Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A, NIF ..., com sede na ..., sucessora de B, NIF ..., com sede na Rua … [em resultado de fusão por incorporação nos termos da al. a) do art.º 112º do Código das Sociedades Comerciais (doc.º n.º 4 que junta e aqui dá por integralmente reproduzido)],não tendo sido notificada de qualquer decisão expressa sobre o recurso hierárquico que interpôs em 26 de Novembro de 2013 da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que deduziu do acto de liquidação de imposto do selo de 2012, no valor de € 170.485,70 (cf. doc.ºs n.ºs 1, 2 e 3 que junta e aqui dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos), veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, in fine, e nos artigos 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), deste deduzir pedido de pronúncia arbitral com vista a ser declarado ilegal e anulado o acto de liquidação de imposto do selo nela impugnado, com todas as consequências de lei, designadamente a condenação da ora impugnada a restituir à ora impugnante o valor do imposto pago de € 170.485,70 acrescido de juros indemnizatórios calculados desde os dias 26 de Abril de 2013, 30 de Julho de 2013 e 27 de Novembro de 2013 até à data da sua integral e efectiva restituição e a ressarci-la das despesas resultantes da lide, nomeadamente os honorários do seu mandatário judicial, a liquidar em execução de sentença.
Fundamenta assim e no essencial, o seu pedido:
a) O imposto impugnado foi liquidado à taxa de 1% sobre o valor patrimonial tributário (VPT) de € 17.048.570 do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... do concelho do ... sob o n.º ..., que à data dos factos era propriedade da impugnante, doravante referido simplesmente como “terreno para construção” (cf. caderneta predial apresentada com a reclamação graciosa sob doc.º n.º 2);
b) O acto de liquidação faz menção da “Verba da TGIS 28.1”, dando a entender que o seu fundamento reside na previsão do n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), na redacção que lhe foi dada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, ao qual se aplica subsidiariamente o disposto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) (cf. doc.º n.º 3);
c) O imposto impugnado foi integralmente pago pela ora impugnante em três prestações sucessivas de € 56.828,58, nos dias 26 de Abril de 2013, 30 de Julho de 2013 e 27 de Novembro de 2013 (cf. as vinhetas de cobrança apostas ao doc.º n.º 3).
d) Entendeu a administração tributária em sede de reclamação graciosa que o imposto do selo então reclamado e aqui impugnado incide sobre o VPT de € 17.048.570 e foi bem liquidado à taxa de 1% sobre esse mesmo VPT;
e) A decisão de indeferimento considerou estarem reunidos os pressupostos de incidência da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS) na redacção que lhe foi dada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, na medida em que, no entender da AT, “(…) os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal das respectivas matrizes, estão sujeitos a imposto do selo, de acordo com as instruções contidas no e-mail da DSIMT (...)” (cf. doc.º n.º 2).
f) Tal entendimento da AT, que fundamentou a decisão de indeferimento é ilegal, conforme assim entendeu, aliás por múltiplas vezes e sob variadas formações, este Tribunal Arbitral, designadamente nos processos 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 50/2013-T, 53/2013-T, 75/2013-T, 132/2013-T, 144/2013-T, 158/2013-T, 186/2013-T e 218/2013-T.
g) Ou seja, ao contrário do que entende a AT, o terreno para construção não é – nem era à data do facto tributário – um prédio com afectação habitacional, não é, nem pode ser, afecto à habitação, nem é sequer, fisicamente, apto a ser habitado.
h) A lei define terrenos para construção como ... terrenos licenciados ou autorizados para operações de loteamento ou de construção (n.º 3 do art.º 6.º do CIMI), e define prédios habitacionais como edifícios ou construções licenciados ou normalmente destinados para fins habitacionais (n.º 2 do art.º 6.º do CIMI; art.ºs 62.º e seg.s do regime jurídico das edificações urbanas);
i) Ainda que um terreno para construção se ache licenciado ou autorizado para a construção de prédios habitacionais, não se torna por isso logo num prédio habitacional.
