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar.
41. Acresce que, nos termos do artigo 13.º, n.º 2, do Código do IRS, o legislador fiscal considera que, em sede de IRS, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, e não por cada um, de per si. Assim, o regime de bens aplicável no casamento dos sujeitos passivos não é atendido para efeitos fiscais.
42. Acresce, ainda, que o legislador fiscal entendeu dar relevância à afectação dos imoveis adquiridos e alienados na esfera do sujeito passivo ou do agregado familiar, conforme expressamente refere no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, dando aqui prevalência à família, no âmbito do próprio regime do reinvestimento para efeitos de exclusão da tributação em sede de IRS, das mais-valias imobiliárias.
43. Neste sentido, o Professor Casalta Nabais considera que, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, da LGT, “a tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares, devendo orientar-se no sentido de que o conjunto dos rendimentos do agregado familiar não esteja sujeito a impostos superiores ao que resultariam da tributação autónoma das pessoas que os constituem.” (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2012, Almedina).
44. No que respeita a esta questão, o Senhor Provedor de Justiça já se pronunciou, na Recomendação n.º 18/A/2012 – Processo n.º R – 5515/10 –, no sentido de que:
“(...) o regime supletivo de casamento é, nos termos do artigo 1717º do Código Civil, o da comunhão de adquiridos – regime pelo qual, nem os bens levados pelo casal, nem os bens adquiridos a título gratuito se comunicam (...);
- «Ora atendendo a que a questão se subsume afinal, à alienação onerosa de imóvel destinado à habitação própria e permanente efectuada pelo titular do respectivo direito de propriedade, e reinvestimento na aquisição de um outro imóvel com o mesmo destino já na vigência de um casamento sob o regime de comunhão geral de adquiridos, só poderá mesmo, para efeitos de aplicação do disposto nº artigo 10º, nº 5, alínea a) do Código do IRS, como que ficcionar-se um reinvestimento na aquisição da propriedade do novo imóvel com uma percentagem correspondente a 50%.» (sublinhado e bold nosso).
- E mais se acrescenta que: «(…) não se questionando o facto de o contribuinte e o cônjuge serem ambos, em termos civis e por força do regime de comunhão de adquiridos, conjuntamente e sem determinação de quotas, titulares de um direito de propriedade uno sobre um mesmo imóvel, o que pressupõe uma aquisição conjunta, certo é que essa aquisição, para efeitos de aplicação do benefício fiscal acima referido, terá de ser tida como efectuada por parte dos membros da sociedade conjugal, com recurso ao valor de realização obtido com a alienação onerosa do imóvel a que procedeu e que constituía um seu bem próprio».
11. Dir-se-á, antes de mais, que a fundamentação da Direção de Serviços de IRS parece assentar, desde logo, numa premissa errónea: a de que, para que esta norma de exclusão de incidência da tributação seja aplicável na íntegra, o valor de realização terá de ser aplicado numa habitação própria e permanente de que o sujeito passivo venha a ser único e exclusivo proprietário.
12. Ora, os pressupostos ali expressos para efeitos de aplicação integral (e não apenas parcial) da aludida disposição legal de não incidência, parecem recusar em absoluto esta interpretação, já que são eles exactamente os seguintes: a) que os imóveis (o alienado e o adquirido) tenham por fim, e exclusivamente, a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar b) que o produto da alienação seja investido na nova habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
13. Parece, deste modo, evidente que, o elemento literal da regra em apreço não integra, portanto, um (suposto) terceiro requisito, a saber, o de que para que o valor de realização reinvestido seja totalmente abrangido pela norma de exclusão da tributação, o sujeito passivo haja de ser o único e exclusivo proprietário do novo imóvel destinado à habitação própria e permanente.
14. Permiti-lo-á, todavia, o espírito da aludida disposição normativa? Por outras palavras pressupõem-no a política legislativa subjacente a esta norma? Não me parece.
15. As mais-valias imobiliárias são genericamente tributáveis em sede de IRS, enquanto incrementos patrimoniais; a exclusão de incidência de tributação (delimitação negativa de incidência) restringe-se, deste modo, apenas, ao caso de reinvestimento dos valores obtidos com a alienação de imóvel para habitação própria e permanente se aplicados na compra de outra com o mesmo destino, tendo em vista «favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente», ou nas palavras talvez mais certeiras de Rui Duarte Morais[6]«eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias».
16. Também no que respeita à ratio legis daquela norma, como aceitar, como V. Ex.ª certamente concordará, que no espírito do legislador pairasse sequer a intenção de introduzir um elemento de descriminação negativa entre famílias, prejudicando com uma carga fiscal adicional um agregado familiar cuja anterior habitação fosse propriedade de apenas um dos elementos do casal, relativamente àqueles agregados familiares cuja anterior habitação tivesse sido propriedade de ambos?
(...)
19. Temos, assim, por indubitável que a omissão legal de qualquer referência à titularidade do imóvel que constitui habitação própria e permanente do sujeito passivo e respectivo agregado familiar está em absoluta consonância com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico fiscal, no que respeita à protecção do direito à habitação das famílias.(...)
22. Permita V. Ex.ª que conclua, deste modo, e salvo melhor opinião, que nada autoriza o intérprete (administração fiscal, no caso) a estabelecer, por recurso às normas interpretativas comuns - tanto mais que por recurso ao direito civil, um dos ramos de direito mais longínquo do direito fiscal–, como pressuposto para exclusão integral da incidência da tributação dos ganhos obtidos, que a propriedade do imóvel alienado houvesse de pertencer a ambos os membros do casal, não se vendo aliás como possa, tão-pouco, «ficcionar» «um reinvestimento na aquisição da propriedade do novo imóvel com uma percentagem correspondente a 50%.»
