Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 647/2020-T
Data da decisão: 2022-02-28  IRS  
Valor do pedido: € 24.502,18
Tema: IRS; Residência Fiscal; Convenção Dupla Tributação
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SUMÁRIO:

 

I – As obrigações de informação sobre os elementos essenciais, inclui a comunicação da residência fiscal, é da exclusiva responsabilidade do contribuinte.

 

II - Constando no cadastro que a residência dos contribuintes é em Portugal, presume-se que sejam efetivamente residentes em Portugal, presunção essa que é ilidível, o que não sucedeu no caso em apreciação. Aas declarações entregues pelos contribuintes desde o ano 2001 a 2017 inclusive, foi sempre declarado que os contribuintes residiam em Portugal, tendo as mesmas sido sempre liquidadas e pagas pelos Requerentes, de acordo com a informação nelas declarada ao abrigo do princípio da verdade declarativa e que coincidia com a informação constante no cadastro. 

 

III - Estando em causa rendimentos respeitantes a pensões, nos termos do artigo 19.º da Convenção, as pensões pagas a um residente de um Estado Contratante em consequência de um emprego anterior só podem ser tributadas nesse Estado (da residência). Na medida em que os contribuintes, no ano de 2017 constavam no cadastro e declararam ser residentes em Portugal, a competência para tributar aqueles rendimentos ao abrigo daquele preceito é exclusiva do Estado português, o que significa que deveriam ter sido declarados nas declarações Modelo 3 de IRS, e o Estado francês não tinha competência para os tributar.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            No dia 17/11/2020, A..., NIF ..., B..., NIF ..., casados com domicílio fiscal na ...–..., ..., ..., ...– Nazaré, doravante designados por Requerentes, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos e ao abrigo das  disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com as alterações  subsequentes, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e do disposto no artigo 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

 

2.            O objeto imediato do pedido arbitral é a impugnação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que indeferiu o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação oficiosa de IRS nº ...2019..., datada de 2019-08-16, relativa ao ano 2017, no valor a pagar de € 27.364,37.  Esta liquidação teve origem num procedimento de cooperação internacional com as autoridades fiscais francesas, na qual se concluiu que sendo os contribuintes residentes em Portugal deveriam ter declarado em Portugal os rendimentos obtidos no estrangeiro, no caso, em França.

 

3.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 17- 11-2020 e automaticamente notificado à AT. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, no dia 11/01/2021, designou a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4.            As partes foram notificadas dessa designação, que aceitaram. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 03/05/2021. Na mesma data foi proferido despacho arbitral, notificado à Requerida, para apresentar a sua resposta, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.

 

No dia 07/06/2021, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o respetivo Processo Administrativo (PA). Na sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida, veio a AT pugnar pela legalidade do ato tributário impugnado, reiterando que os Requerentes são residentes em Portugal e, nessa medida, estavam obrigados a declarar em Portugal os seus rendimentos, incluindo os que auferiram em França.

Em 05-07-2021 foi proferido despacho arbitral a agendar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT. A reunião, inicialmente agendada para 2/09/2021, em função das disponibilidades do CAAD e das partes, veio a ser adiada para 01-10-2021, por solicitação de adiamento apresentada pelos demandantes. A reunião realizou-se, conforme previsto, tendo comparecido as testemunhas indicadas pelos Requerentes, as quais foram inquiridas. Terminada a inquirição foram produzidas alegações orais e fixada como data provável para a prolação da decisão arbitral a resultante do disposto no nº1 do artigo 21º do RJAT, ou seja, o dia 3/11/2021, como consta da ata da reunião que se dá por integralmente reproduzida.

 

5.            Considerando a tramitação do processo, conforme o exposto, a data em que foi possível realizar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT e a necessidade de analisar todo o processo e a prova produzida foi necessário prorrogar o prazo para decisão arbitral, ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 21º do RJAT. Assim, a data-limite para prolação da decisão arbitral, após as prorrogações mencionadas, passou para 3/03/2022, considerando o disposto no artigo 17º - A do RJAT.

 

6.            A questão a decidir impõe aferir, em primeiro lugar, sobre qual a residência fiscal dos Requerentes, reportando ao período em que ocorreu o facto tributário, ou seja, no ano de 2017. E, dependendo da resposta a esta questão, importará aferir sobre a legalidade do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, cuja anulação é peticionada pelos Requerentes.