j) Quando a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo limita a sua incidência a “prédios com afectação habitacional” pretende naturalmente incluir os prédios habitacionais e não os terrenos para construção.
k) Assim, a definição de “prédio com afectação habitacional” empregue pelo n.º 28.1 da TGIS, uma vez que não é dada pelo CIS, atento o seu art.º 67.º n.º 2, coincide com a definição empregue no art.º 6.º do CIMI de “prédio habitacional”, como edifício ou construção destinada a habitação.
l) Por isso se percebe que no processo n.º 49/2013-T, tenha o Tribunal Arbitral Tributário entendido que: “a circunstância de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado”.
m) Ou seja, um terreno para construção não é um edifício, não é uma construção.
n) Um prédio (com afectação) habitacional é por definição um prédio construído, e não um prédio por construir ou uma coisa futura.
o) O acto impugnado é assim, desde logo, ilegal por falta do pressuposto da incidência.
p) Nesse sentido aponta ainda o espírito do legislador, bem expresso nas palavras proferidas pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais na reunião plenária da Assembleia da República, de 10 de Outubro de 2012, que apreciou na generalidade a proposta de lei nº 96/XII, que viria dar lugar à Lei 55-A/2012, de 29/10: “[...] o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa [...] incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (aqui sublinhado, Diário da Assembleia da República de 11/10/2012, pág.s 31 a 32).
q) Caso o IS da verba n.º 28.1, na redacção da Lei 55-A/2012, incidisse já sobre o VPT dos terrenos, não haveria qualquer necessidade de a Lei do Orçamento do Estado para 2014 lhe acrescentar a inclusão dos terrenos para construção que acrescentou.
r) Por isso se percebe que no processo n.º 186/2013-T, tenha o Tribunal entendido que “o mais decisivo argumento logico-sistemático é-nos fornecido pelo próprio legislador: decerto reconhecendo que o conceito de «afectação habitacional» era imprestável, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, veio alterar, no seu art.º 194.º, a verba 28.1 da TGIS, dando-lhe nova redacção.”
s) Concluindo doutamente o mesmo Tribunal presidido pelo Senhor Professor Fernando Araújo, note-se, “conquanto subsistam para futuro problemas de inconstitucionalidade que a nova redacção não resolve, e porventura agrava até, o facto que interessa no caso em apreço é que, à data dos factos a que o presente caso se reporta, existia uma redacção da verba 28.1 da TGIS que o próprio legislador reconheceu supervenientemente ser insuficiente para suportar uma interpretação como aquela que é sustentada pela Requerida no caso presente.”
t) Não sendo o terreno para construção aqui em causa um prédio afecto à habitação, quer em termos físicos, quer nos termos em que a lei o define, sobre a sua propriedade não incide o imposto do selo previsto no n.º 28.1 da TGIS, pelo que o acto de liquidação em apreço que ora se impugna perante o comportamento silente do órgão decisor – esgotado que se mostra o prazo a que alude o artigo 66.º, n.º 5 do CPPT – sofre de vício de violação de lei, e não pode subsistir na ordem jurídica.
u) Ainda que, por absurdo, se pudesse entender que um terreno para construção é um prédio afecto à habitação, e concluir que preenche a previsão do n.º 28.1 da TGIS, nem assim deixaria de ser ilegal a liquidação ora impugnada.
v) Nesse caso, o acto de liquidação ora impugnado também seria inconstitucional por violação do princípio da igualdade consagrado na Constituição.
x) O imposto do selo do n.º 28.1 da TGIS tem a natureza de um imposto acessório do IMI, que aqui ocupa o lugar do imposto principal, na medida em que a relação jurídica tributária que dele emerge está subordinada às vicissitudes da relação jurídica tributária deste.
z) Enquanto imposto acessório do IMI, o imposto do selo do n.º 28.1 da TGIS segue a modalidade de adicionamento, uma vez que é liquidado sobre a mesma matéria colectável do imposto principal.
