Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 245/2021-T
Data da decisão: 2022-02-15   
Valor do pedido: € 338.792,36
Tema: IRC benefícios fiscais - encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho, a considerar no apuramento do lucro tributável daquele imposto, nos termos do art. 19º do EBF, até à sua revogação pelo art. 4º da Lei nº 43/2018, de 9/8/2018.
Versão em PDF

                              

Sumário

  1. De acordo com o nº 1 e a alínea d) do nº 2 do art. 19º. do EBF o direito ao benefício fiscal aí previsto depende da criação líquida dos postos de trabalho, interpretada no sentido da diferença positiva, apurada no termo de cada exercício, entre as contratações efetuadas e o número de saídas de jovens e desempregados de longa duração nesse período de tempo.
  2. O direito à dedução de IRC dos encargos abrangidos pelo benefício não depende da criação de novo postos de trabalho em exercícios posteriores, ainda que esteja sujeito à condição resolutiva de manutenção dos postos de trabalho criados no exercício da constituição durante certo período de tempo.
  3. O incremento das admissões em exercícios posteriores ao da constituição do benefício só significa criação líquida de novos postos de trabalho se, no mesmo exercício, não tiverem sido eliminados postos de trabalho em número igual ou superior aos criados.
  4. A cessação do contrato de trabalho dos trabalhadores abrangidos pelo art. 19º do EBF só é condição resolutiva do benefício se tiver por base despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação, caso que os benefícios fiscais e à segurança social concedidos ficam sem efeito, sendo, nos restantes casos, causa de mera caducidade do direito da entidade empregadora.
  5. A substituição do trabalhador por causa não imputável à entidade patronal, que vise comprovadamente a manutenção do emprego criado que este na base da concessão do benefício, não implica qualquer violação do dever de manutenção do emprego, bem como da consequente obrigação de a entidade patronal assegurar uma empregabilidade duradoura e estável.
  6. Nessa medida, os trabalhadores substituídos por causa não imputável à entidade patronal não entram no cômputo da criação líquida de postos de trabalho a que se refere a alínea d) do nº 2 desse art. 19º, pelo que, nesses casos, a substituição não prejudica a renovação do benefício.

 

 

Decisão Arbitral

  1. RELATÓRIO
  1. Identificação das Partes
    1. Requerente

A..., sociedade em nome coletivo, com o NIPC..., Rua ... nº ..., ..., ..., ...-... ... .

  1.  Requerida

Autoridade Tributária (AT), representada pelas juristas Dr.ª B... e Dr.ª C..., designadas por despacho de 28/6/2021.

 

  1. Tramitação e constituição do Tribunal

2.1. A 26/4/2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral, que seria notificado à Requerida a 28/4/22021.

2.2. No pedido, manifestaria a intenção de nomeação de árbitro, tendo indicado o dr. Pedro Miguel Abreu Marques, que, a 10/5/2021, aceitou o encargo.

2.3. A Requerida, a 11/6/2021, indicaria como árbitra a Prof. Rita Calçada Pires.

2.4. A 22/7/2021, o Presidente do CAAD informaria a Requerida da não aceitação desse encargo pela Prof Rita Calçada Pires.

2.5. A 23/7/2021, a Requerida indicaria em sua substituição o dr. António de Barros Lima Guerreiro, que, a 28/7/2021, aceitou o encargo.

2.6. Os árbitros indicados pela Requerente e pela Requerida solicitaram ao Conselho Deontológico a indicação do presidente do Tribunal Arbitral.

2.7. O Conselho Deontológico indicaria para presidente do Tribunal Arbitral o Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros que, a 8/9/2021, aceitaria o encargo.

2.8. Constituído o Tribunal Arbitral, a Requerida seria notificada, na pessoa da diretora-geral, para nos termos do art. 17º do RJAT, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, requerer, se entendesse necessário, prova adicional e enviar integralmente o Processo Administrativo (PA).

2.9. A Requerente apresentaria a Resposta a 2/11/2021.     

2.10. A 18/11/2021, o presidente do Tribunal Arbitral notificaria as partes para apresentarem alegações sucessivas no prazo de 10 dias.

2.11. A Requerente alegaria a 3/12/2021 e a Requerida a 17/12/2021.

 

  1. Pedido

A Requerente pretende:

a) A anulação da decisão de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa n.º ...2020..., de 20/12/2020, deduzida a 31/7/2020, contra a autoliquidação de IRC n.º 2018..., referente ao exercício de 2017;

b) O consequente reconhecimento, no Quadro 07 da Declaração Modelo 22 de IRC de 2017, da dedução do benefício fiscal da criação de emprego previsto no então art. 19 do EBF, no montante de € 338.792,36, ao qual a Requerente considera ter direito, não obstante reconhecer os postos de trabalho criados no exercício da sua constituição terem sido posteriormente ocupados por novos trabalhadores;

c) O reembolso do montante de imposto indevidamente pago por erro na autoliquidação impugnada;

d) O pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do art.  43.º da LGT, sobre o montante total de € 3.112.985,01, dos quais:

            - € 338.792,36 respeitam ao montante da autoliquidação impugnada;

- € 2.774.192, 65 respeitam à parte deferida dessa reclamação graciosa, em virtude do reconhecimento pela administração fiscal de do art. 19º do EBF não se poder extrair o entendimento que, nos contratos que se iniciem ou cessem nos períodos de tributação abrangidos nessa norma legal, o limite máximo da majoração prevista no nº 1 deva restringido proporcionalmente ao período da sua vigência , devendo antes esse  limite máximo ser contado na totalidade, e  de os montantes  que a Requerente imputara inicialmente aos exercícios de 2018 e 2019, mas que a UGC, com fundamento na inexistência de pressupostos de aplicação do nº 2 do art. 18º do CIRC, considerara não serem dedutíveis nestes exercícios, poderem ser deduzidos no exercício de 2017.

  1. Posição da Requerente

Entende a Requerente que a reclamação graciosa deduzida a 31/7/2020 foi indevidamente indeferida.

De tal indeferimento teria resultado a impossibilidade de aceder à totalidade do benefício fiscal do art. 19º do EBF ao qual entende ter direito.

Defende que, verificando-se a saída -durante a vigência do benefício fiscal previsto nesse artigo do trabalhador inicialmente contratado, o posto de trabalho tornado disponível poderia ainda ser preenchido por outro trabalhador nas mesmas condições, jovem ou desempregado de longa duração, sem quaisquer reflexos no direito a esse benefício.

Neste contexto, esclareceria que o preenchimento das vagas por trabalhadores diferentes dos inicialmente contratados respeitaria os pressupostos do benefício fiscal aplicáveis no período de tributação a que respeita a criação líquida desses postos de trabalho: os novos trabalhadores já seriam, aquando das contratações iniciais, jovens ou desempregados de longa duração que se candidataram aquando dos trabalhadores inicialmente contratados.

Assim, a Requerente só alocaria, por exemplo, aos postos de trabalho criados em 2012, jovens ou desempregados da longa duração pré-selecionados nesse exercício, por, à data deste, reunirem os pressupostos das alíneas a) e b) do nº 2 do art. 19º do EBF, ainda que não tivessem sido imediatamente admitidos.

Considera que, por o benefício do art. 19.º do EBF ser atribuído ao posto de trabalho criado e não especificamente ao colaborador contratado/selecionado para efeitos de majoração, como refletiria, aliás, a epígrafe desse art. 19º, o respetivo direito não ficaria prejudicado com essa substituição, desde que os trabalhadores substitutos preenchessem os requisitos aplicáveis aos trabalhadores substituídos aquando da sua contratação.

Esse seria, aliás, o entendimento do acórdão nº 57/2017-T, de 25/8/2017, do CAAD, que a Requerente invoca.

