SUMÁRIO:
1. Estamos perante um imposto periódico (IRS) pelo que o prazo de caducidade conta-se, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr. nº 4 do artigo 45.º da LGT).
2. Se a decisão judicial determinar a anulação do acto tributário, a lei reconhece a possibilidade de praticar novo acto de liquidação que não seja incompatível com o decidido.
3. Ora é essa a situação dos presentes autos em que a nova liquidação decorreu da decisão de impugnação judicial não havendo incompatibilidade com o decidido, e assim sendo, ocorreu a suspensão do prazo de caducidade nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Dr. Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 5 de Julho de 2021, acorda no seguinte:
1. Relatório
1.1. A..., e mulher, B..., (doravante designados por “Requerentes”), com os números de identificação fiscal ... e do ..., ambos residentes na Rua ..., ...-... ..., em ..., vêm, por pedido datado de 16 de Março de 2021, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos conjugados do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
1.2. Os Requerentes pretendem que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre a legalidade dos despachos de arquivamento da Reclamação Graciosa que haviam deduzido relativamente às liquidações oficiosas de IRS, referente aos anos de 2010 e 2011, com vista à anulação das liquidações de IRS n.º s 2020..., de 17.07.2020 e 2020..., de 24.07.2020, nos montantes, respetivamente, de €8.169,45 e €8.959,46, e, bem assim, sobre os actos de liquidação de IRS propriamente ditos.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
1.3. Como fundamento da sua pretensão os Requerentes imputam os seguintes vícios.
(i) Que apresentaram Reclamação Graciosa das liquidações oficiosas de IRS referentes aos anos de 2010 e 2011, e que não recaiu sobre estas, até hoje, qualquer decisão expressa de deferimento ou indeferimento.
(ii) E que nos termos conjugados dos artigos 57.º, n.ºs 1 e 5 da LGT e 106.º do CPPT, tal Reclamação presume-se indeferida para efeitos de impugnação judicial ou de impugnação administrativa uma vez que não foi decidida no prazo de 4 (quatro) meses, desde a sua apresentação.
(iii) E ainda que tal não se entenda, o que apenas por cautela de patrocínio se admite, as decisões de arquivamento proferidas pelo serviço de Finanças de..., não poderão, no seu entender, deixar de equivaler pelos seus efeitos jurídico-práticos, ao indeferimento da Reclamação graciosa por eles apresentada.
(iv) Que os Requerentes apresentaram, em 06.03.2014, Impugnação Judicial contra anteriores liquidações oficiosas de IRS precisamente dos anos 2010 e 2011 (respectivamente Liquidação n.º 2013 – ... de 15.02.2013 e Liquidação n.º 2013 – ... de 01.03.2013), assim como contra o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa que contra aquelas havia dirigido, tendo tal impugnação corrido os seus termos no processo 186/14.7BECBR do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
(v) E que volvidos mais de cinco anos sobre a referida impugnação, os Requerentes foram notificados da Sentença proferida nesse processo, em 27.09.2019, e na qual, no seu segmento decisório, veio a determinar expressamente a anulação das liquidações então impugnadas.
(vi) E que no dia 10.01.2020, os Requerentes foram surpreendidos com duas notificações do Serviço de Finanças de ..., a saber uma com uma liquidação de IRS do ano de 2010, bem como uma Demonstração de Acerto de Contas com referência a tal imposto e que no dia 21.01.2020, foram, novamente, notificados pelo Serviço de Finanças de ..., desta vez, da liquidação de IRS do ano de 2011, bem como de uma Demonstração de Acerto de Contas, desta vez, com referência ao referido imposto de IRS de 2011.
(vii) E que foi esclarecido aos Requerentes que, afinal, ainda se encontrava em execução o valor constante destas novas liquidações, porque, segundo o referido Serviço de Finanças, a decisão constante da Sentença no supra referido processo de impugnação, apenas deu a procedência parcial à Impugnação apresentada pelos Requerentes.
(viii) Pelo que apresentaram Reclamação Graciosa das referidas liquidações em Fevereiro do ano 2020 e que por ofício n.º ..., datado de 12.03.2020, a referida Reclamação foi liminarmente rejeitada.
(ix) E que foi, e continua a ser, no seu entender, a questão formal da residência fiscal que está na base das liquidações oficiosas que a Administração Tributária insiste em lhes liquidar, e que não tem qualquer apego à realidade uma vez que, independentemente das indicações de residência dadas pelos Requerentes, apenas o Requerente marido (único membro do casal a auferir um vencimento) se encontrava a residir em território suíço desde 2009, aí auferindo a totalidade dos seus rendimentos e aí liquidando a totalidade do imposto devido por tais rendimentos.
(x) Que no período a que se reporta as referidas liquidações do IRS (2010 e 2011), o Requerente marido não obteve qualquer rendimento em território nacional, tendo estado ausente de Portugal por período superior a 183 dias, tendo-se deslocado a Portugal apenas durante o período de férias de Verão.
(xi) E que ainda que a decisão objecto imediato da presente impugnação seja o indeferimento tácito (ou “expresso” no sentido mencionado nos artigos 5.º e 6.º da presente peça processual) da mencionada Reclamação Graciosa, as liquidações oficiosas de IRS do ano 2010 e 2011, impugnadas através dessa Reclamação não poderão deixar de constituir o seu objecto mediato, na medida em que se considera, por presunção, confirmadas pelo sobredito indeferimento tácito (ou “expresso” no sentido mencionado nos artigos 5.º e 6.º da presente peça processual).
