Sumário:
I – A imputação pelo sujeito ao exercício de 2015 de um gasto resultante da nota de crédito que se referia à anulação de factura emitida em 2014 (factura n.º 550/2014) não viola o princípio da especialização dos exercícios, interpretado em articulação com o princípio da justiça, quando se constate que não ocorreu prejuízo para a Fazenda Pública;
II – Tendo havido a omissão de mercadorias no valor do inventário no exercício de 2015, com reflexo no apuramento do resultado, e não estando demonstrado que houve lugar à regularização do inventário e do imposto devido num exercício posterior, ocorre a violação de princípio da especialização dos exercícios, sem que se torne possível, nessa circunstância, mobilizar o princípio da justiça para afastar a aplicação desse critério;
III – Encontrando-se duas sociedades em situação de relações especiais e tendo sido celebrado entre elas um contrato de prestação de serviços, cabia à Autoridade Tributária, no âmbito de um procedimento inspectivo, aplicar o regime fiscal dos preços de transferência e verificar se os preços aplicados, tendo em conta as características das operações, ainda que realizadas no âmbito de operações entre entidades relacionadas, são desajustados em relação aos preços normais de mercado, a ponto de poder colocar-se em causa o princípio da plena concorrência.
IV - Não tendo a Autoridade Tributária optado por analisar os preços aplicáveis à luz do regime fiscal de transferência de preços – que lhe permitiria não aceitar como custo fiscal a eventual diferença entre os preços praticados no âmbito de relações especiais e os que o teriam sido em condições normais de mercado – e optado por aplicar os critérios de dedutibilidade à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC, a desconsideração dos custos incorridos com o contrato de prestação de serviços apenas pode ocorrer quando não subsista uma relação causal com a obtenção de rendimentos ou com a finalidade de manter a fonte produtora de rendimentos.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., S. A., pessoa colectiva no..., com sede Rua..., ..., ... — ... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade da liquidação adicional de IRC, relativa ao ano de 2015, no valor total de € 462.911,19
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente, dedica-se ao exercício da actividade de indústria e comércio de equipamentos de laboratório e industrial, importação e exportação e elaboração de projectos de consultadoria a empresas no âmbito económico e de engenharia, tendo sido objecto de um procedimento de inspeção, que determinou uma correcção aritmética à matéria tributável por não aplicação do princípio da especialização dos exercícios, inventários não declarados, submissão de encargos não dedutíveis para efeitos fiscais e rendimentos não contabilizados relativos a subsídios.
No primeiro caso, está em causa uma encomenda por parte da sociedade de direito brasileiro B... Ltd, que deu origem à factura no 795/2013, no valor de € 1.494.336,90, datada de 2013, cuja condição essencial do negócio era que a sociedade adquirente liquidasse antecipadamente o valor integral da factura de modo que a Requerente ficasse dotada dos meios para adquirir o equipamento e proceder ao seu despacho para o Brasil.
A factura veio a ser anulada no exercício de 2014, através na Nota de Crédito no 2014A4/35 de 11 de Novembro de 2014, por não ter recebido o preço e ter havido necessidade de alterar os componentes do equipamento que passaria a ser adquirido por outra sociedade.
No exercício de 2014, a Requerente recebeu nova encomenda, por parte da sociedade C..., S.A., para o fornecimento e instalação de equipamento para montagem de laboratório no Brasil, que igualmente estava condicionada ao prévio pagamento da totalidade da factura que havia sido emitida em 11 de novembro de 2014 (factura n.º 550/2014), verificando-se que o cliente apenas procedeu ao pagamento de 90% do seu valor, em 31 de Dezembro seguinte, valor este que apenas veio a ser creditado 2 de Janeiro de 2015, e que corresponde a um adiantamento por conta.
O remanescente do valor da factura n.º 550/2014 apenas foi liquidado em 4 de agosto de 2015, pelo que a Requerente viu-se obrigada a emitir a Nota de Crédito no 2015AI 9/150023 em 2015 pois havia lançado indevidamente uma factura como proveito em 2014 quando estava em causa apenas um adiantamento por conta.
Por força das circunstâncias descritas, o negócio apenas foi materializado e concretizado em 2015, quando foi efectuado o pagamento da totalidade do preço, tendo sido anuladas as facturas anteriores através das correspondentes Notas de Crédito. E apesar de não ter havido incumprimento ao princípio da especialização dos exercícios, também não se verificou qualquer prejuízo para Estado, porquanto a Requerente contabilizou a factura como proveito no exercício de 2013 e procedeu ao pagamento do imposto devido.
Verificando-se, deste modo, por efeito da desconsideração da Nota de Crédito no 2015AI 9/150023, uma duplicação de colecta em violação do disposto no artigo 205.º do CPPT, como também a violação do princípio da justiça e do disposto nos artigos 55.º da LGT e 266.º, n.º 2, da Constituição.
