Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 610/2020-T
Data da decisão: 2022-02-11  IRC  
Valor do pedido: € 1.142.234,75
Tema: IRC - 2015 – Perdas por imparidade relativamente a suprimentos e prestações acessórias- (in) dedutibilidade para efeitos fiscais.
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Sumário:

I - As perdas por imparidades relativas a suprimentos e prestações acessórias no período de tributação em IRC do ano de 2015 são fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 28º-A, do CIRC (redação à data). II - Uma das atividades das instituições de crédito que se encontra expressamente prevista no respetivo regime jurídico é “(...) a tomada de participações no capital de sociedades (...)”, sendo habitual que as sociedades participadas sejam financiadas através de suprimentos ou prestações suplementares/acessórias (art.º 4º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, contido no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

III - O procedimento de prova do preço efetivo na transmissão onerosa de imóveis previsto no artigo 139º, do CIRC, pressupõe a prévia notificação do SP dos VPT’s definitivos dos respetivos imóveis.

IV - Para efeitos tributários, designadamente do disposto no artigo 64º, do CIRC, a rescisão antecipada de contrato de locação financeira equivale a transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis.

V - São os rendimentos líquidos das Unidades de participação em fundos que são os abrangidos pela expressão “os mesmos” do artigo 22º-3, do EBF.

 

                                                               Decisão arbitral                      

 

Acordam os árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Jorge Carita e Cristina Maria da Costa Pinto (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral coletivo, no seguinte:

 

A  – relatório

 

  1. Em 6 de novembro de 2020, o A..., S.A, NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Porto, doravante designado por “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista:
  1. À declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2015, e respetiva revogação,
  2. À declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2015, no montante a reembolsar de € 18.623.278,68 (dezoito milhões, seiscentos e vinte e três mil, duzentos e setenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos), e respetiva anulação;
  3. E ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

  1. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pelos seus mandatários, Dr.ª B..., Dr. C... e Dr.ª D..., e a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelas juristas, Dr.ª E... Saramago e Dr.ªF... .

 

  1. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários que aceitaram o encargo no prazo legalmente estipulado.

 

  1. O presente tribunal foi constituído no dia 3 de maio de 2021, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 a, em Lisboa.

 

  1. A Requerida, depois de notificada para apresentar a sua resposta, ofereceu, no dia 21 de maio de 2021, um requerimento mediante o qual solicita a prorrogação do prazo de apresentação da mesma, pelo período de 15 dias, invocando a acumulação de diversos processos com termo de prazo de resposta para a mesma data.

 

  1. No mesmo dia, aceitando os fundamentos invocados pela Requerida, o tribunal proferiu despacho mediante o qual concedeu a solicitada prorrogação do prazo.

 

  1. A Requerida ofereceu a sua resposta e o respetivo processo administrativo, no dia 23 de junho de 2021, defendendo-se por exceção e por impugnação.

 

  1. O tribunal, por despacho de 1 de julho de 2021, notificou o Requerente para, no cumprimento do princípio do contraditório, se pronunciar sobre as exceções deduzidas pela Requerida, o que fez, através do requerimento que apresentou no dia 15 de julho de 2021.

 

  1. Por despacho de 20 de julho de 2021, o tribunal dispensou a reunião com as partes prevista no artigo 18.º do RJAT, em virtude de se tratar de um processo não passível de definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e atendendo a que foi exercido o contraditório quanto às exceções invocadas pela Requerida e notificou as partes para apresentarem as alegações escritas respetivas no prazo de 20 dias, considerando que os autos contêm os elementos de prova essenciais à prolação da decisão.

 

  1. No despacho referido em 9., supra, o tribunal determinou que a decisão final seria proferida no dia 20.10.2021, e advertiu, por último, a Requerente que, até à data indicada, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, e comunicar tal pagamento ao CAAD.

 

  1. O Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações, nos dias 21 e 22 de setembro de 2021, respetivamente.

 

  1. Por despacho de 20 de outubro de 2021, o tribunal prorrogou, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, o prazo para conclusão do processo previsto no artigo 21º-1, do RJAT, na consideração de que, designadamente, no cômputo desse prazo foi abrangido, sem suspensão na sua contagem, o período de férias judiciais de verão.

 

  1. Este prazo foi ulterior e novamente prorrogado nos termos do despacho de 28-12-2021.

 

A posição do requerente

 

O Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2015, e respetiva anulação, bem como, a declaração da ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, apontando jurisprudência diversa e anunciando a violação de princípios constitucionais e de lei substantiva, da seguinte forma:

 

  1. Da correção realizada quanto a perdas por imparidade relativas a suprimentos e prestações acessórias, constituídas no período de tributação de 2015, as quais, segundo entende o Requerente, devem ser fiscalmente dedutíveis, nos termos do disposto no artigo 28.º-A, n.º 2 do Código do IRC (na redação à data dos factos), porque apesar de não preencherem o conceito de «atos ocasionais e isolados, alheios à atividade bancária», se incluírem na atividade normal da sociedade;

 

  1. Da correção realizada respeitante à diferença positiva entre o Valor Patrimonial Tributário do imóvel e o valor constante do contrato, sustenta o Requerente que a correção efetuada pelos serviços de inspeção com fundamento no disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º e artigo 139.º do Código do IRC é manifestamente ilegal, porquanto,
  1. Por um lado, no que respeita à prova efetiva do preço na transmissão dos imóveis em que foi acionado o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, refere que «não só o pedido apresentado pelo Requerente nos termos do artigo 139.º do Código do IRC cumpria os requisitos legais, como igualmente, atentos os pressupostos que originaram a apresentação por parte do Requerente de tal pedido de prova do preço efetivo se têm por verificados, devendo em consequência, o mesmo ser deferido e, nessa medida, determinar-se a anulação da correção sub judice e o ato tributário sob impugnação nesta parte.;
  2. Por outro, no que concerne à prova do preço efetivo na transmissão dos imóveis em que não foi acionado o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, defende que «[n]o caso sub judice, a administração tributária não notificou o Requerente, sujeito passivo de IRC, dos valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis supra identificados», «razão pela qual não recorreu, para efeitos do afastamento da presunção consagrada no anterior artigo 64.º, n.º 2 do Código do IRC, ao procedimento previsto no artigo 139.º do mesmo diploma legal», pelo que «inexistindo qualquer valor patrimonial definitivo legalmente eficaz que deva prevalecer sobre a autoliquidação do sujeito passivo com base no valor da venda, enferma de ilegalidade a correção à matéria coletável sub judice e a liquidação adicional de IRC baseada naquele valor.»
  1. Da correção efetuada referente ao imposto retido ou devido por fundo de investimento imobiliário, a qual, segundo entende o Requerente «resulta da errónea interpretação do artigo 22.º, n.º 3 do EBF», porquanto esta norma «configura, assim, uma norma excecional em matéria de tributação de rendimentos de unidades de participação auferidos por sujeitos passivos de IRC, face ao regime geral do IRC e, em concreto, ao disposto no artigo 68.º, n.º 2 do Código do IRC, ditando, assim, a inaplicabilidade do último ao caso em apreço.»
  2. Da correção pelo adquirente do imóvel quando adota um VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão no caso dos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, mencionando o Requerente, quanto a esta matéria «dever concluir-se que a resolução do contrato de locação financeira equivale a uma transmissão onerosa de direito reais sobre imóveis a favor do locador. E se assim é, o valor do ato ou contrato para efeitos do artigo 64.º do Código do IRC só pode ser o valor pelo qual o locador readquire a plena propriedade do imóvel ao locatário, correspondente ao valor das rendas vincendas à data da resolução, e não ao valor de aquisição do imóvel.» concluindo pela ilegalidade da correção realizada pela inspeção tributária.

 

Por último, requer o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

 

Posição da requerida

 

Inicia a Requerida a sua resposta invocando as seguintes exceções:

  1. A exceção «da inimpugnabilidade do ato de liquidação, na parte em que se encontra influenciado pelas correções relativas à diferença positiva entre o Valor Patrimonial Tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, por não ter acionado o procedimento de prova previsto no artigo 139.º do CIRC»,
  2. A exceção «da incompetência do Tribunal Arbitral para validar os valores de venda dos imóveis pretendido pelo Requerente»,
  3. A exceção «da incompetência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral para conhecer da falta de notificação do valor patrimonial definitivo dos imóveis»,

Refutando, depois, os argumentos tecidos pelo Requerente, por impugnação.

No que respeita à exceção «da inimpugnabilidade do ato de liquidação, na parte em que se encontra influenciado pelas correções relativas à diferença positiva entre o Valor Patrimonial Tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, por não ter acionado o procedimento de prova previsto no artigo 139.º do CIRC», sustenta a requerida que «o procedimento previsto no n.º 3 do artigo 139.º do CIRC que visa a demonstração pelo sujeito passivo de que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT, constitui uma condição de procedibilidade da impugnação quando nesta se pretenda discutir o preço pelo qual o imóvel foi alienado; o legislador consagrou uma presunção e um mecanismo específico de elisão dessa presunção, impondo expressamente a consequência, em sede de impugnação contenciosa, da sua preterição.»