(xii) Pelo que, dizem, não poderão deixar de ser invocadas na presente impugnação as várias ilegalidades dos actos de liquidação objectos da sobredita Reclamação, porquanto tais ilegalidades se transmitiram, forçosamente, às decisões de indeferimento da mesma.
(xiii) Invocam a caducidade das liquidações em crise nos autos, porquanto, dizem, o Serviço de Finanças de ... pretende proceder a novas liquidações com referência ao IRS de 2010 e 2011, alegadamente em cumprimento da decisão proferida no processo de impugnação n.º 186/14.7BECBR.
(xiv) Sustentam ser jurisprudencialmente inegável que o regime da caducidade do direito à liquidação não se aplica aos casos de liquidações correctivas (as quais não revestem a natureza de novo acto tributário), mas já não será assim nas “novas” liquidações.
(xv) E que os Requerentes apresentaram Reclamação e, posteriormente, Impugnação Judicial, das liquidações oficiosas de IRS dos anos 2010 e 2011 (respetivamente Liquidação n.º 2013 –... de 15.02.2013 e Liquidação n.º 2013 – ... de 01.03.2013), as quais, por Sentença transitada em julgado, vieram a ser anuladas (na sua totalidade), pelo que, dizem, não foi reconhecido no segmento decisório da mencionada Sentença qualquer direito de liquidação, pois que a admitir tal entendimento estaríamos então perante uma anulação parcial e não total das referidas liquidações.
(xvi) E que a ser assim tal conduziria a um afrontamento ao princípio da cindibilidade do ato administrativo, ao fazer equivaler uma anulação parcial da liquidação a uma anulação total.
(xvii) Caso assim não se entenda, vêm novamente mencionar todos os argumentos tecidos anteriormente em sede de contencioso judicial, entendendo não haver caso julgado com o proferido na Sentença do processo de Impugnação n.º 186/4.7BECBR, na medida em que se está perante novas liquidações e por outro, porque na referida Sentença as liquidações alvo de impugnação foram totalmente anuladas.
(xviii) E que os critérios aplicados pela Administração tributária portuguesa para atribuir a qualidade de residente em território português ao Requerente marido nos anos em apreço, não só não encontram cabimento legal no conceito convencional de residência, como vão contra o que tem sido entendido pela mais recente orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo.
(xix) Deste modo, e em suma, alegam, o Requerente marido é residente na Suíça e não em Portugal, pelo que não há necessidade de recurso à aplicação dos critérios de “desempate” constantes do artigo 4.º, n.º 2 da Convenção, nem, tão pouco, de recurso às regras de competência cumulativas previstas no artigo 15.º, n.º 1, parte final da Convenção, conforme pretende a Fazenda Pública, porquanto essas disposições só são aplicáveis nos caso em que se esteja perante uma situação de “dupla residência fiscal” o que, importa reiterar, não se verifica no caso vertente.
(xx) E mesmo que assim não fosse, e se tivesse de aplicar tais regras/critérios de desempate, ainda assim o Requerente marido não poderia deixar de ser considerado residente na Suíça no que respeita ao período e rendimentos aqui em causa, sendo esse o estado com competência tributária exclusiva, porque era lá que durante aqueles anos tinha o seu “centro de interesses vitais”.
(xxi) Pelo que entendem que as liquidações que o Serviço de Finanças de ... pretende levar em diante padeceriam, sempre, inevitavelmente do vício de violação de lei, mais concretamente do artigo 4.º, n.º 1 e n.º 2 da CDT Portugal/Suíça
(xxii) E, como tal, pugnam pela procedência da presente impugnação por provada e, em consequência, ser decretada a anulação dos actos tributários impugnados com todas as consequências legais.
1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:
(i) Vem defender-se por impugnação.
(ii) Alega que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferiu sentença em 26-09-2019, tendo então decidido:
(…) “Como já aludimos, o primeiro Impugnante foi devidamente considerado pelos serviços da AT como sendo residente em Portugal. Contudo, nas liquidações ora em causa confessadamente não foi tida em conta a dedução prevista no n.º 2 do art.º 81.º do CIRS, sendo que esta terá que ser efetuada de acordo com o citado n.º 1 do art.º 23.º da Convenção supra referida.
Por isso, as presentes liquidações enfermam de um vício de violação de lei, pelo que não podem continuar como válidas na ordem jurídica, pelo que terão que ser anuladas, assim como o terá que ser considerado inválido o ato, ainda que ficto, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelos Impugnantes.
V – Com os fundamentos supra expostos, concedo provimento à presente impugnação”.
(iii) E que a procedência da ação de impugnação judicial baseou-se unicamente no direito à dedução prevista no n.º 2 do art.º 81.º do CIRS.
(iv) E que a Divisão de Justiça Tributária desta Direção de Finanças, para execução da sentença, elaborou os documentos de correção (DCU), para os anos de 2010 e 2011 tendo considerado, tal como o decidido pelo Tribunal, a residência em Portugal do então Impugnante marido e a dedução prevista no n.º 2 do art.º 81.º do CIRS, resultando a anulação parcial das liquidações impugnadas.
