SUMÁRIO:
1) O art.º 43.º, n.º 2 do CIRS ao reduzir a metade o ganho de mais-valias para sujeição a tributação deve ser aplicado também aos Não Residentes e residentes em Estado-Membro (“EM”) da UE, mesmo que estes não tenham optado pela aplicação do regime de tributação em IRS, mais-valias imobiliárias, aplicável aos Residentes. 2) A liquidação em que assim não se procedeu e se tributou o ganho de mais-valias pela totalidade é de anular nessa medida, da metade. 3) Em aplicação da Jurisprudência do TJUE que declarou os artigos 63.º e 65.º, n.º 1 do TFUE deverem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um EM relativa a IRS que “(...) sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada (...) às mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem pelo regime aplicável aos residentes” – cfr. Despacho fundamentado do TJUE de 13.12.2021, Proc. C-224/21 – e da Jurisprudência Uniformizada e consolidada pelo STA proferida com base na anterior Jurisprudência do TJUE e ora por este também reiterada.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., doravante designada por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal portuguesa n.º..., residente em ..., Alemanha, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2017.
À Liquidação em crise, com o n.º 2018..., data de 05.07.2018 e prazo limite de pagamento 31.08.2018, corresponde um valor total a pagar de € 31.855,71, a título de “Imposto relativo a tributações autónomas” (cfr. Demonstração de Liquidação de IRS junta pelo SP com o PPA). Que a Requerente, não obstante não se conformar com a Liquidação, pagou.
Na origem da Liquidação em crise, doravante também “a Liquidação”, está a Declaração Modelo 3 referente ao ano de 2017, apresentada pela Requerente, na qual declarou o rendimento de Mais-Valias que obteve em decorrência de alienação onerosa, nesse ano, de bem imóvel localizado em Portugal.
Após notificada da Liquidação, e com a mesma não se conformando, a Requerente apresentou, a 27.12.2018, Reclamação Graciosa (doravante também “RG”). O projecto de decisão de indeferimento da RG, após notificada a Requerente do mesmo e para o exercício do direito de audição, veio a ser convertido em decisão final de indeferimento.
A Requerente não se conforma com o indeferimento da RG, que confirmou a Liquidação na Ordem Jurídica. A decisão, expõe, tem por base um regime incompatível com o Direito da União Europeia (doravante também “Direito da UE” ou “DUE”). O regime português na base da Liquidação, defende, é discriminatório e incompatível com o referido Direito, constituindo uma restrição à liberdade de movimentos de capitais. Restrição que é proibida pelo Artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”).
Por assim ser, requer ao Tribunal Arbitral seja declarada ilegal a decisão de indeferimento da RG e consequentemente anulada a Liquidação.
A Requerente expõe que comprou, em 1990, com seu entretanto falecido marido, fracção autónoma de prédio urbano, que identifica, sita em Portugal, no concelho de Cascais. E que, em 2017, na qualidade de única herdeira de seu falecido marido, com quem era casada no regime de comunhão geral, vendeu a dita fracção autónoma (doravante também “o Imóvel”).
Explica que a compra se fez pelo preço de Esc. 11.000.000,00 (onze milhões de escudos), e a venda, por sua vez, pelo preço de € 255.000,00 (duzentos e cinquenta e cinco mil euros). Mais que incorreu em encargos com a valorização do imóvel e despesas na compra e venda, no valor total de € 15.747,70 (quinze mil setecentos e quarenta e sete euros e setenta cêntimos).
Apresentou a Declaração Modelo 3, juntamente com o Anexo G, declarando assim os rendimentos de Mais-Valias que obteve na venda do Imóvel, e aí também “declarou a condição de não residente”.
Não questionando a quantificação feita pela Administração Tributária do ganho de mais-valias, a Requerente porém não se conforma com a consideração que foi feita, para efeitos das Mais-Valias tributárias, do montante desse ganho por inteiro. Pois que assim não foi aplicado o regime do art.º 43.º, n.º 2 do Código do IRS (“CIRS”)[1]. A Administração Tributária aplicou - assim apurando o imposto - a taxa de 28% sobre a totalidade do ganho de mais-valias.
Ao desenvolver a defesa da sua posição, a Requerente expõe que é sujeito passivo Não Residente em Portugal, reside na Alemanha, declarou a alienação onerosa do Imóvel, como aplicável nos termos dos art.ºs 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 4, 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 2 e 18.º, n.º 1, al. h), todos do CIRS, e a Administração Tributária liquidou o imposto por aplicação do art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS. A taxa de 28% neste prevista foi aplicada ao total do rendimento obtido. O que traduz erro de direito pois que o ganho devia ter sido considerado apenas em 50%, por aplicação do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS.
A não aplicação do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS aos Não Residentes que sejam residentes em Estado-Membro da UE determina a anulação da Liquidação, pois aquele artigo é incompatível com o Artigo 63.º do TFUE. Verifica-se, em seu entender, discriminação injustificada entre Residentes e Não Residentes. A legislação portuguesa é desconforme com o Direito da UE. Estamos perante situações comparáveis às quais se aplicam regras diferentes.
Com esta fundamentação - que mais desenvolvidamente expõe, percorrendo Jurisprudência Comunitária e Nacional a que faz apelo e, ainda, referindo que a alteração introduzida pelo legislador no art.º 72.º do CIRS, n.ºs 9 e 10 (cfr. numeração ao tempo dos factos), não permite eliminar a discriminação apontada - requer a anulação da Liquidação.
Reportando-se ao “regime meramente opcional”, “de equiparação”, introduzido pelo legislador com os n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º, que entende criar um “ónus adicional”, faz notar que a Autoridade Tributária não está totalmente dependente do que lhe é apresentado pelo contribuinte.
Por fim, requer a condenação da Autoridade Tributária na devolução do montante pago e no pagamento de juros indemnizatórios, pois que pagou o imposto como liquidado e, em seu entender, o respectivo acto de liquidação é ilegal por erro imputável aos serviços.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 14.10.2019 e notificado à AT.
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.
A 04.12.2019 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 07.01.2020.
Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção da Liquidação em crise na Ordem Jurídica.
A Requerida entende, em síntese, que a Liquidação não padece de qualquer vício.
