SUMÁRIO:
I. A isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º do CIUC depende de estarem reunidos os elementos de prova de que o veículo em questão é apto ao transporte de doentes, prova esse que deverá ser feita através dos elementos previstos na Portaria n.º 260/2014, de 15 de dezembro.
II. Se, no momento em que ocorre o facto gerador do imposto e em que este se torna exigível, esses elementos ainda não estiverem reunidos, então a isenção não poderá aplicar-se e o imposto será devido.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 11 de junho de 2021, a A…, S.A., NIPC …, com sede na Rua … Vila Nova da Rainha, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes atos de liquidação de Imposto sobre Veículos Automóveis:
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que aos veículos em causa é aplicável a isenção de IUC prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do CIUC (embora a argumentação que depois aduz seja relativa aos elementos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º do CIUC).
3. No dia 14-06-2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, a qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 02-08-2021 as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 20-08-2021.
7. No dia 21-10-2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, que reiteraram e desenvolveram as respetivas posições de facto e de direito.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
A. A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto, entre outros, atividades de “importação e exportação de viaturas automóveis de passageiros e de carga, motores, peças sobresselentes e sua distribuição”.
B. No exercício da sua atividade de importação de veículos automóveis, a Requerente procede à importação de veículos automóveis afetos ao transporte de doentes (adiante denominados por “VDTD).
C. Uma vez recebido um pedido de aquisição de uma viatura deste género e se a mesma não existir em stock, a Requerente adquire essa viatura junto do seu fabricante original, no país de origem deste.
D. Posteriormente, a Requerente procede à importação do veículo para Portugal e à sua legalização junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.
E. Findo o processo de legalização e de atribuição de matrícula portuguesa, o veículo é entregue ao cliente final da Requerente.
F. É o cliente final quem procede ao licenciamento da viatura junto do Instituto de Mobilidade e Transportes, I.P. (“IMT”) e quem apresenta o pedido de vistoria das viaturas junto do Instituto Nacional de Emergência Médica (“INEM”).
G. A Requerente foi notificada das seguintes liquidações referentes aos veículos 14-…-17, 84-…-63 e 09-…-62 e com referência ao ano de 2019:
H. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações.
I. A Requerente apresentou reclamações graciosas das liquidações descritas supra junto da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária.
J. Às reclamações graciosas apresentadas por cada matrícula, foram atribuídos os seguintes números de processo:
- Matrícula 09-…-62, Ano 2019, processo n.º …;
- Matrícula 84-…-63, Ano 2019, processo n.º …;
- Matrícula 14-…-17, Ano 2019, processo n.º ….
K. A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia relativamente aos projetos de indeferimento das reclamações apresentadas,
L. Tendo exercido o seu direito.
M. Posteriormente, foi notificada das decisões finais de indeferimento das reclamações graciosas.
N. Não se conformando com os indeferimentos das reclamações graciosas apresentadas, interpôs, posteriormente, os correspondentes recursos hierárquicos.
O. Aos recursos hierárquicos interpostos foram atribuídos os seguintes números de processo:
- Matrícula 09-…-62, Ano 2019, processo n.º …;
- Matrícula 84-…-63, Ano 2019, processo n.º …;
- Matrícula 14-…-17, Ano 2019, processo n.º ….
P. Não tendo sido notificada de qualquer decisão por parte da Autoridade Tributária, a Requerente presumiu o indeferimento tácito dos recursos hierárquicos.
Q. As matrículas dos veículos foram-lhes atribuídas em 2020-02-10 (14-…-17), em 2020-01-29 (84- …-63) e em 2019-12-19 (09-…-62).
R. Os três veículos encontravam-se registados, à data da matrícula, em nome da Requerente.
S. Os pedidos de vistoria técnica foram apresentados após a atribuição das matrículas portuguesas às viaturas.
T. A emissão dos certificados de vistoria do INEM ocorreu em 2020-04-30, 2020-03-19 e 2020-01-03, respetivamente, na sequência dos pedidos de vistoria técnica apresentados pelos proprietários dos veículos e clientes da Requerente, através da plataforma eletrónica Sistema de Controlo de Atividade de Transporte de Doentes (SCATD).