 

Acrescenta, ainda quanto a esta exceção que «não tendo a Requerente lançado mão do procedimento previsto no artigo 139.º, n.º 3 do CIRC não pode agora pretender impugnar as correções efetuadas pelos SIT e cabalmente fundamentadas no artigo 64.º do CIRC. Ou seja, não pode agora o Requerente pretender realizar o procedimento de prova que, por opção, não utilizou em tempo e em sede próprios, mostrando-se extensa a argumentação expendida como fundamento da sua pretensão em diversas inconstitucionalidades, relativamente às quais já se pronunciou o STA (…).» para concluir no sentido de que «a omissão do procedimento de prova do preço efetivo do imóvel, enquanto condição de procedibilidade do presente pedido de pronúncia arbitral, resulta na inimpugnabilidade dos atos de liquidação na parte em que se encontra influenciado pela correção, o que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição parcial da entidade requerida da instância, nos termos da alínea i) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e do artigo 576.º, n.º 2 do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea c) do RJAT (…)».

 

No que concerne à invocada exceção «da incompetência do Tribunal Arbitral para validar os valores de venda dos imóveis pretendido pelo Requerente», aduzindo que «a pretensão jurídica formulada pelo Requerente reconduz-se ao reconhecimento de um direito ou ao pedido de condenação à prática de um ato devido que não poderão ser obtidos por via da presente ação arbitral, a qual como é consabido constitui uma modalidade de contencioso de mera legalidade. Deste modo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral, a qual obsta do conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade requerida da instância, atento o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e nos artigos 576.º, n.º 2 e 577, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º , n.º 1 alíneas c) e e) do RJAT.»

 

No que respeita à exceção da «da incompetência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral para conhecer da falta de notificação do valor patrimonial definitivo dos imóveis», defende a Requerente que «o VPT de imóveis é o resultado de um procedimento previsto no CIMI, sendo a inscrição de prédios na matriz e a atualização desta efetuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, (…). Assim, em regra, também o Valor Patrimonial Tributário dos prédios é determinado por avaliação, com base em declaração do sujeito passivo (…).» e caso não concorde com o resultado de uma avaliação direta de prédios urbanos, pode o sujeito passivo ou o chefe de finanças requerer ou promover uma segunda avaliação (…).

 

Avança a Requerida no sentido de que «[(...)qualquer resultado de uma avaliação tem de ser notificado, como foi, ao sujeito passivo que era o então proprietário do imóvel, por forma do disposto no artigo 76.º do CIMI. Acresce que, a avaliação patrimonial dos imóveis é suscetível de impugnação autónoma (…) pelo que, o que é certo é que o VPT se tornou definitivo, uma vez que, o Requerente não impugnou, em tempo, o resultado de qualquer avaliação», pelo que «não pode agora o Tribunal Arbitral conhecer e decidir sobre a prática de qualquer ilegalidade nesse processo de fixação (...)»

 

Termina referindo que «verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral, a qual obsta do conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade requerida da instância, atento o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e nos artigos 576.º, n.º 2 e 577, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º , n.º 1 alíneas c) e e) do RJAT.»

 

E, agora por impugnação, rebate a Requerida os argumentos da Requerente, defendendo, «as correções contestadas estão em absoluta conformidade com a lei, não ocorrendo qualquer vício que deva ditar a sua anulação», pelo que não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios» 

 

Concluindo, a final, a Requerida, no sentido da procedência das exceções por si invocadas, «ou caso assim não se entenda», pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

B  - Saneamento

A competência material do tribunal

 

A Requerida invoca a incompetência do Tribunal Arbitral para a apreciação da questão que se relaciona com o preço da transmissão dos imóveis com a alegação de que tal competência lhe pertence unicamente a ela porque o ato de deferimento da prova do preço efetivo envolve valorações próprias do exercício da atividade administrativa e não pode o Tribunal Arbitral substituir-se à AT e determinar o conteúdo do ato a praticar pela mesma, nem sindicar a diferença positiva entre o VPT definitivo do imóvel e o valor constante do respetivo contrato, decorrente do não acionamento do mecanismo de prova previsto no artigo 139.º do CIRC.

Sucede que o Tribunal Arbitral não pretende substituir-se à AT e praticar atividade administrativa que extravase os limites que a lei lhe determina.

O Tribunal Arbitral visa unicamente apreciar, no caso, a legalidade da aplicação do disposto no artigo 139.º do Código do IRC feita pela AT.

E para esta apreciação tem o Tribunal Arbitral competência, inserida que está esta claramente na que o legislador fixou para os tribunais arbitrais, nos termos previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 1º, do RJAT, uma vez que visa, designadamente, a apreciação da legalidade dos atos de fixação de valores patrimoniais.

Termos em que não procede a exceção invocada pela AT, sendo o Tribunal Arbitral materialmente competente para apreciar a questão que lhe foi colocada.

 

O processo, em que não se surpreendem nem estão invocadas nulidades, é o próprio e as partes legítimas e detentoras de capacidade jurídica e judiciária.

 

Questão prévia: da impugnabilidade do ato

 

Para além da exceção de incompetência material, já apreciada e decidida, suscita a AT a exceção ou questão prévia traduzida na alegada “ (...) Inimpugnabilidade do ato de liquidação na parte em que se encontra influenciado pelas correções relativas à diferença positiva entre o Valor Patrimonial Tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, por não ter sido acionado o procedimento de prova previsto no artigo 139º, do CIRC”

Como se deixou anteriormente referido, sustenta a Requerida que «o procedimento previsto no n.º 3 do artigo 139.º, do CIRC, que visa a demonstração, pelo sujeito passivo, de que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT, constitui uma condição de procedibilidade da impugnação quando nesta se pretenda discutir o preço pelo qual o imóvel foi alienado; o legislador consagrou uma presunção e um mecanismo específico de elisão dessa presunção, impondo expressamente a consequência, em sede de impugnação contenciosa, da sua preterição (...)» e que «não tendo a Requerente lançado mão do procedimento previsto no artigo 139.º, n.º 3 do CIRC não pode agora pretender impugnar as correções efetuadas pelos SIT e cabalmente fundamentadas no artigo 64.º do CIRC. Ou seja, não pode agora o Requerente pretender realizar o procedimento de prova que, por opção, não utilizou em tempo e em sede próprios, mostrando-se extensa a argumentação expendida como fundamento da sua pretensão em diversas inconstitucionalidades, relativamente às quais já se pronunciou o STA (…).» para concluir no sentido de que «a omissão do procedimento de prova do preço efetivo do imóvel, enquanto condição de procedibilidade do presente pedido de pronúncia arbitral, resulta na inimpugnabilidade dos atos de liquidação na parte em que se encontra influenciado pela correção, o que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição parcial da entidade requerida da instância, nos termos da alínea i) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e do artigo 576.º, n.º 2 do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea c) do RJAT (…)».

 

Apreciando a questão:

O Requerente alegou que não acionou o procedimento de prova de preço efetivo regulado pelo artigo 139.º do Código do IRC porque não tinha sido notificado pela AT do Valor Patrimonial Tributário definitivo.

 

A Requerida não logrou fazer prova da notificação (cfr infra, factos provados e não provados).

Nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, apenas se pode considerar o Valor Patrimonial fixado para o imóvel a título definitivo e a definitividade depende da notificação ao contribuinte, uma vez que só após a notificação, ele pode reagir contra a fixação do valor.(sublinhado nosso).

Pois bem, o n.º 3 do art.º 139.º, do Código do IRC, contém um prazo e, consequentemente, sem a existência de uma notificação não se pode considerar iniciada a contagem do referido prazo, não havendo, por isso, lugar à aplicação da condição de procedibilidade da impugnação prevista no n.º 7 do artigo 139.º do Código do IRC.

É esta a linha de entendimento que tem vindo a ser seguida quer pelo Supremo Tribunal Administrativo, quer pelos Tribunais Administrativos Centrais. Assim é que decidiu o STA em acórdão de 19/9/2012 (proc. N.º 0659/12) que “ (...) 1. Os atos tributários estão sujeitos a fundamentação (art. 268º, n.º 3, art. 77º da LGT e art. 125º do CPA). 2. A fundamentação do ato de fixação do VPT, quer resulte de avaliação quer resulta de atualização, deve ser comunicada ao sujeito passivo de IMI a liquidar com base nessa matéria tributária (...)”.

Os dois números do aresto identificado no parágrafo anterior foram depois reproduzidos no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15/9/2016, proferido no âmbito do proc. N.º 01067/07.6BEPRT.

Destarte, se o sujeito passivo não foi notificado do resultado da avaliação dos seus imóveis, não se vê como poderia ter acionado o procedimento previsto no n.º 7 do artigo 139.º, uma vez que nem sequer lhe era dado saber se estava ou não a vender por valor inferior ao constante do VPT.

Termos em que improcede a questão/exceção suscitada.

