Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 739/2020-T
Data da decisão: 2022-02-21  IRS  
Valor do pedido: € 47.562,57
Tema: IRS 2019. Rendimentos de Mais-Valias imobiliárias. Não Residente. Residente em Estado terceiro. CIRS. Liberdade de circulação de capitais. Reenvio Prejudicial. Juros de mora.
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SUMÁRIO:

1) O art.º 43.º, n.º 2 do CIRS ao reduzir a metade o ganho de mais-valias para sujeição a tributação deve ser aplicado também aos Não Residentes e residentes em Estado terceiro. 2) A liquidação em que assim não se procedeu e se tributou o ganho de mais-valias pela totalidade é de anular nessa medida, da metade. 3) Em aplicação da Jurisprudência do TJUE que declarou os artigos 63.º e 65.º, n.º 1 do TFUE deverem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro relativa a IRS que “(...) sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada (...) às mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem pelo regime aplicável aos residentes” – cfr. Despacho fundamentado do TJUE de 13.12.2021, Proc. C-224/21 – e da Jurisprudência Uniformizada e consolidada pelo STA proferida com base na anterior Jurisprudência do TJUE e ora por este também reiterada. 4) À data da Decisão Arbitral de anulação parcial da liquidação não se encontram reunidos os pressupostos da constituição do direito a juros de mora cfr. art.º 43.º, n.º 5 da LGT.

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

A..., doravante designado por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal português n.º..., residente nos Estados Unidos da América, em ... Califórnia, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2019.

 

À Liquidação em crise, com o n.º 2020..., corresponde um valor total a pagar de € 47.562,57.

 

O Requerente apresentou Declaração Modelo 3, referente ao ano de 2019, na qual declarou os rendimentos de Mais-Valias que obteve em decorrência de alienação onerosa de um imóvel nesse ano, do qual era comproprietário. E em 06.11.2020, após procedimento de divergências pela Requerida, apresentou declaração de substituição.

 

Na Liquidação de IRS do período em causa - que o Requerente ora coloca em crise (doravante também “a Liquidação”) –, e que tem origem na declaração de substituição supra, a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou o rendimento global de Mais-Valias obtido em resultado da alienação onerosa do imóvel sito em Portugal e sobre o mesmo aplicou a taxa de 28%.

 

O Requerente não se conforma, contudo, com a liquidação de IRS assim efectuada.

 

Em relação à mesma, e em suma, discorda de lhe não ter sido aplicado o regime constante do n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS (doravante também “CIRS” ). E de, assim, o apuramento do imposto em causa ter sido calculado por referência não a metade, mas sim à totalidade do ganho de mais-valias que obteve. Pelo que vem interpor o Pedido de Pronúncia Arbitral na origem destes autos.

 

As posições das Partes são divergentes, no essencial, quanto à alegada - alegada pelo Requerente, e refutada pela Requerida - ilegalidade do regime jurídico de tributação em IRS de Mais-Valias imobiliárias, do qual foi feita aplicação na Liquidação. Regime onde se inclui o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. Que o Requerente defende ser violador do Direito da União Europeia (doravante também “Direito da UE” ou “DUE”) por consagrar uma diferenciação entre residentes e não residentes (doravante também “R” e “NR”, respectivamente), incluindo residentes de países terceiros. E, por essa via, encontrar-se a Liquidação ferida de ilegalidade.

 

Refere, neste contexto, as mais-valias resultantes da alienação onerosa de imóveis sitos em território Português serem tributadas no caso dos residentes de acordo com as taxas gerais progressivas do art.º 68.º do CIRS e, diferentemente, no caso dos NR o serem à taxa especial de 28% cfr. art.º 72.º, n.º 1, al. a). E que enquanto que o valor dos rendimentos de mais-valias auferido pelos residentes é considerado em apenas 50% – cfr. art.º 43.º, n.º 2 – os NR são tributados sobre a totalidade da mais-valia auferida.

 

Segundo expõe, decorre do que antecede que a tributação que sobre si incidiu, como NR, “é inequivocamente mais elevada do que aquela que lhe seria concretamente aplicável caso (…) fosse residente para efeitos fiscais em Portugal”.

 

No entender do Requerente o referido regime de tributação de mais-valias consagrado pelo nosso legislador é contrário ao Direito da UE, por configurar tratamento discriminatório entre os sujeitos passivos residentes em Portugal e os não residentes, o que é incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no Artigo 63.º do TFUE.

 

Invoca, neste sentido, Jurisprudência seja do TJUE, seja do STA.

 

Expõe ainda que embora o nosso legislador tenha vindo entretanto, pela Lei do OE para 2008, introduzir dois novos números no art.º 72.º (então n.ºs 7 e 8), nos termos dos quais é consagrado um regime de opção aplicável aos NR, tal não é de molde a afastar a discriminação apontada. Mantém-se, no seu entendimento, a incompatibilidade do regime com o Artigo 63.º do TFUE.

Também a este respeito convoca Jurisprudência do TJUE e, bem assim, dos Tribunais Arbitrais (CAAD).

 

Acrescenta, ainda, que mesmo que tal não se entendesse, o regime de opção referido não foi sequer consagrado para os residentes em Estados terceiros, como é o seu caso.

 

Impõe-se a aplicação, a si Requerente, da mesma regra que vigora para os residentes em Portugal, “i.e. de sujeição a tributação de apenas 50% da mais-valia apurada”.

 

Não se conformando, assim, com a Liquidação, o Requerente vem peticionar a anulação da mesma, por ilegal, na medida em que se fundamenta em norma de Direito Interno incompatível com o Direito da UE.

 

Requer que as quantias por si pagas sejam restituídas, acrescidas de juros indemnizatórios. E   de juros de mora, contabilizados desde o termo do prazo para execução voluntária.

 

Expõe, por fim, que a vir a ser requerido Reenvio Prejudicial não deverá o mesmo admitir-se. Está já cristalizado na Doutrina e Jurisprudência o entendimento de que a liquidação em crise viola o DUE, “o qual tem que prevalecer sobre o preceito nacional com ele desconforme”.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 09.12.2020 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 29.01.2021 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 03.05.2021.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção da Liquidação em crise na Ordem Jurídica. Entende, em síntese, que a sua actuação não merece censura e a Liquidação não padece de qualquer vício.