U. Não foram apresentadas as licenças a emitir pelo IMT relativamente a cada um dos veículos e a requerer após a emissão dos certificados de vistoria emitidos pelo INEM.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
As alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 5.º do CIUC preveem a isenção de IUC para os seguintes veículos:
a) Veículos da administração central, regional, local e das forças militares e de segurança, bem como os veículos adquiridos pelas associações humanitárias de bombeiros ou câmaras municipais para o cumprimento das missões de proteção, socorro, assistência, apoio e combate a incêndios, atribuídas aos seus corpos de bombeiros; (Redação da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril)
e) Veículos não motorizados, exclusivamente elétricos ou movidos a energias renováveis não combustíveis, veículos especiais de mercadorias sem capacidade de transporte, ambulâncias e veículos dedicados ao transporte de doentes nos termos da regulamentação aplicável, veículos funerários e tratores agrícolas; (Anterior alínea d)- Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março)
No caso concreto, os veículos sobre os quais incidiram as liquidações impugnadas foram importados pela Requerente para os seguintes clientes finais:
- Cruz Vermelha Portuguesa (proprietária do veículo de matrícula 84-…-63);
-Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Salvaterra de Magos (proprietária do veículo de matrícula 09-…-62);
- Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Sabugal (proprietária do veículo de matrícula 14-…-17).
Nas decisões em crise, a AT sustenta que, à data em foram atribuídas as matrículas aos veículos, não existiam “documentos probatórios válidos” que atestassem a afetação dos mesmos à atividade de transporte de doentes, mais concretamente, certificados de vistoria dos veículos emitidos pelo INEM e as licenças de transporte de doentes, emitidas pelo IMT.
A Requerente sustenta que, aquando da apresentação dos veículos junto dos Serviços Aduaneiros da AT para efeitos de legalização das viaturas em Portugal, era cronologicamente impossível para a Requerente, ter em sua posse a referida documentação na medida em que, perante a importação de um veículo de transporte de doentes para Portugal, ao qual não foi ainda atribuída matrícula portuguesa, não é possível instruir e apresentar um pedido de vistoria, nem tão-pouco requerer a realização da inspeção específica desse mesmo veículo ao INEM, simplesmente porque ao veículo não ainda foi atribuída uma matrícula portuguesa.
De acordo com o disposto no artigo 32.º da Portaria n.º 260/2014, de 15 de dezembro, o licenciamento pelo IMT dos veículos utilizados para a atividade de transporte de doentes depende de prévia vistoria técnica do INEM ao veículo. Sem o certificado de vistoria do veículo, emitido pelo INEM, não é possível apresentar um pedido de licenciamento de uma viatura para a atividade de transporte de doentes junto do IMT.
À data de aposição das matrículas, a Requerente não dispunha dos certificados de vistoria técnica do INEM, nem tão pouco, dos licenciamentos das viaturas para a atividade de transporte de doentes, a emitir pelo IMT, porque lhe era cronologicamente impossível ter acesso a documentação cuja emissão depende da prévia conclusão do processo de legalização de viatura em Portugal e da aposição da correspondente matrícula.
Assim, o que a AT exige é uma prova impossível face aos próprios requisitos e procedimentos legalmente previstos pela Portaria n.º 260/2014, de 15 de dezembro.
Atentas as especiais características dos veículos que constam das DAV e que foram analisadas e validadas pelos Serviços Aduaneiros da AT, dúvidas não subsistem de que estes são veículos exclusivamente afetos à atividade de transporte de doentes, pelo que, se de acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea a) do Código do IUC, os veículos afetos à atividade de transporte de doentes estão isentos de imposto, ao decidir pelo indeferimento das reclamações graciosas apresentadas, mantendo no ordenamento jurídico os atos de liquidação de IUC relativamente a viaturas isentas de imposto, a AT violou o disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea a) do Código do IUC, o que culmina na ilegalidade da referida decisão por erro sobre os pressupostos de facto e, simultaneamente, vício de violação de lei.