 

 

II – SANEAMENTO DO PROCESSO

 

7.  O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do artigo 5.º e da alínea a), do n.º 2 do artigo 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo é o próprio e as partes são legítimas, têm personalidade e capacidade jurídica e judiciária.

O processo não enferma de nulidades.

Nesta conformidade o Tribunal está em condições de conhecer do pedido.

Posto isto, cumpre decidir sobre a matéria de facto e, em conformidade, sobre a matéria de direito cuja apreciação foi suscitada neste pedido arbitral.

 

III - DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

 

A)           FACTOS PROVADOS:

 

8.Como matéria de facto relevante, o Tribunal arbitral dá por provados os seguintes factos:

 

a)            Os Requerentes, desde 2001, entregaram as declarações de IRS anuais em Portugal e declararam ser residentes em Portugal, com rendimentos de categoria F e de categoria B.

b)           Ao longo destes anos nunca mencionaram em qualquer declaração os rendimentos obtidos no estrangeiro.

c)            O mesmo sucedeu com a declaração de rendimentos auferidos no ano de 2017, na qual declararam ser residentes em Portugal e auferiram rendimentos de categoria F e B.

d)           A declaração Modelo 3 de IRS, foi apresentada em 27-05-2018, relativa aos rendimentos do ano de 2017, na qual foi mencionado serem os contribuintes residentes em Portugal, com os rendimentos das categorias B e F, e da qual resultou a liquidação n.º 2018... de 2018-05-30, com o valor a pagar no montante de €2.862,19;

e)           Em 08-04-2019, foi iniciada uma ação inspetiva interna de âmbito parcial através das Ordens de Serviço n.º OI2019...-OI2019...-OI2019..., respeitantes ao IRS dos anos de 2015, 2016 e 2017, no seguimento de um procedimento de cooperação internacional com as autoridades fiscais francesas, na qual se concluiu que sendo os contribuintes residentes em Portugal deveriam ter declarado os rendimentos obtidos no estrangeiro. (França).

f)            No ano de 2017 os Requerentes auferiram rendimentos em França, enquadráveis na categoria H (pensões);

g)            Em 18-07-2019 foi elaborada a declaração oficiosa/DC, na qual foram adicionados os Anexos J com os rendimentos da categoria H (pensões) auferidos em França e da qual resultou a liquidação n.º 2019..., de 2019-08-16, com o valor a pagar no montante de € 27.364,37;

 

h)           Em 18-12-2019 os Requerentes apresentaram Reclamação Graciosa, para anulação da dita liquidação oficiosa;

 

i)             Por despacho de 2020-08-13, do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Leiria, foi indeferida a reclamação graciosa, quanto aos anos de 2015 e 2016 por ter sido extemporânea e com relação ao ano de 2017 com o fundamento de «não ter sido comprovado a residência no estrangeiro (França)»;

 

j)             Em 11-02-2021, foi junto aos autos documento emitido pela administração fiscal francesa, nos termos do qual se atesta que nos anos 2016, 2017, 2018 e 2019 os aqui Requerentes tinham residência declarada na França, onde apresentaram a respetiva declaração de rendimentos, tendo suportado o valor de €9.011,00, este valor de imposto não foi considerado nas deduções à coleta pela AT;

 

k)            Na declaração oficiosa de imposto emitida pela AT apenas consta a importância de €548,12; 

 

   l) No documento emitido pelas autoridades francesas e junto aos autos em 11-02-2021, pode ler-se:

 

m)Em 17-11-2020, os Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

B)           FACTOS NÃO PROVADOS

 

                9. Com relevo para a decisão, considera-se como não provado que os Requerentes no ano de 2017 tenham permanecido em França por mais de 183 dias.

                Não existem outros factos que devam considerar-se como não provados com relevância para a decisão final.