 

O legislador veio acrescentar – pela LOE 2008 – os então n.ºs 7 e 8, e por força dessa alteração legislativa as Declarações de rendimentos de IRS relativas aos anos de 2008 e seguintes passaram a ter um campo próprio para poder ser exercida pelos residentes noutro Estado-Membro da UE a opção pela taxa consagrada no art.º 68.º do CIRS.

 

No caso, o Requerente é não residente, mas residente em país terceiro, e entende que a exclusão da incidência a 50% é contrária ao Direito da UE.

 

O Requerente, com identificação de representante fiscal, assinalou na sua Declaração de IRS os campos 4 e 6 (não residente e respectivo país de residência). À sua qualidade de não residente corresponde a pretensão de ser tributado pelo respectivo regime geral.

 

A Liquidação foi concretizada nos termos do regime geral aplicável aos não residentes (art.º 72.º do CIRS e taxa autónoma de 28%) e de acordo com o art.º 15.º, n.º 2 – tributação apenas sobre os rendimentos auferidos em Portugal. Contrariamente ao que sucede com os residentes, que são tributados pela globalidade dos seus rendimentos incluindo os auferidos fora do território nacional.

 

A consideração do saldo em 50% (art.º 43.º, n.º 2) só faz sentido para os contribuintes residentes, tributados de acordo com as taxas progressivas do art.º 68.º. Os únicos obrigados a englobar aquele saldo. Ou para os contribuintes residentes na UE, ou no EEE, que escolham ser tributados – cfr. alteração introduzida pela LOE 2008 – pelo regime similar ao aplicável aos residentes.

 

A legislação nacional em causa não é incompatível com o Direito da UE.

 

E a norma do art.º 43.º, n.º 2 não será aplicável ao caso.

 

Acrescenta que uma interpretação no sentido da aplicação da taxa de 28% (art.º 72.º, n.º 1) conjugada com a norma do art.º 43.º, n.º 2 confere uma opção aos não residentes que nem sequer é facultada aos residentes, o que representaria injustificada discriminação à luz do DUE.

 

Soçobram os fundamentos invocados pelo Requerente, pelo que não se verificam as ilegalidades que imputa à Liquidação e, bem assim, não se reúnem os pressupostos de que o art.º 43.º, n.º 1 da LGT faz depender a condenação em juros indemnizatórios. A Requerida limitou-se a cumprir o determinado em sede de tributação em IRS.

 

Defende, por fim, dever ser proferida decisão no sentido da improcedência do Pedido, não padecendo o acto dos vícios que lhe são assacados, nem de quaisquer outros.

 

Por despacho de 18.06.2021, tendo em consideração o Reenvio Prejudicial que corria termos no TJUE sob o n.º C-224/21, e dando-se conhecimento da respectiva decisão de reenvio (disponível em www.caad.org.pt, Processo Arbitral n.º 620/2019-T), o Tribunal convidou as Partes a se pronunciarem, querendo, quanto à possível ocorrência de motivo justificado determinante da suspensão da instância.

 

A Requerida não veio pronunciar-se. O Requerente manifestou-se no sentido da não verificação de motivo justificado, em síntese por virtude da existente Jurisprudência no sentido da incompatibilidade do regime Português de tributação de mais-valias imobiliárias com o DUE. Que entende manter-se mesmo introduzida que foi, pela LOE 2008, a possibilidade de opção. A que acresce o não ser sequer a possibilidade de opção aplicável ao seu caso, de residente em Estado terceiro.

 

Ao abrigo dos art.ºs 269.º, n.º 1, al. c) e 272.º, n.º 1 do CPC, por despacho de 02.07.2021 o Tribunal concluiu pela verificação de motivo justificado e determinou a suspensão da instância. Por se entender que a pronúncia solicitada no referido Reenvio Prejudicial mantinha utilidade mesmo após prolação, entretanto, do Acórdão MK (Proc. C-388/19), e que o que ali viesse a ser decidido poderia ter relevância nos presentes autos. O Reenvio, no Proc. Arbitral 620/2019-T, havia sido determinado por - como da consulta do mesmo se conclui  - o aí Órgão Jurisdicional de Reenvio entender que - para a boa decisão da causa na apreciação pelo TJUE quanto à verificação ou não de violação da liberdade de circulação de capitais - as normas de Direito Interno em questão deviam ser apreendidas devidamente enquadradas no Ordenamento Jurídico-Tributário em que se integram, revelando-se essencial essa interpretação Sistemática. E que na pronúncia do Alto Tribunal sobre a matéria - cfr. Acórdão de 11.10.2007, Ac. Hollmann, Proc. C-443/06 - tanto não havia sucedido. Mais porque tendo o TJ no Acórdão MK (invocado pelo Requerente ao pugnar pela não suspensão):

(i)           mantido o sentido daquela sua anterior pronúncia (Hollmann), sustentando-se na mesma base, e

(ii)          considerado que a oposição do DUE ao regime Português não fora ultrapassada pela possibilidade de escolha introduzida pela LOE 2008,

a situação do Requerente – de residente em Estado terceiro – mantinha-se, para o efeito (i.e., para o efeito de apurar verificar-se ou não violação da liberdade de circulação de capitais ao lhe ser aplicado o regime geral dos NR), idêntica à dos NR residentes em EM.

 

Por Despacho fundamentado de 13.12.2021 (Proc. C-224/21), o TJUE veio decidir naqueles autos de Reenvio Prejudicial, reiterando aquela sua anterior pronúncia (Hollmann), e, ainda, o igualmente determinado, entretanto, no Acórdão MK (Ac. do TJUE de 18.03.2021, Proc. C-388/19) nos termos que adiante melhor se verá. Tomou como Quadro Jurídico o art.º 43.º e o art.º 72.º.

Por despacho do Tribunal Arbitral de 22.12.2021 foi determinada a junção do Despacho fundamentado do TJUE, comunicado ao CAAD a 21.12.2021, aos presentes autos.