Com as referidas liquidações de imposto, a AT violou ainda a presunção de veracidade e de boa-fé de que beneficiam as declarações dos contribuintes, decorrente do n.º 1 do artigo 75.º da LGT. E isto, porque a AT desconsiderou em absoluto as informações sobre as características técnicas constantes das DAVs dos veículos em crise nos presentes autos e que comprovam a sua afetação à atividade de transporte de doentes.
Assim, as presumíveis decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos, bem como as decisões das reclamações graciosas apresentadas devem anuladas e, consequentemente, anulados os atos de liquidação de IUC que lhes subjazem e, em consonância, ser ordenado o reembolso à Requerente das quantias que esta pagou indevidamente a título de IUC.
De acordo com a AT, no caso em concreto, com a atribuição de matrícula portuguesa verifica-se o preenchimento da norma de incidência objetiva, ocorrendo a exigibilidade do imposto e a consequente obrigação de pagamento do montante apurado.
Até à alteração legal ocorrida em 2016, a jurisprudência arbitral vinha entendendo que, à luz da letra do artigo 3.º do CIUC (designadamente com base no termo “considerando-se” ali patente), o contribuinte podia demonstrar que, ainda que constasse do registo automóvel como titular do direito de propriedade sobre o veículo em causa, não era efetivamente o titular desse direito à liquidação. Todavia, face à controvérsia jurisprudencial gerada em torno do artigo 3.º do CIUC, o legislador fiscal entendeu alterar aquela norma, esclarecendo, definitivamente, que a tributação incide sobre o titular do direito de propriedade do veículo automóvel, tal como se encontra no registo automóvel.
Assim, por via do artigo 169.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, foi concedida a seguinte autorização legislativa:
“Fica o Governo autorizado a introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22 -A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão: a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º;”
A efetivação de tal autorização legislativa concretizou-se através do Decreto-lei 41/2016, de 1 de agosto, em cujo preâmbulo se refere que: “Finalmente, o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar -se quem é o sujeito passivo do imposto.” Deste modo, por força do referido Decreto-Lei 41/2016, o artigo 3.º, n.º 1 passou a ter a seguinte redação:
“1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.”
Desta forma, desde 2016-08-02, data em que entrou em vigor o artigo 3.º, n.º a do CIUC, com a redação acima, deixou de consagrar qualquer presunção legal. Portanto, a opção tomada pelo legislador foi clara: a incidência incide sobre a pessoa que detém o registo da propriedade automóvel.
Por seu turno, inexistindo qualquer facto que, sendo do imediato conhecimento da AT afaste a norma de incidência do imposto, não pode a AT deixar de efetuar a liquidação que se mostre devida e efetuar a cobrança do imposto nos termos legais.
No caso em análise e contrariamente ao referido pela Requerente, não é do conhecimento da administração tributária que o veículo seja considerado um VDTD e que como tal se encontre no âmbito da isenção de IUC prevista no Código do IUC.
Nomeadamente, na medida em que a indicação constante da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) não se afigura como uma determinação definitiva de tal classificação, visto que não cabe à AT essa atribuição, antes decorrendo de uma expectativa futura que permitirá a obtenção de um benefício aquando da entrada do veículo no consumo em território nacional.
Por outro lado, importará clarificar que a isenção relativa aos veículos classificados como VDTD se encontra prevista na atual al. e) do n.º 1 do art.º 5.º do CIUC e não na al. a) do mesmo número e artigo. Na al. a) do n.º 1 do art.º 5 cabem, efetivamente, os veículos adquiridos por associações humanitárias de bombeiros cujo destino seja o cumprimento das missões de proteção, socorro, assistência, apoio e combate a incêndios, atribuídos aos seus corpos de bombeiros. Este é o concreto enquadramento desta norma de incidência, devendo verificar-se o conjunto de pressupostos, cumulativamente, para o reconhecimento desta isenção.