A Autoridade Tributária considera ainda violado o princípio da especialização de exercícios por não ter considerado no inventário final de 2015 os artigos no valor de € 86.989,00, por virtude de parte do montante da factura da compra no BD64000529 do fornecedor D... ter sido erradamente considerada como gasto do exercício quando deveria ter sido incluída no valor do inventário final.
Ora, o erro existente à data de encerramento do exercício de 2015 nos inventários finais (subvalorização do saldo) e no apuramento do resultado (sobrevalorização do custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas), foi regularizado no exercício de 2018 e, apesar de não ter sido apresentada uma declaração de rendimento de substituição, não houve prejuízo para o Estado, para além de eventuais juros compensatórios pelo atraso do pagamento de imposto pago a menos em 2015, pelo que tendo sido efectuado o pagamento do imposto em dívida, a correção origina uma duplicação de tributação e viola o disposto no n.º 2 do artigo 104.º e n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, bem como os artigos 8.º e 10.º do CPA e 55.º da LGT.
A Autoridade Tributária põe ainda em causa os gastos suportados com facturas emitidas pela E... S.L., sociedade de direito espanhol, a título de prestação de serviços de apoio logístico e comercial, no montante de € 288.525,00 por considerar que existe uma sobrevalorização do valor dos serviços suportados pela A... S.A. em relação ao total das vendas efetuadas à E..., S.L., que permite concluir que os serviços remunerados não apoiam a venda de Portugal para Espanha, mas sim apenas as vendas em Espanha.
Além de não ter fundamentado a correcção, a Autoridade Tributária efectua uma interpretação incorreta do direito aplicável porquanto as operações em causa não poderiam ser analisadas ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC, mas de acordo com o Regime Fiscal dos Preços de Transferência a que se refere o artigo 63.º desse Código pelo facto de se tratar de uma transação entre partes relacionadas.
Adicionalmente, é possível verificar que a E... S.L foi criada para funcionar como veículo em Espanha na lógica de comissionista/revendedor e para funções de promoção comercial, desenvolvimento de negócio e apoio logístico, enquanto a A... S.A. assume natureza de empresa mais complexa e com risco elevado, que permite situar as suas margens operacionais entre a Mediana e o 3º Quartil da amostra de comparáveis, enquanto a E... SL, sendo menos complexa, apresenta margens operacionais em Espanha com valores mais reduzidos, centrando-se entre o mínimo e o 1º quartil da amostra, estando em linha com o 1º Decil.
Permitindo concluir que, independentemente da forma como foi determinado o modelo de preços entre as partes, os resultados económicos e financeiros apurados pelas duas empresas seguem regras e rentabilidades de mercado.
Por outro lado, verificando-se que a margem comercial da E... S.L. é reduzida, situando-se entre os 9% (2014) e 20% (2015) sobre os bens revendidos aos clientes finais espanhóis, em sintonia com a margem de revenda dos comissionistas/revendedoras independentes, e atendendo a que a E... S.L. tem também funções apoio na parte logística e de desenvolvimento de negócio, tornou-se necessário debitar esses serviços à A... S. A., através de um contrato de prestação de serviços de logística e promoção comercial, sendo que a não imputação dessas despesas à Requerente desvirtuaria o princípio da plena concorrência.
Concluindo-se que a Autoridade Tributária não poderia recusar a dedução dos gastos, quer com base no disposto no artigo 23.º, quer com base no disposto no artigo 63.º do Código do IRC.
Relativamente a rendimentos não contabilizados referentes ao subsídio QREN, a Autoridade Tributária ignorou que a imputação do rendimento foi rectificada no exercício de 2017, não havendo qualquer prejuízo para o Estado, salvo quanto aos juros compensatórios pelo atraso do pagamento de imposto pago a menos nos exercícios de 2015 e 2016, pelo que a correção efectuada, também nesta parte, salda-se numa situação de duplicação de tributação.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que a sucessiva anulação de facturas em períodos de tributação posteriores àquele a que respeita a operação económica implica a violação do princípio da especialização do exercícios e só seria admissível se, à data de encerramento das contas do exercício a que deviam ser imputados, os rendimentos fossem manifestamente desconhecidos ou imprevisíveis, não sendo invocável o princípio da justiça quando a corecção tributária decorre de erros e inexactidões ocorridas reiteradamente em três exercícios distintos.
E também se não verificam os requisitos da duplicação da colecta, porquanto não há unicidade de facto tributário pois a liquidação em causa tem na sua base o lucro tributável de 2015 e não o lucro tributável de 2013 ou 2014 ou de qualquer outro período de tributação.
Relativamente aos inventários não declarados em 2015, refere que a Requerente não fez a prova de que os itens em falta já haviam sido considerados em 2018, verificando-se a violação do disposto no artigo 22.º, n.º 1, alínea a), do CIRC e das disposições contabilísticas do NCRF-22.