(v) E que não concordando com a anulação parcial das liquidações, os Requerentes apresentaram Reclamação Graciosa (Proc.º SICJUT n.º ...2020...), que foi rejeitada liminarmente por despacho de 2020-03-11, mas que apesar de rejeitada, entendeu a AT que tal não impedia que se fizesse a conferência do decidido com o executado, tendo em vista o esclarecimento cabal do ocorrido e, sendo caso disso, proceder à correção que se mostrasse necessária e concluiu-se que, como a decisão proferida na Impugnação n.º 186/14.7BECBR, ordenava a anulação das liquidações e não a sua correção, as mesmas deveriam ser anuladas, promovendo-se de seguida às liquidações corretas, considerando o Requerente marido residente em Portugal e com o direito à dedução prevista no n.º 2 do art.º 81.º do CIRS.
(vi) E que o Requerente marido notificado pelo Serviço de Finanças de..., através do ofício n.º ..., datado de 2020-04-27, para, querendo, de acordo com o previsto no art.º 60.º n.º 1 al. a) da LGT, exercer o direito de audição antes das liquidações do imposto, veio fazê-lo, sendo posteriormente e por ofício datado de 16-07-2020, notificado pelo Serviço de Finanças de ... da decisão de proceder às liquidações.
(vii) Posto o que foram efetuadas as liquidações n.ºs 2020..., com imposto a pagar de € 8.169,45 (inclui juros compensatórios) para o ano de 2010, com data limite de pagamento de 26-08-2020 e 2020... no montante de € 8.959,46 (inclui juros compensatórios), para o ano de 2011, com data limite de pagamento de 07-09-2020, que estão a ser objeto de discussão no presente pedido arbitral.
(viii) E que contra a liquidação do ano de 2010, foi apresentada a Reclamação Graciosa n.º ...2020..., em 13-11-2020, que foi objeto de decisão de arquivamento pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., por despacho deste de 24-11-2020 e contra a liquidação do ano de 2011, foi apresentada a Reclamação Graciosa n.º ...2020..., em 13-11-2020, que foi também arquivada por despacho da mesma data, porquanto, diz, os fundamentos do arquivamento prendem-se com o facto de os argumentos aduzidos terem sido já devidamente analisados em sede do direito de audição em momento anterior às liquidações, tendo sido considerado por despacho do Diretor de Finanças (por delegação) de 14-07-2020 ser de promover as liquidações em causa, considerando-se, por um lado, não se verificar a caducidade do direito de liquidação e, por outro lado, o principio da decisão previsto no n.º 1 do artigo 47.º do CPPT, uma vez que a liquidação foi precedida de audição prévia os contribuintes onde foram invocados os mesmos fundamentos de facto e de direito destes procedimentos de reclamação graciosa.
(ix) Vem defender-se por excepção, invocando erro na forma do processo, na impropriedade do meio processual, pois tendo as liquidações resultado da sentença proferida no processo n.º 186/14.7BECBR que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, deveriam os Requerentes ter interposto uma ação de execução de julgados.
(x) E que o erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.
(xi) Sendo que nos presentes autos entendem que o erro na forma do processo não determinará a anulação de todo o processo (como exceção dilatória), e a absolvição do réu da instância, mas sim que o próprio PPA possa ser aproveitado para a forma de processo adequada (artigos. 199º, nº 1; 288º, nº 1, al. b); 493º, nº 2, e 494º, al. b), todos do CPC).
(xii) Por impugnação vem dizer que tendo havido decisão expressa de arquivamento, entende-se que não opera a formação do indeferimento tácito a que se refere o n.º 5 do artigo 57.º da LGT, pelo que coloca desde logo a questão da possibilidade de apresentação de pedido arbitral desta decisão de arquivamento.
(xiii) Entende que o prazo de caducidade suspendeu-se desde o início do litigio judicial (Impugnação Judicial) até ao transito em julgado da decisão deste processo, e que a referência do Tribunal à procedência da Impugnação tem de ser entendida, como o próprio Tribunal refere, “com os fundamentos supra expostos”, i.e., os fundamentos de facto e de direito constantes da sentença, pelo que, alega, decorre expressamente da sentença que o Tribunal considera que, nos anos 2010 e 2011, o Requerente marido deve ser considerado residente em Portugal, nos termos do CIRS e da Convenção entre Portugal e a Suíça.
(xiv) Tendo sido procedente a Impugnação apenas quanto ao direito à dedução prevista no n.º 2 do artigo 81.º do CIRS, a efetuar de acordo com o artigo 23.º da referida Convenção.
(xv) E tendo o Tribunal apenas dado razão aos então Impugnantes quanto à consideração da dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional, entende que pode a AT efetuar as liquidações de IRS em que considera o Requerente marido como residente em Portugal, e considera o imposto suportado na Suíça nos anos em causa, em execução daquela sentença judicial.
(xvi) Pugna, a final, pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
1.5. Entendeu o Tribunal dispensar a realização da reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, face à mera questão de direito em causa nos autos, o que não mereceu qualquer oposição das partes. Em resposta a despacho arbitral, vieram os Requerentes responder à matéria de excepção invocada pela Requerida.
1.6. Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações, querendo, tendo os Requerentes optado por fazê-lo.
1.7. Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao termo do prazo legal, após uma prorrogação devidamente notificada e fundamentada às Partes.
* * *
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
2. Matéria de Facto
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
A) Em 2013-05-31 foi instaurado um procedimento de reclamação graciosa apresentado contra as liquidações oficiosas de IRS dos anos de 2010 e 2011, nos valores de € 14.964,96 e € 15.151,08, respetivamente, que haviam sido efetuadas aos Requerentes, uma vez que não tinham apresentado as declarações de IRS referentes a esses anos, à qual foi atribuído o SICAT n.º ...2013.... Cfr. PA juntos aos autos.