Por seu turno, no caso das VDTD, a isenção foi estabelecida pelo legislador na al. e) do mesmo número e artigo, independentemente da natureza jurídica do seu adquirente/proprietário. E, quanto a estes veículos, não é do conhecimento da AT a verificação dos pressupostos de que depende a concessão da isenção, nomeadamente, no ano de aquisição do veículo. Isto porque, até o veículo ser um VDTD envolve todo um procedimento que inclui várias entidades oficiais, como são o IMT, I.P. e o INEM, cada um deles com a sua concreta atribuição. Apenas no culminar desse procedimento o veículo está apto a considerar-se para efeitos de isenção de IUC, como um VDTD, pelo que se entende que, os sujeitos passivos proprietários de VDTD, aquando do terminus do procedimento de licenciamento destes veículos, venham, junto da AT, fazer prova dessa classificação, e, em sede de procedimento gracioso, solicitar a produção dos respetivos efeitos. Trata-se de uma isenção de natureza objetiva, dirigida à qualidade do veículo, pelo que é relativamente ao veículo que devem ser aferidos os pressupostos de que depende a concessão da isenção. Assim sendo, e sem prejuízo do sujeito passivo ser distinto da entidade que vai prestar o serviço com o veículo classificado como VDTD, a isenção deve aplicar-se sempre que o veículo como tal seja classificado. Tal facto, determinará então que apenas quando todo o processo de declaração do veículo como VDTD culmine, o interessado se encontre em condições de fazer prova dos pressupostos da isenção.
Quanto aos elementos probatórios apresentados pela Requerente, não foram apresentadas as licenças a emitir pelo IMT relativos a cada um dos veículos e a requerer após a emissão dos certificados de vistoria emitidos pelo INEM. Sendo certo que no âmbito das medidas de caráter extraordinário que foram implementadas na sequência da resposta à epidemia SARS-CoV-2 no âmbito da atividade de transporte de doentes (Despacho n.º 4024-A/2020 de 1 de 04, e Decreto-Lei n.º 106-A/2020 de 30 de dezembro) foi dispensado o licenciamento destes veículos até 31 de dezembro de 2021, tal dispensa tem apenas como limite o facto de estarem os mesmos autorizados a circular apenas com o certificado de vistoria de veículo até ao dia 31 de dezembro de 2021. A tudo isto acresce o facto de não ter sido apresentado junto da AT qualquer elemento que tenha indicado que o procedimento de licenciamento tenha sido sequer iniciado, antes da implementação destas medidas, ou mesmo durante, até ao presente momento. Assim, não se verificando o conjunto dos elementos de prova que atestem que os veículos são efetivamente VDTD, deve o pedido arbitral apresentado pela Requerente improceder.
Exposta a posição das Partes, cumpre decidir.
Os veículos sobre os quais incidiram as liquidações impugnadas foram importados pela Requerente para serem vendidos a dois tipos de clientes finais: por um lado, a Cruz Vermelha Portuguesa, por outro, duas Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários.
A Requerente sustenta que estavam verificados, no momento da liquidação do IUC que impugna, os pressupostos de que depende a isenção daquele imposto.
Nos termos do disposto no artigo 4.º do CIUC, que estabelece a incidência temporal do imposto:
“1 - O imposto único de circulação é de periodicidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita.
2 - O período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E, e ao ano civil, relativamente aos veículos das categorias F e G.
3 - O imposto é devido até ao cancelamento da matrícula ou registo em virtude de abate efetuado nos termos da lei.
Como vimos supra, existem duas isenções distintas de IUC potencialmente aplicáveis in casu, previstas, respetivamente, nas alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 5.º do CIUC:
- uma é a isenção aplicável em função do proprietário e do concreto fim a que se destina o veículo [veículos adquiridos pelas associações humanitárias de bombeiros para o cumprimento das missões de proteção, socorro, assistência, apoio e combate a incêndios, atribuídas aos seus corpos de bombeiros], a qual poderia, no caso concreto, ser aplicável aos veículos que são propriedade das associações humanitárias de bombeiros;
- a outra é a isenção aplicável a determinado tipo de veículos, sendo no caso relevante o segmento referente a “ambulâncias e veículos dedicados ao transporte de doentes nos termos da regulamentação aplicável”.