 

O tribunal é assim competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

 

C - FUNDAMENTAÇÃO

Os factos

À luz do exposto, com relevo para a decisão, é de fixar o seguinte quadro factual:

  1. Factos provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente é uma instituição de crédito que se dedica principalmente à atividade de comércio bancário, sujeito à supervisão do Banco de Portugal de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), previsto no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro – cfr. Processo administrativo;
  2. A contabilidade do Requerente foi objeto de uma ação de inspeção de âmbito geral com incidência no período de tributação de 2015, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2017... ordenada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, a qual teve início no dia 22.05.2017, sendo o seu prazo prorrogado pelo período de 3 meses face à autorização do Chefe da divisão de inspeção a bancos e outras instituições financeiras, por subdelegação de competências – cfr. Processo Administrativo;
  3. O Requerente, no dia 7 de dezembro de 2017, foi notificado do Projeto de Relatório de Inspeção resultante da ação de inspeção referida em b., supra, e para exercer, querendo, o direito de audição prévia que lhe assistia ao abrigo do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) – cfr. Doc. n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral; 
  4. No dia 22 de dezembro de 2017, o Requerente exerceu o direito de audição prévia sobre o supracitado Projeto de Relatório de Inspeção Tributária – cfr. Doc. N.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
  5. No dia 2 de março de 2018, o Requerente foi notificado do Relatório Final de Inspeção Tributária - cfr. Doc. N.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral;

 

  1. Do referido Relatório de Inspeção, no que ao IRC do período de tributação de 2015, diz respeito, resulta o seguinte: - cfr. Doc. N.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral;

«1.4 Descrição sucinta das correções da ação de inspeção

1.4.1 - Correções à matéria tributável — IRC

1.4.1.1 - Provisão para riscos gerais de crédito - € 5.561.320,24

 

 - Montante correspondente ao saldo da provisão para riscos gerais de crédito que excedia, em 2015-12-31, os limites mínimos exigidos pelo banco de Portugal e que deveria ser considerada como componente positiva do lucro tributável, por existir ainda um saldo não tributado destas provisões na importância de 69.613.445,17 (ver ponto iii. 1 .1.1 do presente documento).

- O sujeito passivo pronunciou-se, em sede de direito de audição, quanto à correção proposta no projeto de relatório, tendo a mesma sido mantida, de acordo com os fundamentos descritos no ponto ix. 1 do presente documento.

 

1.4.1.2 - Perdas por imparidade em ativos não financeiros fiscalmente não dedutíveis: € 467.357,70,

Acréscimo à matéria tributável da importância relativa às perdas por imparidade em suprimentos e prestações acessórias, classificadas como "imparidades em ativos não financeiros”, contabilizadas na conta 76941 por não se enquadrarem no disposto na legislação supraindicada como créditos "resultantes da atividade norma/ do sujeito passivo" (ver ponto iii. 1.1.2 do presente documento).

 

- O sujeito passivo pronunciou-se, em sede de direito de audição, quanto à correção proposta no projeto de relatório, tendo a mesma sido mantida, de acordo com os fundamentos descritos no ponto ix. 1 do presente documento.

 

1.4.1.3 - Diferença positiva entre o Valor Patrimonial Tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato: € 5.620.460,36

[Ajustamento ao lucro tributável decorrente da diferença positiva entre o valor patrimonial dos imóveis alienados e o valor constante dos respetivos contratos de venda (ver ponto iii. 1.1.3 do presente documento)].

 

1.4.1.4 — Imposto retido ou devido por fundo de investimento imobiliário: € 1.031.539,64

[Acréscimo ao lucro tributável relativamente ao imposto retido ou devido na esfera do fundo de investimento imobiliário, que não foi contabilizado em contas de resultados, nem acrescido à base tributável de IRC (ver ponto iii. 1 .1.4 do presente documento)].

 

- O sujeito passivo pronunciou-se, em sede de direito de audição, quanto à correção proposta no projeto de relatório, tendo a mesma sido mantida, de acordo com os fundamentos descritos no ponto ix. 1 do presente documento.

 

 

1.4.1.5 Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão: € 5.142.876,52

[Ajustamento ao lucro tributável, relativo à correção pelo adquirente do imóvel quando adota o Valor Patrimonial Tributário (VPT) para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão, decorrente da diferença entre o valor apurado pelo banco e o valor que resulta da aplicação do art. 64º, do CIRC e das regras constantes do N.º 4 do artº 12º, do CIMT (ver ponto 11 1. 1 1 .5 do presente documento]

 

- O sujeito passivo pronunciou-se, em sede de direito de audição, quanto à correção proposta no projeto de relatório, tendo a mesma sido mantida, de acordo com os fundamentos descritos no ponto ix. 1 do presente documento.

(…)»

  1. No dia 15 de março de 2018 foi o Requerente notificado da demonstração da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2018..., de 05.03.2021, da qual resulta um montante a reembolsar de € 18.623.278,68 (dezoito milhões, seiscentos e vinte e três mil, duzentos e setenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos) – cfr. Doc. n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
  2. O Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação identificado em g. supra, solicitando ainda o reconhecimento como custos fiscais, em IRC, das correções de IVA e IS decorrentes da mesma inspeção – cfr. Doc. n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
  3. No início de julho de 2020, o Requerente foi notificado do projeto de indeferimento da reclamação graciosa identificada em h., proveniente da Direção de Serviço Central da UGC - Unidade dos Grandes Contribuintes e para, querendo, exercer o direito de audição prévia que lhe assiste ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT – cfr. Doc. n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
  4. Nesta sequência, o Requerente exerceu o direito de audição prévia para o qual foi notificado. – cfr. Doc. n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
  5. Em agosto de 2020, o Requerente foi notificado que em 31.07.2020 foi proferido despacho no sentido do indeferimento da reclamação graciosa acima identificada, pelo Diretor de Serviço Central da UGC - Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de subdelegação de competências – cfr. Doc. N.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral -;
  6. Durante o exercício de 2015 o Requerente alienou, por venda, 247 imóveis por valor inferior ao VPT fixado e...
  7. ...relativamente aos quais apresentou requerimento com vista à comprovação do preço efetivo das citadas transmissões...
  8. ...por forma a afastar a aplicabilidade do disposto no nº 2, do artigo 64º, do CIRC (cfr Anexo 3 – Doc. n.º 5, junto com o PPA) -;
  9. Com a listagem dos imóveis em questão, juntou o Requerente cópias das escrituras públicas, documentos para comprovar o recebimento do preço de venda dos imóveis e declaração de autorização de acesso à sua informação bancária -;
  10. O Requerente procedeu à alienação dos prédios urbanos de que era proprietário pelo preço de € 17 007 280,00 ... -;
  11. ...valor que é inferior ao VPT definitivo dos respetivos imóveis -;
  12. Em março de 2016, através do ofício da AT nº..., de 24-3-2016, foi o Requerente notificado do indeferimento do seu pedido de prova do preço efetivo, fundamentando-se esse indeferimento na falta de apresentação pelo Requerente dos documentos de autorização do levantamento do sigilo bancário dos seus administradores relativamente aos exercícios de 2014 e 2015 - Cfr anexo 2, do doc. 3, junto com o PPA -;
  13. No Campo 772, do Quadro 07 da declaração periódica de rendimento referentes ao exercício de 2015, o Requerente assinalou a dedução da importância de € 5 214 335,00, a título de correção pelo adquirente quando adota o VPT definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [artº 64º-3/b), do CIRC]
  14. No dia 6 de novembro de 2020, o Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.

 

 

  1.  Factos dados como não provados

 

Não foi provado que:

- O Requerente tenha sido notificado pela AT do Valor Patrimonial Tributário (VPT) dos imóveis em causa com vista ao exercício do direito de prova do preço efetivo no ato de alienação, previsto no artigo 139.º do CIRC.

 

Motivação

 

Relativamente à fixação da matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim e apenas o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe e impõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide arbitral.

 

Para a convicção do Tribunal foram essenciais os documentos juntos aos autos, a cópia do processo administrativo junta pela AT e a posição das partes espelhadas nos respetivos articulados, tudo analisado de forma crítica por este colégio arbitral.

 

III - Fundamentação (Cont)

 

O  direito

 

Apreciando e decidindo o mérito do pedido

Questões a decidir nestes autos relativamente ao mérito do pedido

      Estão em causa nos autos no que concerne ao mérito do pedido de pronúncia arbitral, as seguintes questões:

  1. Se enferma de ilegalidade a decisão da AT de indeferimento da reclamação graciosa e a consequente liquidação adicional de IRC relativo ao ano de 2015 por violação do disposto no artigo 28.º-A/2, do CIRC (redação à data) por serem fiscalmente dedutíveis as perdas por imparidades relativas a suprimentos e prestações acessórias;
  2. Se enferma de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 64º-3/b) e 139º, do CIRC, considerando, designadamente, que não foi acionado o mecanismo previsto no artigo 139º, do CIRC porquanto a AT não notificou a Requerente dos valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis em causa;
  3. Se enferma de ilegalidade a correção referente ao imposto retido ou devido ao fundo de investimento imobiliário, por errónea interpretação do artigo 22º-3, do EBF a correção da AT respeitante à diferença positiva entre o Valor Patrimonial Tributário de imóvel e o valor constante do contrato, com a consequente inaplicabilidade, no caso, do disposto no artigo 68º-2, do CIRC e
  4. Se enferma de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 64º, do CIRC, a correção pelo adquirente de imóvel quando adota um VPT para aferir do resultado tributário na respetiva transmissão decorrente de rescisão de contrato de locação financeira que não seja o do valor pelo qual o locador readquire a plena propriedade do imóvel ao locatário do mesmo, correspondente ao valor das rendas vincendas à data da resolução contratual referida e
  5. Se serão ou não devidos pela AT juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 43º, da LGT.