As mesmas disposições foram infringidas no que se refere aos subsídios QREN, não se encontrando demonstrado que o erro tenha sido rectificado no período de tributação de 2017 e tributados, nesse exercício, os correspondentes rendimentos.
Quanto aos gastos não dedutíveis, no montante de € 228.525,00, a argumentação de que as operações em causa devem ser apreciadas à luz do quadro legal aplicável aos preços de transferência constitui um venire contra factum proprium, resultando dos elementos instrutórios recolhidos no procedimento inspectivo que os gastos foram suportados, não no interesse da requerente, mas no interesse da sociedade de direito espanhol.
Conclui pela improcedência do pedido.
2. No seguimento do processo houve lugar à reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção de prova testemunhal indicada pela Requerente, determinando-se, na sequência, o prosseguimento do processo para alegações pelo prazo sucessivo de quinze dias.
Em alegações, a Requerente procurou fixar os factos que considera como assentes e manteve quanto à matéria de direito a sua anterior posição. A Requerida não contra-alegou.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo o Conselho Deontológico designado o árbitro presidente, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 31 de Maio de 2021.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente dedica-se ao exercício da actividade de indústria e comércio de equipamentos de laboratório e industrial, importação e exportação e elaboração de projectos de consultadoria a empresas no âmbito económico e de engenharia.
B) Entre 17 de Fevereiro e 30 de Junho de 2020, a Requerente foi objecto de um procedimento de inspeção, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2020..., que visou a análise da situação tributária da sociedade com extensão ao exercício de 2015.
C) Por ofício datado de 30 de junho de 2020, foi remetido à Requerente, para efeito do exercício do direito de audição, o projecto de Relatório de Inspecção Tributária, que constitui o documento n.º 1 junto ao pedido.
D) A Requerente exerceu o direito de audição nos termos do documento nº 2 junto ao pedido, que aqui se dá como reproduzido.
E) O relatório final de inspecção tributária efectuou correcções aritméticas relativamente às seguintes situações: não aplicação do princípio da especialização dos exercícios; inventários não declarados; encargos não dedutíveis para efeitos fiscais; rendimentos não contabilizados e declarados relativos a subsídios.
F) Na sequência, foi emitida a liquidação do IRC n.º 2020 ... e a demonstração de acerto de contas nº 2020..., de que resultou um valor de imposto a pagar de € 462.911,19, com data limite de pagamento em 6 de outubro de 2020 (documento nº 4).
G) O relatório de inspecção tributária fundamenta as correcções tributárias, na parte que releva, nos seguintes termos:
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÓES MERAMENTE ARITMÉTICAS
a) Não aplicação do princípio da especialização dos exercícios
Em termos contabilísticos, o princípio da especialização dos exercícios (ou do acréscimo), encontra-se referenciado no parágrafo 22 da Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística, que menciona que “os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e quando o caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem”.
De acordo com o parágrafo 41 da NCFR-20, que aborda o momento do reconhecimento de rédito/rendimento, o mesmo deve ser reconhecido quando tiverem sido satisfeitas as seguintes condições:
- A entidade tenha transferido para o comprador os riscos e benefícios significativos da propriedade dos bens;
- A entidade não retenha nem o envolvimento continuado de gestão num grau geralmente associado com a propriedade, nem o controlo efetivo dos bens vendidos;
- A quantia do rédito possa ser mensurada com fiabilidade;
- Seja provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a empresa;
- Os custos incorridos ou a incorrer referentes à transação possam ser mensurados com fiabilidade.
Já o parágrafo 19, da mesma NCRF, refere que “o rédito e os gastos que se relacionem com a mesma transação ou outro acontecimento são reconhecidos simultaneamente; este processo é geralmente referido como balanceamento dos réditos com os gastos”
Em termos fiscais. e de acordo com o n.º 1 do artigo 17.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), “o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.
Ora, se não são aplicadas corretamente as normas e os princípios contabilísticos, o lucro tributável apurado e declarado fiscalmente, que tem como ponto de partida o Resultado Líquido do Exercício contabilístico, poderá ser distinto daquele que é obtido quando essas normas são cumpridas.
Refira-se, também, que a obrigatoriedade da aplicação do princípio da especialização dos exercícios encontra-se prevista, na legislação fiscal) no artigo 18.º do CIRC. Assim, atendendo ao disposto no n.º 1, deste artigo: “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”.