Relativamente à primeira, a norma que a estabelece será aplicável quando se verifique o duplo condicionalismo nela estabelecido: a propriedade por uma associação humanitária de bombeiros e o destino ser o cumprimento das missões de proteção, socorro, assistência, apoio e combate a incêndios. Assim, no momento em que se verifica a incidência para efeitos de liquidação, ambos os requisitos teriam que estar verificados. No caso concreto, tem razão a AT ao sustentar que o proprietário no momento da liquidação era a Requerente e que, à luz da atual redação do artigo 3.º do CIUC, é esse o sujeito passivo do imposto. Além disso, sempre seria necessário provar o destino dado ao veículo, isto é, ser o mesmo o cumprimento de missões de proteção, socorro, assistência e combate a incêndios, o que, tendo em conta as viaturas em causa no caso concreto, nos remeteria para a regulamentação nos termos da qual se certifica que determinado veículo é dedicado ao transporte de doentes.
Relativamente à segunda isenção, a norma faz depender a mesma do facto de se estar perante um veículo dedicado ao transporte de doentes nos termos da regulamentação aplicável, a qual estipula a necessidade de um certificado de vistoria emitido pelo INEM e de uma licença de transporte de doentes emitida pelo IMT (cf. a Portaria n.º 260/2014, de 15 de dezembro).
A Requerente sustenta que, no momento em que foram emitidas as liquidações, ainda não lhe era possível ter reunido essa documentação, sustentando que seria suficiente o facto de a própria AT ter considerado, no momento da liquidação do ISV, que, de acordo com a informação sobre as características técnicas dos veículos que constam das respetivas DAV aqueles se qualificariam, para efeitos fiscais, como “VTD - VEÍC. DEDICADOS TRANSP”.
Contudo, tal argumentação não poderá colher. Efetivamente, não é à AT que cumpre verificar se tais veículos são “veículos dedicados ao transporte de doentes nos termos da regulamentação aplicável”, mas sim ao INEM e ao IMT nos termos supra descritos. Assim, a prova de que tais veículos cumprem os requisitos necessários para serem utilizados no transporte de doentes é, efetivamente, a prevista na Portaria n.º 260/2014, de 15 de dezembro, sendo composta pelo certificado emitido pelo INEM e pela licença emitida pelo IMT. Se estes dois elementos ainda não existem quando é efetuada a primeira liquidação de IUC, então forçoso será concluir que, no momento dessa primeira incidência ainda não estão reunidos os pressupostos de que depende a aplicação da norma de isenção. Note-se, aliás, que aqueles elementos não são meramente formais, isto é, não decorrem apenas da verificação documental de determinadas características do veículo, mas sim de uma vistoria técnica por parte do INEM, a qual tem, aliás, um prazo de validade. Também a emissão de licença por parte do IMT depende de “inspeção específica.” É legítimo, portanto, concluir que haverá casos em que os veículos são importados para serem afetos à atividade de transporte de doentes, mas, na sequência da vistoria e inspeção, podem ser encontradas características – ou não encontradas outras – que obstem à certificação necessária. Nesse caso, os veículos, pelo menos antes de fazerem alterações, não terão o certificado e a licença e, portanto, não serão, concretamente, considerados aptos ao transporte de doentes. Nesses casos, também não beneficiarão da isenção de IUC, pelo menos até que cumpram os requisitos considerados necessários pelas autoridades competentes.
Nestes termos, não procede a fundamentação em que a Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações impugnadas, as quais se mantêm, assim, na sua plenitude produzindo os correspondentes efeitos. Em consequência, também não procedem os pedidos de restituição do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Julgar improcedente o pedido de anulação dos atos de liquidação de IUC impugnados;
b) Julgar improcedente o pedido de restituição do imposto pago;
c) Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
d) Condenar a Requerente nas custas do processo.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 813,73, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de fevereiro de 2020
A Árbitro
(Raquel Franco)