Fazendo notar que a matéria em causa nos autos é exclusivamente de Direito, a Requerida refere que a mesma se reporta à questão da exclusão da incidência de imposto de Mais-Valias em 50% - como sucede em relação aos Residentes - quando obtidas por um Não Residente em Portugal, e que a Requerente defende que o normativo em causa se aplica igualmente aos Não Residentes (doravante também “NR” / “NRs”).
Apesar da Jurisprudência do TJUE no sentido de que a norma em causa - art.º 43.º, n.º 2 do CIRS -, e assim o regime jurídico aplicável aos NRs, contrariam o Direito da UE, e, bem assim, apesar da Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo emanada na sequência daquela, o certo é que o nosso legislador, em momento ulterior, e em consequência da dita Jurisprudência do TJUE, já procedeu à alteração do regime jurídico aplicável aos NRs nesta matéria. O que, no entender da Requerida, desde logo afasta um possível carácter vinculativo da mencionada Jurisprudência para o caso dos autos.
Acresce que também os Modelos das Declarações de rendimentos a preencher pelos contribuintes foram devidamente alterados, a reflectir tal alteração legislativa.
A Requerente preencheu a sua Declaração Modelo 3 assinalando, quanto à residência, nos campos próprios, (i) ser não residente e (ii) pretender a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes (campos 4 e 7).
Caso a Requerente pretendesse ser tributada pelas taxas do art.º 68.º do CIRS, ser pois tributada como Residente (doravante também “R”), deveria tê-lo ali assinalado/preenchido, nos campos próprios (a saber, nos campos 09 e 11), assim: (i) opção pelas taxas do art.º 68.º do CIRS e (ii) total dos rendimentos obtidos no estrangeiro.
Refere ainda que a norma em causa (art.º 43.º, n.º 2) se insere no Capítulo do CIRS respeitante à Determinação do rendimento colectável, diferentemente das normas que no mesmo Diploma se reportam à incidência em matéria de Mais-Valias (doravante também “MV”). Pelo que não será aquela aplicável ao caso.
Coloca à consideração deste Tribunal, solicitando-o subsidiariamente, proceder a Reenvio Prejudicial ao TJUE, dada a alteração do quadro normativo aplicável ocorrida em momento posterior à Jurisprudência do TJUE invocada pela Requerente. Com efeito, diferentemente do que à data da prolação daquela Jurisprudência sucedia, estão actualmente em vigor duas possibilidades alternativas de tributação para os Não Residentes. A Requerente poderia ter optado pela tributação de acordo com a tabela do art.º 68.º como aplicável se os rendimentos fossem auferidos por Residentes, caso em que se aplicaria o regime previsto no art.º 43.º, n.º 2. O que não fez. A Requerente optou, na sua Declaração, pela aplicação da taxa autónoma de 28%, cfr. art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS.
Pelo exposto, segundo a Requerida, não estamos perante uma hipótese de “acto claro” e, a subsistirem dúvidas, deverá suspender-se a instância arbitral e consultar o TJUE.
Defende, por fim, dever ser proferida decisão no sentido da improcedência do Pedido por não provado.
Não tendo sido solicitada produção de prova adicional, por despacho de 10.02.2020 decidiu este Tribunal dispensar a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.
A Requerente veio, nas suas alegações, reiterar os argumentos já expostos no PPA e, ainda, manifestar-se no sentido de que estamos perante “acto claro”, sendo desnecessário o reenvio ao TJUE. Por seu lado, a Requerida, em sede de alegações, refere que a Requerente erra na interpretação e aplicação das normas legais, mais reiterando e mantendo na íntegra o teor da sua Resposta.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03. O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção. O Pedido é tempestivo, apresentado dentro do prazo legal de 90 dias - cfr. al.s p) e q) dos factos provados, infra, e ao abrigo do art.º 10.º, n.º 1 al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. b) do CPPT).
A 29.09.2020 (e contabilizada a suspensão de prazos cfr. Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e n.º 16/2020, de 29 de Maio) o Tribunal, por motivos justificados, prorrogou, por dois meses, o prazo constante do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT, cfr. n.º 2 do mesmo dispositivo legal. Novamente assim por despachos de 26.11.2020 e de 29.01.2021.
No mesmo despacho de 29.01.2021 o Tribunal determinou a notificação às Partes para exercício do contraditório relativamente à intenção de suspender a instância por motivos de Reenvio Prejudicial ao TJUE noutro Processo Arbitral na mesma matéria aqui em questão, cfr. art.ºs 269.º, n.º 1, al. c) e 272.º, n.º 1, ambos do CPC. Nenhuma das Partes se veio pronunciar.
Tendo em conta a Decisão Arbitral de Reenvio Prejudicial ao TJUE proferida em Processo que corria neste CAAD[2], entretanto pendente junto daquele Alto Tribunal, versando sobre a mesma questão discutida nestes autos, determinou-se a suspensão da instância, por despacho de 19.04.2021. Por se entender que a pronúncia ali solicitada mantinha utilidade mesmo após prolacção, entretanto, do Acórdão MK (Proc. C-388/19), e que o que ali viesse a ser decidido podia ter relevância nos presentes autos. O Reenvio Prejudicial, no Proc. 620/2019-T, havia sido determinado por - como da consulta do mesmo se conclui[3] - o aí Órgão Jurisdicional de Reenvio entender que - para a boa decisão da causa na apreciação pelo TJUE quanto à verificação ou não de violação da liberdade de circulação de capitais - as normas de Direito Interno em questão deviam ser apreendidas devidamente enquadradas no Ordenamento Jurídico-Tributário em que se integram, revelando-se essencial essa interpretação Sistemática. E que na pronúncia do Alto Tribunal sobre a matéria - cfr. Acórdão de 11.10.200, Ac. Hollmann, Proc. C-443/06 - tanto não havia sucedido.
Por Despacho fundamentado de 13.12.2021, Proc. C-224/21, o TJUE veio decidir naqueles autos de Reenvio Prejudicial, reiterando aquela sua anterior pronúncia e, ainda, o igualmente determinado, entretanto, no Acórdão MK (Ac. do TJUE de 18.03.2021, Proc. C-388/19) nos termos que adiante melhor se verá. Tomou como Quadro Jurídico o art.º 43.º e o art.º 72.º.