 

                C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

                10. Quanto à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, como bem resulta do disposto no artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

                No presente caso, todos os factos descritos nas alíneas a) a l) foram considerados como provados com base na prova documental, junta pelas partes, a Requerente em anexo ao pedido arbitral, bem assim como da prova documental constante do Processo Administrativo junto pela AT e que consta do sistema de gestão processual do CAAD. O facto constante na alínea m) resulta provado pela prova testemunhal produzida que, com coerência e concordância total, reconheceram que, pelo menos, desde 2020 os Requerentes passaram a residir em Portugal. Foram ouvidas as testemunhas indicadas pelos Requerentes, cujos depoimentos se encontram gravados e cujo momento de inquirição se encontra mencionado na Ata da Reunião realizada e que se dá por integralmente reproduzida. Assim, a convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou, predominantemente, dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso. As testemunhas oferecidas pelos Requerentes não deram um contributo decisivo para dar como assentes os factos controvertidos, porquanto os seus depoimentos se revelarem confusos, incoerentes e, de certa forma, comprometidos com a versão dos Impugnantes, a que não serão alheias as ligações familiares e de amizade, com exceção da testemunha C... .

Em concreto, nenhuma das testemunhas soube esclarecer a razão pela qual os Requerentes apresentavam a sua declaração de IRS em Portugal, desde 2001, declarando-se como residentes em Portugal, quando afinal, segundo o depoimento de todas as testemunhas, apenas residem em Portugal desde 2020. As Testemunhas D... e E... (filhos dos Requerentes) declararam que os pais tinham um contabilista em Portugal e que era esse contabilista que tratava de tudo o que se relacionava com as declarações de IRS. fonte de rendimentos dos Impugnantes e que a declaração como residentes em Portugal foi um erro grave que os pais desconheciam. A testemunha C... referiu que os Requerentes quando se deslocavam a Portugal, permaneciam na casa de Ourém e iam de férias para a casa da Nazaré. Referiu que, por regra, encontra-se duas ou três vezes por ano com os Requerentes, e que desde 2020 vieram para Portugal e por causa do COVID já não conseguiram regressar a França. Apesar deste depoimento, afigura-se que o mesmo é manifestamente insuficiente para afirmar, com conhecimento de causa, que os Requerentes residiam na França nos anos de 2016 e 2017.

Por último, os depoimentos incidiram, em parte, sobre aspetos relativamente aos quais existe prova documental junta aos autos da qual resulta, como já se disse, que segundo declarações dos próprios Requerentes as suas declarações foram apresentadas em Portugal, nos anos em causa, na qualidade de residentes em Portugal, sendo indiferente nesta sede se tinham contabilista ou não e se este porventura fez mal o seu trabalho. Esta questão releva, eventualmente, em sede de responsabilidade do contabilista, a qual não se encontra em apreciação nesta sede. Nesta perspetiva, e tendo em atenção todos os elementos coligidos nos autos e que a decisão do julgador deve acolher aquele que se afigure mais plausível, este Tribunal não ficou convencido das verdadeiras razões que justificaram tal erro na declaração por parte dos Requerentes ou de quem os representava em Portugal. Pelo que, se a troca de informações não tivesse funcionado e a fiscalização ocorrido, em virtude de se declararem residentes nos dois países, no mesmo período, sem englobar os rendimentos do outro país, beneficiaram em ambos da aplicação de taxas de imposto mais baixas. Em suma, o Tribunal não teve condições de apurar se no ano de 2017 os Requerentes permaneceram ou não em França por mais do que 183 dias. Nesta conformidade não pode dar como provado o facto primordial alegado pelos Requerentes, de modo a alterar a factualidade que resulta provada pelo documento Modelo 3 – Declaração de IRS.

 

IV – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO

 

11. Assente a matéria de facto, importa delimitar a(s) questão(ões) de direito a decidir:

a)            No ano de 2017, em apreciação, subjacente à liquidação oficiosa de IRS e ao indeferimento da RG impugnada nos autos, os Requerentes devem ser considerados como residentes na França?

b)           Dependendo da resposta a esta questão, importa responder a uma outra e que é a de saber se a liquidação oficiosa é ou não ilegal por não ter considerado as deduções à coleta para eliminação da dupla tributação internacional.

 

                Em primeiro lugar há que atender à matéria assente, a qual já define os parâmetros essenciais para a decisão. A declaração de IRS é da exclusiva responsabilidade do contribuinte e assenta no princípio da auto declaração, o que significa, que em caso de erro na declaração cabe ao próprio contribuinte retificar o erro usando os procedimentos tributários próprios, tais como, o pedido de revisão previsto no artigo 78º da LGT, entre outros.