 

  1. Posição da Requerida

Segundo a Requerida, a majoração do n.º 1 do art. 19º do EBF estaria conexionada com a vigência do contrato individual de trabalho, que lhe serve de fundamento, pelo que não poderia ser associada a outro contrato de trabalho, com outro início de vigência e respeitante a trabalhador diferente.

Por outro lado, a intenção do legislador não teria sido, simplesmente, incentivar a criação de postos de trabalho, mas criar emprego estável e duradouro para jovens e desempregados de longa duração, o que seria a lógica consequência da restrição do benefício fiscal aos casos de celebração de contrato sem termo.

Caso tivesse sido outra a intenção do legislador, ainda que, nos períodos de tributação subsequentes à criação do benefício, não houvesse criação líquida de postos de trabalho, o titular do direito ao benefício poderia manter a isenção, bastando-lhe manter ao serviço os trabalhadores inicialmente contratados.

Caso, por outro lado, o trabalhador inicialmente contratado cessasse o vínculo contratual com a empresa nos cinco anos seguintes ao do início do contrato sem termo, cessaria a possibilidade de majoração dos gastos suportados por inexistência de gastos com esse trabalhador específico.

Aliás, o legislador, de forma inequívoca, referia, no nº 5 do art.º 19º, que a majoração se aplicava “durante um período de cinco anos contados do início da vigência do contrato de trabalho”, deixando, assim, claro que os cinco anos se referiam a um mesmo contrato de trabalho e a um mesmo posto de trabalho.

Assim, o benefício fiscal em causa seria aferido em função dos trabalhadores que, para o efeito, fossem eleitos pelas empresas como compondo a criação líquida de postos de trabalho, estando dependente dessa individualização, quer no que respeita aos encargos objeto de majoração, quer no que respeita aos contratos de trabalho abrangidos.

Caso o legislador apenas tivesse pretendido incentivar a criação de postos de trabalho, sem concomitantemente incentivar a manutenção das pessoas contratadas, não haveria qualquer justificação para não estender o incentivo a criação de postos de trabalho a prazo, garantindo o benefício enquanto cada posto de trabalho criado fosse mantido, através de sucessivas renovações do mesmo contrato ou celebração de novos contratos a prazo ou por tempo indeterminado.

Resultaria, pelo contrário, da economia do art.º 19º do EBF que o benefício só deveria ser atribuído quando existisse um efetivo aumento global do número de trabalhadores da empresa (acórdãos do STA, de 3/2/2010, proc. nº 248/09; de 11/10/2006 rec. nº 0723/06, e de 25/02/09, rec. nº 916/08).

Esse pressuposto – de aumento global dos trabalhadores - não se verificaria quando ocorresse uma simples substituição de trabalhadores.

Ao limite, a seguir-se a tese pugnada pela Requerente, os postos de trabalho, durante um período de cinco anos, poderiam ser sucessivamente ocupados por trabalhadores diferentes, ainda que durante o mesmo exercício económico.

Seria, segundo a Requerida, um completo desvirtuamento do que se pretendia com o benefício fiscal em causa, que consistia na tutela de um interesse público extrafiscal – o do aumento de uma empregabilidade duradoura e estável.

Por motivos idênticos aos atrás explanados, acórdão de 26/2/2014, proc. n.º 212/2013-T, do CAAD, sancionaria o entendimento de que não deveria ser aceite a subsistência do benefício fiscal, nas situações em que cessou o contrato de trabalho conexionado com a majoração, não ocorrendo violação do artigo 19.º do EBF;

Afirmaria aquele Tribunal Arbitral “o desígnio legislativo subjacente à criação do beneficio fiscal não foi a criação de qualquer emprego para jovens, mas sim de emprego estável e duradouro, as situações em que o contrato de trabalho cujo início determina o direito ao beneficio perdura até aos cinco anos contados do seu inicio de vigência não são idênticas àquelas em que esse contrato cessa antes de decorrido esse período, pois a cessação antes desse limite significa que a estabilidade e duração do emprego criado e que justificou a atribuição do beneficio fiscal foram mais limitadas do que legislativamente se pretendia, o que justifica a cessação do beneficio, mesmo que o trabalhador cujo contrato cessou seja substituído por outro ou outros…”.

Recorda ainda a Requerida que o Acórdão n.º 53/2018 do Tribunal Constitucional, de 31/1/2018 (Proc. n.º 374/14) não julgaria  inconstitucional a interpretação, extraível do artigo 17.º do EBF (conducente ao sentido de que não subsiste o benefício fiscal previsto em tal normativo, nas situações em que o contrato de trabalho conexionado com a majoração cessar antes do período de cinco anos contados desde o início da sua vigência, ainda que se verifique apenas uma substituição do trabalhador, mantendo-se o mesmo posto de trabalho.

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

A Requerente recebeu em 20/12/2020, através no seu domicílio fiscal eletrónico, a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa a que a presente impugnação respeita. considerando-se, nos termos do n.º 10 do art. 39.º do CPPT, notificada no 15.º dia posterior ao do registo de disponibilização, ou seja, em 4/1/2021.

Por conseguinte, o prazo de impugnação de três meses referido na alínea e) do nº 1 do art. 102º do CPPT começou a correr a 5/1/ 2021 (art.  279.º, alínea b), do Código Civil, ex vi do art.  20.º do CPPT), e, em condições normais, teria terminado no 5/4/ 2021 (em virtude do anterior dia 4 ser domingo).

Contudo, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, aditado pelo art. 2º da Lei n.º 4-B/2021, de 1/2, foram suspensos, com efeitos a 22/1/2021, “(…) todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal (…)” (

A suspensão cessou a 6/4/2021, por força do art.  7º da Lei nº 13-B/2021, de 5/4, e o pedido de pronúncia arbitral seria deduzido a 26/4/seguinte, motivo pelo qual se deve considerar tempestivo.

  1. Factos Provados

I) A Requerente dedica-se, fundamentalmente, ao comércio de produtos alimentares e de bens de consumo, incluindo a venda de produtos e dispositivos médicos e de produtos, materiais e livros didáticos e de educação, restauração e bebidas, nas lojas “...” localizadas em território nacional.

II) No cumprimento das obrigações declarativas em sede de IRC, por referência ao exercício de 2017 (compreendido entre 1/3/2017 e 28/2/2018, por ter adotado, nos termos do nº 2 do art. 8º do CIRC, um período de tributação diferente do ano civil), a Requerente procedeu à entrega, a 1/8/2018, da correspondente declaração modelo 22.

III) Na referida declaração modelo 22, a Requerente auto- liquidou IRC no montante de € 10.823.755,68, que pagou nos termos legais.

IV)Nessa declaração, a ora Requerente indicou o montante de € 3.006.544,75 referente ao benefício fiscal à criação líquida de postos de trabalho, regulado no art. 19º do EBF

V) Não obstante, posteriormente à submissão da declaração Modelo 22 de IRC, a Requerente viria a considerar o resultado tributável apurado ter sido superior ao devido nos montantes de:

- € 314.223,55, relativos a gastos referentes ao período de tributação de 2017 não deduzidos nesse exercício, mas nos exercícios de 2018 e 2019, e que a administração fiscal acresceria ao lucro tributável destes últimos exercícios, por entender inaplicável o nº 2 do art. 18º do CIRC

- € 2.771.761,46 –relativos a dedução inferior à devida a título de benefício fiscal do art. 19º do EBF, destrinçados da seguinte forma:

- € 338.792,36, por a Requerente ter revisto o entendimento em que se baseou a declaração modelo 22 de obstar ao benefício fiscal a substituição de colaboradores inicialmente considerados no cálculo deste nos exercícios de 2012, 2015 e 2016, períodos de tributação em que esse benefício se constituiu.