B) Em 2014-03-13 e na ausência de decisão da reclamação graciosa, foi interposta pelos Requerentes acção de Impugnação Judicial, que deu origem ao Processo n.º 186/14.7BECBR, no TAF de Coimbra, tendo estes solicitado ao Tribunal que a impugnação fosse julgada procedente e, consequentemente fosse considerada ilegal a atribuição da qualidade de residente em território português imputada ao então impugnante, ora Requerente marido. Cfr. Documento n.º 10 junto pelos Requerentes com o seu PPA e PA junto aos autos pela Requerida.
C) A questão subjacente a esses autos era o de se estabelecer se para efeitos fiscais deveria ser o então impugnante, ora Requerente marido, considerado residente na Suíça ou em Portugal, defendendo o então impugnante que devia ser considerado residente fiscal na Confederação Helvética, e a AT que deveria ser considerado residente fiscal em Portugal.
D) O Tribunal Administrativo e Fiscal (“TAF”) de Coimbra proferiu sentença em 26-09-2019, tendo nesse aresto, no seu segmento decisório, decidido como segue:
“ 2 – Da invocada violação do n.º 1 do art.º 23.º da Convenção citada e da aplicação do artigo 81.º do CIRS.
(…) “Como já aludimos, o primeiro Impugnante foi devidamente considerado pelos serviços da AT como sendo residente em Portugal. Contudo, nas liquidações ora em causa confessadamente não foi tida em conta a dedução prevista no n.º 2 do art.º 81.º do CIRS, sendo que esta terá que ser efetuada de acordo com o citado n.º 1 do art.º 23.º da Convenção supra referida.
Por isso, as presentes liquidações enfermam de um vício de violação de lei, pelo que não podem continuar como válidas na ordem jurídica, pelo que terão que ser anuladas, assim como o terá que ser considerado inválido o ato, ainda que ficto, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelos Impugnantes.
V – Com os fundamentos supra expostos, concedo provimento à presente impugnação”.
E) Nesse mesmo aresto o TAF de Coimbra decidiu, também, que:
“Da alegada violação dos ns.º 1 e 2 do art.º 4.º da Convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital existente entre Portugal e a Suíça e do conceito de domicílio previsto no art.º 19.º da LGT.
(…)
Por isso, os atos de impugnação recorridos não padecem daqueles vícios de violação de lei invocados pelos Impugnantes.”.
F) Da referida Sentença não foi interposto qualquer recurso ou reclamação pela Fazenda Pública., tendo a mesma transitado em julgado.
G) A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças da Requerida, para execução da sentença, elaborou os documentos de correção (DCU), para os anos de 2010 e 2011 tendo considerado a residência em Portugal do então Impugnante marido e a dedução prevista no n.º 2 do art.º 81.º do CIRS, resultando a anulação parcial das liquidações impugnadas. Cfr. PA junto aos autos.
H) Não concordando com a anulação parcial das liquidações, os Requerentes apresentaram Reclamação Graciosa (Proc.º SICJUT n.º ...2020...). Cfr. PA junto aos autos e Documento n.º 3 junto pelos Requerentes com o seu PPA.
I) Essa Reclamação foi rejeitada liminarmente por despacho de 2020-03-11, por não ser o meio próprio para apreciação do pedido, que seria uma ação de execução de julgados e que a competência para decidir dessa ação seria do tribunal administrativo no qual foi proferida a sentença, mas tendo, então, determinado que se procedesse à correção que se mostrasse necessária e concluindo a AT que, como a decisão proferida na Impugnação n.º 186/14.7BECBR, ordenava a anulação das liquidações e não a sua correção, as mesmas deveriam ser anuladas, promovendo-se de seguida às liquidações corretas, considerando o Requerente marido residente em Portugal e com o direito à dedução prevista no n.º 2 do art.º 81.º do CIRS. Cfr. PA junto aos autos e Documento n.º 4 junto pelos Requerentes com o seu PPA.
J) O Requerente notificado pelo Serviço de Finanças de..., através do ofício n.º ..., datado de 2020-04-27, para, querendo, de acordo com o previsto no art.º 60.º n.º 1 al. a) da LGT, exercer o direito de audição antes das liquidações do imposto, veio a exercer o mesmo. Cfr. PA junto aos autos e Documento n.º 5 junto pelos Requerentes com o seu PPA.
K) O direito de audição foi objeto de análise, efetuada em 14-07-2020, tendo a AT então considerado que não teria ocorrido a caducidade das liquidações postas em crise nos autos. Cfr. PA junto aos autos.
L) Por ofício datado de 16-07-2020, foram os Requerentes notificados pelo Serviço de Finanças de ... da decisão de proceder às liquidações. Cfr. PA junto aos autos e Documento n.º 6 junto pelos Requerentes com o seu PPA.
M) A AT efetuou as liquidações n.ºs 2020..., com imposto a pagar de € 8.169,45 (inclui juros compensatórios) para o ano de 2010, com data limite de pagamento de 26-08-2020 e 2020 ... no montante de € 8.959,46 (inclui juros compensatórios), para o ano de 2011, com data limite de pagamento de 07-09-2020, que estão a ser objeto de discussão no presente pedido arbitral, sendo que a liquidação de IRS do ano de 2010, no montante de € 8.169,45, posta em causa no pedido arbitral, foi efetuada e notificada pessoalmente ao Requerente em 22-07-2020 e a liquidação do ano de 2011, também posta em causa no pedido, foi efetuada em 24-07-2020. Cfr. PA junto aos autos e Documentos n.ºs 1 e 2 juntos pelos Requerentes com o seu PPA.