Por despacho do Tribunal Arbitral de 22.12.2021 foi determinada a junção do referido Despacho fundamentado do TJUE, comunicado ao CAAD a 21.12.2021, aos presentes autos.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os factos que seguem:
a) A Requerente é residente fiscal na Alemanha e, relativamente ao ano de 2017, declarou, na sua Declaração Modelo 3, a condição de não residente;
b) A Requerente tem o número de contribuinte fiscal português 196 827 310;
c) Por Escritura Pública de 06.07.1990 a Requerente e B..., então seu marido e entretanto falecido, sendo à data casados no regime de comunhão geral, adquiriram a fracção autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano no regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., números ... e ..., lugar e freguesia de ..., concelho de Cascais, descrito na CRP de Cascais sob o número ... (doravante “o Imóvel”);
d) O Imóvel foi adquirido pelo preço de Esc. 11.000.000,00 (onze milhões de escudos);
e) Por Escritura Pública de 21.07.2017 a Requerente, na qualidade de única herdeira de seu falecido marido, vendeu o Imóvel – cfr. c) supra;
f) O Imóvel foi vendido pela Requerente pelo preço de Eur. 255.000,00 (duzentos e cinquenta e cinco mil euros) (cfr. pontos 14 e19 do PPA e Doc. 1 junto pela Requerente);
g) Em Maio de 2018 a Requerente apresentou em Portugal a Declaração de rendimentos Modelo 3, com o Anexo G, relativa ao ano de 2017, na qual declarou o rendimento de mais-valias que auferiu com a alienação do Imóvel;
h) Na Declaração Modelo 3 (cfr. g) supra) a Requerente declarou ter incorrido em encargos no montante de Eur. 15.747,70 (quinze mil setecentos e quarenta e sete euros e setenta cêntimos) com a valorização e com a compra e venda do Imóvel;
i) Na Declaração Modelo 3 (cfr. g) supra) a Requerente declarou a condição de Não Residente, assinalando no Quadro 8 - Residência Fiscal, a opção B – Não Residentes e, aí, o Campo 4 – “Não Residente”, o Campo 6 – “Residência em país da UE”, e o Campo 7 – “Pretende a tributação pelo regime geral” (cfr. PA);
j) Em Julho de 2018 a Requerente foi notificada da Liquidação de IRS com o n.º 2018... (doravante “a Liquidação”), relativa ao ano de 2017, com o valor de imposto a pagar de € 31.855,71;
k) Para efeitos da Liquidação, a Requerida apurou o ganho de mais-valias da Requerente, no valor de Eur. 113,770,40 (cento e treze mil setecentos e setenta euros e quarenta cêntimos), por cálculo da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (v., respectivamente, f) e d) supra), após conversão para euros deste último e sua correcção pelos coeficientes de correcção monetária, e acrescido das despesas incorridas pela Requerente como por si declaradas;
l) Na Liquidação a Requerida aplicou a taxa especial de 28%, cfr. art.º 72.º, n.º 1, al. a), sobre o ganho de mais-valias da Requerente (cfr. k) supra), de onde resultou IRS a pagar no montante de € 31.855,71 (ou seja, € 113,770,40 x 28% = € 31.855,71);
m) Notificada da Liquidação, que tinha como data limite para pagamento voluntário 31.08.2018, a Requerente procedeu ao respectivo pagamento a 19.07.2018;
n) A 26.12.2018 a Requerente apresentou Reclamação Graciosa tendo por objecto a Liquidação;
o) Por despacho da Requerida datado de 24.05.2019, a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e para exercício do direito de audição;
p) A Requerente não exerceu direito de audição, e a Reclamação Graciosa, que correu sob o n.º ...2018..., foi indeferida por despacho da Requerida datado de 12.07.2019, notificado à Requerente por Ofício da Requerida datado de 15.07.2019;
q) A 14.10.2019 a Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não existem factos que não tenham ficado provados.
2.3. Fundamentação da matéria de facto
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA e no Processo Administrativo (“PA”) - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados e factos não questionados.
Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[4]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC[5]).
3. Matéria de Direito
3.1. Questões a decidir
As questões a decidir nos presentes autos são essencialmente de Direito, reconduzindo-se à fundamental questão seguinte:
À tributação, em IRS, dos rendimentos de mais-valias na alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis sitos em Portugal e obtidos por um Não Residente, é ou não aplicável o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS quando na Declaração Modelo 3 o sujeito passivo opta pela tributação segundo o regime geral aplicável aos Não Residentes?
Dito de outro modo, é ou não ilegal a Liquidação em crise ao não ter aplicado, no caso, o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e, assim, não ter a incidência real do imposto sido limitada a 50% do ganho de mais-valias obtido pela Requerente (ao invés do que sucederia fora esta Residente)?
Caso o Tribunal venha a decidir pela procedência do pedido de anulação, haverá ainda que apreciar e decidir quanto aos pedidos de devolução da quantia paga (€ 31.855,71) e de condenação em juros indemnizatórios.
*
Começando por recapitular e enquadrar brevemente.
Entende a Requerente que lhe deveria ter sido aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e, assim, a tributação em causa nos autos ter incidido, apenas, sobre 50% do ganho de mais-valias que obteve. Ganho de mais-valias esse cujo montante total, conforme apurado pela Requerida na Liquidação, aceita.
O ganho (montante total) de mais-valias foi, pois, de € 113,770,40.
Sobre esse montante a Requerida, na Liquidação, aplicou uma taxa especial (“taxa autónoma”) de 28%, conforme disposto no art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS.
E, assim, apurou um montante de imposto a pagar, a este título, de € 31.855,71. Assim: € 113,770,40 x 28% = € 31.855,71.
A Requerente defende que o disposto na norma em causa - art.º 43.º, n.º 2 do CIRS -, que estipula um regime jurídico aplicável a Residentes, lhe deveria ser também aplicável. Pois que aquela norma, ao estipular um regime, mais vantajoso segundo a Requerente, e determinar que o mesmo é aplicável apenas a Residentes, viola o Direito da UE. Assim, a Requerida deveria, defende, ter feito aplicar o dito regime também a si Requerente. Consequentemente devendo a Liquidação ser anulada. Pois que o imposto deveria incidir sobre metade do ganho de mais-valias. E não sobre a totalidade, como a Requerida fez.