- € 2.432.969,10. por a limitação da majoração do benefício fiscal da criação de emprego de modo proporcional ao período anual de trabalho prestado pelos colaboradores chamado pela Requerente de critério da diarização, colidir com a doutrina dos acórdãos do Pleno do STA de 30/7/J2019, proc. 02013/18.7BALSB, e de 8/7/2020, proc 0568/17.2BALSB, já acolhido por despacho da diretora-geral da AT, sobre a informação da Direção de Serviços de IRC nº ...2019..., de 13/7/2019.

VI – Em 31/7/2020, a Requerente apresentou, com esse fundamento, reclamação graciosa de autoliquidação identificada nos autos e o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios, com fundamento no nº 2 do art. 43º da LGT.

VII – A reclamação graciosa seria deferida   com base em parecer de 9/12/2020, da Divisão de Justiça Tributária da UGC, salvo quanto à dedução dos referidos € 338.792,36, relativo à substituição dos colaboradores que foram inicialmente tomados como elegíveis por outros, igualmente elegíveis, com referência ao mesmo posto de trabalho, quando tornado disponível, nos exercícios de 2012, 2015 e 2016, que a UGC consideraria sem assento legal.

VIII- Para a UGC, o benefício fiscal do art. 19º do EBF não se aplicaria a postos de trabalho em abstrato, estando antes diretamente ligado à vigência de um contrato de trabalho determinado, que serve de fundamento à criação do posto de trabalho, e que não pode ser assegurado por outro contrato de trabalho diferente.

IX- Entenderia igualmente a UGC a Requerente não ter direito a juros indemnizatórios, por o erro da autoliquidação lhe ser imputável, sendo da responsabilidade da própria Requerente.

 

  1. Factos não Provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

 

  1. Direito aplicável.

Está em causa uma questão apenas de direito: se a substituição dos trabalhadores abrangidos pelo benefício fiscal do art. 19º do EBF por outros trabalhadores, igualmente jovens e desempregados de longa duração, implica ou não violação do dever de manutenção do emprego criado e consequente resolução desse benefício.

Entende a Requerente a substituição desses trabalhadores não afetar o nível de emprego anterior, não reduzindo os postos de trabalho de jovens e anteriormente desempregados de longa duração, e, portanto, o benefício dever manter-se.

Segundo a Requerida, a aceitação da tese da Requerente, implicaria os postos de trabalho, durante um período de cinco anos, poderem ser sucessivamente ocupados por trabalhadores diferentes, o que seria incompatível com o fim do benefício, o aumento de uma empregabilidade duradoura e estável.

Sob a epígrafe «Criação de emprego», o art. 19.º do EBF, que Requerente e Requerida consideram aplicável, na redação em vigor aquando dos factos controvertidos e que integralmente se reproduz, dispunha do seguinte modo:

«1 - Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150% do respetivo montante, contabilizado como custo do exercício.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se:

a) 'Jovens' os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com exceção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluído o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino;

b) 'Desempregados de longa duração' os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 /11, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 9 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses;

c) «Encargos» os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade;

d) «Criação líquida de postos de trabalho» a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.

3 - O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.

4 - Para efeitos da determinação da criação líquida de postos de trabalho, não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respetiva entidade patronal.

5 - A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.

6 - O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC».

Tal artigo, na redação anteriormente citada, sem prejuízo dos direitos anteriormente adquiridos, nos termos do nº 2 do art. 3º do EBF, cessaria a sua vigência a 1/7/2018, por força do nº 1 do art. 5º da referida Lei nº 43/2018

A divergência entre Requerente e Requerida radica na interpretação desse art. 19º: É, ou não, causa resolutiva a substituição dos trabalhadores abrangidos por outros nas mesmas condições, por causa não imputável à entidade patronal e, caso não seja, a substituição impede a renovação do benefício relativamente aos trabalhadores substitutos?

O incentivo fiscal  referido nessa norma legal foi criado em Portugal  pelo art. 1º da Lei nº 72/98, de 3/11,que, inspirando-se em medida  que vigorou no regime da tributação cedular(dedução ao lucro tributável da contribuição  industrial    em função do número de postos de trabalho criados e mantidos por um período mínimo de tempo, independentemente de respeitarem ou não a jovens ou desempregados de longa duração),   mas não seria  reposta a quando da reforma da tributação de rendimento de 1989,  aditaria ao EBF um novo art. 48º-A, com a mesma epígrafe “ Criação de Emprego”. Tal medida teria sido introduzida, não obstante não ter sido recomendada, após a sua ponderação, pouco antes pelo Relatório para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, o chamado Relatório Silva Lopes, apresentado ao Governo, em 1997.

O nº 1 desse novo artigo disporia que os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos seriam levados a custos para efeitos de IRC em valor correspondente a 150%. Para esse efeito, segundo o nº 2, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, seria de 14 vezes o ordenado mínimo nacional. Finalizaria o nº 3 dizendo que a majoração referida no n.º 1 teria lugar durante um período de cinco anos a contar da vigência do contrato de trabalho. 

O nº 1 do art. 56º da Lei nº 3-B/2000, de 4/4, esclareceria dúvidas suscitadas sobre a aplicação desse nº 3, dispondo a nova redação que a majoração referida no n.º 1 teria lugar num período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho e não a contar do termo do exercício em que o posto de trabalho foi criado. Associaria, assim, a criação do benefício à concreta criação do posto de trabalho apoiado, sem a qual ele não existiria.

Posteriormente, o nº 1 do art. 38º da Lei nº 32-B/2002, de 31/12, com o objetivo assumido, aliás, conseguido de contenção da reconhecidamente elevada despesa fiscal desse benefício, reduziria substancialmente o montante máximo dos encargos dedutíveis por posto de trabalho, estabelecido no nº 2 do art. 48º-A, que passariam a ser mensurados anualmente e não mensalmente, como até à sua entrada em vigor.

Entretanto, tal art. 48º-A passara a 17º, de acordo com a redação dada ao EBF pelo art. 1º do DL nº 198/2001, de 3/7.

Esse art. 17º voltaria a ser revisto pelo art. 82º da Lei nº 53-/2006, de 29/12, que seguiria essencialmente as recomendações do Grupo de Trabalho criado por despacho de 1/5/2005 do Ministro das Finanças, que viriam a integrar o Relatório “Reavaliação dos Benefícios Fiscais”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 198, Lisboa, 2005, pgs. 197 a 203.

De acordo com a nova redação do nº 1 dessa norma, o benefício fiscal passaria a abranger os encargos com a criação líquida de posto de trabalho para desempregados de longa duração, até então não incluídos nessa norma, que apenas abrangia o emprego jovem. 

Por outro lado, a nova redação do nº 2 do mesmo art. 17º adotaria, para efeitos do acesso ao benefício fiscal dessa norma, os conceitos utilizados para o acesso a idêntico benefício na área da segurança social dos jovens e desempregados de longa duração, os quais, de acordo com a recomendação expressa na pg. 203 desse Relatório, seriam harmonizados. Essa vontade de harmonização resulta de os benefícios à criação de emprego e a dispensa de contribuições da entidade patronal para a segurança social serem incentivos com natureza e finalidades idênticas, contrariando a unidade da ordem jurídica a continuação de diferenças arbitrárias entre ambos os regimes.

Viria posteriormente esse art. 17º a ser renumerado como art. 19º, com a republicação do EBF, operada pelo art. 5º do DL nº 108/2008, de 26/6.

Até à sua revogação com a atual redação, mas antes da ocorrência dos factos controvertidos, esse art. 19º seria ainda alterado pelo art. 11º da Lei nº 10/2009, de 3/3, e pelo art. 119º da Lei nº 55-A/2010, de 31 /12. Tais alterações não apresentam qualquer relevância para a decisão do presente processo arbitral.