aa) Ao seleccionar de entre o património imobiliário de cada sujeito passivo apenas certos prédios que excedam certo valor, o imposto do selo do n.º 28.1 da TGIS introduz uma desigualdade na tributação entre aqueles que tenham o seu património imobiliário composto por tais prédios e aqueloutros que tenham um património imobiliário de igual valor mas composto por outros prédios.
bb) Exemplificando, havendo dois proprietários cada um com dois prédios com afectação habitacional, em que os VPT do primeiro são de € 750 mil cada, e os do segundo de € 500 mil e de € 1 milhão, ambos revelam a mesma capacidade contributiva de € 1,5 milhões, mas um sofre tributação e outro não.
cc) A singular formulação da base de incidência – e do correspectivo campo de exclusão – do imposto do selo do n.º 28.1 da TGIS, comete a proeza de ignorar por completo a capacidade contributiva como pressuposto, critério e medida do imposto, ferindo assim inelutavelmente o princípio da igualdade perante a Lei.
dd) A decisão de indeferimento entendeu ainda que o regime previsto no art.º 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, não seria aqui aplicável, uma vez que apenas aproveitaria ao imposto do ano de 2011 e não à liquidação aqui em discussão, que respeita a 2012.
ee) Porém, dispõe o n.º 1 desse artigo 6.º que, em 2012, o facto tributário se verifica no dia 31 de Outubro, e que a liquidação deve ser efectuada até ao dia 20 de Dezembro de 2012 à taxa de 0,5% ou 0,8%, consoante se trate de prédio avaliado nos termos do CIMI ou não.
ff) O mesmo é dizer que, em 2012, o facto tributário não se verifica no dia 31 de Dezembro, que a liquidação não deve ser efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte, e que a taxa não deve ser 1%, conforme de outro modo decorreria das normas da TGIS, do CIS e do CIMI.
gg) Ora, o acto de liquidação apenas teve lugar em 21 de Março de 2013, e aplica a taxa de 1% sobre o VPT de € 17.048.570.
hh) Verifica-se assim que o acto de liquidação ora impugnado, respeitante ao ano de 2012, violou todas as regras do regime transitório de 2012, pelo que também por isso não pode subsistir na ordem jurídica.
Resposta da AT
A Autoridade Tributária veio defender na resposta a manutenção dos ato tributários sindicados, pedindo a absolvição do pedido com reafirmação, no essencial, dos argumentos que fundamentaram a decisão de manutenção desse ato.
Alega a requerida:
a) É entendimento da AT que o prédio sobre o qual recai cada uma das liquidações impugnadas, têm natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que os actos de liquidação objecto da presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos, por consubstanciarem correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12.
b) A Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012 veio alterar o art. 1.º do CIS, e aditar à TGIS a verba 28.
c) Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a €1.000.000,00.
d) Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao CIMI, na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67.º, n.º 2 do CIS na redacção dada pela Lei n.º 55- A/2012, de 29/10.
e) Nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba n.º 28.º da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.
f) Dispõe o n.º 1 do art. 2.º do CIMI que “prédio é toda a fracção de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.
g) Por sua vez o art. 6.º, n.º 1 do CIMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção, isto é os “terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações…”
h) A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.
i) Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do art. 45.º, n.º 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI. [Cfr Acórdão n.º 04950/11, de 14/02/2012, do TCA Sul : “O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no art. 45.º do CIMI. O modelo de avaliação é igual à dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto, é que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com um determinado valor. Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr. Art. 6.º, n.º 3 do CIMI). (…) “Em conclusão, na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, supra identificados, nomeadamente o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do art. 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção”.
j) Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido esta ordem de considerações:
k) A afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;
l) A própria verba 28 TGIS remete para a expressão “prédios com afectação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI.
m) Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.
n) Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional” - expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º1 alínea a) do CIMI.
o) A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art.45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno.