 

No mesmo despacho arbitral de 22.12.2021 foi determinado notificar as Partes (i) do levantamento da suspensão da instância, (ii) dispensar a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, e (iii) para alegações escritas facultativas, convidando-as a aí também se pronunciarem sobre a aplicação da doutrina firmada no Despacho do TJUE.

 

Apenas o Requerente apresentou alegações. Refere, em suma, que o ora prolatado Despacho fundamentado do TJ vem no mesmo sentido que a anterior Jurisprudência, indo “ao encontro do entendimento já cristalizado (...) de que a aplicação da taxa fixa de 28% à totalidade das mais-valias imobiliárias (...) padece de ilegalidade.” E que também aí se declara, em conformidade com a anterior Jurisprudência, que a opção dada aos residentes noutro EM da UE ou do EEE não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do regime aplicável aos NR “resultantes da aplicação do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS”. Reitera que nem a opção se encontra consagrada quanto a um residente em Estado terceiro, “facto que apenas reforça (...) o carácter de plena e evidente discriminação da norma prevista no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS (na redação em vigor à data dos factos).”  Conclui, como já antes, que a Liquidação deve “ser anulada de imediato, e o montante indevidamente pago em excesso pelo Requerente ser reembolsado, acrescido dos respectivos juros peticionados.” 

 

*

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º/2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03. O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção. O Pedido é tempestivo, apresentado dentro do prazo legal de 90 dias - cfr. al.s l) e m) dos factos provados, infra, e ao abrigo do art.º 10.º/1 al. a), primeira parte, do RJAT (e v. art.º 102.º, n.º 1 al. a) do CPPT).

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) No ano de 2019 o Requerente era residente fiscal nos Estados Unidos da América;

 

b) O Requerente tem o número de contribuinte fiscal português ...;

 

c) Em 2019 o Requerente, e demais comproprietários, alienaram, por Escritura Pública de 11 de Janeiro, o prédio urbano descrito na CRP do Porto sob o número ..., de ..., e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ... da União das freguesias de ..., ..., ..., ..., ... (doravante “o Imóvel”);

 

d) A alienação do Imóvel foi feita pelo preço global de € 1.000.000,00 (um milhão de euros);

 

e) À data da venda, o Requerente era proprietário de uma quota-parte ideal do Imóvel correspondente a 381/1000 (trezentos e oitenta e um barra mil) da totalidade do mesmo;

 

f) O Requerente adquirira a sua quota-ideal no Imóvel (v. al. anterior) por Escritura Pública de 6 de Novembro de 2017, pelo preço de € 140.970,00 (cento e quarenta mil novecentos e setenta euros);

 

g) O Requerente apresentou a sua Declaração de IRS reportada ao ano de 2019 e assinalou no Quadro 8 - Residência Fiscal, a opção B – Não Residentes e, aí, o Campo 4 (não residente), o Campo 5 (nif de representante) e o Campo 6 (país de residência);

 

h) No Anexo G da sua declaração de substituição constam, nos locais próprios: valor de realização € 381.000,00, valor de aquisição € 140.970,00, despesas e encargos € 70.253,05, quota-parte no bem imóvel 38,10%;

 

i) Em 2020, na sequência da apresentação da sua Declaração Modelo 3 de substituição, o Requerente foi notificado da liquidação de IRS (“a Liquidação”) com o n.º 2020..., com o valor a pagar de € 47.562,57;

 

j) Da Liquidação (v. al. anterior) consta o valor de € 169.776,95 como Rendimento global, Rendimento coletável e Total de rendimento para determinação da taxa, o valor de € 47.537,54 como Coleta total, Coleta líquida, Imposto apurado, o valor de € 25,03 de juros compensatórios, e Valor a pagar de € 47.562,57;

 

k) Da 2.ª via para pagamento da Nota de Cobrança, Ident. Documento 2020..., consta como data limite para pagamento 08.09.2020;

 

l) O Requerente procedeu ao pagamento da Liquidação, assim: a 13.08.2020 - com data limite para pagamento 08.09.2020 -, dos valores de € 45.337,62 e de € 588,21 e, após acerto/estorno, a 04.12.2020 - com data limite para pagamento 04.01.2021 -, do valor de € 1.636,74;

 

m) A 07.12.2020 o Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa não existem factos que não tenham ficado provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, documentos que se dão por integralmente reproduzidos, e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados e factos não questionados.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de Direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º/2 do CPPT e art.º 596.º do CPC ), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º/2 e 411.º do CPC ).

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são essencialmente de Direito, reconduzindo-se à fundamental questão seguinte:

                À tributação, em IRS, dos rendimentos de mais-valias na alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis sitos em Portugal e obtidos por um Não Residente, é ou não aplicável o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS quando o sujeito passivo, Não Residente, é residente fiscal em Estado terceiro, assim o declarando na sua Declaração Modelo 3?

Dito de outro modo, é ou não ilegal a Liquidação ao não ter aplicado, no caso - em que o sujeito passivo para o efeito preencheu a sua Declaração Modelo 3 na qualidade de NR, indicou representante fiscal e país de residência, EUA - o art.º 43.º, n.º 2 e, assim, não ter a incidência real do imposto sido limitada a 50% do ganho de mais-valias obtido pelo Requerente (ao invés do que sucederia fora este Residente)?

 

Caso o Tribunal venha a decidir pela procedência do pedido de anulação, haverá ainda que apreciar e decidir quanto aos pedidos de (i) devolução das quantias pagas, (ii) condenação em juros indemnizatórios, e (iii) condenação em juros de mora após término do prazo de execução espontânea do julgado.

 

*

 

Começando por recapitular e enquadrar brevemente.

Entende o Requerente que lhe deveria ter sido aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e, assim, a tributação em causa nos autos ter incidido, apenas, sobre 50% do ganho de mais-valias que obteve. Ganho de mais-valias esse cujo montante total, conforme apurado pela Requerida na Liquidação, não questiona.

 

O seu ganho (montante total) de mais-valias foi, pois, de € 169.776,95.

 

Sobre esse montante a Requerida, na Liquidação, aplicou uma taxa especial (“taxa autónoma”) de 28%, conforme disposto no art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS.

 

E, assim, apurou um montante de imposto a pagar de € 47.537,54.