Estão ainda invocadas pelo Requerente violações de princípios constitucionais que o tribunal apreciará se tal matéria não ficar prejudicada pela decisão das demais questões.

       Vejamos então cada uma das questões suscitadas pela sobredita ordem com que foram elencadas supra.

 

I - Se enferma de ilegalidade a decisão da at de indeferimento da reclamação graciosa  e a consequente liquidação adicional de irc relativo ao ano de 2015 por violação do disposto no artigo 28º-a/2, do circ (redação à data) por serem fiscalmente dedutíveis as perdas por imparidades relativas a suprimentos e prestações acessórias

            Traduz-se esta questão em saber se as perdas por imparidades em ativos financeiros no valor de €467 357,70 devem ou não ser fiscalmente dedutíveis (correção identificada no ponto iii.1, do pedido de pronúncia arbitral).

            Resulta dos autos que a correção aqui em causa foi efetuada pelos serviços de inspeção tributária com fundamento, em suma, na alegação de que as perdas por imparidade relativas a suprimentos e prestações acessórias, constituídas no período de tributação de 2015, não integrariam o conceito de “aplicações decorrentes da recuperação de créditos resultantes da atividade normal.”

Lê-se no RIT (p. 26/159):“(...) O legislador faz assim depender a aceitação fiscal das perdas por imparidade da natureza das mesmas, isto é, a dedutibilidade fiscal das perdas por imparidade em outras aplicações depende de os créditos serem ou não “resultantes da atividade normal do sujeito passivo”, pelo que, conforme já supra demonstrado, o facto de se estar perante suprimentos e outras prestações acessórias (empréstimos/prestações do sócio –A...– às sociedades) e não perante créditos resultantes da sua atividade normal, afasta a aplicação do n.º 5 do art.º 28.º-C do CIRC (que define expressamente os limites de dedutibilidade fiscal das perdas por imparidade referidas no n.º 2 do art.º 28.º-A do CIRC).(...)”

Ora uma das atividades das instituições de crédito que se encontra expressamente prevista no respetivo regime jurídico é “(...) a tomada de participações no capital de sociedades (...)”, sendo habitual que as sociedades participadas sejam financiadas através de suprimentos ou prestações suplementares/acessórias.

Com efeito, a atividade das instituições de crédito encontra-se definida no art.º 4º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, doravante também o RGICSF, contido no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

 Uma das atividades que se encontra expressamente prevista, na alínea l) do referido art.º 4º, é “a tomada de participações no capital de sociedades”. Esta atividade constitui mesmo uma das atividades principais dos bancos de investimento, sendo nesse caso extremamente comum que as sociedades participadas sejam financiadas através de suprimentos, conforme ao estatuído no art.º 243º do Código das Sociedades Comerciais.

Ora nada na lei permite concluir que a tomada de participações no capital de sociedades seja uma atividade anormal dos bancos. Com efeito, da conjugação do disposto na referida alínea l) do n.º 1 do art.º 4º do RGICSF com o estatuído na alínea a) do n.º 2 do art.º 9º do mesmo diploma resulta unicamente que a tomada de participações no capital de sociedades não é considerada uma operação de crédito, não obstante estar autorizada a ser efetuada pela primeira daquelas alíneas como atividade normal das instituições de crédito.

 O que significa que o art.º 9º, n.º 2, a) do RGICSF se limita a não considerar o regime dos suprimentos como sujeito à disciplina bancária que rege a concessão de crédito, e não a considerá-los como atividade anormal de um banco.

Não há assim qualquer fundamento, legal ou doutrinário, válido para concluir que a tomada de participações de um banco no capital de sociedade esteja subtraída à atividade normal dessas entidades.

A tomada de participações por um banco no capital de sociedades só não é considerada uma operação de crédito, não obstante estar autorizada em termos de não transformar essa atividade numa atividade anormal.

Daqui a conclusão de que não estão manifestamente excluídos pela lei os créditos por suprimentos e de que não há qualquer base legal para os excluir, uma vez que, como se referiu, é extremamente normal a sua realização por qualquer comum sócio, incluindo os bancos, nos termos das disposições referidas.

Certo que pode não ser esta (como outras haverá), uma atividade incluída na atividade principal dos bancos e até tenha um caráter, de certo modo, acessório ou menos corrente, mas tal não significa que se transfigure em atividade excluída porque não incluída no que poderá designar-se em anglicismo o core business dos bancos.

Na linha do que já tem sido decidido pela jurisprudência arbitral, assiste assim razão à Requerente, no que a esta correção diz respeito – cfr, v.g. o acórdão arbitral proferido no processo do CAAD n.º 371/2017, que aqui se segue de perto.

 

II - Se enferma de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 64º-3/b) e 139º, do circ, considerando, designadamente, que não foi acionado o mecanismo previsto no artigo 139º, do circ porquanto a at não notificou a requerente dos valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis em causa;

            A citada correção foi efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária com fundamento no disposto na alínea b) do n.º 3 e n.º 4 do artigo 64.º e artigo 139.º, ambos do Código do IRC.

A Requerente, designadamente, não apresentou, tal como previsto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, autorização de acesso à informação bancária dos seus administradores.

Vejamos:

Resulta da Lei a existência de processo ou procedimento para que seja considerado pela AT nas alienações de imóveis preço inferior ao VPT definitivo dos imóveis - Cfr artigos 64º-2, 3 e 5 e 139º - 1 e 3, do CIRC e 91º e 92º, da LGT.

Nesse procedimento inclui-se a concessão à AT de autorização de acesso à informação bancária, quer do Requerente, quer dos seus administradores ou gerentes, referente ao período de tributação em que ocorreram as transmissões respetivas e ao período anterior às mesmas - Cfr nº 6, do citado artigo 139º.

Neste concreto quadro normativo ou procedimental é que é colocada a questão de saber quais as consequências da omissão da anexação ao pedido de demonstração ou prova do preço efetivo na transmissão dos imóveis em causa, dos documentos de autorização de acesso a informação bancária dos administradores da Requerente.

            Pois bem, para além de em matéria de autorização de acesso a informação bancária se revelar hoje, como já se revelava em 2015, excessivo o citado procedimento de autorização expressa, também não menos excessiva é a consequência de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo da transmissão dos imóveis.

            Na verdade, competiria à AT notificar o Requerente para apresentar essa documentação e não desde logo presumir, sem fundamento, que o Requerente e seus administradores não autorizavam esse acesso a informação bancária.

            Por outro lado, o poder de acesso direto da AT a todas as informações bancárias, sem consentimento dos titulares dos elementos protegidos, constitui um direito da AT quando, designadamente, suspeite da falta de veracidade do que lhe seja declarado [no caso, o preço das vendas ou alienações] ou nos casos de recusa de exibição ou de autorização para consulta - Cfr artigo 63.º-B, da Lei Geral Tributária, redação introduzida pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro.

            Assim é que, no âmbito dos seus poderes/deveres, competia à AT notificar o Requerente para apresentar as autorizações em falta na instrução do requerimento para prova do preço efetivo ou acionar o mecanismo de acesso à informação bancária dos administradores e gerentes nos termos consignados no citado artigo 63.º-B, da LGT.

            O que certamente não podia era, sem mais, por falta desses elementos, indeferir o requerimento de prova do preço efetivo apresentado pelo Requerente.

            Além do mais, ficou demonstrado que a AT não notificou o Requerente do VPT definitivo fixado aos imóveis (ou alguns deles) em causa nos autos.

Por tudo quanto foi sucinta mas suficientemente exposto é que procedera o  pedido de revogação do ato de  indeferimento do apontado procedimento  de prova do preço efetivo na linha, dalgum modo, do que foi o entendimento do acórdão arbitral proferido no âmbito do processo nº 371/2017-T, do CAAD, publicado in www.caad.org.pt.

 

III - Se enferma de ilegalidade a correção referente ao imposto retido ou devido ao fundo de investimento imobiliário, por errónea interpretação do artigo 22º-3, do ebf e respeitante à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário de imóvel e o valor constante do contrato, com a consequente inaplicabilidade, no caso, do disposto no artigo 68º-2, do circ

Segundo a AT, aos rendimentos obtidos pelo Requerente de unidades de participação no Fundo de Investimento Mobiliário G..., o Requerente deveria ter acrescido os valores referentes à retenção na fonte suportada pelo Fundo sobre aqueles valores.