Acrescentando o n.º 3, do mesmo artigo, que: “para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1:
a) Os réditos relativos a vendas consideram-se em gera/ realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que se opera a transferência de propriedade;
b) Os réditos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data em que o serviço é concluído, exceto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um ato ou numa prestação continuada ou sucessiva, que são imputáveis proporcionalmente à sua execução;
(…)”
Refere também o seu n.º 2 que: “As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”,
Ora, da análise da contabilidade do contribuinte e da sua documentação de suporte, relativamente ao exercício de 2015 (período compreendido entre abril de 2015 e março de 2016), verificou-se existirem situações que deveriam ter sido corrigidas nos termos do CIRCI para efeitos do apuramento do lucro tributável) nos termos do artigo 18. º do CIRC, mas essas correções não foram efetuadas, tendo em conta os valores constantes na declaração de rendimentos Modelo 22 por si apresentada.
1. Nota de Crédito n. º 2015A19/150023, de 27/10/2015
A "A..." emitiu a Nota de Crédito n. º 2015A19/150023 (documento contabilístico n.º 7000001, do diário Clientes), com data de 27/10/2015, no valor de 1.455.667,50€, em nome do seu cliente brasileiro C..., SA. De acordo com o descritivo da mesma, aquela dizia respeito à anulação da Fatura n.º 550/2014, no valor também de 1.455.667,50€, com data de 11/11/2014,de cujo descritivo constava a venda do seguinte equipamento e correspondentes valores:
- LSVA ... Autoclave para esterilização: 34.216,87€
- Sistemas para análise de proteínas DNA e RNA: 281.250,00€;
- Sequenciador de genoma (...): 1.093.125,00€;
- Lupa Trinocular com câmara: 23.466,25€;
- Câmara de Manipulação ...: 10.312150€;
- Câmara Modelo ... para Germinação: 13,296188€,
Ora, a "A..." emitiu a sua Fatura n.º 2015A18/150398 (documento contabilístico n.º 6000046) do diário Clientes), com data de 30109/2015, também em nome do cliente brasileiro C..., SA, e cujo descritivo incluía exatamente os mesmos artigos e valores incluídos na sua fatura n.º 550/2014, de 11/11/2014:
- LSVA ...Autoclave para esterilização: 34.216,87€;
- Sistemas para análise de proteínas DNA e RNA: 281.250,00€;
- Sequenciador de genoma (...): 1,093.125,00€;
- Lupa Trinocular com câmara: 23,466,25€;
- Câmara de Manipulação ...: 10.312,50€;
- Câmara Modelo ... para Germinação: 13.296,88€.
Das diligências efetuadas, e relativamente a esta operação, verificou-se que:
- A mercadoria constante da fatura de venda n.º 2015A18/150398 foi transportada pela empresa F..., SA (NIF:...), em 30/10/2015, através de embarcação marítima com destino ao Brasil (..., São Paulo);
- A mercadoria em causa foi toda adquirida durante o exercício de 2015, conforme as seguintes faturas de compra:
- LSVA ... Autoclave para esterilização: fatura n. 0 297B2015, de 30/06/2015, da A. G..., Lda. (NIF: ...), no valor de 5.342,00€ (Documento contabilístico n.º 3000093, diário Compras);
- Sistemas para análise de proteínas DNA e RNA: fatura n. 0 31/2015, de 22/06/20, da A...,
(NIF: ES-...), no valor de 31.441,00€ (Documento 7000003, diário Compras);
- Sequenciador de genoma (...): fatura n.º 6800102528, de 01/10/2015, da H... BV Sucursal em Portugal (NIF: ...), no valor de 140.795,20€ (Documento n.º 7000001, diário Compras);
- Lupa Trinocular com câmara: fatura n. º 14850087, de 17/06/2015, da I... Sucursal em Portugal (NIF: ...), no valor de 27,191 ,74€ (Documento n.º 3000058, diário Compras);
Câmara de Manipulação ...: Fatura n.º 13148, de 25/06/2015, da J... SA (NIF: FR-...), no valor de 3.540,00€ (Documento n.º 3000085, diário Compras);
- Câmara Modelo ...para Germinação: faturas n.ºs 64 e 137, de 20/04/2015 e 04/08/2015, nos valores de 24.000,80€ e 36,001 )20€, respetivamente (Documentos n.º 1000035 e 5000011, do diário Compras), ambas emitidas pela K... Lda. (NIF: ...).
Estas faturas de compra foram contabilizadas a debito da conta 311 - Compras de Mercadorias, tendo sido consideradas gasto do exercício de 20151 a título de Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas (Conta 611), aquando do Apuramento de Resultados (Documento n.º 12000001).
Comprova-se, assim, que as operações de compra e o transporte da mercadoria associadas à transação realizada com o cliente brasileiro C..., SA, foram todas realizadas no exercício de 2015, tendo, relativamente à fatura de venda n.º 2015A18/150398, sido efetuado o devido balanceamento dos réditos com os gastos, previsto no parágrafo 20 da NCRF-18.