A abolição do benefício fiscal do art. 19º do EBF seria proposta pelos Grupos Parlamentares do BE e do PCP, invocando documentos internos, incluindo Relatório da IGF, em poder do Governo, demonstrativos da sua ineficiência, mas que até hoje não foram tornados públicos. É de referir que o Relatório “Reavaliação dos Benefícios Fiscais” já mencionava, a pg. 199, estudos nacionais e internacionais (OCDE) contraditórios sobre o real impacto deste tipo de incentivos fiscais no volume do emprego, por comparação com os incentivos de dispensa de contribuições para a segurança social e apoios financeiros não reembolsáveis, como seriam os regulados no DL nº 89/95, de 6/5, e 34/96, de 18/4, mas entenderia o benefício em causa dever subsistir. Tal medida legislativa seria adotada à margem do Grupo de Trabalho encarregue de propor a revisão dos benefícios fiscais por Despacho n.º 4222/2018, publicado no DR IIª Série n.º 81/2018, de 26.04.2018, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, cujo relatório apenas devia ser apresentado, de acordo com tal Despacho, até 19/3/2019.

Um dos argumentos invocados na negociação política que conduziria à extinção do benefício fiscal do art. 19º seria a sua utilização maioritária por empresas de grande dimensão, ligadas geralmente à produção de bens não transacionáveis, e não por PMEs, e outro não assegurar a segurança e estabilidade do emprego. Não se conhecem, no entanto, quaisquer dados objetivos dos quais resulte a ineficácia do benefício na específica empregabilidade de grupos vulneráveis, como jovens ou desempregados de longa duração, que era o seu verdadeiro objetivo. Admitiria mesmo assim, a legislador que a concretização de medidas deste tipo de apoio ao emprego devia ser concentrada na área da segurança social, como admitia já o referido Relatório, pg. 199, então como uma mera possibilidade, com a consequente eliminação pura e simples do art. 19º do EBF.

Tais argumentos, ainda que legítimos, não impedem, no entanto, que esse art. 19º deva interpretado de acordo com os critérios gerais de interpretação e aplicação das leis e não de acordo com critérios abstratos de política legislativa que não tiveram qualquer expressão na redação da norma, ainda que possam ter ditado a sua revogação.

De acordo com o nº 1 e a alínea d) do nº 2 desse art. 19º. o direito ao benefício fiscal aí previsto depende da criação líquida dos postos de trabalho, interpretada no sentido da diferença positiva, apurada no termo de cada exercício, entre as contratações efetuadas e o número de saídas de jovens e desempregados de longa duração durante esse período de tempo.

Deste modo, o direito à dedução constitui-se com a criação líquida dos postos de trabalho apurada no termo desse exercício, não sendo dependente da criação de novo postos de trabalho em exercícios posteriores, que pode ou não ocorrer, sem que fiquem prejudicados os pressupostos do benefício. Tal criação de novos postos de trabalho em exercícios posteriores é suscetível de gerar novo direito à dedução, no entanto, autónomo do constituído no primeiro exercício, caso se verifiquem os respetivos pressupostos legais.

É, deste modo, no termo do exercício, o momento em que devem ser aferidos os respetivos pressupostos, que o sujeito passivo de IRC adquire o direito ao benefício fiscal relativo às concretas contratações efetuadas nesse período de tempo (Acórdão do STA de 31/3/2016, proc. 0596/14).

No cômputo desse saldo entram apenas os jovens e desempregados de longa duração dos trabalhadores com maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho, em virtude da sua inexperiência e falta ou inadequação das qualificações profissionais, acentuada neste caso pela idade e outros fatores culturais e sociológicos, confrontados com as novas exigências da prestação do trabalho face ao desenvolvimento tecnológico.

Com efeito, o benefício do art. 19º do EBF não tinha por objetivo, a não ser mediatamente, o combate ao flagelo do desemprego, em regra geral desenvolvido por outros meios de muito maior amplitude e eficácia do que os benefícios fiscais deste tipo. Visaria a proteção perante o desemprego de grupos de trabalhadores particularmente vulneráveis: jovens e desempregados de longa duração, ainda por entrar no mercado de trabalho ou afastados há muito tempo do mercado de trabalho, que, para o efeito, formam um universo fechado.

Como resulta do Considerando 30 do  Acórdão do TJUE de 2/4/2009, proc. C-415/07, o cálculo do aumento do número de postos de trabalho para efeitos da avaliação dos auxílios estatais ao emprego baseia-se na comparação de dados homogéneos e permite medir o esforço realizado no tempo pela empresa beneficiária de um auxílio para criar empregos, ao passo que o método que consiste em comparar a média das unidades de trabalho criadas no  ano anterior à contratação com os dados pontuais dos efetivos da empresa no dia da contratação conduziria a um resultado mais aleatório, mais dependente de flutuações temporárias, e, portanto, menos representativo da situação real da empresa no plano do emprego, penalizando em especial as atividades sazonais, com uma elevada rotação de trabalhadores.

É esse método de cálculo, aliás adotado na alínea d) do nº 2 do art. 19º do EBB e como afirma o nº 31 desse Acórdão do TJUE, que melhor favorece a estabilidade, não confundível com perenidade, do  emprego criado, já que, como salientaria o advogado-geral nos nº 57 a 71 das suas conclusões, não se justifica uma desigualdade de tratamento entre as empresas em função da maior ou menor velocidade de rotação dos seus trabalhadores, visto que todas  estão sujeitas à mesma obrigação de manter os empregos criados durante um período mínimo para poderem beneficiar de um auxílio público.

Assim, para efeitos do cumprimento da obrigação de manutenção do emprego líquido criado, não é exigível que cada concreto posto de trabalho inicialmente criado se mantenha durante todo o período do contrato, mas apenas que o nível global de emprego não tenha diminuído (nesse sentido, Acórdão do STA de 17/12/2020, proc. 0454/19.2BECCTB-A, cuja argumentação, sendo essencialmente dirigida aos apoios financeiros concedidos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), não deixa de ser extensiva aos benefícios da natureza do art. 19º do EBF.

A conceção de criação líquida de postos de trabalho exposta reflete, por outro lado, o nº 17 das Orientações relativas aos Auxílios ao Emprego, adotadas pela Comissão Europeia a 14/3/95, publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 12/12/95, de acordo com as quais por criação de emprego se deveria entender criação líquida de emprego, ou seja, um posto de trabalho suplementar relativamente aos efetivos (média num determinado período) da empresa em causa.

A simples substituição isolada de um trabalhador sem um aumento dos efetivos e, consequentemente, sem criação de novos postos de trabalho, não constituí, segundo essas Orientações, uma verdadeira criação de emprego. Limita-se a manter, sem ampliar nem diminuir, o volume global de emprego da empresa.

Assim, à luz desse critério, o incremento das admissões em exercícios posteriores à constituição do benefício não significa forçosamente criação líquida de postos de trabalho se, no mesmo exercício, tiverem sido eliminados postos de trabalho em número igual ou superior aos criados

Do mesmo modo, em continuidade dessas Orientações, nos termos do Considerando 18) do Regulamento CE nº 2204/2002, da Comissão, de 11/2/2003, relativo aos auxílios concedidos nos termos dos arts. 87º e 88º do Tratado CE, atuais arts. 107º e 108º do TFUE, os auxílios estatais à criação de emprego, em que se inclui o do art. 19º do EBF, estão sujeitos à condição de o emprego criado ser mantido durante um certo período de tempo.

O período de duração obrigatória estabelecido nesse Regulamento prevalece sobre a regra de cinco anos prevista no ponto 4.14 das Orientações relativas aos Auxílios Nacionais com Finalidade Regional.

É, assim, assegurado, por este meio, um período de tempo ao qual a duração do emprego criado não pode ser inferior.

Tal período mínimo de manutenção do emprego é, de acordo a alínea a) do nº 4 do art. 4º desse Regulamento, de três anos, salvo para as PME´s, que é de dois anos.

Nessa medida, a empresa que receba qualquer auxílio ao emprego e não seja pequena ou média assume a obrigação de garantir por três anos o emprego criado, sob pena de o auxílio lhe ser retroativamente retirado, salvo quando o legislador nacional estabeleça um prazo superior, caso em que este é aplicável. 