Ora, os próprios Requerentes declararam durante anos (desde 2001 a 2017, pelo menos) os seus rendimentos auferidos em Portugal e apresentaram as respetivas declarações Modelo 3, na qualidade de residentes em Portugal. 

 

                Podem vir agora invocar, que afinal, no ano de 2017, em causa nestes autos, residiam na França?

 

                12. Nos termos do n.º1 do artigo 16.º do CIRS, «são considerados residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses, com início ou fim no ano de causa; ou, tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual, considerando-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.»

 

                Importa também ter em conta o disposto no n.º 1 do artigo 15.º do CIRS “sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”.

Acresce ainda que, o n.º 1 do artigo 19.º da LGT dispõe que «o domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário, o local da residência habitual, para as pessoas singulares», sendo que, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, é obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sob pena de ser ineficaz a mudança de domicílio enquanto a mesma não for comunicada à AT.

 

                Posto isto, é jurisprudência pacífica firmada pelos nossos Tribunais superiores que o conceito de residência não se confunde com o conceito de domicílio fiscal, definido no artigo 19º da LGT como local da residência habitual, pois que o conceito de domicílio fiscal não tem em vista determinar a lei tributária aplicável a certa situação, mas tão só fixar territorialmente os serviços (locais e regionais) da administração tributária competentes para lidar com o contribuinte no que se refere à sua situação tributária. Tal significa que a residência assume a posição de elemento de conexão de maior relevo no âmbito do direito fiscal internacional, e bem assim no direito fiscal interno, além de que é o factor “residência” que determina quais as normas tributárias aplicáveis - de entre as normas de vários Estados (concorrentes) - e que delimita definitivamente o âmbito da incidência do imposto, demarcando também a extensão das obrigações tributárias dos contribuintes.

                Nesta perspectiva, os impostos sobre o rendimento e o capital são, via de regra, desenhados e desenvolvidos a partir de uma dupla concepção ou dicotomia: por um lado, os contribuintes residentes e, por outro, os contribuintes não residentes, cuja diferenciação se faz sentir a respeito, designadamente, das obrigações declarativas, das técnicas de cobrança do imposto e das respectivas taxas aplicáveis.» - 

                Considerando o que vem exposto, as obrigações de informação sobre os elementos essenciais, inclui a comunicação da residência fiscal, a qual                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  ao contrário do alegado pelos contribuintes, é da exclusiva responsabilidade do contribuinte.

                No caso concreto, como resulta da consulta do processo administrativo (PA), da informação constante do sistema das finanças respeitante ao domicílio fiscal, consta o seu domicílio fiscal em Portugal. Era sua responsabilidade comunicar qualquer alteração de domicílio fiscal. Tal comunicação nunca sucedeu, o que não tem explicação tanto mais que tinham contabilista a tratar da sua contabilidade e da apresentação das suas declarações de IRS.

                Assim, constando no cadastro que a residência dos contribuintes é em Portugal, presume-se que sejam efetivamente residentes em Portugal, presunção essa que é ilidível, por documentos ou, eventualmente, por prova testemunhal. Porém, no caso dos Requerentes, o equívoco é enorme, pois como já foi referido, constata-se, como bem alega a AT, que nas declarações entregues pelos contribuintes desde o ano 2001, foi sempre mencionado serem os contribuintes residentes em Portugal, tendo as mesmas sido sempre liquidadas de acordo com a informação nelas declarada ao abrigo do princípio da verdade declarativa e que coincidia com a informação constante no cadastro.

                Como vimos, os depoimentos das testemunhas não permitiram ilidir a presunção. Mas, o mais relevante é que dos documentos juntos aos autos em anexo ao pedido arbitral (comprovativos de tributação de rendimentos em França), contudo dos mesmos não resulta claro se estes foram tributados na França como residentes, sendo que é evidente que, nem na França, nem em Portugal, foram tributados pela universalidade dos rendimentos.

 

                Acresce ainda que, não foi junto ao pedido o documento idóneo emitido pela autoridade fiscal competente que comprove que os contribuintes foram considerados residentes fiscais em França para efeitos do artigo 4.º da Convenção celebrada entre Portugal e França. O documento junto aos autos em 20-02-2021, emitido pelas autoridades tributárias francesas, apenas permite concluir que nos anos de 2016 e 2017 os Requerentes entregaram a sua declaração de rendimentos na França, declarando que eram residentes naquele país.