No entanto, e no que diz respeito, à Nota de Crédito n.º 2015A19/150023, apesar de ter sido emitida em 27/10/2015, e contabilizada sob o documento n.º 7000001 (diário Clientes), em 27/07/2015 (data contabilística), a débito da Conta 7171411 - Devolução de Vendas/Transmissões em Países Terceiros / Sem Regularização de IVA, refere-se à anulação de uma fatura emitida com data de 2014, que, aquando do encerramento das contas do exercício, o contribuinte tinha pleno conhecimento que a operação ainda não tinha efetivamente ocorrido nesse exercício, pois nem a mercadoria tinha sido colocada à disposição do seu cliente, nem sequer tinha sido ainda adquirida.
Assim, a identificada Nota de Crédito, no valor de 1.455.667,50€, deveria ter sido emitida e Imputada ao resultado do exercício de 2014, de forma a cumprir o balanceamento dos réditos com os gastos estabelecido no parágrafo 191 da NCRF-20) e o princípio da especialização dos exercícios constante dos n.ºs 1 e 3, do artigo 18.º do CIRC, não podendo ser alegado a imprevisibilidade ou o manifesto desconhecimento de que se refere o n.º 2 desse mesmo artigo, para sustentar a sua aceitação como dedução fiscal aos rendimentos declarados de 2015, pois era bem conhecido do contribuinte, à data de encerramento das contas do exercício de 2014, que a operação subjacente não se iria concretizar em 2014.
2. Inventários não declarados
Relativamente aos artigos constantes da fatura de compra n.º BD64000529, de 02/06/2015, da empresa japonesa D..., no valor total de 223.894,00€ (contabilizada sob o documento n.º 3000010, do diário Compras), que conforme o seu descritivo incluía um 1 set "SmartLab ...', o contribuinte foi questionado sobre o destino dado aos artigos nela incluídos.
Através de email de 25/05/2020, o representante da empresa esclareceu que essa encomenda foi parcialmente vendida à Universidade ... (Faculdade de...), NIF: ... conforme de venda da “A...” n.º 2015A18/150028, de 24/04/2015, no valor de 145,000,00€ (a que acresceu 33,350,00€, a título de IVA), tendo existido, no entanto, componentes que nunca chegaram a ser instaladas no cliente por motivos de dificuldade na obtenção de verbas.
Assim, esses componentes não comercializados deveriam estar refletidos no Inventário Final de 2015, mas tal só se verificou no que diz respeito ao artigo "Monocromador ..., com a referência 22680T101, valorizado a 22.636,50€. De acordo com a informação prestada pelo representante do contribuinte, por lapso, as restantes peças apenas foram incluídas no Inventário Final de 2018, com a seguinte valorização:
Artigo Referência Qt. Preço Custo Total
Monocromador de germânio ... 2680B111 1 30.000,00 30.000,00
Monocromador/analisador de germânio ... 2680C111 1 29.189,00 29.189,00
Fenda ... para ótica secundaria de 2.5º 2680F'114 1 9.500,00 9.500,00
Fenda ... de divergência axial de 2.5º 2680Dl 14 1 9.150,00 9.150,00
Fenda ... de divergência axial de 2.6º 2680D212 I 9.150,0 9.150,00
TOTAL 86.989,00
Ora, atendendo ao princípio da especialização de exercícios, previsto no artigo 18.º do CIRC, e cujo conceito e aplicação já foi exposto no ponto anterior, essa imputação a Inventários já deveria ter ocorrido no exercício de 2015, data em que foi contabilizada a compra e rececionada a correspondente mercadoria.
A não consideração no Inventário Final de 2015, dos artigos anteriormente descriminados, com o valor total de 86.989,00€, traduziu-se num empolamento do Custo das Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas (CMVMC), e consequentemente dos gastos contabilizados e declarados, pois, conforme foi demonstrado, parte do montante da fatura de compra n.º BD640005291 do fornecedor "D...", foi, erradamente, considerada como gasto do exercício (CMVMC), quando deveria ter sido incluído no valor do Inventário Final. Deste modo, e acrescentando o montante de 86.989,00€, ao valor do Inventário Final declarado, em 2015, na importância de 567.374,41€, concluiu-se que o mesmo seria no montante de 654.363,41€, dando origem a um CMVMC no valor de 4.793,207143€ (e não de 4.880.196,4391 conforme cálculos seguidamente apresentados:
Rúbrica Valor Declarado - € Acréscimo - € Valor Corrigido - €
Inventário Inicial (II) 1.315.708,96 0,00 1.315.708,96
Compras (CMPs) 4.131.861,88 0,00 4.131.861,88
Inventário Final (If) 567.374,41 86.989,00 654.363,41
CMVMC (II + CMP – If) 4.880.196,43 -86.989,00 4.793.207,43
b) Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
O sujeito passivo contabilizou a débito da Conta 6268210211 - Fornecimentos e Serviços Externos/Outros Serviços/Aquisições nos Países Comunitários as seguintes faturas, emitidas pela sociedade espanhola "E... SLº, no valor total de 228.525,00€:
Data Fat, N. º Fatura Data Cont. Diário N.º Doc. Cont. Descritivo da Fatura Valor - €
30-04-2015 19/2015 30.01.2015 Compras 1000126 Servicios Apoyo Logistico y Cormercial 36.100,00
29-05-2015 23/2015 29.02.2015 Compras 2000144 Servicios Apoyo Logistico y Cormercial 36.100100
30-06-2015 32/2015 30.03.2015 Compras 3000147 Servicios Apoyo Logistico y Cormercial 36.100,00
31-07-2015 47/2015 31.04.2015 Compras 4000226 Servicios Apoyo Logistico y Cormercial 36.100,00
30-09-2015 67/2015 30.06.2015 Compras 6000108 Servicios Apoyo Logistico y Cormercial 45.125,00
31-12-2015 105/2015 31.09.2015 Compras 9000098 Servicios Apoyo Logistico y Cormercial 39.000,00
TOTAL 228.525,00
No documento interno n.º 12000025, referente ao cálculo do Acréscimo de Gastos para o exercício de 2015 (a crédito da Conta 27229), com o valor total de 317.116,40€, encontrava-se incluída a fatura da ”E..., SL” n.º 72/2016, de 30/06/2016, no valor de 60.000,00€, com o descritivo “Servicios de Apoyo Logistico y Comercial realizados en enero, febrero e marzo”, em conjunto com outras faturas de aquisições de mercadorias.