Em causa estão rendimentos abrangidos pelo regime previsto no artigo 22º, do EBF (Estatuto dos Benefícios Fiscais) que vigorou até 30-6-2015, que deveriam ser considerados segundo a AT pelo seu valor ilíquido, i. e., pelo montante distribuído pelo Fundo [€ 296 590,38], acrescido do valor da retenção na fonte [€ 1 031 539,64], podendo o último ser deduzido à coleta apurada pelo Requerente.

Vejamos:

O n.º 3, do artigo 22º, do EBF, referindo-se às unidades de participação, nos fundos, “(...) de que sejam titulares os sujeitos passivos de IRC ou(...) IRS(...)”, estabelece que os mesmos não estão sujeitos a retenção na fonte e são pelos seus titulares considerados como proveitos ou ganhos (...)”

Do teor literal desta norma resulta que são os rendimentos líquidos que são referidos com a expressão “os mesmos” utilizada na medida em que são esses (rendimentos) os respeitantes às unidades de participação nesses Fundos.

Mais concretamente: uma coisa são os rendimentos obtidos pelos Fundos, em função dos respetivos ativos (artigo 22º-1, do EBF) e outra são os rendimentos obtidos pelos participantes desses Fundos, em função da valorização das unidades de participação que neles detêm (artigo 22º-3, do EBF).

Fazendo a exegese literal do artigo 22º-3 citado, não pode deixar de se concluir que os rendimentos dos titulares das unidades de participação nos fundos são rendimentos líquidos de imposto sem sujeição a retenção na fonte.

Para além disso, sempre o imposto retido ao Fundo não tem a natureza de IRC e, como tal, está subtraído ao âmbito da previsão do artigo 68º-2, do CIRC.

Assinale-se ainda que os Fundos de Investimento eram sujeitos passivos de uma tributação especial, autónoma, não reconduzível ao regime do IRC nem do IRS, só ocorrendo a tributação em sede de IRC, com as especificidades previstas no artigo 22º, do EBF, com a entrada em vigor do DL nº 7/2015, de 13 de janeiro, que previu, designadamente, a não sujeição a retenção na fonte os rendimentos obtidos pelos Fundos de investimento e a sua tributação em sede de IRC.

Concluindo: ocorrendo a situação tributária antes do início da vigência do citado DL n.º 7/2015, não tem base legal a retenção na fonte de imposto na esfera dos participantes do Fundo mas apenas na esfera do próprio fundo.

 

IV - Se enferma de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 64º, do circ, a correção pelo adquirente de imóvel quando adota um vpt para aferir do resultado tributário na respetiva transmissão decorrente de rescisão de contrato de locação financeira que não seja o correspondente ao valor pelo qual o locador readquire a plena propriedade do imóvel ao locatário do mesmo, equivalente ao valor das rendas vincendas à data da resolução contratual referida.

            Trata-se aqui de apreciar a correção identificada no ponto III.4, do pedido de pronúncia arbitral.

            O Requerente deduziu no campo 772 do quadro 07 da declaração periódica de rendimentos referente ao exercício de 2015 a quantia de € 5 214 335,40, a título de correção pelo adquirente do imóvel quando adota o Valor Patrimonial Tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC.

Contudo, os Serviços de Inspeção Tributária discordaram dos valores apurados pelo Requerente, decorrente da adoção do VPT definitivo, promovendo a reversão da referida correção no montante de € 5 142 876,52, dos quais € 646 643,94 no caso de os imóveis que foram adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiro.

Entende a Requerida, a este propósito, que para os casos em que os imóveis foram adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, “o valor de aquisição dos bens imóveis a considerar deverá ser o valor da transmissão onerosa ocorrida no momento em que o banco efetuou a aquisição do imóvel e não o valor das rendas vincendas aquando da rescisão do contrato por parte do locatário.”

O montante inscrito no campo 772 do quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 inclui ainda, conforme apuraram os serviços de inspeção tributária, o montante de € 666 393,94, relativo ao ajustamento decorrente da alienação de imóveis adquiridos no âmbito do exercício da atividade de locação financeira imobiliária e em que houve resolução dos respetivos contratos por incumprimento dos respetivos locatários, tendo os referidos imóveis sido alienados no exercício de 2015 a entidade distinta do anterior locatário.

Relativamente a estes imóveis, o procedimento adotado pelo Requerente para efeitos de determinar se, relativamente a estes imóveis, havia lugar à correção prevista no artigo 64.º do Código do IRC, foi o de considerar como valor de aquisição o valor em dívida à data da resolução antecipada dos contratos, comparando-o com o Valor Patrimonial Tributário definitivo à data da alienação. Quando o valor de aquisição era inferior ao Valor Patrimonial Tributário do imóvel, o Requerente procedeu à dedução da diferença.

Os serviços de inspeção tributária discordaram do procedimento e do montante apurado pelo Requerente, procedendo à reversão daquela dedução, no montante de € 646 643,94.

Pois bem: importa ter presente que um imóvel locado nunca deixa de ser propriedade do locador durante a vigência dos contratos de locação financeira. Assim é que a rescisão antecipada do contrato não é equiparável a uma aquisição para efeitos de IMT e igualmente para efeitos do artigo 64.º do Código do IRC, não obstante, do ponto de vista contabilístico, e pelo princípio da substância sobre a forma, o bem imóvel seja reintegrado no ativo da locadora, por força da rescisão.

Assinale-se, no entanto, que o que está em litígio é apenas uma parte da correção efetuada pela AT, mais exatamente, o montante de € 646 643,94 relativo aos imóveis “adquiridos” por rescisão antecipada do contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiro (sublinhado nosso).

Com vista a apurar se haveria lugar à correção prevista no citado artigo 64º, do CIRC, considerou o Requerente como valor de aquisição o correspondente ao valor em dívida à data da resolução antecipada dos contratos e, depois, comparou esse valor com o VPT definitivo à data da mencionada alienação de modo a que se o valor de aquisição por esse modo obtido fosse inferior ao VPT do imóvel, procedia à dedução da diferença.

Ora é certo que os imóveis objeto de locação financeira mantêm-se na esfera de domínio (propriedade) do locador.

Todavia, aquela norma (artigo 64º, do CIRC) abrange na sua previsão quaisquer transmissões onerosas de direitos reais sobre imóveis (sublinhado nosso).

A esta luz e sendo evidente, no caso de locação financeira, que o direito de propriedade do locador não é pleno mas limitado pelo ónus de locação, a extinção deste pela resolução do contrato provoca a recuperação plena daquele direito por parte do locador.

Destarte, será de acompanhar o defendido pelo Requerente quando conclui, nas suas alegações que a resolução do contrato de locação financeira equivale a uma transmissão onerosa, a favor do locador, de direitos reais sobre imóveis e, consequentemente, o valor do ato ou contrato para efeitos do disposto no artigo 64º, do CIRC, será equivalente ao valor pelo qual o locador readquire a plena propriedade do imóvel ao locatário e que corresponde ao valor das rendas vincendas à data da resolução e não ao valor de aquisição do imóvel.

A Jurisprudência assim o entendeu na decisão proferida no âmbito do processo do CAAD nº 371/2017-T (www.caad.org.pt), de que citamos o seguinte excerto da sua fundamentação: “(...) O Tribunal entende que a rescisão do contrato de locação financeira e a aquisição da propriedade pelo locador sem qualquer limitação de uso tem efeitos reais e não meramente obrigacionais. E concorda com a posição do Requerente ao defender que se trata de uma aquisição onerosa, pois o proprietário não se limita a receber o bem, está adstrito ao pagamento ao locatário do montante das rendas vincendas acrescidas do montante dos respetivos juros. E é sobre o valor que o adquirente do bem paga que deve incidir a tributação consignada no art.º 64º do CIRC. É este o valor pago, logo é este o montante que deve servir para o cálculo da tributação a incidir na transmissão, de acordo com o princípio geral consignado no n.º 2 do art.º 104º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual a tributação das empresas deve ser feita pelo rendimento real. Resta acrescentar que o valor das rendas vincendas não é apenas o que releva para efeitos fiscais. O legislador também o adotou no processo civil como critério para a fixação do valor das causas em que se discutam contratos de locação financeira. Com efeito, se o valor a atender para a fixação do valor da causa fosse o do bem, aplicar-se-ia a regra geral consignada no art.º 302º do Código de Processo Civil, mas o legislador não entendeu assim e incluiu o caso da locação financeira nos critérios especiais de fixação do valor das causas, previstos no art.º 298º do mesmo código, determinando que ´Nos processos referentes a contratos de locação financeira, o valor é o equivalente ao da soma das prestações em dívida até ao fim do contrato acrescido dos juros moratórios vencidos. Ora, de acordo com o princípio da unidade do sistema jurídico, plasmado no n.º 1 do art.º 9º do Código Civil, se dúvidas existissem no âmbito do direito tributário, as mesmas devem ser colmatadas face às referidas disposições do direito civil adjetivo supra convocadas (...)’”