Com efeito, essa alínea a) do nº 4 do art. 4º do Regulamento não impede os Estados membros de estabelecerem, na regulamentação dos auxílios ao emprego um período de duração do emprego superior a três anos: impõe apenas às empresas que obriguem as entidades empregadoras a manter o emprego criado por um mínimo período de tempo.

Na ausência de consagração expressa de uma obrigação de manutenção do emprego nesse art. 19º do EBF, o prazo de manutenção do nível de emprego criado seria de três anos, sem prejuízo de o nº 5 do art. 19º, que garante a majoração da dedução de IRC nos cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho pressupor, para esse efeito, a manutenção por cinco anos do emprego criado.

Por outro lado, o Regulamento seria omisso sobre os conceitos de criação e eliminação de emprego, pelo que é aplicável o direito laboral e da segurança social de cada Estado membro.

Para o efeito da solução encontrada , o legislador nacional, no caso o legislador do EBF inspirou-se diretamente no art. 7º do DL nº 34/96, de 18/4, que, para efeitos de incentivos financeiros à contratação de jovens e desempregados de longa duração aí regulados, consideraria criação líquida de postos de trabalho o aumento efetivo do número de trabalhadores vinculados à entidade empregadora mediante contrato sem termo, resultante, designadamente, de um novo projeto de investimento, devendo, nos termos do nº 2, a aferição da criação de postos de trabalho  ter em conta o número global de trabalhadores ao serviço da entidade empregadora, independentemente da natureza do vínculo contratual, no mês de Janeiro do ano civil anterior e no mês precedente ao da apresentação da candidatura. É de referir, no entanto, que o benefício fiscal do art. 19º º não dependia de qualquer concreto projeto de investimento, bastando o incremento do emprego dos jovens e desempregados de longa duração. 

Tal DL regularia autonomamente do DL nº 89/95, que até então unificava a regulamentação da dispensa de contribuições para a segurança social e dos apoios financeiros à criação de emprego jovem: a dispensa temporária, total ou parcial, da entidade patronal, das contribuições para a segurança social continuaria a constar daquele segundo DL.[1]

O propósito desse regime,  ainda que limitado ao apoio financeiro do DL nº 34/96, teria sido  desencorajar a rotação artificial do emprego, como esclareceria o seu preâmbulo, já que  expressamente afirmaria a norma substituída do Decreto-Lei n.º 89/95, ao desligar a criação líquida de postos de trabalho da existência de um projeto de investimento e ao não exigir a criação de novos postos de trabalho, mas apenas a admissão de trabalhadores, teria  conduzido, em muitas situações concretas, não à redução efetiva do desemprego, mas apenas à substituição, porventura até fictícia, de trabalhadores afastados antes da apresentação das candidaturas ao apoio financeiro oferecido pela lei. Daí, prosseguiria esse preâmbulo, a ineficiência do sistema, envolvendo desperdícios financeiros avultados e consequências significativas na promoção da precariedade do emprego.

Nessa medida, de acordo com o nº 1 do art. 14º do DL nº 34/96, as entidades beneficiárias constituir-se-iam na obrigação de não diminuir o nível de emprego por elas atingido, por via do apoio financeiro previsto nesse DL, durante um período mínimo de quatro anos.

Segundo o nº 3, em caso de incumprimento do disposto no nº 2, seria devida a reposição do valor do apoio financeiro concedido, acrescido dos juros legais.

A reposição será proporcional ao número de postos de trabalho eliminados, tendo como base a criação de emprego que fundamentou a concessão de apoio financeiro, concluiria o nº 3.

Em complemento dessa norma, o art. 10º. do DL nº 89/95, determinaria que a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, com base em despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação, tornaria exigíveis as contribuições relativas ao período durante o qual tivesse vigorado a dispensa.

Tal cessação constituía, assim, condição resolutiva do benefício fiscal, nos termos da parte final do nº 2 do art. 14º do EBF, de acordo com o qual os benefícios fiscais, quando temporários, caducam pelo decurso do prazo por que foram concedidos e, quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respetiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário, com a consequente reposição da tributação – regra referida no nº anterior.

Por outro lado, o n º 1 do art. 9º do DL nº 89/95 declararia a dispensa do pagamento de contribuições cessar nos seguintes casos:

a) Termo do período de concessão;

b) Falta de entrega, no prazo legal, das folhas de remunerações ou falta de inclusão de quaisquer trabalhadores nas referidas folhas;

c) Cessação do contrato de trabalho ou sua suspensão nos casos não previstos no artigo 8º.

Tal cessação, no entanto, era uma mera causa de caducidade do benefício, não implicando a sua resolução retroativa e, portanto, qualquer obrigação de restituição dos benefícios auferidos. Os seus efeitos eram “ex nunc”.

Tais efeitos retroativos, reportados ao exercício da constituição do benefício, eram reservados aos despedimentos sem justa causa, despedimento coletivo, extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação.

É o que resultava da natureza para- contratual do benefício, cuja contraprestação constituía a manutenção, através dos contratos de trabalho apoiados, do emprego global criado no período a que se reportava no período de tempo de 36 meses referido no art. 6º do DL nº 89/95.

Assim, o regime do DL nº 34/96 não era incompatível com a renovação do benefício em caso de substituição dos trabalhadores com contrato cessado por outros nas mesmas condições de jovens ou desempregados de longa duração, salvo despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação.

A Secção IV do Capítulo II do Código dos Regimes Contributivos e do Sistema Previdencial da Segurança Social, aprovado pelo art. 1º da Lei nº 110/2019, de 16/9, regularia os princípios gerais dos incentivos à criação de emprego em sentido idêntico.

Em conformidade, a alínea n) do nº 1 do art. 5º dessa Lei revogaria as disposições do DL nº 89/95 aí citadas, tendo as restantes então ainda em vigor apenas sido eliminadas pelo art. 22º do DL nº 72/2017, de 21/6, que o viria a substituir.

De acordo com o nº 1 do art. 100º desse Código, seriam fixadas pelo Governo, mediante decreto-lei, de forma transitória, medidas de isenção ou diferimento contributivo, total ou parcial, que se destinem: a) ao estímulo à criação de postos de trabalho e à reinserção profissional de pessoas afastadas do mercado de trabalho b) á redução de encargos não salariais em situação de catástrofe, de calamidade pública ou de fenómenos de gravidade económica ou social, nomeadamente de aleatoriedades climáticas.

As medidas referidas na alínea b) do nº anterior poderiam, segundo o nº 2 dessa norma, ser determinadas por portaria do membro do Governo responsável pelas áreas da solidariedade e da segurança social, desde que previstas em resolução do Conselho de Ministros sendo, de acordo com o nº 3, financiadas integralmente pelo Orçamento de Estado.

O nº 1 do art. 102º, reproduzindo o nº 1 do art. 9ºdo DL nº 89/95, declararia as dispensas de pagamento de contribuições prevista no artigo 100.º cessarem sempre que: a) terminasse o período de concessão; b) deixassem de se verificar as condições de acesso; c) Se verificasse a falta de entrega, no prazo legal, das declarações de remuneração ou falta de inclusão de quaisquer trabalhadores nas referidas declarações; d) Cessasse o contrato de trabalho.

Esse nº 1 do art. 102º estabeleceria uma mera causa de caducidade das dispensas, continuando a não impedir a sua renovação caso se verificassem os respetivos pressupostos legais no termo do exercício a que respeitam.

O art. 103º, também mantendo o conteúdo do art. 10º do DL nº 89/95, declararia a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, com base em despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação, tornar exigíveis as contribuições relativas ao período durante o qual tivesse vigorado a dispensa.