Pede, assim, a anulação da Liquidação em crise. Por violação do disposto no Artigo 63.º do TFUE, ao a Requerida ter interpretado e aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS no sentido de excluir a limitação da incidência do imposto a 50% das mais-valias no caso, por realizadas por sujeito passivo NR. O regime ao abrigo do qual a Liquidação foi efectuada é discriminatório e incompatível com o Direito da UE, defende.
Não obstante a Requerente se referir nos seus articulados à “anulação da Liquidação” e peticionar, a final, a devolução do total da quantia paga, também refere que a Requerida lhe liquidou o imposto “(...) sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (...)” e, assim, “(...) tem, pois, o direito a ver anulada a parte da liquidação que se encontra viciada (cfr. Acórdão do STA, de 30/04/2013 (Processo n.º 1374/12) (...)”.[6]
*
Como quer que seja, a causa invocada pela Requerente para imputar o vício de violação de lei à Liquidação, como invoca, é sempre a de a Requerida ter, segundo defende a Requerente, interpretado e aplicado o art.º 43.º, n.º 2 de forma não conforme ao Direito da UE, ao considerar a totalidade da mais-valia realizada - “(...) o ato de liquidação (...) é ilegal devendo proceder o vício de violação de lei invocado pela Requerente (...) no ponto em que restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos que são residentes em Portugal, e, em consequência, a liquidação ser anulada.”[7]
Que é sobre o que o Tribunal terá que apreciar e decidir.
*
Vejamos, antes de mais, o quadro legal potencialmente aplicável[8].
I. Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”)[9]
No Preâmbulo, v.:
“(…) 3. A presente remodelação do regime da tributação do rendimento (…) decorre, em primeira linha, da necessidade de ajustar tal regime ao preceituado nesta matéria na Lei Fundamental, a qual refere o carácter único e progressivo do imposto sobre o rendimento pessoal e impõe a consideração das necessidades e rendimentos do agregado familiar (…). / A inovação básica reside na substituição do actual sistema misto (…) pela fórmula da tributação unitária, atingindo globalmente os rendimentos individuais, enformadora do modelo ora adoptado para a tributação das pessoas singulares. (…)
12. Outra categoria – a Categoria G – é constituída pelas mais-valias. (…) / Tratando-se de rendimentos excepcionais, foi ponderado o regime tributário adequado em face da excessiva gravosidade que a tributação englobada poderia gerar, prevendo-se, para esta categoria, um específico regime de tributação, envolvendo uma substancial dedução à matéria colectável. (…)”
No articulado (CIRS):[10] [11]
Capítulo I – Incidência
Secção I – Incidência real
Artigo 1.º – Base do imposto
1. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes (…) depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:
Categoria A - (…)
Categoria B - (…)
Categoria E - (…)
Categoria F - (…)
Categoria G – Incrementos patrimoniais;
Categoria H - (...)
2. Os rendimentos (…) ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, (…).
Artigo 9.º – Rendimentos da Categoria G
1. Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:
a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte; (…)
Artigo 10.º – Mais-valias
1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…);
(…)
3. Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1 (…).
4. O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;
(…)
Secção II – Incidência pessoal
Artigo 13.º – Sujeito passivo
1. Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.
(…)
8. A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite. /(…)
Artigo 15.º – Âmbito de sujeição
1. Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
2. Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português. /(…)
Artigo 18.º – Rendimentos obtidos em território português
1. Consideram-se obtidos em território português:
(…)
h) Os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão; /(…)
Capítulo II – Determinação do rendimento colectável
Secção I – Regras gerais
Artigo 22.º – Englobamento
1. O rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.
(…)
3. Não são englobados para efeitos da sua tributação:
a) Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 72.º; / (…)
Secção VI – Incrementos patrimoniais
Artigo 43.º – Mais-valias
1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.(…)
Artigo 44.º – Valor de realização
1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
(…)
f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.
2. Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. /(…)
Artigo 45.º – Valor de aquisição a título gratuito
1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:
a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;
(…)
2. No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta (…) considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação.
Artigo 46.º – Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis
1. No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT). / (…)
Artigo 50.º – Correcção monetária
1. O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na al. a) do n.º 1 do artigo 10.º (…) é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria (…) sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação. / (…)
Artigo 51.º – Despesas e encargos
Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
a) Os encargos com a valorização dos bens (…);
b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas (…).
Artigo 55.º – Dedução de perdas
1 – Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em cada categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos: (…)
c) A percentagem do saldo negativo a que se refere o n.º 2 do art.º 43.º só pode ser reportada aos cinco anos seguintes àquele a que respeita; /(…)
Secção X – Processo de determinação do rendimento colectável
Artigo 57.º – Declaração de rendimentos
1. Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos (…), devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo. (…)
Artigo 58.º – Dispensa de apresentação de declaração
1. Ficam dispensados de apresentar a declaração a que se refere o artigo anterior os sujeitos passivos que, no ano a que o imposto respeita, apenas tenham auferido, isolada ou cumulativamente:
a) Rendimentos tributados pelas taxas previstas no artigo 71.º (…); /(…)
Artigo 65.º – Bases para o apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos
-
O rendimento colectável de IRS apura-se de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes (…), com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a Direcção-Geral dos impostos disponha. / (…)
Capítulo – III – Taxas
Artigo 68.º – Taxas gerais
-
As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte: / (…)
Artigo 68.º-A – Taxa adicional de solidariedade
1. Sem prejuízo do disposto no artigo 68.º, ao quantitativo do rendimento coletável superior a (euro) 80 000 incidem as taxas adicionais de solidariedade constantes da tabela seguinte: / (…)
Artigo 70.º – Mínimo de existência
1. Da aplicação das taxas estabelecidas no artigo 68.º não pode resultar, para os titulares de rendimentos predominantemente originados em trabalho dependente ou em pensões, a disponibilidade de um rendimento líquido de imposto inferior a € 8.500. / (…)
Artigo 72.º – Taxas especiais
1. São tributados à taxa autónoma de 28%:
a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;
(…)
9.[12] Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
10.[13] Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes. (…)
Artigo 113.º – Declaração anual de informação contabilística e fiscal
1. Os sujeitos passivos de IRS devem entregar anualmente uma declaração de informação contabilística e fiscal, de modelo oficial, relativa ao ano anterior, quando (…) ou quando estejam obrigados à apresentação de qualquer dos anexos que dela fazem parte integrante. / (…)
II. Lei Geral Tributária (“LGT”)
Art.º 4.º – Pressupostos dos tributos
1. Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património. /(…)
Art.º 5.º – Fins da tributação
1. A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento.
2. A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material.
Art.º 6.º – Características da tributação e situação familiar
1. A tributação directa tem em conta:
a) A necessidade de a pessoa singular e o agregado familiar a que pertença disporem de rendimentos e bens necessários a uma existência digna;
b) A situação patrimonial, incluindo os legítimos encargos, do agregado familiar;
(…)
3. A tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares, devendo orientar-se no sentido de que o conjunto dos rendimentos do agregado familiar não esteja sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónoma das pessoas que o constituem.