 

O Requerente defende que o disposto na norma em causa (art.º 43.º, n.º 2), que estipula um regime jurídico aplicável a Residentes, lhe deveria ser também aplicável. Pois que aquela norma, ao estipular um regime, mais favorável segundo o Requerente, e determinar que o mesmo é aplicável apenas a Residentes, viola o Direito da UE. Assim, a Requerida deveria, defende, ter feito aplicar o dito regime também a si Requerente, residente em Estado terceiro, situação em que o carácter discriminatório reconhecido ao art.º 43.º, n.º 2 deve de igual forma, com o mesmo fundamento, considerar-se verificado.

 

A Liquidação teve por base norma que viola o Direito da UE. Consequentemente deve a mesma ser anulada. Pois que, assim, o imposto deveria incidir sobre metade do seu ganho de mais-valias. E não sobre a totalidade, como a Requerida fez.

 

Pede, assim, a anulação da Liquidação, por ilegal. Mais pede lhe sejam restituídos os valores que pagou, acrescidos de juros indemnizatórios. E juros de mora “devidos a partir do termo do prazo de execução voluntária da decisão arbitral (...) em cumulação com os juros indemnizatórios”.

 

Não obstante o Requerente se referir à “anulação da Liquidação”, refere-se também à mesma estar ferida de ilegalidade “ao sujeitar a tributação a totalidade da mais-valia realizada”, e aos efeitos discriminatórios “resultantes da aplicação do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS” . E requer a devolução do imposto liquidado em excesso. Ainda que atribuindo à causa o valor correspondente à Liquidação, i.e. € 47.562,57  (e v. o art.º 97.º-A, n.º 1 al. a) do CPPT).

 

*

 

Como quer que seja, a causa invocada pelo Requerente para imputar o vício de violação de lei à Liquidação, como invoca, é sempre a de a Requerida ter, segundo defende, aplicado um regime jurídico contrário ao DUE ao não considerar, para efeitos de tributação, para os NR e no seu caso, como considera para os R, apenas 50% do valor do rendimento.

 

Que é sobre o que o Tribunal terá que apreciar e decidir.

 

*

 

Vejamos, antes de mais, o quadro legal potencialmente aplicável .

 

I.             Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”)

 

No Preâmbulo, v.:

“(…) 3. A presente remodelação do regime da tributação do rendimento (…) decorre, em primeira linha, da necessidade de ajustar tal regime ao preceituado nesta matéria na Lei Fundamental, a qual refere o carácter único e progressivo do imposto sobre o rendimento pessoal e impõe a consideração das necessidades e rendimentos do agregado familiar (…). / A inovação básica reside na substituição do actual sistema misto (…) pela fórmula da tributação unitária, atingindo globalmente os rendimentos individuais, enformadora do modelo ora adoptado para a tributação das pessoas singulares. (…)

 

12. Outra categoria – a Categoria G – é constituída pelas mais-valias. (…) / Tratando-se de rendimentos excepcionais, foi ponderado o regime tributário adequado em face da excessiva gravosidade que a tributação englobada poderia gerar, prevendo-se, para esta categoria, um específico regime de tributação, envolvendo uma substancial dedução à matéria colectável. (…)”

 

No articulado (CIRS):  

Capítulo I – Incidência

Secção I – Incidência real

Artigo 1.º – Base do imposto

1. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes (…) depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:

Categoria A - (…)

Categoria B - (…)

Categoria E - (…)

Categoria F - (…)

Categoria G – Incrementos patrimoniais; 

Categoria H - (...)

2. Os rendimentos (…) ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, (…).

 

 

Artigo 9.º – Rendimentos da Categoria G

1. Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte; (…)

 

Artigo 10.º – Mais-valias

1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…);

(…)

3. Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1 (…).

4. O ganho sujeito a IRS é constituído:

a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;

(…)

 

Secção II – Incidência pessoal

Artigo 13.º – Sujeito passivo

1. Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.

(…)

8. A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite. /(…)

 

Artigo 15.º – Âmbito de sujeição

1. Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

2. Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português. /(…)

 

Artigo 18.º – Rendimentos obtidos em território português

1. Consideram-se obtidos em território português:

(…)

h) Os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão; /(…)

 

Capítulo II – Determinação do rendimento colectável

Secção I – Regras gerais

Artigo 22.º – Englobamento

1. O rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.

(…)

3. Não são englobados para efeitos da sua tributação:

a) Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 72.º; / (…)

 

Secção VI – Incrementos patrimoniais

Artigo 43.º – Mais-valias

1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é:

a)            Integralmente considerado nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, quando (...);

b)           Apenas considerado em 50 % do seu valor, nos restantes casos.

 

 

Artigo 44.º – Valor de realização

1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:

(…)

f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação./(…)

 

Artigo 45.º – Valor de aquisição a título gratuito

1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:

(…)

 

Artigo 46.º – Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

1. No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT). / (…)

 

Artigo 50.º – Correcção monetária

1. O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na al. a) do n.º 1 do artigo 10.º (…) é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria (…) sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação. / (…)

 

Artigo 51.º – Despesas e encargos

Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

a) Os encargos com a valorização dos bens (…);

b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas (…).

 

Artigo 55.º – Dedução de perdas

1 – Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em cada categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos: (…)

c) A percentagem do saldo negativo a que se refere o n.º 2 do art.º 43.º só pode ser reportada aos cinco anos seguintes àquele a que respeita; /(…)

 

Secção X – Processo de determinação do rendimento colectável

Artigo 57.º – Declaração de rendimentos

1. Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos (…), devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo. (…)

 

Artigo 58.º – Dispensa de apresentação de declaração

1. Ficam dispensados de apresentar a declaração a que se refere o artigo anterior os sujeitos passivos que, no ano a que o imposto respeita, apenas tenham auferido, isolada ou cumulativamente:

a) Rendimentos tributados pelas taxas previstas no artigo 71.º (…); /(…)

 

Artigo 65.º – Bases para o apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos

1. O rendimento colectável de IRS apura-se de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes (…), com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a Direcção-Geral dos impostos disponha. / (…)

 

Capítulo – III – Taxas

Artigo 68.º – Taxas gerais

1. As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte: / (…)

 