Tais eventos continuam, assim, a ser causa resolutiva do benefício da dispensa

O art. 104º condicionaria expressamente o  direito a novas dispensas   do pagamento de contribuições ao abrigo desse Secção IV do Capítulo II do Código  e da respetiva legislação própria nos 24 meses seguintes à inexistência da cessação do contrato por algum dos motivos constantes do art.103º (despedimento sem justa causa  despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação ), do que resulta, , através de mero argumento “a contrario” tal condição não abranger os casos de cessação do contrato de trabalho causada pelo trabalhador, como aliás anteriormente já vinha sendo entendido.

Assim, ficaria esclarecido expressamente que, em caso de cessação do contrato de trabalho não causada pela entidade patronal, esta teria direito a novas dispensas do pagamento de contribuições, desde que, no termo do exercício a que respeitassem, se verificassem os respetivos pressupostos legais, renovando-se, assim, o benefício inicial. De outro modo, tal art. 104º seria desnecessário.

Tal possibilidade de renovação da dispensa em caso de cessação do contrato de trabalho por motivo não imputável à entidade patronal seria reafirmada, ainda que em termos diferentes, por mais restritivos, pelo  alínea a) do nº 2 do art. 6º do DL nº 72/2017, o regime mais recente do estímulo à contratação de jovens à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração e de muito longa duração, através de uma dispensa parcial ou isenção total do pagamento de contribuições para o regime geral de segurança social, na parte relativa à entidade empregadora,  que consideraria nova contratação para efeitos do nº 1 a contratação para substituição de trabalhador abrangido pelos incentivos referidos nesse diploma, cujo contrato de trabalho tivesse  cessado por facto imputável ao trabalhador, aplicando-se, no entanto, à cessação do trabalho durante o período experimental o disposto no nº 5 do art. 4º.

Parece ser, aliás, a solução mais racional.

Da solução sustentada pela Requerida resulta - ou pode resultar - um tratamento desigual das empresas em função da maior ou menor rotatividade do setor de atividade, claramente incompatível com os princípios fundamentais deste tipo de apoio que são de cumprimento obrigatório pelos Estados membros da União Europeia (Acórdão do TJUE C-415/07). Tal tratamento desigual não pode justificar uma discriminação negativa dessas empresas, com o fim de proteger o emprego “estável e duradouro” criado pelas restantes, como resulta da evolução mais recente das posições da Comissão Europeia, do TJUE e dos tribunais nacionais.

Da solução sustentada pela Requerida resulta- ou pode resultar- um tratamento desigual das empresas em função da maior ou menor rotatividade do setor de atividade, claramente incompatível com os princípios fundamentais deste tipo de apoio que são de cumprimento obrigatório pelos Estados membros da União Europeia (Acórdão do TJUE C-415/07). Tal tratamento desigual não pode justificar uma discriminação negativa dessas empresas, com o fim de proteger o emprego “estável e duradouro” criado pelas restantes, como resulta da evolução mais recente das posições da Comissão Europeia, do TJUE e dos tribunais nacionais, bem como não legitima qualquer aleatoriedade na quantificação do benefício como a que resulta da diferenciação, entre os candidatos abrangidos, dos que foram admitidos inicialmente dos que apenas o foram posteriormente, por razões independentes da vontade da entidade empregadora.

Para a segurança social, segundo o glossário incluído no Guia Prático  disponível na Internet no sítio do Instituto de Segurança Social, IP, sobre medidas específicas e transitórias de estímulo e apoio à criação de emprego, a criação de posto de trabalho é a admissão de trabalhador com contrato sem termo que exceda, em pelo menos um, o número global de trabalhadores existentes na entidade empregadora por relação a um determinado período de referência, não sendo consideradas as situações de reforma ou falecimento enquanto durarem as medidas, o fim de contratos de trabalho durante o período de experiência e o fim de contratos de trabalho por justa causa. Tal posição é partilhada pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, na área das Perguntas Frequentes sobre os diversos programas que administra.

Para efeitos da alínea d) do nº 2 do art. 19.º do EBF, segundo a Requerida, essas saídas continuariam, no entanto, a implicar redução do nível de emprego e a concorrer negativamente no cômputo do saldo líquido dos postos de trabalho criados.

Não contendo essa norma do EBF qualquer conceito específico de saídas para efeitos da definição da criação líquida dos postos de trabalho, não se vê como possa deixar de ser aplicado o previsto na legislação laboral e da segurança social, como resulta do nº 1 do art. 11º da LGT, sob pena de ficar afetada a necessária unidade do sistema que se pressupõe coerente dos incentivos ao emprego.

Tal solução não contende com a estabilidade dos postos de trabalho, nem fomenta a precariedade.

O universo dos trabalhadores jovens ou desempregados abrangidos pelo benefício fiscal do art. 19º podia obviamente ser alterado durante o período da sua duração: o contrato de trabalho por tempo indeterminado, por oposição ao contrato a termo resolutivo a que se refere o art. 140º do Código do Trabalho, não é um contrato vitalício, estando sujeito a vicissitudes posteriores, ainda que excecionais, que podem conduzir à extinção do vínculo jurídico-laboral.

Tal alteração pode ser causada empregadora, mas também pelo trabalhador, bem como a causas objetivas independentes da vontade de um ou outro.

Assim, posteriormente à admissão dos trabalhadores jovens ou desempregados , pode a entidade patronal legalmente  extinguir o posto de trabalho, nos termos do nº 1 do art. 359º , do nº 1 do art. 367º e do nº 1 do art. 368º, do Código do Trabalho, independentemente de o despedimento ser coletivo ou individual, desde que se verifiquem os requisitos previstos nessas normas legais, sem prejuízo da proibição constitucional do despedimento sem justa causa, entendidos como os efetuados sem qualquer motivo ou sem motivo justo(art. 338º do Código do Trabalho ).

O facto de o contrato de trabalho ser de prazo indeterminado não imuniza totalmente, com efeito, o trabalhador perante o despedimento. O direito à segurança no emprego é, aliás, um direito disponível pelo trabalhador, sem que essa disponibilidade afete o seu enquadramento constitucional.

O contrato de trabalho de prazo indeterminado pode ainda caducar, nos termos das alíneas b) e c) do art. 343º do Código do Trabalho: impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar trabalho e de a entidade patronal o receber ou reforma do trabalhador por invalidez ou velhice.

O trabalhador pode ainda denunciar o contrato de trabalho, ainda que de prazo indeterminado, com aviso prévio nos termos do art. 400º do Código do Trabalho.

Trabalhador ou entidade patronal, salvo acordo em contrário, têm igualmente direito a denunciar o contrato de trabalho de prazo indeterminado no tempo inicial da sua execução, sem justa causa nem aviso prévio, nos termos dos arts. 111º a 114º do Código do Trabalho, bem como, por mútuo acordo, nos termos do nº 1 do art. 349, revogar o contrato de trabalho, incluindo através da transformação de contrato de duração indeterminada em contrato a termo resolutivo.

No entanto, somente quando a cessação tiver  por base despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação, os benefícios em sede fiscal ficam retroativamente sem efeito , não havendo, assim, com o regime exposto, qualquer violação do princípio constitucional da segurança no emprego, que, segundo a Requerida, resultaria de uma regime de mera caducidade, que implica a possibilidade de  renovação, no futuro, do benefício.

A estabilidade do posto de trabalho está garantida por o benefício apenas abranger os contratos de prazo indeterminado.

Na falta de conceito específico na legislação comunitária, são as legislações dos Estados membros que determinam as entradas e saídas para efeitos da criação líquida de postos de trabalho. 

Ora, à luz da legislação portuguesa, tais situações - cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador ou caducidade do contrato, não são tidas em conta no cômputo da criação líquida dos postos de trabalho.