III. Constituição da República Portuguesa (“CRP”)
Título III – Direitos e deveres económicos, sociais e culturais
Art.º 67.º – Família
1. A família, como elemento fundamental da sociedade, (…).
2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família: / (…)
f) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares; / (…)
Título IV – Sistema financeiro e fiscal
Art.º 103.º – Sistema fiscal
1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. /(…)
Art.º 104.º – Impostos
1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. /(…)
IV. Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”)
Parte II - Não discriminação e cidadania da União
ARTIGO 18.º
No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. / (…)
Parte III - As políticas e acções internas da União
Título IV - A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais
Capítulo 4 - Os capitais e os pagamentos
Artigo 63.º
1 – No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. / (…)
Artigo 65.º
1 – O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito dos Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
(…)
3 – As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º. /(…)
*
Aqui chegados.
Como se disse já – supra, Relatório in fine – o Tribunal, por despacho de 19.04.2021, determinou a suspensão da instância, por motivos de Reenvio Prejudicial pendente noutros autos de Processo Arbitral em curso no CAAD (Proc. 620/2019-T). Por sua vez, por despacho de 22.12.2021, determinou (i) o levantamento da suspensão da instância, (ii) a junção aos autos do Despacho fundamentado do TJUE de 13.12.2021 prolatado naquele Processo de Reenvio Prejudicial - Proc. C-224/21, e (iii) a notificação das Partes para se pronunciarem, querendo, sobre a aplicação da Doutrina ali firmada. Apenas a Requerente se veio pronunciar, reiterando o já desenvolvido nos articulados, que entende confirmado também pelo Despacho fundamentado ao neste se concluir como se conclui.
No seu Despacho fundamentado (de 13.12.2021, Proc. C-224/21) o Alto Tribunal veio, assim o vemos e no que à “Doutrina Hollmann” respeita,[14] simplesmente reiterar a sua anterior pronúncia na matéria e a sua pronúncia, entretanto, no Acórdão MK. Porventura não terá entendido de relevar em toda a sua amplitude e profundidade a interpretação do Ordenamento Jurídico Nacional - facultada pelo Órgão Jurisdicional Nacional[15], o bloco de legalidade em que o art.º 43.º, n.º 2 se insere e este aí devidamente contextualizado - normativa e axiologicamente, e os fins com que o legislador consagrou esta norma. Tendo concluído que o regime jurídico-tributário Português “sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada para este mesmo tipo de operações às mais valias realizadas por residentes”.
Concretamente em resposta às questões prejudiciais, veio o Alto Tribunal declarar assim:
“O artigo 63.º e o artigo 65.º, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares que, no que respeita às mais-valias resultantes da venda de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada para este mesmo tipo de operações às mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem pelo regime aplicável aos residentes.”
O Alto Tribunal conclui, pois, e no Quadro Jurídico que para o efeito recortou[16], no mesmo sentido em que já nas suas duas anteriores pronúncias o fizera – ref. “Doutrina Hollmann”.
Ainda assim acrescentando - ao agora responder às questões prejudiciais - o advérbio “sistematicamente”. E aqui estamos já, neste último ponto, diremos por facilidade de expressão, na “Doutrina MK”.[17]
Conclui o Alto Tribunal, pois, como antes, que a legislação interna, Portuguesa, sujeita os NR a uma carga fiscal superior àquela a que sujeita os Residentes (no que respeita a Mais-Valias imobiliárias em imposto sobre o rendimento pessoal). E (agora) que tal não é afastado por via da faculdade[18], concedida aos NR, de optarem pelo regime dos Residentes – se[19] a legislação ainda assim (i.e., “não obstante a faculdade concedida...”) sujeita sistematicamente os NR “a uma carga fiscal superior...”.
O que sempre significará que já se assim (sujeição a uma carga fiscal superior) não sucedesse sistematicamente - dir-se-à, - que já se esse regime (que não reduz o ganho de mais-valias a 50% no caso dos NR) desde logo não fosse (entre os dois) o regime aplicável/aplicado por defeito, regime regra – a apontada oposição não se verificaria.
*
Junto o Despacho do TJ aos presentes autos, cabe decidir.
Como no início ficou percorrido, a Requerente coloca em crise a Liquidação com o fundamento único de - ao não ter sido aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS à sua situação - se ter incorrido em violação do Direito da UE. O despacho de indeferimento da RG e a Liquidação baseiam-se num regime incompatível com o DUE. O regime português ao abrigo do qual a Liquidação teve lugar é, segundo a Requerente, discriminatório, incompatível com o DUE por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais em violação do Artigo 63.º do TFUE. O regime em causa conduz a uma discriminação negativa e injustificada dos residentes nos demais Estados-Membros da UE face aos sujeitos passivos residentes em Portugal. Na Liquidação o ganho de mais-valias deveria ter sido considerado em apenas 50% do seu valor, por aplicação do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. A não aplicação desta norma ao caso determina a anulação da Liquidação “por incompatibilidade deste normativo com o Direito da União Europeia, em particular, com a liberdade de circulação de capitais”. E a solução entretanto alcançada pelo legislador, com a existência de um regime “meramente opcional”, “regime facultativo” à disposição dos NR, não só cria um ónus adicional, como não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor, defende. Em suma, a Liquidação padece de vício de violação de lei por incompatibilidade do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS com o Artigo 63.º do TFUE.