p) De um lado, considera-se a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre. Apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% como prevê o n.º 2 da referida norma, em virtude de a construção ainda não estar efectivada.
q) Quanto ao valor do terreno adjacente à área de implantação, este é apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano.
r) Muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.
s) Relativamente à pretensa violação de princípios constitucionais, não pode a AT deixar de salientar que a Constituição da República, obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.
t) Entende a AT que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional.
u) A verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel.
v) Trata-se de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.
x) Também a diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras.
z) A propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das fracções que a constituem para todos os efeitos legais, nos termos previstos no art. 2.º, n.º 4 do CIMI e art. 1414.º e seguintes do Código Civil, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única unidade.
aa) Importa ainda referir que a tributação em sede de imposto do selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.
SANEAMENTO
Este Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído em 23-6-2014, tendo sido os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respetivas formalidades legais e regulamentares (cfr artigos 11º-1/a) e b), do RJAT e 6º e 7º, do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
Por despacho de 5-11-2014, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo
II FUNDAMENTAÇÃO
O objeto do processo prende-se com a questão de saber se na verba 28.1 da TGIS se incluem ou não os terrenos com afetação construtiva ou, dito de outro modo, se o IS previsto na verba 28.1 da TGIS (na redação à data) incide ou não sobre o VPT de terreno para construção.
Matéria de facto
Factos provados
São os seguintes os factos essenciais não controvertidos e provados:
1. Em 2013, a B constava como titular do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho do ... sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de € 17.048.570,00;
2. A B foi notificada da liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, num total de € 170.485,70, relativo ao terreno para construção identificado;
3. Da liquidação de Imposto do Selo resulta que o imposto liquidado se refere ao ano de 2012;
4. Da liquidação de Imposto do Selo resulta que foi aplicada uma taxa de 1%;
5. Para efeitos de pagamento, o imposto foi parcelado em três guias com os números 2013 …, 2013 … e 2013 … que se encontravam a pagamento durante os meses de Abril, Julho e Novembro de 2013, respectivamente;
6. A primeira prestação foi paga a 26/04/2013;
7. A segunda prestação foi paga a 30/07/2013;
8. A terceira e última prestação foi paga a 27/11/2013;
9. A reclamação graciosa apresentada pela B com fundamento na ilegalidade da liquidação foi indeferida por despacho de 21/10/2013;
10. A B recorreu hierarquicamente do indeferimento, a 26 de Novembro de 2013;
11. Em 17/12/2013 foi registada junto da competente Conservatória do Registo Comercial a fusão da B na A, por transmissão global de património, tendo a B sido extinta nessa data;
12. O recurso hierárquico interposto não foi objecto de decisão expressa, presumindo-se o seu indeferimento a 26 de Janeiro de 2014;
13. A 10 de Abril de 2014, a Requerente deu entrada do presente pedido de pronúncia arbitral.
Factos não provados
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.
Fundamentação da matéria de facto
A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada e não contestada e na cópia do processo administrativo junta pela AT.
O Direito
A. Do imposto liquidado
A questão essencial a decidir prende-se com a determinação da base de incidência verba 28.1 da TGIS, em especial no que se refere à integração dos terrenos para construção no conceito de “prédio urbano com afectação habitacional”.
Ora, sobre esta questão existem já numerosas decisões do Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária, de que são exemplo as decisões de 18/09/2013, proc. n.º 49/2013-T, de 02/10/2013, proc. n.º 53/2013-T, de 09/10/2013, proc. n.º 48/2013-T, de 18/10/2013, proc. n.º 42/2013, de 01/11/2013, proc. n.º 75/2013-T, proc nº 215/2013-T, proc nº 240/2013-T, proc nº 310/2013-T e proc nº 284/2013-T.