Artigo 68.º-A – Taxa adicional de solidariedade

1. Sem prejuízo do disposto no artigo 68.º, ao quantitativo do rendimento coletável superior a (euro) 80 000 incidem as taxas adicionais de solidariedade constantes da tabela seguinte: / (…)

 

Artigo 70.º – Mínimo de existência

1. Da aplicação das taxas estabelecidas no artigo 68.º não pode resultar, para os titulares de rendimentos predominantemente originados em trabalho dependente (...) ou em pensões, a disponibilidade de um rendimento líquido de imposto inferior a (...). / (…)

 

Artigo 72.º – Taxas especiais

1. São tributados à taxa autónoma de 28%:

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

(…)

13.  Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

14.  Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes. (…)

 

Artigo 113.º – Declaração anual de informação contabilística e fiscal

1. Os sujeitos passivos de IRS devem entregar anualmente uma declaração de informação contabilística e fiscal, de modelo oficial, relativa ao ano anterior, quando (…) ou quando estejam obrigados à apresentação de qualquer dos anexos que dela fazem parte integrante. / (…)

 

II.            Lei Geral Tributária (“LGT”)

 

Art.º 4.º – Pressupostos dos tributos

1. Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património. /(…)

Art.º 5.º – Fins da tributação

1. A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento.

2. A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material.

 

Art.º 6.º – Características da tributação e situação familiar

1. A tributação directa tem em conta:

a) A necessidade de a pessoa singular e o agregado familiar a que pertença disporem de rendimentos e bens necessários a uma existência digna;

b) A situação patrimonial, incluindo os legítimos encargos, do agregado familiar;

(…)

3. A tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares, devendo orientar-se no sentido de que o conjunto dos rendimentos do agregado familiar não esteja sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónoma das pessoas que o constituem.

 

III.          Constituição da República Portuguesa (“CRP”)

 

Título III – Direitos e deveres económicos, sociais e culturais

Art.º 67.º – Família

1. A família, como elemento fundamental da sociedade, (…).

2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família: / (…)

f) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares; / (…)

 

Título IV – Sistema financeiro e fiscal

Art.º 103.º – Sistema fiscal

1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. /(…)

 

Art.º 104.º – Impostos

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. /(…)

 

IV.          Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”)

 

Parte II - Não discriminação e cidadania da União

ARTIGO 18.º

No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. / (…)

 

Parte III - As políticas e acções internas da União

Título IV - A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais

Capítulo 4 - Os capitais e os pagamentos

Artigo 63.º

1 – No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2 – No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

Artigo 64.º

1 – O disposto no artigo 63.º não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de Dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou da União (...). / (...)

 

Artigo 65.º

1 – O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito dos Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

(…)

3 – As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º. /(…)

 

*

Aqui chegados.

 

Como se disse já,  o Tribunal, por despacho de 02.07.2021, determinou a suspensão da instância, por motivos de Reenvio Prejudicial pendente noutros autos de Processo Arbitral então em curso no CAAD. E por despacho de 22.12.2021 determinou o levantamento da suspensão da instância, com a junção aos autos do Despacho fundamentado do TJUE de 13.12.2021 prolatado naquele Processo de Reenvio Prejudicial - Proc. C-224/21.

 

No seu Despacho fundamentado o Alto Tribunal veio, assim o vemos e no que à “Doutrina Hollmann” respeita,  simplesmente reiterar a sua anterior pronúncia na matéria e a sua pronúncia, entretanto, no Acórdão MK. Porventura não terá entendido de relevar em toda a sua amplitude e profundidade a interpretação do Ordenamento Jurídico Nacional - facultada pelo Órgão Jurisdicional Nacional , o bloco de legalidade em que o art.º 43.º, n.º 2 se insere e este aí devidamente contextualizado - normativa e axiologicamente, e os fins com que o legislador consagrou esta norma. Tendo concluído que o regime jurídico-tributário Português “sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada para este mesmo tipo de operações às mais valias realizadas por residentes”.

 

Concretamente em resposta às questões prejudiciais veio o Alto Tribunal declarar assim:

“O artigo 63.º e o artigo 65.º, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares que, no que respeita às mais-valias resultantes da venda de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada para este mesmo tipo de operações às mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem pelo regime aplicável aos residentes.”

 

O Alto Tribunal conclui, pois, e no Quadro Jurídico que para o efeito recortou , no mesmo sentido em que já nas suas duas anteriores pronúncias o fizera – ref. “Doutrina Hollmann”.

 

Ainda assim acrescentando - ao agora responder às questões prejudiciais - o advérbio “sistematicamente”. E aqui estamos já, neste último ponto, diremos por facilidade de expressão, na “Doutrina MK”. 

 

Conclui o Alto Tribunal, pois, como antes, que a legislação interna, Portuguesa, sujeita os NR a uma carga fiscal superior àquela a que sujeita os Residentes (no que respeita a Mais-Valias imobiliárias em imposto sobre o rendimento pessoal). E (agora) que tal não é afastado por via da faculdade , concedida aos NR, de optarem pelo regime dos Residentes – se  a legislação ainda assim (i.e., “não obstante a faculdade concedida...”) sujeita sistematicamente os NR “a uma carga fiscal superior...”.

 

O que sempre significará que já se assim (sujeição a uma carga fiscal superior) não sucedesse sistematicamente - dir-se-à, - que já se esse regime (que não reduz o ganho de mais-valias a 50% no caso dos NR) desde logo não fosse (entre os dois) o regime aplicável/aplicado por defeito, regime regra – a apontada oposição não se verificaria.

 

*

 

Junto o Despacho do TJ aos presentes autos, cabe decidir.

 

Como no início ficou percorrido, o Requerente coloca em crise a Liquidação com o fundamento único de - ao não ter sido aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS à sua situação - se ter incorrido em violação do DUE. A interpretação do art.º 43.º, n.º 2 no sentido de que o mesmo não é aplicável aos Não Residentes viola, defende, o DUE. Mesmo que tal se pudesse entender ultrapassado por força da faculdade de opção introduzida pela LOE 2008 (no que não concede), no seu caso, sendo residente em Estado terceiro, a incompatibilidade mantém-se pois não lhe é dada tal opção. Defende assim a ilegalidade da Liquidação ao não tributar apenas metade da mais-valia realizada.