A Requerida, por seu lado, entende ter procedido como devido, ao ter aplicado ao caso o art.º 72.º, n.º 1, al. a), daí não derivando uma restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no DUE. Na sua Declaração Modelo 3 a Requerente assinalou no quadro respectivo ser NR e, mais, assinalou pretender a tributação pelo respectivo regime geral (i.e., a opção 07), e não a tributação pelo regime que seria aplicável aos Residentes (cfr. factos provados, supra). Podendo tê-lo feito. Podia ter optado pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do art.º 68.º seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.[20] A alteração operada pelo legislador após o Acórdão Hollmann veio possibilitar quer a Residentes quer a NR beneficiarem do regime previsto no art.º 43.º, n.º 2 do CIRS.
Vejamos.
Subjaz à questão fundamental a apreciar nos autos[21], para então se decidir quanto à peticionada anulação, e como resultará de tudo o que antecede, a da conformidade ou não do regime jurídico Português de tributação em IRS de rendimentos de Mais-Valias na transmissão de bens imóveis (sitos em Portugal) com as normas que, no Direito Primário da UE, consagram as Liberdades Fundamentais. Em concreto com a liberdade de circulação de capitais, quando em causa estejam rendimentos (ganhos de mais-valias imobiliárias, pois) obtidos por NR, residentes na UE. No confronto com o regime aplicável aos Residentes.
No caso dos NR vigoram actualmente, e já assim ao tempo dos factos (rendimentos obtidos em 2017)[22], dois regimes alternativos, a saber, o plasmado no n.º 1, al. a), do art.º 72.º e, por outro lado, o constante dos n.ºs 9 e 10 (cfr. numeração ao tempo dos factos, actualmente n.ºs 14 e 15) do mesmo art.º 72.º. O primeiro faz aplicar uma taxa especial, fixa, actualmente, e ao tempo dos factos, de 28%, ao total do ganho de mais-valias, enquanto que o segundo se traduz na aplicação do regime aplicável aos Residentes (em seguida sumariado), muito embora sem a consequência (que ocorre no caso dos Residentes) de a tributação dos demais rendimentos obtidos pelo sujeito passivo no ano, independentemente da sua natureza e de qual seja a respectiva Categoria em IRS, resultar afectada (por força do englobamento obrigatório do ganho de mais-valias imobiliárias).
Já no caso dos Residentes é aplicável, com carácter de obrigatoriedade (sem possibilidade de opting out), o regime resultante do art.º 43.º, n.º 2, nos termos do qual, em conjugação com os demais artigos do CIRS, no essencial percorridos[23], à base tributável (o ganho de mais-valias imobiliárias[24]) é aplicada uma redução de 50% e, então, essa base tributável (o valor do ganho pela metade) acresce (por englobamento) aos demais rendimentos obtidos, mundialmente, pelo sujeito passivo no ano em causa. Depois então se aplicando a tabela geral de taxas do art.º 68.º ao montante global dos rendimentos – e não apenas aos rendimentos da respectiva Categoria, a G. Taxas essas progressivas, por escalões, e que vão até um valor de taxa marginal de 48%, à qual ainda poderá acrescer, no escalão máximo dos rendimentos, uma taxa adicional de, no máximo, 5% (cfr. art.º 68.º-A). Assim no quadro de um imposto único, de base alargada e de formação sucessiva, com progressividade, por escalões.
Tendo em conta a existência de Jurisprudência[25] (maxime Acórdão de 11.10.2007, do TJUE, no Caso Hollman, proc.º C-443/06) em que se determina que a liberdade de circulação de capitais consagrada nos Tratados se opõe a uma legislação nacional/a uma norma como a do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS que sujeita as mais-valias em causa “a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a esse mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente”, tendo também em conta a alteração legislativa entretanto operada pelo legislador nacional[26], e tendo em vista a aplicação efectiva e a interpretação uniforme do Direito da UE, o Tribunal, entendendo poder adquirir relevância nos autos o que o TJUE viesse a decidir no Processo de Reenvio Prejudicial já referido (que tramitou no TJUE como Proc. C-224/21), determinou a suspensão da instância, como também supra. E imediatamente após conhecimento da pronúncia do Alto Tribunal ali, determinou o levantamento da suspensão.
O TJUE veio, referimos já, declarar que “O artigo 63.º e o artigo 65.º, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro (…) que (…) sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a esse mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem (…).”
Pois bem.
Tendo em conta a nova pronúncia do TJ no Despacho fundamentado,[27] em que manteve as anteriores suas pronúncias na matéria (na medida supra sumariada);
Tendo em conta que esta Jurisprudência não pode deixar de ser tida em consideração, impondo-se ao Julgador - também ao Julgador em questões futuras materialmente idênticas - decidir em sentido compatível[28];
Tendo em conta o nosso STA ter já proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência – v. Acórdão do STA de 09.12.2020, Proc.º 075/20.6BALSB - na matéria, precisamente se baseando na anterior pronúncia do TJUE (Acórdão Hollmann) que veio, agora e mais uma vez, a ser por este Alto Tribunal reiterada;
Tendo em conta que a Jurisprudência Uniformizada se reveste de valor reforçado, emanando do Pleno das Secções e cabendo sempre recurso das Decisões judiciais que a não acatem;
Tendo presentes os valores fundamentais da Certeza e Segurança Jurídicas;
Mais que, seja no mesmo Acórdão (supra) em sede de interpretação Uniformizadora, seja na Jurisprudência mais recente do STA na matéria, entretanto também consolidada, se confirma, em situações como a dos presentes autos (i.e., em situações em que o acto em crise era igualmente uma liquidação a sujeitos passivos Não Residentes - IRS, mais-valias imobiliárias - tributando o ganho de mais-valias na totalidade) ser de decidir pela anulação parcial dos actos de liquidação em crise;
V., a respeito, para além do Acórdão de Uniformização já referido - onde se lê, transcrevendo-se aqui com a devida Vénia: “Assim, bem andou a decisão recorrida quando julgou incompatível com o Direito da União Europeia a norma do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art.º 63.º do TFUE e, em consequência, quando anulou os actos de liquidação em causa (de IRS e de juros compensatórios) na parte em que desconsideraram aquela limitação.” (negritos nossos) -, e entre outros, o Acórdão do STA, também do Pleno da Secção, da mesma data de 09.12.2021, em que se decide pela improcedência do recurso de Decisão Arbitral em que se decidira pela anulação parcial do acto de liquidação;
Tendo ainda em conta que a mesma Jurisprudência é já Jurisprudência consolidada – cfr. Acórdão do STA de 24.02.2021, Proc.º 058/20.6BALSB, onde assim também se confirma (e bem assim, v. a Jurisprudência neste último Aresto referida), e que adere, aliás, a anterior Aresto do STA, de 20.01.2021, Proc.º 056/20.0BALSB,
Haverá que decidir em conformidade com a pronúncia do Alto TJUE, agora reiterada, e como aplicada pelo STA na já referida Jurisprudência Uniformizada e consolidada.[29]
Assim,
Considerando que cfr. o mesmo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA de 09.12.2020 “o n.º 2 do art.º 43.º do CIRS (…) ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art.º 63.º do TFUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional (...)”,
Em face do mais que vem de se expôr,
E retornando mais concretamente ao caso, em que a Requerente é NR, residente na Alemanha, Estado-Membro da UE, e escolheu, na Modelo 3, ser tributada pelo regime geral dos NR (cfr. supra factos provados al.s a) e i)). Ficando sujeita a tributação do ganho de mais-valias em questão (o que não contesta), desde logo nos termos conjugados dos art.ºs 9.º, n.º 1, al. a), 10.º, n.º 1, al. a), 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 2, 18.º, n.º 1, al. h) (todos supra). E na Liquidação em crise tendo sido aplicado o art.º 72.º, n.º 1, al. a), a saber, a taxa especial de 28% sobre o montante total do ganho de mais-valias obtido pela Requerente em resultado da venda do bem imóvel (cfr. supra factos provados al.s k) e l)).