                O que concluir do teor deste documento?

                Parece evidente que a conclusão é que os Requerentes nos anos em causa (à semelhança do que vinham fazendo desde 2021) entregaram declaração de IRS em Portugal, na qualidade de residentes em Portugal, na qual declararam os rendimentos auferidos em Portugal e fizeram o mesmo na França, declarando os rendimentos aí auferidos igualmente na qualidade de residentes na França. Em nenhum destes países declararam todos os rendimentos auferidos na globalidade, contornando a progressividade do imposto. Mesmo admitindo, o que se afigura difícil, que não tenha sido intencional, a verdade é que esse comportamento não se afigura justificável à luz do direito fiscal vigente em qualquer um dos países. Pelo que, o pedido arbitral não pode proceder.

 

                Dito isto, não há dúvida que, no caso concreto, estamos perante uma situação em que as normas internas de dois Estados diferentes – Portugal e França – se consideram competentes para tributar os rendimentos dos sujeitos passivos, conduzindo a uma situação de dupla tributação, decorrente da dupla residência declarada pelos Requerentes. Mas, sendo assim, os Requerentes, por forma a evitar ou eliminar essa situação de eventual dupla tributação internacional teriam de recorrer à Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e França, nomeadamente o seu artigo 4.º, por forma a determinar qual dos Estados tem competência para tributar os contribuintes.

                Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da referida Convenção, o conceito de residente significa «qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direção ou qualquer outro critério de natureza similar».

                 Por força do artigo 16.º do CIRS, e de acordo com a informação constante no cadastro, bem como das declarações Modelo 3 de IRS entregues anualmente pelos contribuintes, sempre foram residentes em território nacional.

                 Ora, tendo os requerentes o seu domicílio fiscal em Portugal e existindo indícios de que os contribuintes tenham eventualmente sido também considerados residentes para efeitos fiscais, em França é necessário recorrer às regras previstas no n.º 2 do mesmo preceito.

                De acordo com a alínea a), será considerado residente do Estado Contratante em que tenha uma habitação permanente à sua disposição, porém, no caso de ter habitação à sua disposição em ambos os casos, como acontece no caso concreto, será considerado residente no Estado Contratante com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais económicas (centro de interesses vitais).

                 Ora, verifica-se que os rendimentos auferidos França são da categoria J (pensões), ao contrário do alegado, os contribuintes não exercem atividade profissional naquele país que requeira a sua presença física, sendo que, desde 2013 o SPA exerce atividade da categoria B em Portugal.

                 Conforme referido em sede de reclamação graciosa (a qual se dá por integralmente reproduzida) verifica-se que:

                «Os reclamantes são proprietários de diversos imóveis urbanos habitacionais em Ourém, Amadora e Nazaré, e também têm efetuado ao longo dos anos o pagamento do imposto municipal sobre imóveis relativos àqueles imóveis. Por consulta ao sistema informático E-Fatura, foram comunicadas à AT diversas faturas relativas a despesas incorridas pelos reclamantes no território nacional, desde despesas com aquisição de material diverso, como despesas dos serviços municipalizados, cabeleireiros, saúde, seguros, comércio local (supermercados), oficinas, etc.»

                Por último e como bem alega a AT, «ainda que dúvidas existissem quanto à determinação do centro de interesses vitais, refere a alínea b) do mesmo preceito, que será considerado residente no país onde resida habitualmente.  Porém, obtendo os contribuintes rendimentos nos dois países, podem subsistir dúvidas quanto ao país em que residem de forma habitual, nomeadamente, por se declararem para efeitos fiscais como residentes em ambos os países. Nos termos da alínea c), no caso de permanecerem habitualmente nos dois países será considerado residente no Estado de que for nacional, pelo que, sendo os contribuintes de nacionalidade portuguesa, deverá ser esse o critério a aplicar para efeitos de determinação da nacionalidade, pelo que a competência para tributação da universalidade dos rendimentos dos contribuintes é de Portugal.»