A Requerida, por seu lado, entende ter procedido como devido, ao ter aplicado ao caso o art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS, daí não derivando uma restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no DUE. Na sua Declaração Modelo 3 o Requerente assinalou no quadro respectivo ser Não Residente, o seu país de residência, EUA, e identificou o nif do seu representante fiscal. Cabia aplicar-se-lhe o regime geral dos Não Residentes.

 

Vejamos.

 

Subjaz à questão fundamental a apreciar nos autos , para então se decidir quanto à peticionada anulação, e como resultará de tudo o que antecede, a da conformidade ou não do regime jurídico Português de tributação em IRS de rendimentos de Mais-Valias na transmissão de bens imóveis (sitos em Portugal) com as normas que, no Direito Primário da UE, consagram as liberdades fundamentais. Em concreto, com a liberdade de circulação de capitais, quando em causa estejam rendimentos (ganhos de mais-valias imobiliárias) obtidos por NR residentes em Estados terceiros. No confronto com o regime aplicável aos Residentes.

 

Deve começar por referir-se que, como é Jurisprudência do TJUE (neste sentido pode ver-se o Despacho do TJUE de 6 de Setembro de 2018, Proc. C-184/18, ou o Acórdão no Caso Jahin, de 18 de Janeiro de 2018, Proc. C-45/17), já também reflectida na nossa Jurisprudência (pode ver-se o Acórdão do TCA Sul, Proc. 1358/08.9BESNT, de 08.05.2019, prolatado após e em aplicação, no processo origem, do referido Despacho do TJ, e Decisões Arbitrais – v. Proc. 846/2019-T , entre outros), é com base na mesma apreciação do regime jurídico-tributário aplicável a Residentes versus a NR face à liberdade de circulação de capitais (cfr. Artigo 68.º do TFUE) que também a situação dos NR residentes em Estados terceiros há-de ser apreciada.

 

Assim, como se lê a este respeito, desde logo, naquele Despacho do TJ, Proc. C-184/18, o Artigo 63.° do TFUE estabelece a livre circulação de capitais não apenas entre Estados-Membros (“EM”) mas igualmente entre EM e Estados terceiros, proibindo de modo geral todas as restrições aos movimentos de capitais entre os EM e entre os EM e países terceiros . Donde, o racional seguido pelo TJ no Acórdão Hollmann - e as conclusões a que aí o mesmo Alto Tribunal chegou - será, à partida, o aplicável, mutatis mutandis, para o efeito, ao caso dos residentes em Estados terceiros.

 

Como aí também - Despacho do TJ, Proc. C-184/18 -, para que a legislação fiscal Nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente, ou que seja justificada por razões imperiosas de interesse geral. O que, na linha e por apelo também à Doutrina Hollmann, o TJ reitera não se verificar, também por não resultar do teor do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS uma distinção entre os contribuintes NR em função do seu local de residência. Também não resultando da decisão de Reenvio, naquele Processo, haver outros objetivos que pressuponham a distinção estar associada, nomeadamente, à residência num Estado terceiro, pronuncia-se o TJ no sentido de que a conclusão a que já chegara no Acórdão Hollmann é plenamente transponível para o caso, em que estava em causa a tributação de mais-valias auferidas na transmissão de imóvel sito em Portugal por residentes em Estado terceiro.

 

E é precisamente com apelo ao decidido pelo TJUE no Acórdão Hollmann e demais Jurisprudência neste alicerçada (incluindo o Despacho do TJ que vimos de aflorar), que, como bem se compreende, o Requerente nestes autos fundamenta a sua posição no sentido de o regime que lhe foi aplicado ser violador do DUE.

 

Avançando.

 

No caso dos NR que residam em EM da UE ou no EEE  vigoram actualmente, e já assim ao tempo dos factos (rendimentos obtidos em 2019) , dois regimes alternativos, a saber, o plasmado no n.º 1, al. a), do art.º 72.º e, por outro lado, o constante dos n.ºs 13 e 14 (cfr. numeração ao tempo dos factos, actualmente n.ºs 14 e 15) do mesmo art.º 72.º. O primeiro faz aplicar uma taxa especial, fixa, ao tempo dos factos (e ainda actualmente), de 28%, ao total do ganho de mais-valias, enquanto que o segundo se traduz na aplicação do regime aplicável aos Residentes (em seguida sumariado), muito embora sem a consequência (que ocorre no caso dos Residentes) de a tributação dos demais rendimentos obtidos pelo sujeito passivo no ano, independentemente da sua natureza e de qual seja a respectiva Categoria em IRS, resultar afectada (por força do englobamento obrigatório do ganho de mais-valias imobiliárias).

 

Já no caso dos Residentes é aplicável, com carácter de obrigatoriedade (sem possibilidade de opting out), o regime resultante do art.º 43.º, n.º 2, nos termos do qual, em conjugação com os demais artigos do CIRS, no essencial percorridos , à base tributável (o ganho de mais-valias imobiliárias ) é aplicada uma redução de 50% e, então, essa base tributável (o valor do ganho pela metade) acresce (por englobamento) aos demais rendimentos obtidos, mundialmente, pelo sujeito passivo no ano em causa. Depois então se aplicando a tabela geral de taxas do art.º 68.º ao montante global dos rendimentos – e não apenas aos rendimentos da respectiva Categoria, a G. Taxas essas progressivas, por escalões, e que vão até um valor de taxa marginal de 48%, à qual ainda poderá acrescer, no escalão máximo dos rendimentos, uma taxa adicional de, no máximo, 5% (cfr. art.º 68.º-A). Assim no quadro de um imposto único, de base alargada e de formação sucessiva, com progressividade, por escalões.

 

Sendo o sujeito passivo residente em Estado que não EM, nem Estado parte do EEE, residente, pois, em Estado terceiro - como nos presentes autos - inexiste, como vem de se ver, a faculdade de escolha entre os dois regimes.