Verifica-se, assim, que ao caso não foi aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e - em aplicação, como devido, da Jurisprudência que vem de se percorrer - deveria, diferentemente, e como supra, tê-lo sido, por, de contrário, se violar a liberdade de circulação de capitais.
A pretendida redução, a metade, para efeitos de tributação, do ganho de mais-valias, deve, nestes termos, proceder. E à questão a decidir (v. supra, p. 11) haverá, assim, que responder que sim, é ilegal a Liquidação ao não ter a incidência real do imposto sido limitada a 50% do ganho de mais-valias. E nessa medida. Tudo como antecede.
E sem prejuízo, também, do que ainda se verá.
4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente peticiona a devolução das quantias pagas. Entende que há violação de lei por incompatibilidade do n.º 2 do art.º 43.º com o Direito da EU “no ponto em que restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos que são residentes”. Pugnando assim pela anulação da Liquidação. Requerendo a devolução do montante pago.
O STA, em aplicação da Jurisprudência do TJUE nesta matéria e chamado também a confirmar ou não Decisões Judiciais em que a questão se coloca também quanto à anulação das Liquidações em crise dever ser ou não meramente parcial – vem decidindo, de forma uniforme mais recentemente, no sentido da conformidade da anulação parcial. Em sua Jurisprudência também já Uniformizada e consolidada. Como supra. Jurisprudência que é devido seguir-se, como também supra.
A Requerente pagou - cfr. supra factos provados al. m) - a Liquidação. No valor total de € 31.855,71.
Que aos Tribunais tributários é reconhecida competência para apreciar e decidir quanto a devolução de quantias pagas em excesso, e quanto a juros indemnizatórios, não obstante em contencioso de mera anulação, é entendimento pacífico e há muito assente. Assim também os Tribunais Arbitrais (entre o mais v. o disposto no art.º 24.º, n.º 5 do RJAT, de onde também se depreende a competência para a devolução das quantias pagas).
A Liquidação, como se concluiu já e pelas razões percorridas, padece de vício de violação de lei - por incompatibilidade com o Direito da UE - por força da não redução a metade do ganho de mais-valias para efeitos de tributação, como decorreria da aplicação do n.º 2 do art.º 43.º. Que a Requerida não aplicou.
Assim, há que decidir pela anulação da Liquidação, na parte em que na mesma se desconsiderou a redução a metade do ganho de mais-valias, tudo como na Jurisprudência do STA, supra, devida aplicar.
Não deixa a Requerida de referir, e bem[30], que a ser de aplicar o regime dos Residentes,[31] seriam os rendimentos da Requerente de tributar à taxa aplicável nos termos da tabela prevista no art.º 68.º, n.º 1.[32] Já a Requerente, por seu lado, a tal não se refere expressamente.
Vejamos.
O que vem de se decidir sempre será sem prejuízo dos poderes-deveres que para a Requerida AT decorrem, entre o mais, do art.º 24.º, n.º 1 do RJAT (que estabelece, além do mais, que a decisão arbitral - a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação - vincula a Requerida AT, que deverá “nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea (...), alternativa ou cumulativamente, consoante o caso: a) Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral; b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito; (...)”).
Sem prejuízo, pois, de possível emissão de novo acto de liquidação no respeito pelo aqui Decidido e no prazo de execução espontânea de julgado. Com efeito, o exercício do direito de liquidação não tem por consequência necessária a preclusão do direito de praticar novo acto de liquidação. Cfr. art.º 13.º, n.º 3 e art.º 24.º, n.ºs 1 e 4 do RJAT.[33]
Sendo que por seu lado, ao Tribunal, num contencioso de mera anulação, apenas cabe[34] anular ou não o acto com fundamento nos vícios que concretamente lhe vêm imputados. No caso, no vício de violação de lei por não aplicação do art.º 43.º, n.º 2.
*
Por fim, peticiona a Requerente juros indemnizatórios. Vejamos se lhe assiste razão.
Estabelece o art.º 24.º, n.º 5[35] do RJAT a obrigação do pagamento de juros, qualquer que seja a respectiva natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT. Conforme disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT[36], a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem lugar quando se determine ter havido erro, imputável aos Serviços, do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Era devido aplicar o art.º 43.º, n.º 2. Por, em assim não sendo, se estar a aplicar um regime incompatível com o Direito da UE, como supra. É de entender, vimo-lo, ter havido erro, de direito, do qual resultou pagamento em quantia superior à devida. Erro que é de considerar imputável aos Serviços, como também na linha da Jurisprudência do nosso STA em matéria de condenação em juros indemnizatórios quando de erro de direito em conexão com DUE se trate (v., entre outros, Acórdão do STA de 08.02.2017, proc. 0678/16), relativamente ao que não vemos aqui razão para não acompanhar.