A posição exposta seria rejeitada pela Requerida, invocando o Acórdão nº 212/2012-T, que se oporia ao Acórdão citado pela Requerente, para a qual o objeto do benefício fiscal do art. 19º do EBF abrangeria apenas o preenchimento dos postos de trabalho pelos trabalhadores inicialmente contratados. A substituição dos trabalhadores inicialmente contratados por outros trabalhadores, ainda que também jovens ou desempregados de longa duração, independentemente da natureza do vínculo, implicaria sempre que o benefício fiscal ficasse sem efeito: Sendo evidente a oposição entre ambos os Acórdãos, o Acórdão citado pela Requerente e o Acórdão citado pela Requerida, fica evidente a doutrina que suscita a nossa aceitação.

Recorda ainda a Requerida que o Acórdão n.º 53/2018 do Tribunal Constitucional, de 31/1/2018 (Proc. n.º 374/14) não julgaria inconstitucional a interpretação, extraível do artigo 17.º do EBF (conducente ao sentido de que não subsiste o benefício fiscal previsto em tal normativo, nas situações em que o contrato de trabalho conexionado com a majoração cessar antes do período de cinco anos contados desde o início da sua vigência, ainda que se verifique apenas uma substituição do trabalhador, mantendo-se o mesmo posto de trabalho.

Na perspetiva da realização do escopo extrafiscal interpretado como fim almejado pelo legislador, através da consagração do benefício, a não admissão da substituição de trabalhador cujo contrato de trabalho cessou antes do período legalmente relevante de cinco anos, para efeitos da majoração no período remanescente, seria, segundo esse Acórdão, uma solução legislativa que não se mostra destituída de credenciação racional. Nestes termos, a interpretação em apreciação não violaria o princípio da igualdade, nem qualquer outro parâmetro constitucional.

O referido Acórdão, no entanto, não consideraria a interpretação do art. 17º como a única possível de acordo com o atual quadro constitucional.

Limita-se a dizer que, caso se opte por essa interpretação, de acordo com os critérios gerais de interpretação e aplicação das leis, ela não ofende o quadro constitucional. Não afirma não haver outra interpretação compatível com o texto constitucional para além da aí consagrada.

No presente caso, como esclarecem os nºs 56 a 60 do Parecer de 9/12/2020 da Divisão de Justiça Tributária da UGC  não  foi com fundamento em despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação que a administração fiscal rejeitou a pretensão da Requerente, não havendo  indícios, nem a Requerida os invoca,  de que  as saídas se tenham devido a qualquer desses motivos, pelo que não se coloca qualquer questão de violação do princípio constitucional da segurança no emprego.

Resta apreciar o direito da Requerente a juros indemnizatórios.

Sobre os € 341.23, 55 que respeitam à parte deferida dessa reclamação graciosa, os quais a Requerente imputara inicialmente aos exercícios de 2018 e 2019, mas que a UGC, com fundamento na inexistência de pressupostos de aplicação do nº 2 do art. 18º do CIRC, entendeu deviam ter sido contabilizados no exercício de 2017, não recaem juros. Tal errónea contabilização dessa importância deve-se a falhas de controlo interno da própria Requerente e assumidas por esta (nº 17 do Parecer da UGC e nº 31 da reclamação graciosa) e não a erro imputável aos serviços, não se aplicando o nº 1 do art. 43º da LGT.

Também sobre € 2.432.969, 10, respeitam à parte deferida dessa reclamação graciosa, em virtude de a administração fiscal ter reconhecido do art. 19º do EBF não se poder extrair o entendimento que, nos contratos que se iniciem ou cessem nos períodos de tributação abrangidos nessa norma legal, o limite máximo da majoração prevista no nº 1 deva restringido proporcionalmente ao período da sua vigência, devendo antes esse limite máximo ser contado na totalidade, não recaem juros indemnizatórios

É certo o nº 2 do art. 43º da LGT ampliar o direito a juros indemnizatórios com fundamento em erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 

É o caso da autoliquidação efetuada de acordo com as orientações genéricas da administração tributária regularmente divulgadas.

Salvo nos casos em que o sítio Declarações Eletrónicas materialmente o impeça, em que o eventual erro do processamento é, por natureza, da administração fiscal, o cumprimento dessas orientações genéricas é voluntário: o contribuinte é livre de as seguir ou não. Se o fizer, no entanto, e o ato tributário for anulado, tem direito a juros indemnizatórios.

Nos termos do nº 1 do art. 68º- A da LGT, a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e aplicação das normas tributarias

Tal norma abrange todos os despachos de enquadramento emitido no âmbito da cadeia hierárquica da administração fiscal e não apenas as circulares, bem como, fora do âmbito dessa cadeia hierárquica, os regulamentos e outros instrumentos de carácter normativo.

Essas orientações genéricas, ainda que tenham eficácia meramente interna, devem constar de base de dados permanentemente atualizada, nos termos do nº 1 do art. 56º do CPPT. A sua inclusão nessa base de dados, salvo quando tenham carácter regulamentar, em que se aplica o art. 139º do CPA, não é, no entanto, condição da vinculação da administração tributária.

Nos casos em que o dever de divulgação através de base de dados da AT seja omitido, pode ainda o contribuinte requerer ao dirigente máximo dos serviços a comunicação de quaisquer despachos comportando orientações genéricas da AT, os quais, segundo o nº 3 desse art. 56º, uma vez expurgados dos seus elementos de carácter pessoal, são incluídos nessa base de dados no prazo de 90 dias.

Sucede que o nº 2 do art. 43º da LGT abrange, não todas as orientações genéricas, mas apenas as orientações genéricas devidamente publicadas.

A dispensa da obrigatoriedade de publicação privilegiaria o grupo de contribuintes que, em virtude da sua atividade profissional ou outras razões, acedem a esses atos de enquadramento internos, ficando em melhores condições de gerir a sua relação com a administração fiscal, tendo em conta a taxa legal de juros indemnizatórios ser superior à taxa cobrada pelas instituições de crédito nas operações de cedência de capitais.

Não se partilha, assim, a definição de Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Lopes de Sousa, pg. 343 de “Lei Geral Tributária Anotada e Comentada”, Coimbra, 2012, de acordo com a qual “As orientações genéricas serão, por exemplo, despachos levados ao conhecimento do público por qualquer meio, não sendo necessária qualquer afirmação, ínsita no texto ou acrescentado, de que tal parecer ou despacho vincula a Administração para o futuro”: o legislador do nº 1 do art. 43º da LGT refere-se , não a todas as orientações genéricas conhecidas, independentemente do meio de acesso, mas apenas às orientações genéricas devidamente publicadas

Através da consulta ao sítio do Ministério das Finanças, não se vislumbra qualquer orientação genérica da administração tributária consagrando o entendimento com base no qual a Requerente auto- liquidou o imposto.

Para e efeito, não carecem de relevância as instruções de serviço emanadas por outros órgãos da administração pública, incluindo na área da segurança social.

O despacho da diretora-geral da AT, proferido no processo ...2019..., de 13/7/2019, refere para fundamentar a sua revogação, um anterior ato de enquadramento referido a 6.2.5 anterior (Facto Provado V), o qual vincularia a UGC a seguir o critério da diarização.

Tal ato de enquadramento anterior não foi devidamente publicado, ainda que a Requerente o tivesse respeitado no preenchimento da declaração modelo 22., motivo pelo qual não está abrangido pelo nº 1 do art. 43º da LGT.

Segundo o Acórdão do STA de 19/12/2021, proc. 01098/16.5BELRS, ainda que a liquidação tenha sido efetuada corretamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efetiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT desde (passando a constitui um erro dos serviços), a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo , nos termos, conforme os casos, do nº 1  e da alínea c) do nº 3 do art. 43º da LGT.

Assim, apenas relativamente à importância de € 338.792,36 são devidos juros pelo imposto pago a mais a apurar pela administração fiscal em execução do julgado, mas contados apenas da data da notificação do indeferimento da reclamação graciosa, já que apenas nesse momento seria transferida para a AT a responsabilidade do erro na autoliquidação.