            É fundamentação que aqui se acompanha por, designadamente, não se encontrar razões ou fundamentos válidos para dela divergir, não sendo também irrelevante para esta conclusão a circunstância de que, conforme alega o Requerente sem contestação da parte contrária, só com a resolução do contrato de locação financeira é que os imóveis objeto do mesmo passam a integrar e a ser tratados contabilisticamente como ativos do locador/proprietário. Até então o débito estava registado contabilisticamente, numa rubrica de crédito, o valor pelo qual foi adquirido o imóvel e na qual se creditavam as rendas que iam sendo faturadas durante a vigência do respetivo contrato. Só com a resolução é debitado, numa conta de ativos tangíveis para venda, o valor do imóvel por contrapartida do crédito da rubrica na qual se registava o capital em dívida.

 

V - Se serão ou não devidos pela at juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 43º, da lgt.

O Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do art. 43.º da LGT.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à Acão para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que for considerada ilegal.

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.

Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

Consequentemente, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia paga indevidamente.

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir ao Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento, até à do processamento da nota de crédito em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

VI - DECISÃO

            Pelo exposto, julga-se totalmente procedente o pedido e, em consequência:

  1. Revoga-se, por ilegalidade, conforme peticionado pela Requerente, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 2015;
  2. Anula-se, com base em ilegalidade, a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2015, conforme peticionado;
  3. Condena-se a Requerida no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios nos termos expostos supra e
  4. Condena-se a Requerida no pagamento das custas do processo.

Valor do pedido: o indicado pelo Requerente e que não foi impugnado, ou seja, € 1 142 234,75.

Custas: Fixa-se em € 15 606,00 o valor das custas, a suportar pela Requerida conforme condenação supra.

  • Notifique-se.

 

Lisboa,11 de fevereiro de 2022

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José poças falcão (presidente)

 

 

Jorge carita (adjunto)

Vota vencido conforme declaração anexa

 

 

 

 

Cristina maria da costa pinto (adjunta)

 

 

 

 

Declaração de Voto

 

A Competência Material do Tribunal.

 

Na sua douta Decisão o Tribunal entende sobre a sua própria competência o seguinte:

“O Tribunal Arbitral visa unicamente apreciar, no caso, a legalidade da aplicação do disposto no artigo 139.º do Código do IRC feita pela AT.

E para esta apreciação tem o Tribunal Arbitral competência, inserida que está esta claramente na que o legislador fixou para os tribunais arbitrais, nos termos previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 1º, do RJAT, uma vez que visa, designadamente, a apreciação da legalidade dos atos de fixação de valores patrimoniais.”

 

Ora, se assim for, o valor da causa, não pode ser o que resulta da liquidação de um maior ou menor IRC, mas o próprio VPT dos bens que está em causa, como tem sido várias vezes já defendido no seio do CAAD.

 

Mas o Requerente não é isso que pede. Apenas pede a anulação da liquidação do IRC.

 

Então como pode este Tribunal apreciar da legalidade da fixação dos valores patrimoniais se no final o Requerente não pede a fixação desses valores, mas a anulação da liquidação que a utilização desses valores gerou?

 

Fica a pergunta, mas que me leva a por em causa a competência do Tribunal.

 

E essa competência ou a falta dela é invocada pela Requerida tanto no que diz respeito à incompetência em razão da matéria para conhecer da falta de notificação do valor patrimonial definitivo dos imóveis - o Requerente não fez uso do mecanismo do art.º 139º. do CIRC-, como essa incompetência abrange a validação dos valores de venda dos imóveis pretendido pelo Requerente – situação em que fez uso desse mecanismo, mas viu o mesmo indeferido por não ter junto ao processo as declarações de autorização de acesso às informações bancárias dos seus administradores.

 

São duas questões diferentes, que, com todo o respeito, a presente decisão aparentemente trata como se fosse apenas uma.

 

Relativamente à primeira - falta de notificação do valor patrimonial definitivo dos imóveis – acompanho o Tribunal e considero que o mesmo é competente para apreciar essa questão.

 

Mas já não o posso fazer em relação à segunda questão: - a validação dos valores de venda dos imóveis.

 

Trata-se de uma competência exclusiva da AT, fixada na lei, que não compete a este Tribunal apreciar.

 

O Tribunal não pode dizer, como pretende o Requerente, que os valores que devem ser aceites, para este efeito, são aqueles que constam da escritura A, B ou C….

 

E não estamos sequer a fixar valores patrimoniais tributários. Estamos a atestar que o valor do negócio foi “x” e não “y”.

 

Recuperemos, o que, em sede de alegações finais o Requerente solicita expressamente ao Tribunal, depois de dar por resolvida a questão das consequências da não junção das autorizações dos seus administradores para que a AT pudesse aceder aos dados bancários.

 

Transcrevemos:

“62.

Ultrapassada que se encontra a questão da legalidade e da constitucionalidade da exigibilidade da autorização de acesso à informação bancária, importa comprovar a verificação, no caso vertente, de todos os demais pressupostos de facto e de direito justificativos do pedido de prova de preço efetivo apresentado pelo Requerente nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC.

63.

Assim e tal como acima se constatou, o Requerente procedeu à alienação dos prédios urbanos de que era proprietário, pelo valor total de € 17.007.280,00.

64.

Uma vez que os imóveis em causa foram transmitidos por valor inferior ao valor patrimonial tributário definitivo, o Requerente procedeu, em cumprimento do prazo previsto no artigo 139.º n.º 3, do Código do IRC, à apresentação do requerimento com vista à prova do preço efetivo da transmissão em causa.

65.

Para esse efeito, o Requerente juntou, como acima se mencionou, a cópia das escrituras públicas de compra e venda referentes à aquisição em questão, bem como dos documentos bancários comprovativos do recebimento do preço total declarado naquelas.

66.

Daqueles documentos resulta inequivocamente demonstrado e sem ser necessária a produção de qualquer prova adicional, que, por um lado, aquele foi o preço pelo qual o Requerente transmitiu os imóveis em questão e que, por outro lado, o mesmo foi praticado por um montante inferior aos valores patrimoniais tributários apurados pela administração tributária.

67.

Note-se, mais uma vez, que o Requerente juntou também a declaração de autorização de acesso à sua informação bancária.

68.

Razão pela qual se encontra no caso sub judice demonstrado e comprovado o preço efetivo de transmissão dos imóveis em apreço para efeitos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC. (negrito nosso)

69.

Pelo que, é, pois, inequívoca a ilegalidade da liquidação adicional contestada impondo-se, assim, a sua anulação nesta parte.”

 

É sobre a decisão quanto ao preço efetivo de venda de 274 imóveis pelo valor total de € 17.007.280,00, que muito respeitosamente entendo que este Tribunal, como qualquer outro, não tem competência.

 

Entender o contrário, seria subverter a lógica administrativa, no confronto com as competências judiciais.

 

Da Impugnabilidade do ato.

 

A Requerida coloca esta questão do seguinte modo:

  1. A exceção «da inimpugnabilidade do ato de liquidação, na parte em que se encontra influenciado pelas correções relativas à diferença positiva entre o Valor Patrimonial Tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, por não ter acionado o procedimento de prova previsto no artigo 139.º do CIRC»,

 

Quanto a esta matéria o Tribunal decide no seguinte sentido:

“Destarte, se o sujeito passivo não foi notificado do resultado da avaliação dos seus imóveis, não se vê como poderia ter acionado o procedimento previsto no n.º 7 do artigo 139.º, uma vez que nem sequer lhe era dado saber se estava ou não a vender por valor inferior ao constante do VPT.

Termos em que improcede a questão/exceção suscitada.”

 

Embora admita que o Requerente já tivesse conhecimento dos VPT aquando da celebração de cada uma das escrituras em causa, não carecendo na maior parte dos casos os imóveis de novas avaliações (findo que estava o processo de avaliação geral do património imobiliário ditado pela Troika), o Tribunal decidindo desta forma, não vai obviamente discutir se os valores das escrituras foram efetivamente inferiores ou superiores ao VPT dos imóveis, porque aí estaria efetivamente a substituir-se à tarefa administrativa da AT, como acima referi, mas vai acabar por validar os valores que constam das escrituras, sem que se tenha utilizado o mecanismo próprio para o efeito (art.º 139º. do CIRC).

 

Ou seja, anula a correção de € 1.367.694,54 efetuada pela AT (o valor total de € 5.620.460,36, está dividido entre o valor aqui referido e os remanescentes € 4.252.765,82, que diz respeito às situações em que o Requerente utilizou o mecanismo do art.º 139º. do CIRC), embora o faça por via da anulação do IRC a que tal correção deu lugar, e este não é um processo em que se discute a fixação dos valores patrimoniais para os quais o Tribunal tem competência (embora o valor da ação estivesse nesse caso mal fixado). Este é um processo em que o Requerente pretende fazer em Tribunal o que não fez por via de um processo administrativo próprio para o efeito.

 

Contudo, reconheço que, caso se demonstre que se trata de situações em que o VPT não era conhecido à data da escritura e que o conhecimento do VPT definitivo carece de notificação, admito que possa assistir razão ao Requerente.

 

Contudo, esta decisão, neste âmbito, apenas abrange a correção no valor de € 1.367.694,54 e não o valor total que está aqui em causa: - € 5.620.460,36.

 

Razão pela qual, quanto este aspeto e com esta limitação acompanho a posição do Tribunal.

 

 

 

Questões a decidir nestes autos relativamente ao mérito do pedido.