N) Contra a liquidação do ano de 2010, foi apresentada pelos Requerentes a Reclamação Graciosa n.º ...2020..., em 13-11-2020, que foi objeto de decisão de arquivamento pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., por despacho deste de 24-11-2020 e contra a liquidação do ano de 2011, foi apresentada a Reclamação Graciosa n.º ...2020..., em 13-11-2020, que foi também arquivada por despacho da mesma data. Cfr. Documento n.º 1 junto pelos Requerentes com o seu PPA e PA junto pela Requerida.
O) Os fundamentos do arquivamento prendem-se com o facto de os argumentos aduzidos terem sido já devidamente analisados em sede do direito de audição antes das liquidações, tendo sido considerado por despacho do Diretor de Finanças (por delegação) de 14-07-2020 ser de promover as liquidações em causa, considerando-se, por um lado, não se verificar a caducidade do direito de liquidação e, por outro lado, o principio da decisão previsto no n.º 1 do artigo 47.º do CPPT, uma vez que a liquidação foi precedida de audição prévia os contribuintes onde foram invocados os mesmos fundamentos de facto e de direito destes procedimentos de reclamação graciosa.
P) Face às execuções fiscais entretanto instauradas com referência às liquidações em apreço e à Reclamação Graciosa apresentada, os Requerentes solicitaram a suspensão dos referidos processos mediante a nomeação à penhora, para efeitos de garantia, de artigo urbano de sua propriedade, tendo tal suspensão sido aceite pelo Serviço de Finanças de ... . – cfr. Documento n.º 9 junto pelos Requerentes com o seu PPA.
Q) Tendo os Requerentes sido notificados em 26.11.2021, dos ofícios n.º ... e n.º... do Serviço de Finanças de ..., com as decisões finais, proferidas em relação à Reclamação Graciosa que haviam deduzido, relativamente às liquidações oficiosas de IRS, referente aos anos de 2010 e 2011 (Liquidação n.º 2020– ... de 17.07.2020 e Liquidação n.º 2020–... de 024.07.2020, os Requerentes apresentaram junto do CAAD, em 16 de Março de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.
3. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.
4. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.
De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos.
5. DO DIREITO
Importa, antes de tudo, apreciar a excepção por erro na forma do processo – impropriedade do meio processual - invocada pela Requerida.
Invoca esta que tendo as liquidações postas em crise nos presentes autos resultado da sentença proferida no processo n.º 186/14.7BECBR que correu termos no TAF de Coimbra, deveriam os Requerentes ter interposto uma ação de execução de julgados.
Em resposta vieram os Requerentes alegar que por se tratarem de liquidações novas e não de liquidações correctivas às liquidações anuladas pela sentença proferida no processo n.º 189/14.7BEBCR, em total desrespeito das regras de caducidade, e não relacionadas com a execução integral da sentença, o meio não é o errado.
Apreciando.
Entende o Tribunal que o contencioso tributário é de facto um contencioso de mera anulação e que dúvidas não há de que o TAF de Coimbra na sentença proferida no processo n.º 189/14.7BEBCR sentenciou a anulação integral dos actos de liquidação, tendo a AT decidido, ainda que posteriormente, emitir novas liquidações, no seu entender como consequência directa do decidido pelo referido TAF.
Nos presentes autos arbitrais os Requerentes imputam, essencialmente, o vício da caducidade às liquidações emitidas pela AT, que este Tribunal qualifica de novas, pretendendo, assim, essencialmente discutir a legalidade das mesmas.
Por outro lado, apesar de ter havido despachos de arquivamento, compulsados o seu teor, designadamente a Informação que consta dos mesmos e que é sua parte integrante, constata este Tribunal que, in casu, houve uma efectiva apreciação da Reclamação Graciosa, pelo que apesar de a AT a ter arquivado, considera este Tribunal que, pela extensão e fundamentação da mesma, o que de facto ocorreu foi um verdadeiro indeferimento da pretensão dos Requerentes.
Pelo que se determina a improcedência da excepção deduzida pela Requerida.
Por Impugnação vêm os Requerentes suportar a sua defesa em dois blocos de argumentação bem demarcados. Por um lado, invocam a caducidade das liquidações em causa nos autos e por outro lado, caso a caducidade não seja declarada, pretendem que o Tribunal aprecie todos os argumentos por estes aduzidos no contencioso judicial relativo ao processo de Impugnação n.º 186/4.7BECBR, na medida em que se está perante novas liquidações e por outro, porque na referida Sentença, as liquidações alvo de impugnação foram totalmente anuladas.
A Requerida na sua Resposta veio considerar que não existe qualquer caducidade e que a referência do TAF de Coimbra à procedência da Impugnação tem de ser entendida, como o próprio Tribunal refere, “com os fundamentos supra expostos”, i.e., os fundamentos de facto e de direito constantes da sentença, decorrendo expressamente da sentença que o Tribunal considerou que, nos anos 2010 e 2011, o Requerente marido deve ser considerado residente em Portugal, nos termos do CIRS e da Convenção entre Portugal e a Suíça.
E tendo o Tribunal apenas dado razão aos Impugnantes quanto à consideração da dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional, pode a AT efetuar as liquidações de IRS em que considera o contribuinte como residente em Portugal, e considera o imposto suportado na Suíça nos anos em causa, em execução daquela sentença judicial.
Apreciando.
Começando pela alegação de que as liquidações postas em crise nos presentes autos teriam caducado.