O cálculo deste Acréscimo de Gastos foi justificado pelo representante do contribuinte por ter emitido Faturas de Vendas de mercadorias, até ao final de março de 2016, e para as quais ainda não tinham sido emitidas, pelos seus fornecedores, até essa data, as correspondentes faturas de compra.
O documento interno em causa (n.º 12000025) foi movimentado a débito da conta 31123 – Compras Mercadorias/Aquisições nos países comunitários/isentas, pelo que o valor da fatura da "E..., SL" n.º 72/2016, no montante de 60.000,00€, acabou por ser considerado como gasto do exercício de 2015, a título de Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas (Conta 611), conforme apuramento do mesmo sob o documento interno n.º 12000001 (diário de Apuramento),
As referidas faturas foram emitidas pela E..., SL em nome da “A...” nacional, alegadamente, com base num contrato de prestação de serviços de “Promoção Comercial e Apoio Logístico” celebrado entre as duas partes, a 30 de dezembro de 2014, e assinado por L..., representando as 2 empresas na qualidade de administrador único de ambas.
No mencionado contrato é referido que a E... SL “tem de prestar apoio comercial em permanência e a tempo total, através da disponibilização de 3 comerciais em Barcelona, Madrid e Bilbao, mais um administrativo, em base exclusiva, para a promoção e suporte logístico dos produtos aos quais a Segunda outorgante? está autorizada a comercializar em território espanhol”.
No n.º 1, da Cláusula Terceira desse contrato, é expresso que “Em contrapartida dos serviços prestados a Segunda Contraente, pagara à Primeira, o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) por mês, mais 5% do valor das vendas”.
Já no n.º 2, dessa mesma Cláusula, é referido que “Os valores despendidos nas atividades extras de marketing (tais como organização de seminários e presença em congressos), serão adicionados ao valor acima a preço de custo”.
Foi apresentada, também, uma adenda ao contrato em causa, com data de 30 de dezembro de 2015, assinado de igual modo por L..., representando as empresas E... SL e "A..." (nacional), nos termos previstos do n.º 21 da Cláusula Terceira do contrato original indicando que a E..., SL “tem direito a receber mais € 53.525,00€ em contrapartida dos custos assumidos com a organização” de 11 Seminários e Congresso identificados na referida Adenda.
Ora, do enquadramento das faturas emitidas pela E..., SLI e que foram contabilizadas como gastos do exercício da “A...” nacional, e do contrato de prestações de serviços anteriormente mencionado, com a atividade exercida pelas duas empresas em causa, é de realçar os seguintes factos:
1. A administração das empresas “A...” e “E..., SL”
Tendo as duas empresas, “A...” e E..., SL, o mesmo administrador, o valor da faturação entre estas duas empresas não está sujeito às normais regras de mercado, podendo esse mesmo administrador fixar os preços que bem entender, desviando-se daqueles que teriam sido acertados entre parceiros comerciais não relacionados, em transações comparáveis nas mesmas circunstâncias, sendo esta situação ainda mais difícil de controlar quando estão em causa bens imateriais, como é o caso das prestações de serviços.
2. Comparação entre os valores das Prestações de Serviços faturadas pela E..., SL para a “A...” nacional com o valor das vendas da “A...” nacional com destino a Espanha
Entre 2014 e março de 20161 a E... SL, emitiu os seguintes valores de faturas a título de prestações de serviços, conforme informação constante do VIES (Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias):
2014 2015 1º Trim. 2015 2º Trim a
2016 1º Trim.