São, também, numerosas as decisões do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria de que são exemplo os acórdãos proferidos em 24/9/2014, nos procs. n.ºs 01533/13, 0739/14 e 0825/14; em 10/9/2014, nos procs. n.ºs 0503/14, 0707/14 e 0740/14; em 9/7/2014, no proc. nº 0676/14; em 2/7/2014, no proc. nº 0467/14; em 28/5/2014, nos procs. nºs. 0425/14, 0396/14, 0395/14; em 14/5/2014, nos procs. nºs. 055/14, 01871/13 e 0317/14; em 23/4/2014, nos procs. nºs. 270/14 e 272/14; e em 9/4/2014, nos procs. nºs. 1870/13 e 48/14
Havendo identidade da questão de facto e identidade da matéria de direito, também aqui se acolhe tal jurisprudência, pelo que, seguindo o que se deixou exarado no citado acórdão de 9/4/2014, proc. n.º 01870/13, se dirá, subscrevendo integralmente a fundamentação apresentada:
“O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI. Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos. Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador. E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo nº 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades. O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs. 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI). Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI). Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se (…) que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro”.
Procede assim, com estes fundamentos, o pedido de anulação da liquidação, ficando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos invocados pela requerente.
B. Dos juros indemnizatórios
Determinada a ilegalidade da liquidação e a sua consequente anulação, encontrando-se paga a dívida tributária indevida, o direito a juros indemnizatórios subsiste, sempre que tal decorra de erro imputável aos serviços da AT, conforme prevê o n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
As normas legais determinantes na análise desta questão são o artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do CPPT, sendo que o artigo 43.º, da LGT define as situações que originam o pagamento de juros indemnizatórios e o artigo 61.º, do CPPT define os prazos de pagamento e os termos inicial e final da contagem dos juros indemnizatórios. Estas duas normas têm de ser entendidas em consonância.
Quando, por erro imputável aos serviços da administração fiscal, o contribuinte paga indevidamente um tributo e o ato de liquidação foi impugnado através de reclamação graciosa ou de impugnação judicial [ou pedido de pronúncia arbitral] no respetivo prazo legal (artigo 43.º n.ºs 1 e 2 da LGT), os juros indemnizatórios são contados desde a data do pagamento do imposto indevido até que seja emitida a respectiva nota de crédito (artigo 61.º n.º 5 do CPPT)
À luz da Jurisprudência uniforme do STA, “em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação” (cfr., v. g., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Outubro de 2001, Processo n.º 26167)[1].
Assim sendo e com base nas disposições dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), são devidos juros indemnizatórios sobre as importâncias indevidamente liquidadas e pagas, contados a partir do dia seguinte ao dos pagamentos indevidos e até à data da emissão da respetiva nota de crédito, à taxa legal.
No caso sub juditio, está inequivocamente justificado o pedido de pagamento de juros indemnizatórios por parte da Requerente uma vez que a liquidação de imposto contestada é ilegal.
Assim e para além do reembolso, a Requerente tem, ainda, direito ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor, sobre cada uma das prestações do IS pagas, contados desde as datas dos respetivos pagamentos até à data de processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos – cfr. art. 43.º da LGT e n.º 4 do art. 61.º do CPPT.
III DECISÃO
De harmonia com o exposto, este Tribunal decide:
a) Declarar a ilegalidade das liquidações objeto destes autos, por carência de base legal e violação, nos termos expostos, dos artigos 4º e 6º, da Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro e, em consequência, julgando procedente o pedido com esse fundamento, decide anular os atos de liquidação objeto dos autos;
b) Julgar procedente o pedido de indemnização (juros) formulado e, em consequência,
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do valor do imposto pago, com juros indemnizatórios calculados à taxa legal e nos demais termos previstos nos artigos 43º, da LGT e 61º, do CPPT.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 170.485,70
Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, totalmente a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 18-12-2014
O Tribunal Arbitral,
José Poças Falcão
(Presidente)
(Maria Forte Vaz)
(Suzana Fernandes da Costa)
[1] Cfr ainda, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária - Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4.ª Edição, 2012, pág. 342, nota 2: “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro tiver por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou)”.