Como se disse acima este Tribunal tem a visão de que o contencioso tributário é um contencioso de mera anulação e não de justa composição, como ocorre no contencioso administrativo, por isso bem andou o TAF de Coimbra ao mandar anular, in totum, as liquidações de IRS que estavam em causa nesse dissidio, mas fê-lo com base num determinado segmento decisório, novamente transcrevendo-o:
“ 2 – Da invocada violação do n.º 1 do art.º 23.º da Convenção citada e da aplicação do artigo 81.º do CIRS.
(…) “Como já aludimos, o primeiro Impugnante foi devidamente considerado pelos serviços da AT como sendo residente em Portugal. Contudo, nas liquidações ora em causa confessadamente não foi tida em conta a dedução prevista no n.º 2 do art.º 81.º do CIRS, sendo que esta terá que ser efetuada de acordo com o citado n.º 1 do art.º 23.º da Convenção supra referida.
Por isso, as presentes liquidações enfermam de um vício de violação de lei, pelo que não podem continuar como válidas na ordem jurídica, pelo que terão que ser anuladas, assim como o terá que ser considerado inválido o ato, ainda que ficto, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelos Impugnantes.
V – Com os fundamentos supra expostos, concedo provimento à presente impugnação”.
Ou seja, o Tribunal, apesar de sentenciar a anulação integral das liquidações, apenas entendeu dar razão ao então Impugnantes no ponto 2., desse aresto, considerando, na apreciação que então fez do ponto 1. que:
“Da alegada violação dos ns.º 1 e 2 do art.º 4.º da Convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital existente entre Portugal e a Suíça e do conceito de domicílio previsto no art.º 19.º da LGT.
(…)
Por isso, os atos de impugnação recorridos não padecem daqueles vícios de violação de lei invocados pelos Impugnantes.”.
A AT entendeu, após reapreciação interna, dever emitir novas liquidações, precisamente as que estão em causa nos presentes autos, embora respeitando integralmente a sentença do TAF de Coimbra, tendo-o feito, respectivamente, para a liquidação de IRS do ano de 2010, no montante de € 8.169,45, notificada pessoalmente ao Requerente em 22-07-2020 e a liquidação do ano de 2011, em 24-07-2020.
Não se trata, portanto, de liquidações correctivas, porquanto tais seriam ilegais, em violação directa da sentença do TAF de Coimbra, mas sim de novas liquidações, embora respeitando o segmento decisório do TAF no processo de Impugnação n.º 186/4.7BECBR, facto que em momento algum é posto em causa pelos Requerentes no presente processo.
O que estes vêm dizer é que tratando-se de novas liquidações, as mesmas teriam caducado, pois se referem aos anos fiscais de 2010 e 2011 e tendo a notificação das mesmas ocorrido em Julho de 2020 há muito que teriam caducado.
A AT, por sua vez, discorda de tal entendimento, pois entende que no que se refere ao ano de 2010 o inicio do prazo de caducidade do direito à liquidação ocorre em 01.01.2011, e que tendo sido apresentada reclamação graciosa em 31/05/2013, tendo passado 2 anos e 3 meses e sendo que a decisão judicial no processo de impugnação judicial n.º 186/4.7BECBR, apenas transitou em julgado em 07.10.2019, retomando-se o prazo de contagem, pelo que no dia 7 do mês de março, haveria que acrescer 6 meses aos 2 anos e 3 meses, prévios à reclamação graciosa. Concluí que dispõe atualmente do prazo de 1 ano e três meses para exercer o direito à liquidação do IRS de 2010. E que mesmo que se pretenda que o prazo se inicie apenas com a acção de impugnação judicial, apresentada em 13.03.2014, sempre disporia de cerca de 5 meses.
No que concerne ao IRS de 2011, entende que o prazo de caducidade de 4 anos inicia-se em 01.01.2012. Apresentada a reclamação graciosa pelos Requerentes em 31.05.2013, mostra-se decorrido 1 ano e 5 meses. E que tendo transitado em julgado a decisão judicial no processo de impugnação judicial n.º 186/4.7BECBR em 07.10.2019, no dia 7 do mês de março, há que acrescer 6 meses ao 1 ano e 3 meses prévios à reclamação graciosa, perfazendo 1 ano e nove meses, dispondo neste caso a AT de mais 2 anos e 3 meses para proceder à liquidação. Também caso se pretenda que o prazo se inicie com a acção de impugnação judicial, apresentada em 13.03.2014, a AT sempre disporia de 1 ano e três meses para liquidar o imposto.
E que o prazo de caducidade suspendeu-se desde o inicio do litigio judicial (Impugnação Judicial) até ao transito em julgado da decisão deste processo.
Sobre isto os Requerentes nada disseram.
Por outro lado, vem igualmente dizer que a emissão das novas liquidações se fez como decorrência da impugnação judicial transitada em julgado, sendo o prazo de caducidade suspenso a partir da sua apresentação até à decisão - (Alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT).
Vejamos.
Não estando em causa a natureza das liquidações que este Tribunal já considerou terem uma natureza de novas liquidações, a questão que importa apreciar é se a AT estava impedida por via do decidido no aresto proferido no processo n.º 186/4.7BECBR de o fazer, e, se o tendo feito, padeceriam essas mesmas liquidações do vício da sua caducidade.
Ora, adianta já o Tribunal, que não há nada na lei que impeça a AT de emitir novas liquidações em obediência ao decidido pelo Tribunal, conquanto ainda tenha prazo para o fazer.