 

Sabe-se que relativamente ao VPT dos imóveis o Requerente viveu duas situações diferentes.

 

Na primeira situação, não utilizou o mecanismo do art.º 139º. do CIRC porque não foi notificado da fixação do VPT dos imóveis (embora o Tribunal tenha dado por provada a ausência de prova desta notificação, a verdade é que não apurou se ela é obrigatória nestes casos ou se o Requerente não teria já conhecimento prévio desse VPT ou se houve mesmo lugar a nova avaliação – porque essa só é notificada ao novo proprietário do imóvel).

 

Na segunda situação, o Requerente já adotou o procedimento previsto no CIRC, mas não concorda com a decisão da AT, que recusou o pedido por falta de autorização de levantamento do sigilo bancário dos seus administradores.

 

Ora é esta segunda situação que, com todo o respeito, parece não constar da lista das questões a decidir.

 

O Tribunal só aborda a primeira, que identifica deste modo:

II - Se enferma de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 64º-3/b) e 139º, do circ, considerando, designadamente, que não foi acionado o mecanismo previsto no artigo 139º, do circ porquanto a AT não notificou a requerente dos valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis em causa;

 

Aqui o Tribunal trata duas questões que em meu entender são diferentes, como acima se referiu.

 

Relativamente às situações em que foi desencadeado o mecanismo previsto no art.º 136º. do CIRC, o Requente não apresentou, tal como previsto no nº. 6 do citado artigo, as declarações de autorização de acesso às informações bancárias dos seus administradores.

 

O que em meu entender deveria ter feito, caso pretendesse que o procedimento em causa fosse bem sucedido.

 

Entendo, que tal exigência resultante expressamente da lei, em nada viola os princípios constitucionais agora defendidos e que já levaram a decisões favoráveis do Tribunal Constitucional (Acórdãos nº. 145/2014 e 517/2015), que não consideram inconstitucional o nº. 6 do art.º 139º. do CIRC, que contrariamente ao que se refere na Decisão no Proc.º nº. 371/2017-T, não abrange apenas a parte em que determina a quebra do sigilo bancário do sujeito passivo, mas inclui essa quebra também relativamente aos seus administradores.

 

Veja-se a posição defendida pelo Senhor Dr. Américo Brás Carlos no seu voto de vencido no já referenciado Proc.º nº. 371/2017-T, que com a devida vénia transcrevo:

“No Acórdão nº 145/2014 (bem como no Ac. 517/2015, que o seguiu), o TC foi chamado a «analisar e decidir a constitucionalidade do artigo 139° n° 6 do CIRC» e decidiu não julgar inconstitucional a referida norma, precisamente «na parte em que exige a autorização à administração fiscal para aceder à informação bancária do requerente e dos seus administradores ou gerentes como requisito da apresentação do pedido de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis.».”

 

O TC reconhece que se faça prova do preço efetivo através do procedimento agora previsto no art.º 139 (129º.à data do Acórdão), “…mas com a sujeição, como requisito prévio, à junção de autorização para consulta de dados bancários da requerente e dos seus administradores ou gerentes.”

 

Que não é só a autorização do sujeito passivo que está em causa nesta Decisão do TC, contrariamente ao que se defende no Proc.º nº. 311/2017 do CAAD, resulta bem evidente da Decisão do TC, que transcrevo:

 

Aí se defende que a derrogação do sigilo bancário, para além de ser um meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, no que diz respeito à descoberta da verdade fiscal, “…  é um meio necessário já que a demonstração da não veracidade do facto dificilmente poderia ser alcançada através de outros elementos probatórios que o interessado estivesse na disposição de divulgar; e não é um meio desproporcionado ou excessivo se se considerar que a quebra de privacidade (consentida pelo interessado e pelos seus representantes) é inerente ao exercício do direito e ajusta-se aos objetivos do procedimento tributário utilizado (cfr. Artigo 350º, nº 2, do Código Civil».

 

Razões pelas quais e com todo o respeito, não posso concordar com a fundamentação da decisão proferida no presente Acórdão, em particular nos seguintes trechos:

“Na verdade, competiria à AT notificar o Requerente para apresentar essa documentação e não desde logo presumir, sem fundamento, que o Requerente e seus administradores não autorizavam esse acesso a informação bancária.”

 

A AT nada presumiu, nem tinha que presumir. Apenas constatou a falta de um elemento, porventura essencial, para a sua decisão administrativa quanto à prova do preço efetivo, que consistiu na autorização do levantamento do sigilo bancário por parte dos administradores do Banco, de nada valendo tê-lo feito exclusivamente em relação a si próprio.

 

Na sua ausência daqueles elementos a AT indeferiu o pedido. No que tem o suporte da Decisão do TC que temos vindo a acompanhar.

 

E continua a decisão do TC:

“Por outro lado, o poder de acesso direto da AT a todas as informações bancárias, sem consentimento dos titulares dos elementos protegidos, constitui um direito da AT quando, designadamente, suspeite da falta de veracidade do que lhe seja declarado [no caso, o preço das vendas ou alienações) ou nos casos de recusa de exibição ou de autorização para consulta - Cfr artigo 63.º-B, da Lei Geral Tributária, redação introduzida pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro.”

 

Ora, na nossa opinião, as condições prévias e os pressupostos do procedimento administrativo estão fixados na lei, não havendo aqui lugar à aplicação do mecanismo do art.º 63º.- B da LGT, porquanto não existe qualquer suspeita concreta por parte da AT da falta de veracidade do declarado (é o sujeito passivo que desencadeia o processo, não havendo qualquer suspeita específica por parte da AT, embora o mesmo não se podendo dizer do legislador, mas isso são coisas diferente). Como por outro lado, não houve qualquer recusa de exibição dos dados bancários ou ausência de autorização para a sua consulta, o que desencadearia o procedimento de derrogação do sigilo bancário, caso o sujeito passivo ou os seus administradores tivessem sido notificados para o efeito e não o tivessem feito.

 

 Razões pelas quais, com todo o respeito, não concordo com a seguinte conclusão final deste Tribunal:

“Assim é que, no âmbito dos seus poderes/deveres, competia à AT notificar o Requerente para apresentar as autorizações em falta na instrução do requerimento para prova do preço efetivo ou acionar o mecanismo de acesso à informação bancária dos administradores e gerentes nos termos consignados no citado artigo 63.º-B, da LGT.”

 

Não me parece que, competindo ao sujeito passivo dar o necessário impulso processual previsto na lei, sem cumprir, da sua parte, com requisitos nessa mesma lei impostos, tenha que ser a AT que tem que o notificar do que falta.

 

E termina-se do seguinte modo:

“O que certamente não podia era, sem mais, por falta desses elementos, indeferir o requerimento de prova do preço efetivo apresentado pelo Requerente.”

 

E, nesse caso concreto, o que faria a AT?

 

Levantaria o sigilo bancário, em clara violação da lei, no contexto daquele procedimento, e sem autorização prévia?

 

A AT não pode levantar o sigilo bancário dos administradores do Banco Requerente.

 

Tal levantamento, não pode, no contexto destes autos, ser uma iniciativa da AT.

 

Não está previsto no contexto deste procedimento que isso seja feito por sua iniciativa. Só no contexto doutro procedimento, flagrantemente diferente deste.

 

Ora, que nada justifica um certo paralelismo que se assume nesta decisão, entre o art.º 139º. do CIRC e o art.º 64º.-B da LGT está muito bem defendido o Declaração de Voto do Senhor Dr. António Brás Carlos no processo acima identificado e que temos vindo a acompanhar, que transcrevemos, com a devida vénia:

 

Aí se refere o seguinte, sobre o procedimento do art.º 139º. do CIRC, sempre com o auxílio do próprio TC:

“O procedimento constante do artigo 139º do CIRC, ao contrário do procedimento do artigo 63º-B da LGT, como concluiu o TC, nos supra citados Acórdãos (i) «é desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto»; (ii) destina-se a ilidir a presunção – de que parte a norma do artigo 58º-A – de que o preço da venda não foi inferior ao valor tributário do prédio»; (iii) não implica o acesso direto à informação bancária, antes pressupondo um consentimento expresso do interessado mediante a concessão de autorização, a qual deve ser junta ao requerimento.»; e, acrescente-se, (iv) não resulta de qualquer incumprimento ou indício de incumprimento de obrigações fiscais; (v) e visa o estabelecimento de um acordo no âmbito de uma comissão que integra um perito indicado pelo contribuinte (nº 5 do art.º 139º do CIRC)

 

 E sobre o mecanismo do art.º 63º-B da LGT:

“Ao invés do procedimento do artigo 139º, nº 6, o procedimento do artigo 63º-B da LGT é: (i) da iniciativa da administração tributária (AT); (ii) em caso de indícios da prática de ilegalidade, dívidas ao Fisco ou à segurança social, necessidade de controlo de pressupostos de regimes fiscais privilegiados ou de informações solicitadas no âmbito de acordos ou convenções internacionais a que o Estado português esteja vinculado; (iii) para acesso a informações e documentos financeiros; (iv) sem dependência do consentimento ”do titular dos elementos protegidos; e traduz-se num ato unilateral da AT, suscetível de recurso judicial.