  1. Decisão

De acordo com a fundamentação exposta, o Tribunal decide:

a) A anulação da decisão de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa n.º ...2020..., de 27/12/2020, deduzida a 30/7/2020, contra a autoliquidação de IRC n.º 2018..., referente ao exercício de 2017;

b) O consequente reconhecimento, no Quadro 07 da Declaração Modelo 22 de IRC de 2017, da dedução do benefício fiscal da criação de emprego previsto no então art. 19 do EBF, no montante de € 338.792,36,

c) O reembolso do montante de imposto indevidamente pago, a apurar na execução do presente julgado, consequente de erro na autoliquidação impugnada;

d) O pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal sobre o montante de € 338.792,36, contados desde a data da notificação do indeferimento da referida Reclamação Graciosa, não havendo lugar a esse pagamento sobre os demais montantes sobre os quais a Requerente considera incidirem tais juros.

  1. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo, nos termos da alínea b) do nº 1 do 97.º-A, n.º 1, do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em € 338.792,36,

  1.  Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 24.000,00 nos termos da Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e dos nºs 1 e 3 do art. 12.º e do nº 4 do art 22.º ambos do RJAT, a pagar integralmente pela Requerida em € 24.000,00.

 

Registe-se e notifiquem-se as partes.

 

Lisboa, 15 de fevereiro de 2022

Os Árbitros

Manuel Luís Malheiros (árbitro Presidente)

António Lima Guerreiro (árbitro Vogal)

Pedro Miguel Marques (com declaração de voto de vencido)

 

 

Declaração de Voto

Acompanhando a posição deste Tribunal Arbitral Coletivo no que respeita à dedução do benefício fiscal da criação de emprego no montante de € 338.792,36, bem como no correspondente direito ao pagamento de juros indemnizatórios, não posso concordar com a posição que saiu vencedora quando esta nega o direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor de € 2.432.969,10.

De facto, não partilho da posição adotada quanto ao conceito de “orientação genérica da administração tributária, devidamente publicada” que, com o devido respeito, considero redutora e limitadora dos direitos dos sujeitos passivos, colidindo aliás frontalmente com a posição de diversos Ilustres Autores, como a mencionada na obra transcrita na decisão, bem como com as próprias declarações da AT apensas ao processo.

Por orientações genéricas da AT, devidamente publicadas, concordo assim com a definição partilhada por diversos Autores, nomeadamente, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (in pg 343 de “Lei Geral Tributária Anotada e comentada”, ed 2012), onde afirmam “As orientações genéricas serão, por exemplo, pareceres ou despachos levados ao conhecimento do público por qualquer meio. Não sendo necessária qualquer afirmação, ínsita no texto ou acrescentada, de que tal parecer ou despacho vincula a Administração para o futuro.”

A exigência de tais orientações terem de constar de uma base de dados especifica acabaria também por colocar um grupo de contribuintes em melhor posição que outro, dependente do meio de difusão dessas orientações genéricas.

Considero ainda que a posição que saiu vencedora acaba também por não valorizar um facto que, no meu entendimento, ficou provado: a AT reconhece, em diferentes momentos, e por diferentes formas processuais que tinha um entendimento inicial sobre esta temática e que mais tarde o revogou e o alterou em conformidade.

Neste sentido, as Instruções de Serviço n.ºs 20003/2019 e 20004/2019, ambas do Gabinete da Subdiretora Geral do IR e das Relações Internacionais, juntas ao processo pela Requerente, são claras ao reconhecerem uma mudança de facto na posição da AT.

Assim, dispõe a Instrução n.º 20003/2019 que “Considerando a jurisprudência já emitida, nomeadamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, sobre se o limite mensal, e por posto de trabalho, de 14 vezes o salário mínimo nacional, previsto no n.º 2 do artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação introduzida pelo Dec. Lei n.º 198/2001, de 3-07, em vigor até à sua alteração, promovida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, se refere à base de incidência sobre a qual opera a majoração, ou se, como vinha defendendo a AT, aí se contém o limite à dedução de encargos por referência à soma dos encargos com salários com o incentivo da majoração; Foi, por meu despacho de 2019-04-03, exarado na Informação n.º 2019000320, da Direção de Serviços do IRC, determinada a alteração da interpretação dada ao citado n.º 2 do artigo 17.º do EBF (na referida redação), no sentido de que o limite imposto se reporta unicamente ao valor dos encargos mensais enão ao valor dos encargos mensais acrescidos da majoração. Assim, nos procedimentos que estejam pendentes de decisão, como sejam, nomeadamente, as reclamações, os recursos ou as impugnações, deve ser refletido o entendimento agora sancionado” (sublinhado da autoria deste Árbitro).

Do mesmo modo, a Instrução n.º 20004/2019 determina que “Relativamente à matéria em epígrafe, considerando que a jurisprudência já emitida, nomeadamente no Acórdão de uniformização de jurisprudência pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do Processo n.º 01054/17.6BALSB, de 2019-05-08, é contrária à interpretação assumida pela AT; Foi, por despacho de 2019-07-13, da Diretora – Geral, exarado na Informação n.º 2019000681, da Direção de Serviços do IRC, determinada a alteração da interpretação dada aos citados normativos, no sentido de que o limite máximo de majoração anual, por posto de trabalho, corresponde a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida (sem o seu ajustamento proporcional anteriormente defendido pela AT) nos anos inicial e final dos contratos de trabalho elegíveis, quando estes não sejam inteiramente coincidentes com o início e o fim do período de tributação. Entendeu o Tribunal que " As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do artigo 9.º do CC, ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT) não consentem que do artigo 19.º do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.º 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos." Assim, nos procedimentos que estejam pendentes de decisão, como sejam, nomeadamente, as reclamações, os recursos ou as impugnações, em que esteja a ser discutida a matéria em apreço, deve ser refletido o entendimento agora sancionado” (sublinhado da autoria deste Árbitro).

Ou seja, é a própria AT, em dois Despachos levados ao conhecimento do público (daí terem sido apensos ao processo), que reconhece uma mudança na interpretação dada.

Também na decisão sobre a Reclamação Graciosa, a própria Requerida concluiu “A conclusão a extrair é, conforme alega a Reclamante, a de ter sido praticado um erro na autoliquidação de imposto, na medida em que no cálculo do benefício fiscal tenha seguido o anterior entendimento da AT, fazendo a correspondência proporcional entre o limite máximo de majoração e a vigência do contrato de trabalho” (conforme ponto 67 da Notificação da Decisão Final da Reclamação Graciosa, sendo de mencionar que o sublinhado resulta da versão original, ou seja, é da responsabilidade da Requerida).

Ou seja, neste processo de IRC de 2017, reconhece a própria Requerida, na decisão sobre a Reclamação Graciosa que: (i) a Requerente tinha seguido um entendimento da AT e; (ii) tal entendimento tinha sido, entretanto, revogado.

Como concluir então que, apesar destes factos, o entendimento entretanto revogado não era do conhecimento público? Como teria então a Requerente seguido tal entendimento, como – sublinhe-se - reconhecido pela AT?

Consequentemente, e uma vez que a Recorrente submeteu a sua declaração de rendimentos modelo 22 de 2017 em data anterior ao da produção dos efeitos do Acórdão uniformizador de jurisprudência e do novo entendimento da AT, entendo que que se deveria ter considerado que, na autoliquidação do IRC, foram pela Requerente seguidas as orientações genéricas da AT vigentes à data, sendo assim devidos juros indemnizatórios, em harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 43º da LGT.

(Pedro Marques)

 

 

 

 

 



[1] Nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 5º deste DL, em substituição do critério da criação líquida dos postos de trabalho, o direito à dispensa da entidade patronal do pagamento dessas contribuições, continuava então a depender de as entidades abrangidas terem ao seu serviço um número de trabalhadores abrangidos superior ao que se verificava no final do final do mês anterior.