In casu, no que não é um facto controvertido, a AT limitou-se a emitir novas liquidações, respeitando, integralmente, o comando que lhe foi imposto pelo TAF de Coimbra nesse aresto, tendo a Impugnação sido precedente apenas quanto ao direito à dedução prevista no n.º 2 do artigo 81.º do CIRS, a efetuar de acordo com o artigo 23.º da referida Convenção e tendo o Tribunal apenas dado razão aos Impugnantes quanto à consideração da dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional, embora determinando a anulação integral das liquidações em causa nesse aresto que não podiam ser aproveitadas, pelo que dúvidas não há de que pode a AT efetuar as liquidações de IRS em que considera o contribuinte marido como residente em Portugal, e considera o imposto suportado na Suíça nos anos em causa, em execução daquela sentença judicial.
A isso, desde logo, está obrigada pelos princípios da legalidade e da justiça material.
Ora, tendo-o feito, será que aquelas liquidações ainda respeitaram o prazo de caducidade?
O artigo 45.º da LGT sob a epígrafe da Caducidade do direito à liquidação vem dispor como segue:
“1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
(…)
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”.
Por seu turno o artigo 46.º da mesma lei, sobre a suspensão do prazo de caducidade vem dizer:
“ 1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção.
2 - O prazo de caducidade suspende-se ainda:
a) Em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão;
b) Em caso de benefícios fiscais de natureza contratual, desde o início até à resolução do contrato ou durante o decurso do prazo dos benefícios;
c) Em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição;
d) Em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão.”.
Negrito do Tribunal.
Sobre o alcance do estipulado na alínea d) do citado n.º 2 do artigo 46.º da LGT, veja-se a apreciação que fez o recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 442/17.2BEBJA [1].
“A caducidade é um instituto por via do qual todos os direitos se extinguem, se não forem exercidos durante certo período de tempo. Constitui uma garantia dos contribuintes e por isso sujeita ao princípio da legalidade tributária e da reserva de lei formal, decorrente do art.º 103º da CRP, porque estabiliza as situações jurídicas que ao fim de certo lapso de tempo se tornam certas e inatacáveis.
"No âmbito do Direito Tributário a caducidade do direito à liquidação prende-se, com a validade substancial do acto tributário, contendendo com a sua validade e, por consequência, constitui fundamento da impugnação judicial. Como refere JOAQUIM GONÇALVES «a obrigatoriedade da notificação da liquidação no prazo de caducidade não retira ao próprio acto da notificação a natureza do requisito de eficácia, embora para efeitos de caducidade tal notificação tenha, por força da lei, definido um regime especial, pois que releva, agora, também como pressuposto da caducidade do direito à liquidação por parte do Estado, esta, sim, uma ilegalidade concreta que afecta a validade do acto de liquidação e que, como tal, é susceptível de fundamentar a respectiva impugnação». ("A caducidade face ao direito tributário", in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 237).(cfr. Ac. TCA Sul de 21.05.2020 – proc. 616/08.7BESNT).
(…)
E quanto à caducidade do direito de liquidar tributos, estabelece o artigo 45.º, n.º1 da Lei Geral Tributária (LGT) que "o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro".
No caso concreto, estamos perante um imposto periódico (IRS) pelo que o prazo de caducidade conta-se, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr. nº 4 do artigo 45.º da LGT).
(…)
Mas importa referir que o decurso do prazo de caducidade suspende-se nos casos previstos no art.º 46º da LGT, em especial no que para aqui interessa, em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão (alínea d) do n.º 2 do art. 46º LGT).
Na sequência da decisão proferida no processo de impugnação judicial nº 334/11.9BEBJA que ditou a anulação do IRS de 2009, foi emitida em 22.03.2016 a liquidação n.º ........ É desta liquidação que os recorridos deduziram impugnação judicial com o fundamento da caducidade do direito à liquidação. É, pois, neste contexto e perante o quadro factual provado, que importa, apurar se a liquidação impugnada é, de facto, ou não, uma nova liquidação, autónoma e distinta da anterior, logo susceptível de ter sido praticada para além do prazo de caducidade do direito à liquidação.
Destacamos sobre esta matéria o que foi referido no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo em 18.04.2018 no processo nº 410/17.4BESNT "Releva, nesta matéria, de forma nuclear como de seguida se compreenderá, a delimitação dos conceitos de acto de anulação, de liquidação adicional e de reforma de tal tipo de actos tributários. Ora, como doutamente doutrina o Prof. Alberto Xavier a anulação é o acto pelo qual a Administração Fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária superior à que decorre directamente da lei. A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio. Os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que, consequentemente, os destrói retroactivamente. Por sua vez, o acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de uma omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto "adiciona-se" ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida. Por último, a reforma do acto tributário verifica-se quando, por posterior variação da matéria colectável, a lei manda substituir a liquidação praticada, ainda que correctamente, com base na expressão daquela matéria ao tempo em que a Administração Fiscal a realizou. Ao contrário do que se passa na anulação e no acto tributário adicional não se verifica aqui um vício originário mas uma modificação superveniente do seu objecto (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/3/2006, rec. 1284/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/5/2007, rec.133/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/11/2009, proc. 2981/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4076/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.5908/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, Coimbra, 1972, pág.127 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.365 e seg.)."
E acrescenta-se ainda que "havendo decisão judicial, transitada em julgado, a declarar a anulação total do acto de liquidação adicional, tal anulação tem como efeito a eliminação do mesmo acto tributário da ordem jurídica".