 

Para concluir:

 

“Pelo que, o procedimento do artigo 139º do CIRC é estruturalmente diferente e visa objetivos completamente distintos, do regime do artigo 63º-B da LGT, sendo que este consagra, no seu cerne, uma reação da lei a situações patológicas de incumprimento ou deste indiciárias.

 

O procedimento do artigo 139º do CIRC, por seu lado, traduz-se na sua essência, numa faculdade concedida ao particular para obter um resultado mais favorável. Desaproveita, pois, qualquer comparação entre ambos os procedimentos, nos termos em que o Acórdão arbitral fez.”

 

  Veja-se ainda sobre esta matéria o Acórdão do TCAS no Processo nº. 03022/10.0BEPRT, cujo sumário transcrevemos:

1 – Sempre que nas transmissões onerosas previstas no art. 64º, nº 1 do CIRC, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo adquirente e alienante, para determinação do lucro tributável (art. 64º, nº 2 do CORC). Tal não será assim considerado se for apresentado pelo sujeito passivo um pedido de demonstração de preço efectivo praticado nas transmissões.

2-A prova do preço deve ser efectuada em procedimento próprio desencadeado pelo próprio sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao Director de Finanças competente, o qual se rege pelo disposto nos artigos 91º e 92º da LGT.

3 – Face à apresentação do pedido de demonstração do preço efectivo a Administração Fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização, ou seja, a AT tem o poder de aceder às informações bancárias dos sujeitos passivos e/ou dos seus administradores, gerentes ou representantes leais com vista a dissipar as dúvidas sobre o preço em discussão. Assim, a autorização de acesso às contas bancárias do sujeito passivo e dos seus administradores, gerentes ou representantes legais é condição necessária da instauração do procedimento de prova dos preços efectivos.

4 – O art. 139º, nº 6 do CIRC não padece de inconstitucionalidade por violação dos princípios da (i) reserva da intimidade da vida privada, (ii) Estado de Direito, (iii) acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e (iv) proporcionalidade e tributação pelo rendimento real.*)

 

Com todo o respeito, pelas razões expostas e independentemente da apreciação das exceções invocadas, não acompanho nesta parte e com todo o respeito a posição deste Tribunal.

 

Questão diferente desta e que na minha opinião deveria ser tratada autonomamente na presente decisão tem a ver com a suposta ausência de uma notificação final da fixação definitiva do VPT.

 

E quanto a este aspeto entendo que o Tribunal deveria ter ido um pouco mais longe nas suas indagações, A saber:

i). Apurar se tal notificação é sempre obrigatória;

ii). Apurar se o Requerente não teria já conhecimento prévio desse VPT ou

iii). Apurar se houve mesmo lugar a nova avaliação – porque essa só é notificada ao novo proprietário do imóvel.

 

Não tendo sido efetuada prova pelo Requerente, que invoca o direito, de que tem enquadramento legal a notificação considerada em falta, não pode o Tribunal reconhecer que a sua falta, permite validar os valores do negócio em detrimento de um VPT superior.

 

Estaria, como refere a Requerida a fixar os valores do negócio, o que não cabe no âmbito das suas competências.

 

Contudo, demonstrada a exigência de notificação do VPT apenas após a escritura de venda dos imóveis, admito que tenha que ser reconhecida razão ao Requerente, o que o Tribunal bem faz.

 

IV - Se enferma de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 64º, do circ, a correção pelo adquirente de imóvel quando adota um vpt para aferir do resultado tributário na respetiva transmissão decorrente de rescisão de contrato de locação financeira que não seja o correspondente ao valor pelo qual o locador readquire a plena propriedade do imóvel ao locatário do mesmo, equivalente ao valor das rendas vincendas à data da resolução contratual referida.

 

Também aqui o Tribunal reconhece razão ao Requerente, defendendo que o valor a comparar com o VPT do imóvel à data da revenda, na sequência de uma rescisão do contrato de locação, é o valor pago pelo Requerente ao locatário referente às rendas vincendas. Ou seja, o Requerente paga ao locatário o valor que este ainda não lhe tinha pago até ao momento, por comparação com o valor inicial do contrato.

 

Para que este raciocínio estivesse certo era necessário que a operação de rescisão do contrato de locação financeira pudesse ser considerada uma transmissão de bens.

 

O que, na nossa opinião, não é o caso, acompanhando também aqui a Declaração de voto do Senhor Dr António Brás Carlos no Proc.º nº. 371/2017.

 

Consequentemente, o Requerente mal aplicou o art.º 64º. do CIRC a estas situações pelo que se deve manter a correção de € 646.643,94 efetuada pela AT.

 

O valor das rendas vincendas mais juros, não pode comparar com o valor de venda do imóvel ou com o seu VPT, porquanto o primeiro destes valores representa apenas uma parte do valor do bem, maior ou menor tanto quanto a rescisão do contrato se faça mais no fim ou no princípio de período de duração do contrato. Não são realidades comparáveis, que não dizem respeito a 100% do valor do imóvel.

 

O que já é verdade se comparamos o valor de aquisição do imóvel, com o valor de venda a terceiros, depois da resolução do contrato de leasing.

 

Resumindo.

 

Exceções invocas pala Requerida:

 

a). Incompetência material do Tribunal, assim dividida:

 

i). Incompetência em razão da matéria para conhecer da falta de notificação do valor patrimonial definitivo dos imóveis - o Requerente não fez uso do mecanismo do art.º 139º. do CIRC;

A sua procedência impede a apreciação da legalidade da correção de € 1.367.694,54;

 

Acompanho a decisão do Tribunal e considero o mesmo competente para apreciar esta questão, embora com as particularidades acima referenciadas;

 

ii). Incompetência em razão da matéria para a validação dos valores de venda dos imóveis pretendido pelo Requerente – situação em que fez uso desse mecanismo, mas viu o mesmo indeferido por não ter junto ao processo as declarações de autorização de acesso às informações bancárias dos seus administradores.

 

A sua procedência impede a apreciação da legalidade da correção de € 4.252.765,82;

 

Com todo o respeito, não acompanho a decisão do Tribunal quanto ao fundo da questão e considero o Tribunal incompetente para apreciar esta questão.

 

b). A exceção «da inimpugnabilidade do ato de liquidação, na parte em que se encontra influenciado pelas correções relativas à diferença positiva entre o Valor Patrimonial Tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, por não ter acionado o procedimento de prova previsto no artigo 139.º do CIRC»,

 

A sua procedência impede a apreciação da legalidade da correção de € 1.367.694,54;

 

Acompanho a decisão do Tribunal e considero o ato impugnável, mas apenas no que diz respeito à apreciação da legalidade da correção no montante de € 1.367.694,54;

 

São as seguintes as correções à matéria coletável do IRC efetuadas pela AT com as quais o banco Requerente não concorda:

 

a). Perdas por imparidades, no valor de € 467.357,70;

 

Acompanho a decisão do Tribunal, reconhecendo razão ao Requerente e pugnando pela anulação desta correção.

 

b). Valores do negócio versus VPT, no valor de € 5.620,460,36, dos quais:

 

i). € 4.252.765,82 - o Requerente utilizou o mecanismo previsto no art.º 139º. do CIRC, mas não juntou as autorizações de derrogação do sigilo bancário dos administradores;

 

Não acompanho a decisão do Tribunal, reconhecendo razão à AT na correção efetuada, que será assim de manter na ordem jurídica, mas admiti a incompetência do Tribunal para conhecer desta questão.

 

ii). € 1.367.694,54, - o Requerente não utilizou o mecanismo previsto no art.º 139º. do CIRC, por não ter sido notificado do resultado da avaliação definitiva dos imóveis;

 

Acompanho a decisão do Tribunal, reconhecendo razão ao Requerente e pugnando pela anulação desta correção.

 

c). Imposto retido por Fundo de Investimento, no valor de € 1.031.539,54;

 

Acompanho a decisão do Tribunal, reconhecendo razão ao Requerente e pugnando pela anulação desta correção.

 

d). Rescisões antecipadas dos contratos de locação financeira, no valor de € 646.643,94;

 

Não acompanho a decisão do Tribunal, reconhecendo razão à AT na correção efetuada, que será assim de manter na ordem jurídica

 

Para decidir como decidiu relativamente á matéria de fixação do valor real do negócio, no meu entender e com todo o respeito pela posição que foi assumida por este Tribunal haveria que ponderar uma possível alteração do valor da causa, em comparação com o valor fixada nos processos de impugnação do VPT.

 

 

Lisboa, 11 de fevereiro de 2022

 

 

(Jorge Carita)

 

 

Nota Final

Como se refere na nota de pé de página nº. 1 no ponto 32 das alegações do Requerente o Acórdão tirado no Proc.º nº.371/2017, que esta decisão acompanha e que inclui a declaração de voto que também referencio, foi declarado nulo pelo TCAS por se ter entendido que o Tribunal Arbitral era incompetente em razão da matéria, dado que o valor da causa seria superior a dez milhões de euros, embora de prejuízo fiscal.