(...)
24. Sem prejuízo do que ficou dito, cremos ser nosso dever chamar a atenção de V. Ex.ª para que no âmbito da apreciação que venha a ser levada a cabo sobre este assunto, seja tida em consideração a possível inconstitucionalidade da aplicação da norma constante do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, tal como foi efetuada pela Direção de Serviços de IRS.
25. Senão vejamos. As normas ínsitas no artigo 10.º do Código do IRS são, por definição, normas de incidência tributária, isto é, grosso modo, normas que tipificam os factos sobre os quais, quando e se verificados, poderá recair imposto sobre o rendimento, no caso.
26. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, é à Assembleia da República que cumpre determinar os elementos essenciais dos impostos, isto é, e para além da taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, também o elemento essencial que é a incidência da norma, é questão objeto de reserva de lei, em benefício do princípio da tipicidade legal.
V.
45. É, ainda, importante referir que o artigo 10.º, n.ºs 5 e 6, do Código do IRS é norma de incidência negativa, porque consagra uma possibilidade de exclusão da tributação. As normas de exclusão tributária, enquanto delimitações negativas expressas de uma regra de incidência, estão sujeitas ao princípio da legalidade, de que resulta a reserva de lei e a tipicidade fechada ou taxativa. Neste sentido, deve o intérprete observar com rigor o princípio da indisponibilidade do tipo, recusando qualquer interpretação que desafie o recorte típico da norma (cfr. Informação n.º 1169/99, de 2/11/1999, DGI/DSIRS).
46. Neste sentido, não pode a Requerida pretender, à revelia da lei, impor aquela limitação, quanto ao valor do reinvestimento. Nota-se que o artigo 10.º, n.ºs 5 e 6, do Código do IRS estabelece, de forma clara e inequívoca, os critérios legalmente exigidos para que se verifique uma exclusão de tributação.
47. No artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, por seu turno, está presente o princípio da legalidade fiscal e que se traduz na regra da reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos. Atente-se também ao disposto no artigo 165.º, alínea i), da CRP.
48. Está, aqui, em causa uma tipicidade legal, pois o “imposto deve ser desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar nem para discricionariedade administrativa quanto aos seus elementos essenciais” (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, p.1091).
49. Com efeito, nos termos do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, não pode a Administração tributária aplicar outros critérios, ainda mais, limitativos, que não estão expressamente previstos. A ratio da norma referida no Código do IRS atende à protecção da família e, bem assim, à protecção do direito à habitação. O princípio da legalidade fiscal está, ainda, previsto na Lei Geral Tributária, nos termos do artigo 8.º e, neste sentido, é importante referir que a tributação tem de ser taxativa e basear-se num “numerus clausus” de espécies tributárias. Não pode a Requerida sujeitar os Requerentes a uma tributação que não está prevista na lei, já que a sua actuação está subjacente ao princípio da legalidade.
50. Em face do exposto, não pode a argumentação da Requerida ser julgada procedente, sob pena de violação do princípio da legalidade fiscal, da proporcionalidade e da justiça, nos termos anteriormente descritos.
51. Pelo que se conclui que os actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios e, bem assim, a decisão de (in)deferimento parcial ora contestada mostram-se ilegais, por violação do disposto nos artigos 10.º, n.º 5, do Código do IRS, 46.º do CPPT, 8.º e 55.º da LGT, 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea b) da CRP, impondo-se a respectiva anulação.
-
Juros indemnizatórios:
52. Os Requerentes peticionaram o pagamento de juros indemnizatórios, por considerarem que ocorreu, no caso concreto, pagamento de imposto superior ao devido por erro imputável aos serviços.
53. A LGT prevê no artigo 43.º e o CPPT no artigo 61.º que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve um erro imputável aos serviços e do qual resulta um pagamento de divida tributária em montante superior ao legalmente devido.
54. Entende-se por erro imputável à administração, o erro que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto e de direito que, não sejam da responsabilidade do contribuinte.
55. Assim, “o direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas de responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável (...) o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provem, em regra geral, de um dever de indemnização da Administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte.”(cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, p. 204 e 205).
56. Atento o exposto e a errónea interpretação que a Requerida fez, ao aplicar a norma em causa – n.º 5, do artigo 10.º, do Código do IRS – não existem duvidas de que foi por erro imputável aos serviços, que os Requerentes efectuaram o pagamento de imposto superior aquele que efectivamente seria devido.
57. Em face do exposto, considera-se que os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento da liquidação de imposto anulada até à data da emissão da nota de crédito, nos termos do artigo 61.º, n.ºs 2 a 5, do CPPT.
F) Decisão:
58. Em síntese, devemos considerar que a aplicação da exclusão de tributação depende da verificação de determinados pressupostos, que se encontram previstos nos termos do artigo 10.º, n.ºs 5 e 6, do Código do IRS e, por estes se encontrarem aqui preenchidos, decide-se julgar procedente o pedido dos Requerentes e, assim, anular a decisão de (in)deferimento parcial de Reclamação Graciosa e, bem assim, as liquidações de imposto e de juros compensatórios impugnadas, com as consequências legais, designadamente com restituição dos valores liquidados e pagos pelos Requerentes, acrescidos dos juros indemnizatórios calculados nos termos da lei, nos termos da presente decisão arbitral.
*
Fixa-se o valor da acção em € 12.963,81 (doze mil e novecentos e sessenta e três euros e oitenta e um cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos do disposto nos artigos 12º, nº2 e 22º, nº4 do DL nº 10/2011, de 20/01(RJAT).
Notifique-se.
Lisboa, 4 de Julho de 2013
O Árbitro
Rogério M. Fernandes Ferreira