Aplicando este entendimento ao caso em apreço, constatamos que o acto de liquidação sindicado incorpora uma nova liquidação, autónoma e diferente da anterior liquidação.
(…)
Vejamos agora a questão da aplicação do normativo constante na alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT, nos termos da qual, o decurso do prazo de caducidade suspende-se, caso o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão.
Segundo Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in LGT Anotada, esta norma "...parece ter de reportar-se aos casos em que é apresentada uma dessas formas de impugnação e, na sequência de anulação administrativa ou judicial há possibilidade de praticar um novo acto de liquidação sem incompatibilidade com o decidido.
Na verdade, em rigor, o direito de liquidação nunca resulta de uma anulação de uma reclamação graciosa ou de uma impugnação judicial, pois são meios de anulação de actos tributários e não declarativos de direitos, designadamente para a administração tributária, que neles ocupa o lado passivo. Por outro lado, a reclamação graciosa e a impugnação judicial são meios de impugnação de actos de liquidação, pelo que aquela alínea d) se reporta a situações em que o direito de liquidação já foi exercido e houve impugnação administrativa ou judicial.
Por isso, aquela expressão parece só poder reportar-se aos casos em que há um direito de liquidação renovado na sequência de uma reclamação graciosa ou impugnação judicial". E esse direito de liquidação deve entender-se como reportado "...aos casos em que é apresentada uma dessas formas de impugnação e, na sequência de anulação administrativa ou judicial, há possibilidade de praticar um novo acto de liquidação sem incompatibilidade com o decidido"
De acordo com este entendimento, se a decisão judicial determinar a anulação do acto tributário, a lei reconhece a possibilidade de praticar novo acto de liquidação que não seja incompatível com o decidido.
Ora é essa a situação dos presentes autos em que a nova liquidação decorreu da decisão de impugnação judicial não havendo incompatibilidade com o decidido, e assim sendo, ocorreu a suspensão do prazo de caducidade nos termos da alínea d) do nº 2 do art. 46º da LGT, entre 23.09.2011 (data da apresentação da impugnação judicial– cfr. alínea e) do probatório) e 09.04.2014 (data da prolação da decisão cfr. alínea f) do probatório).”.
Negrito do Tribunal
E é, de igual modo, precisamente a situação das liquidações em crise nos presentes autos, pois, como já se disse, as mesmas resultam da decisão proferida no processo de impugnação judicial que correu no TAF de Coimbra, não tendo em momento algum isso sido posto em causa pelos ora Requerentes, nem invocando estes que as liquidações em causa não tenham dado integral e correcta execução ao que havia sido decidido em sede de impugnação judicial, nem imputando às liquidação agora impugnadas qualquer vício que não afectasse já as liquidações iniciais.
Ora, se assim é, então ao caso tem plena aplicação a alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT, que manda suspender o prazo de caducidade no caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão.
Atendendo que o prazo de caducidade do IRS de 2010 e 2011 se iniciou, respectivamente, em 01.01.2011 e 01.01.2012, tendo esse prazo sido suspenso desde 31/05/2013, e posteriormente por todo o tempo em que esteve pendente o processo de Impugnação Judicial n.º 186/4.7BECBR, tendo apenas transitado em julgado em Outubro de 2019, quando os ora Requerentes foram notificados das novas liquidações em Julho de 2020, facilmente se descortina que ainda não tinha decorrido o prazo de 4 anos da caducidade do direito à liquidação.
Razão pela qual improcede este pedido dos Requerentes.
Seguidamente pedem ao Tribunal que aprecie todos os argumentos aduzidos no contencioso judicial relativo ao processo de Impugnação n.º 186/4.7BECBR, na medida em que se está perante novas liquidações e por outro, porque na referida Sentença, as liquidações alvo de impugnação foram totalmente anuladas.
Ora, quanto a este pedido diga-se, desde já, que o mesmo é manifestamente improcedente.
Em primeiro lugar porquanto apesar de se tratarem de novas liquidações, a mesmas derivam, unicamente, como vimos, da decisão proferida no processo de impugnação judicial que correu no TAF de Coimbra, não sendo esse um facto controvertido.
Em segundo lugar porque pretender que o Tribunal Arbitral venha reapreciar uma decisão proferida por um Tribunal Judicial, ainda para mais já transitada em julgado, é manifestamente impossível por duas vias, primeiramente porque este Tribunal não é uma instância de recurso, logo não dispondo de competência para tal, por outro lado, porque a proceder o pedido dos Requerentes, tal representaria uma violação das regras do caso julgado, pois sobre o litígio objecto dos presentes autos, para os mesmos Requerentes e relativamente ao mesmo período de tributação, já o TAF de Coimbra se pronunciou, verificando-se assim, cumulativamente, a tripla identidade – quanto às partes, ao pedido e à causa de pedir – pelo que, desde logo, estariam preenchidos os requisitos necessários à verificação de caso julgado, o que sempre consubstanciaria uma excepção dilatória nos termos do artigo 577.º al. i) do CPC aplicável, ex vi, art. 29.º do RJAT.
Razão pela qual improcede também este pedido dos Requerentes.
6. Decisão
Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:
- Julgar improcedente a excepção invocada pela Requerida e julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado pelos Requerentes.
* * *
Fixa-se ao processo o valor de € 17.128,91, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Custas no montante de € 1.224,00, a cargo dos Requerentes, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2022.
O árbitro,
Dr. Henrique Nogueira Nunes
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Acessível em www.dgsi.pt