*

 

Tendo em conta a existência de Jurisprudência  (maxime Acórdão de 11.10.2007, do TJUE, no Caso Hollman, proc.º C-443/06) em que se determina que a liberdade de circulação de capitais consagrada nos Tratados se opõe a uma legislação nacional/a uma norma como a do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS que sujeita as mais-valias em causa “a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a esse mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente”, tendo em conta a alteração legislativa entretanto operada pelo legislador nacional , e tendo em vista a aplicação efectiva e a interpretação uniforme do DUE, o Tribunal, entendendo poder adquirir relevância nos autos o que o TJUE viesse a decidir no Processo de Reenvio Prejudicial já referido  - no qual era dada nota também da necessária interpretação Sistemática ao aferir estar-se ou não perante situações objectivamente comparáveis -, determinou a suspensão da instância, como também supra. E, imediatamente após conhecimento da pronúncia do Alto Tribunal ali, determinou o levantamento da suspensão.

 

O TJUE veio, referimos já, declarar que “O artigo 63.º e o artigo 65.º, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro (…) que (…) sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a esse mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem (…).”

 

Mantém-se pois, na base da sua nova pronúncia, o entendimento (firmado no Acórdão Hollmann) no sentido de que estamos perante situações objectivamente comparáveis (a dos Residentes versus a dos NR), e, ainda, de que o distinto tratamento se não justifica por razões imperiosas de interesse geral/necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.

 

Pois bem.

 

Tendo em conta a nova pronúncia do TJ no Despacho fundamentado,  em que manteve as anteriores suas pronúncias na matéria (na medida supra sumariada);

 

Tendo em conta que esta Jurisprudência não pode deixar de ser tida em consideração, impondo-se ao Julgador - também ao Julgador em questões futuras materialmente idênticas - decidir em sentido compatível ;

 

Tendo em conta o nosso STA ter já proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência – v. Acórdão do STA de 09.12.2020, Proc.º 075/20.6BALSB - na matéria, precisamente se baseando na anterior pronúncia do TJUE (Acórdão Hollmann) que veio, agora e mais uma vez, a ser por este Alto Tribunal reiterada;

 

Tendo em conta que a Jurisprudência Uniformizada se reveste de valor reforçado, emanando do Pleno das Secções e cabendo sempre recurso das Decisões judiciais que a não acatem;

 

Tendo presentes os valores fundamentais da Certeza e Segurança Jurídicas;

 

Mais que, seja no mesmo Acórdão (supra) em sede de interpretação Uniformizadora, seja na Jurisprudência mais recente do STA na matéria, entretanto também consolidada, se confirma, em situações como a dos presentes autos (i.e., em situações em que o acto em crise era igualmente uma liquidação a sujeitos passivos Não Residentes - IRS, mais-valias imobiliárias - tributando o ganho de mais-valias na totalidade) ser de decidir pela anulação parcial dos actos de liquidação em crise;

V., a respeito, para além do Acórdão de Uniformização já referido - onde se lê, transcrevendo-se aqui com a devida Vénia: “Assim, bem andou a decisão recorrida quando julgou incompatível com o Direito da União Europeia a norma do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art.º 63.º do TFUE e, em consequência, quando anulou os actos de liquidação em causa (de IRS e de juros compensatórios) na parte em que desconsideraram aquela limitação.” (negritos nossos) -, e entre outros, o Acórdão do STA, também do Pleno da Secção, da mesma data de 09.12.2021, em que se decide pela improcedência do recurso de Decisão Arbitral em que se decidira pela anulação parcial do acto de liquidação;

 

Não deixando de se notar que no referido Acórdão de UJ do STA foi também apreciada precisamente a situação no caso específico dos residentes em Estado terceiro;

 

Tendo ainda em conta que a mesma Jurisprudência é já Jurisprudência consolidada – cfr. Acórdão do STA de 24.02.2021, Proc.º 058/20.6BALSB, onde assim também se confirma (e bem assim, v. a Jurisprudência neste último Aresto referida), e que adere, aliás, a anterior Aresto do STA, de 20.01.2021, Proc.º 056/20.0BALSB,

 

Haverá que decidir em conformidade com a pronúncia do Alto TJUE agora reiterada, e como aplicada pelo STA na já referida Jurisprudência Uniformizada e consolidada. 

 

Assim,

Considerando que cfr. o mesmo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA de 09.12.2020 “o n.º 2 do art.º 43.º do CIRS (…) ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art.º 63.º do TFUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido (...), previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da EU ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”,

 

Em face do mais que vem de se expôr,

E retornando mais concretamente ao caso, em que o Requerente é NR, residente, no ano em que obteve os rendimentos de cuja tributação aqui se trata, 2019, nos EUA, País terceiro, e submeteu a sua Modelo 3 como tal. Ficando sujeito a tributação do ganho de mais-valias em questão (o que não contesta), desde logo nos termos conjugados dos art.ºs 9.º, n.º 1, al. a), 10.º, n.º 1, al. a), 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 2, 18.º, n.º 1, al. h) (todos supra). E na Liquidação em crise tendo sido aplicado o art.º 72.º, n.º 1, al. a), a saber, a taxa especial de 28% sobre montante total do ganho de mais-valias obtido em resultado da venda do bem imóvel em causa. 

 

Verifica-se, assim, que ao caso não foi aplicado o art.º 43.º, n.º 2 e - em aplicação, como devido, da Jurisprudência que vem de se percorrer - deveria, diferentemente, e como supra, tê-lo sido, por, de contrário, se violar a liberdade de circulação de capitais.

 

A pretendida redução, a metade, para efeitos de tributação, do ganho de mais-valias, deve, nestes termos, proceder. E à questão a decidir haverá, assim, que responder que sim, é ilegal a Liquidação ao não ter a incidência real do imposto sido limitada a 50% do ganho de mais-valias. E nessa medida. Tudo como antecede.

 

E no caso do Requerente, diga-se, apesar da vigência, actualmente, dos dois regimes passíveis de ser aplicados aos NR , a situação não será à partida de molde a permitir neutralização da oposição ao DUE como declarada pelo TJ na sua nova pronúncia (Despacho fundamentado de 13.12.2021).  Com efeito, e como bem refere e insiste o Requerente , a já referida faculdade de escolha por parte de NR (vimo-lo também) foi consagrada tão só para NR residentes em EM ou no EEE. Não se enquadrando o Requerente em qualquer destas duas situações.