Prestações Serviços faturadas pela E... SL p/a “A...”" nacional 263.800,00 € 65.000,00 € 228.525,00 €
De acordo com a Informação constante das declarações recapitulativas entregues pela “A...” nacional, a mesma efetuou as seguintes transmissões de bens para clientes espanhóis entre 2014 e o final de março de 2016:
Cliente 2014 2015 1º Trim. 2015 2º Trim. a 2016 1º Trim.
E... SL 495.971 ,00 € 26.659,00 € 810.436,00 €
Outros clientes ES 0,00 € 0,00 € 76.670,00 €
Verifica-se, assim, que só para o exercício de 2015 é que a “A...” nacional emitiu faturas de venda para clientes espanhóis que não a E... SL e o valor em causa (75.670,00€), diz respeito quase na sua totalidade a uma única fatura, no valor de 75.000,00€, com o n.º 2015A14/53) emitida com data de 30/11/2015, em nome de M... (NIF: ES-...).
Se analisarmos a volume da faturação para Espanha e compararmos esse valor com o montante das faturas emitidas pela E... SL podemos comprovar o "peso" do valor dos mesmos face aos rendimentos obtidos com essas operações:
2014 2015 1º Trim. 2015 2º Trim. a 2016 1º Trim.
Prestações Serviços faturadas pela E... SL p/a “A...” nacional 263.800,00 € 65.000,00 € 228.525,00 €
Total Vendas Mercadorias p/a clientes espanhóis (incluindo a E... SL) 495.971,00 € 26.659,00 € 886.106,00 €
Prestação Serviços E... SL / Vendas Totais p/a Espanha 53,19% 243,82% 25,79%
Verifica-se, assim, que para o 1º Trimestre de 2015, o valor faturado pela E... SL para a “A...” nacional, a título de prestação de serviços, foi inclusive superior ao próprio valor das vendas para Espanha nesse mesmo período. É de realçar, também, que para o exercício de 20151 os efetivos gastos contabilizados pela “A...” portuguesa referentes às prestações de serviços faturadas pela E... SL, totalizaram o montante de 288.525,00€, representando, como tal, um peso de 32,57% do valor das vendas de mercadorias faturadas para Espanha.
3. A lógica económica subjacente ao contrato de prestações de serviços
Conforme já foi demonstrado anteriormente, a quase totalidade da faturação emitida pela “A...” com destino a Espanha, é destinada à E..., SL, por isso, a alegada promoção e suporte logístico no mercador espanhol não tem qualquer tradução direta nas vendas da “A...” nacional, pois quem vende em Espanha. os artigos comercializados pela “A...” é a E... SL e não a “A...” nacional.
4. Resumo
A “A...”, durante o exercício de 2015, contabilizou a título de gastos com prestações de serviços de “apoio logístico e comercial”, o montante total de 288.525,00€. Estes gastos estão suportados documentalmente por faturas emitidas peia empresa E... SL, cujo administrador é o mesmo da “A...” portuguesa.
O contrato de prestação de serviços apresentado, celebrado entre as duas empresas, traduz-se num “apoio comercial em permanência e a tempo total, através da disponibilização de 3 comerciais em Barcelona, Madrid e Bilbao, mais um administrativo, em base exclusiva, para a promoção e suporte logístico dos produtos” que a “A...” nacional “está autorizada a comercializar em território espanhol”.
Ora, conforme exposto anteriormente, a quase totalidade das vendas efetuada pela “A...” portuguesa para Espanha, tem como destino a própria E... SL, sendo residual a faturação, em valor e em número, para outros clientes espanhóis, pelo que os eventuais gastos associados a apoio comercial e logístico (com participação em feiras, congressos e seminários em Espanha), se encontram diretamente relacionadas com a atividade da E..., SL, e com os seus rendimentos, e não com a A...” portuguesa.
Assim, e face aos factos anteriormente expostos, os gastos contabilizados pela “A...” suportados em faturas emitidas pela E..., SL, a título de prestações de serviços de apoio logístico e comercial, já identificadas anteriormente, no montante total de 288.525,00€, não traduzem um encargo suportado que seja necessário para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, para que a sua dedutibilidade fiscal seja aceite nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 23.º do CIRC.
c) Rendimentos não contabilizados e declarados relativos a subsídios
A empresa submeteu ao IAPMEI um Projeto de Investimento, com o n.º 31.800, no âmbito do Programa de Incentivos QREN (Orientação de Gestão n.º 04.REV3/2012), tendo-lhe sido considerado como despesa elegível certificada, o montante total de 408.962,67€. Esse projeto teve um incentivo final de 264.964,48€, com uma componente reembolsável, no montante de 201.927,72€, e um prémio associado não reembolsável no valor de 63.036,76€ (15,14%, da despesa elegível certificada).