               

                Ora, importa ainda referir que, estando em causa rendimentos respeitantes a pensões, nos termos do artigo 19.º da Convenção, as pensões pagas a um residente de um Estado Contratante em consequência de um emprego anterior só podem ser tributadas nesse Estado. Na medida em que os contribuintes são residentes em Portugal, a competência para tributar aqueles rendimentos ao abrigo daquele preceito é exclusiva do Estado português, o que significa que deveriam ter sido declarados nas declarações Modelo 3 de IRS, e o Estado francês não tinha competência para os tributar. 

                Tendo os contribuintes pago indevidamente imposto em França, devem acionar junto das autoridades francesas as garantias tributárias dispostas na legislação francesa pedindo o reembolso do imposto suportado.

 

                Por tudo o que vem exposto, terá de improceder o segundo pedido alternativo formulado pelos Requerentes para que fosse considerada a dedução á coleta do valor do imposto pago na França. A explicação é simples, fruto do equívoco gerado pela declaração dos Requerentes, que se declararam residentes nos dois países, no mesmo período de rendimento, não tendo ficado provado que estes fossem efetivamente residentes na França no período em causa, prevalece a declaração dos Requerentes plasmada na sua declaração de IRS Modelo 3. Assim sendo, a França não tinha competência para tributar. Cabia, outrossim, a Portugal a competência de tributação, e assim sendo, não se pode aceitar tal dedução. Como já se afirmou, os Requerentes terão de recorrer às autoridades francesas e tentar recuperar o seu valor de imposto, acionando os mecanismos previstos na Convenção para evitar a dupla tributação, em vigor entre os dois países Portugal e França.

 

 Ainda quanto ao ónus da prova acresce referir que:

 

Conforme o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.” (no mesmo sentido, o artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).

Como referem a este propósito, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA: “(…) em regra, a administração tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos.” 

No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência dos nossos tribunais administrativos e arbitrais, que tem vindo a afirmar, reiteradamente, o mesmo princípio de que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente, quando esta se revela de forma «agressiva e desfavorável» ao sujeito passivo. Em contrapartida, cabe ao contribuinte apresentar prova bastante dos factos que invoca. Podemos citar inúmeros acórdãos dos nossos tribunais administrativos sobre esta questão, dos quais apenas destacamos, a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0951/11, de 26 de fevereiro de 2014, ou os acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 64/2018-T, de 22 de agosto de 2018 e 25/2018-T, de 21 de fevereiro de 2014, na decisão arbitral proferida no processo nº541/2018, de 10 de janeiro de 2020.

 

Do acima exposto conclui-se que, no caso dos presentes autos, cabia aos Requerentes provar que no ano de 2017 eram residentes na França. Facto que não ficou provado. Mesmo considerando o documento junto aos autos em 22.02.2021, não se pode concluir de modo diferente, porquanto deste documento apenas resulta (sem surpresa) que os Requerentes, nos anos em causa, apresentaram a sua declaração dos rendimentos auferidos na França, declarando, então, ser residentes naquele país. Ora, a verdade é declararam perante a AT, na declaração de rendimentos apresentada em Portugal, que residiam em Portugal. Face a esta contradição e por não terem conseguido inverter a presunção de veracidade das declarações e operações constantes dos modelos de IRS apresentados em Portugal, esta declaração não foi abalada e produz todos os seus efeitos em sede de tributação.

 

Termos em que o pedido arbitral formulado pela Requerente tem de proceder e as liquidações impugnadas anuladas. Em conformidade, assiste ainda à Requerente o direito ao reembolso do imposto pago em excesso, ou seja, no valor de € 12.866,05.

 

                Pelo que fica exposto nos pontos anteriores fica prejudicado o conhecimento de outras questões suscitadas pelas partes.

 

V – DECISÃO

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar improcedente o pedido dos Requerentes, com a consequente manutenção dos atos impugnados na ordem jurídica

b)           Condenar a parte vencida, no caso os Requerentes, no pagamento das custas processuais.

 

IV.  VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor da causa em € 27.364,37(vinte e sete mil, trezentos e sessenta e quatro euros e trinta e sete cêntimos), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

V.  CUSTAS

Ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), a cargo da parte vencida.

 

Notifique-se.

Lisboa, 28/02/ 2022

 

O Tribunal Arbitral singular,

(Maria do Rosário Anjos)