Tendo a Requerente ficado desapossada da quantia que desembolsou para pagamento da Liquidação que ora vai anulada em metade, é de deferir o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular sobre a quantia assim paga em excesso – a saber, a correspondente a metade do valor da Liquidação. Como se fará.
Tudo sempre sem prejuízo do mais que já ficou referido (e v., entre o mais, o art.º 24.º, n.ºs 1 e 4 do RJAT[37]). Não estando, como visto e se a tal nada obstar, vedado à Requerida emitir nova liquidação que não enferme da ilegalidade declarada na presente Decisão.
Ademais, com o potencial de neutralização da oposição ao Direito da UE conforme declarada pelo TJ no Despacho fundamentado de 13.12.2021.[38]
5. Decisão
Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o PPA como segue:
- Anular parcialmente a liquidação de IRS melhor identificada nos autos, no valor correspondente ao acréscimo resultante da não consideração do ganho de mais-valias apenas pela metade e, consequencialmente, anular o despacho de indeferimento da RG;
- Condenar a Requerida na devolução à Requerente do valor correspondente a metade da quantia paga (a saber, € 15.927,86), e no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a mesma quantia desde a data do pagamento (19.07.2018) e até processamento da respectiva nota de crédito;
6. Valor do processo
Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 31.855,71, que foi indicado para o efeito pela Requerente e que a Requerida não contestou, e que corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar.
7. Custas
Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, a cargo da Requerida.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2022
O Árbitro,
(Sofia Ricardo Borges)
[1]Sempre que na presente Decisão se indicar(em) artigo(s) sem menção do respectivo Diploma Legal estaremos a referir-nos ao CIRS.
[2] Decisão Arbitral de Reenvio de 12.02.2021, no Processo n.º 620/2019-T, disponível em www.caad.org.pt
[3] E v. nota de rodapé anterior.
[4]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).
[5] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para qualquer deles - ou para outros Diplomas quando nos referirmos à aplicabilidade no caso dos respectivos artigos - se remeter na presente Decisão).
[6] Cfr. Artigos 87 e 88 do PPA.
[7] Cfr., entre o mais, Artigos 105 e 118 do PPA.
[8]Quaisquer sublinhados e/ou negritos na presente Decisão, sempre que não indicado em contrário, serão nossos;
[9]Aprovado pelo DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 1989;
[10]Cfr. redacção em vigor à data dos factos (2017), e que se mantém no que ao tema dos autos releva (sem prejuízo, note-se, de a numeração no art.º 72.º, na parte relevante para estes autos, ter sofrido alteração, como mais adiante se notará; mas sem que o respectivo conteúdo tenha sido alterado).
[11]No caso em especial das transcrições em itálico as normas do CIRS são apenas referidas por potencialmente úteis à compreensão do todo do regime jurídico.
[12] Cfr. numeração à data dos factos; os n.ºs 9 e 10 (como supra) então em vigor (2016), que correspondem aos actuais n.ºs 14 e 15 (2021), foram inicialmente introduzidos pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, então como n.ºs 7 e 8, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2008, na sequência do Acórdão Hollmann (que data de 11 de Dezembro de 2007).
[14] Assim nos pretendemos referir ao entendimento e pronúncia do Alto TJ no sentido de o (à data) Artigo 56.º CE dever ser interpretado como se opondo a uma legislação nacional como a Portuguesa – que sujeita, conclui, as mais-valias em apreço, quando realizadas por um NR, a uma carga fiscal superior àquela a que sujeita as realizadas por um R. Ao que se chega tendo por base um outro entendimento, a saber, o de que se estará perante situações objectivamente comparáveis.
[15] Órgão Jurisdicional de Reenvio
[16] O art.º 43.º isoladamente e no confronto com o art.º 72.º.
[17] No Acórdão MK havia o Alto Tribunal respondido às questões prejudiciais, como colocadas, assim: “O artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.”
[18] Note-se também que se antes (Acórdão MK) o Alto Tribunal se referia (assim se expressava) a fazer-se depender o regime aplicável – e assim a não sujeição a uma carga fiscal superior - da escolha do sujeito passivo NR, agora (Despacho de 13.12.2021) passa a referir-se a uma faculdade concedida aos NR de optarem pelo regime dos R.; da referência a uma legislação que faz depender a não sujeição [a uma carga fiscal superior] da escolha do NR, passa a referir-se uma legislação que sujeita os NR sistematicamente [a uma carga fiscal superior] não obstante a faculdade que lhes é concedida de escolherem o regime dos R.
[19] O “se” é nosso, em interpretação do declarado pelo TJ. Refere o Alto Tribunal (como integralmente transcrito a negrito, supra) que os Artigos 63.º e 65.º do TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação que sujeita sistematicamente (...) não obstante a faculdade.
[20] Cfr., entre o mais, Artigo 29 da Resposta.
[22] Cfr. Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro
[23]V. supra, legislação potencialmente aplicável-CIRS.
[24]Em rigor, o saldo anual entre mais e menos-valias.
[26] Cfr. Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro
[28] Ressalvadas, entendemos, eventuais situações onde o disposto no art.º 8.º, n.º 4, in fine, da CRP de forma clara se revele de convocar.
[29] Jurisprudência que, deixámos já dito, tem por base a pronúncia do TJUE no Acórdão Hollmann; ainda que tomando posição quanto a o regime “opcional” também não ser de molde a afastar aquela Doutrina (Hollmann). De todo o modo e para o que aos autos releva o que de inovador o TJ agora (Despacho fundamentado, Proc. C-224/21) aporta não interfere na referida Jurisprudência do STA, desde logo porque o que de essencial no Acórdão Hollmann se decidira se mantém. E considerando também que o regime regra dos NR, à data, se mantém.
[30] E pode ver-se o resumo supra dos regimes;
[31] (no que não concede por não ter sido esse o regime assinalado pela Requerente na sua Modelo 3)
[32] V. 13 e 29 da Resposta.
[33] A respeito da (não) preclusão e no mesmo sentido, v., entre outros, Jorge Lopes de Sousa, “Preclusão do direito de praticar actos de liquidação (...)”, in CJT, Cejur, 16, 2017, pp. 3-14.
[34] Sem prejuízo desde logo das matérias de devolução de quantias pagas e juros;
[35] E v. o n.º 1 al. b) deste mesmo artigo, supra, e o art.º 100.º da LGT;
[36] V. também o art.º 61.º do CPPT