 

*

A Requerida, ainda se refira aqui chegados, não deixa de notar, em defesa da sua posição, que a se aceitar ser de aplicar aos NR o art.º 43.º, n.º 2 em conjugação com o art.º 72.º, n.º 1 (taxa especial de 28% aplicada sobre 50% apenas do ganho de mais-valias) estar-se-á a facultar aos NR uma opção que nem sequer é facultada aos Residentes. O que, expõe, representaria injustificada discriminação à luz do DUE.

 

Não deixa de se reconhecer o argumento traduzir a realidade dos factos (os Residentes estão sujeitos – com carácter de obrigatoriedade – ao englobamento do ganho de mais-valias imobiliárias, com todas as demais consequências que se conhecem). Contudo, a questão que vem suscitada nos autos é a da ilegalidade da Liquidação com fundamento em violação da liberdade de circulação de capitais consagrada nos Tratados. E não decorrerá do regime jurídico-tributário aplicável às mais-valias imobiliárias obtidas pelos Residentes uma violação da liberdade de circulação de capitais tal como consagrada no Direito Primário da UE, pelo menos no seu estádio actual. Ademais, sendo o regime em questão, tributação directa, competência exclusiva do Estado-Membro.

 

4. Reembolso de quantias pagas, juros indemnizatórios e juros de mora

 

O Requerente pugna pela anulação da Liquidação e requer a devolução dos montantes pagos em excesso. E a Liquidação, como se concluiu já, e pelas razões percorridas, padece de vício de violação de lei - por incompatibilidade com o DUE - por força da não redução a metade do ganho de mais-valias para efeitos de tributação, como decorreria da aplicação do n.º 2 do art.º 43.º. Que a Requerida não aplicou.

 

Assim, tudo como percorrido, há que decidir pela anulação da Liquidação na parte em que ali se desconsiderou a redução a metade do ganho de mais-valias, cfr. Jurisprudência do STA, supra, devida aplicar.

 

Com efeito, o STA, em aplicação da Jurisprudência do TJUE nesta matéria e chamado também a confirmar ou não Decisões Judiciais em que a questão se coloca também quanto à anulação das Liquidações em crise dever ser ou não meramente parcial – vem decidindo, de forma uniforme mais recentemente, no sentido da conformidade da anulação parcial. Em sua Jurisprudência também já Uniformizada e consolidada. Como supra. Jurisprudência que é devido seguir-se, como também supra.

 

O Requerente procedeu ao pagamento da Liquidação pela totalidade.

 

Que aos Tribunais tributários é reconhecida competência para apreciar e decidir quanto a devolução de quantias pagas em excesso, e quanto a juros indemnizatórios, não obstante em contencioso de mera anulação, é entendimento pacífico e há muito assente. Assim também os Tribunais Arbitrais (entre o mais v. o disposto no art.º 24.º, n.º 5 do RJAT, de onde também se depreende a competência para a devolução das quantias pagas).

 

Deve consequentemente decidir-se pela restituição das quantias pagas, na medida do assim indevidamente pago, ao Requerente. Cfr., também, art.º 24.º, n.º 1 al. b) do RJAT.

 

*

 

Peticiona também o Requerente juros indemnizatórios. Vejamos se lhe assiste razão.

 

Estabelece o art.º 24.º, n.º 5  do RJAT a obrigação do pagamento de juros, qualquer que seja a respectiva natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT. Conforme disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT , a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem lugar quando se determine ter havido erro, imputável aos Serviços, do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Era devido aplicar o art.º 43.º, n.º 2. Por, em assim não sendo, se estar a aplicar um regime incompatível com o DUE, como supra. É de entender, vimo-lo, ter havido erro, de direito, do qual resultou pagamento em quantia superior à devida. Erro que é de considerar imputável aos Serviços, como também na linha da Jurisprudência do nosso STA em matéria de condenação em juros indemnizatórios quando de erro de direito em conexão com DUE se trate (v., entre outros, Acórdão do STA de 08.02.2017, proc. 0678/16), relativamente ao que não vemos aqui razão para não acompanhar.

Tendo o Requerente ficado desapossado da quantia que desembolsou para pagamento da liquidação que ora vai anulada em metade, é de deferir o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular sobre a quantia assim paga em excesso – a saber, a correspondente a metade do valor da Liquidação. Como se fará.

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Por fim peticiona ainda o Requerente a condenação em juros de mora “devidos a partir do termo do prazo para execução voluntária da decisão arbitral até à data da emissão da nota de crédito, em cumulação com os juros indemnizatórios”. Vejamos se também aqui lhe assiste razão.

 

Há que interpretar referir-se o Requerente à eventual (que peticiona) condenação no pagamento de juros de mora agravados – prevista pelo legislador, desde logo, no n.º 5 do art.º 43.º da LGT. Como decorre do referido normativo, serão devidos juros de mora, à taxa também aí especificada, quando havendo uma decisão judicial transitada em julgado da qual decorra para a Requerida a obrigação de devolução de quantias, indevidamente pagas, a mesma não cumpra tal obrigação no prazo de execução espontânea do julgado.

 

Inexistindo, à presente data, tal trânsito em julgado e, bem assim e por maioria de razão, tal incumprimento, não se encontram reunidos neste momento os pressupostos de que a lei faz depender a constituição do direito aos peticionados juros de mora. Assim não se verificando condições de procedência do pedido.

 

Sem prejuízo do disposto na já referida norma.

 

5. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o PPA como segue:

-              Anular parcialmente a liquidação de IRS melhor identificada nos autos, no valor correspondente ao acréscimo resultante da não consideração do ganho de mais-valias apenas pela metade;

-              Condenar a Requerida na devolução das quantias pagas em excesso correspondentes a metade do valor da Liquidação (€ 23.781,29) e no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o mesmo montante desde a data do pagamento e até processamento da respectiva nota de crédito;

-              Absolver a Requerida do pedido de condenação no pagamento de juros de mora.

 

6. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 47.562,57, valor que foi indicado pelo Requerente, que a Requerida não contestou, e que corresponde ao montante da liquidação a que o Requerente pretendia obstar.

 

7. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2022

 

O Árbitro,

(Sofia Ricardo Borges)