Verificou-se, contudo, que relativamente a este Subsídio, o contribuinte não realizou a devida imputação do rendimento do mesmo, a efetuar nos termos da NCRF-22 e do artigo 22.º do CIRC, cujo n.º 1 seguidamente se reproduz:
“1 - A inclusão no lucro tributável dos subsídios relacionados com ativos não correntes obedece às seguintes regras:
a) Quando os subsídios respeitem a ativos depreciáveis ou amortizáveis, deve ser incluída no lucro tributável uma parte do subsídio atribuído, independentemente do recebimento, na mesma proporção da depreciação ou amortização calculada sobre o custo de aquisição ou de produção, sem prejuízo do disposto no n.º 2;
b) Quando os subsídios respeitem a ativos intangíveis sem vida útil definida, deve ser incluída no lucro tributável uma parte do subsídio atribuído, independentemente do recebimento, na proporção prevista no artigo 45.º-A;
c) Quando os subsídios respeitem a propriedades de investimento e a ativos biológicos não consumíveis, mensurados pelo modelo do justo valor, deva ser incluída no lucro tributável uma parte do subsídio atribuído, independentemente do recebimento, na proporção prevista no artigo 45.º-A;
d) Quando os subsídios não respeitem aos ativos referidos nas alíneas anteriores, devem ser incluídos no lucro tributável, em frações Iguais, durante os períodos de tributação em que os elementos a que respeitam sejam inalienáveis, nos termos da lei ou do contrato ao abrigo dos quais os mesmos foram concedidos, ou, nos restantes casos, durante 10 anos, sendo o primeiro o do recebimento do subsídio”.
O representante do contribuinte, por email de 15/06/2020, identificou os seguintes elementos do Ativo FIXO Tangível como Integrantes do mencionado Projeto de Investimento, que deveria ter sido imputado aos rendimentos do exercício de 2015, a título de subsídios não reembolsáveis recebidos, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 22.º do CIRC, no montante total de 8.925,73€, conforme seguinte mapa resumo:
Equipamento Aquisição em Valor Aquisição Taxa Deprec /Amort Deprec. / Amort do exercício % Não Reemb. do Investimento Rendimento a imputar (1)
Ano Mês
Scanning Probs
Microscope …
2013 12 36.061,30 14,28% 5.149,55 15,41% 793.55
X-Ray ...
2013 6 46.884,15 14,28% 6.980,66 15,41% 1.075,72
Automatic Sequencial … 2013 9 66.781,50 14,28% 8.108,40 15,41% 1.249,50
... AFM Camera + Scan + Cantilever) 2013 9 11.856 40 14,28% 1.693,09 15,41% 260,91
Acoustic ... 2013 11 974,14 14,28% 139,11 15,41% 21,44
Acoustic ... 2013 11 202,94 14,28% 28,98 15,41% 4,47
Kuhlmobil ... 2013 4 2.732,40 14,28% 390,19 15,41% 60,13
Estudo de Análise a diagnóstico do plano Investimento 2014 1 4.227,62 33,33% 1.409,03 15,41% 217,13
Aparelhos de Laboratório 2014 4 37.514,88 14,28% 6.357,12 15,41% 825,53
Aparelhos de Laboratório ... 2014 7 33.096,00 14,28% 4.726,11 15,41% 728,29
Aparelho de Laboratório ... 2014 8 33.609,39 14,28% 4.799,42 15,41% 739,69
Aparelho de Laboratório ... 2014 8 12.535,61 14,28% 1.790,09 15,41% 275,85
Prensa Automática ... 2014 12 17.500,00 14,28% 2.499,00 15,41% 385,10
SCH-PHS Unidade Fusão Automática+Moinho Planetario 2014 12 39.812,00 14,28% 6.685,15 15,41% 876,08
Programa de Computador E-marketplace 2014 12 12.500,00 33,33% 4.166,25 15,41% 642,02
Programa Computador Software gestão de projeto 2014 12 15.000,00 33,33% 4.999,50 15,41% 770,42
TOTAL 363.288,23 67.921,65 8.925,73
(1) Valor da depreciação do exercício x % Não Reembolsável do Investimento (valor não reembolsáveis investimento elegível)
O diferencial entre o valor total de aquisição destes equipamentos (363.288,23€), e o valor do investimento total elegível (408.962,67€), foi justificado pelo contribuinte como dizendo respeito à aquisição de ativo fixo tangível que não foi alvo de depreciação em 2015.
d) Resumo das Correções da Matéria Tributável de IRC
- Acréscimos ao Lucro Tributável declarado:
Rúbrica Valor - € Fundamentação (CIRC)
Nota Crédito n.º 2015A/19150023 1.455.667,50 n.º 2, do art.º 18º
Inventários não considerados (fatura “D...) 86.989,00 n.º 1, do art.º 18º
Prestações Serviços E... SL 288.525,00 n.º 1, do art.º 23º
Subsídio não tributado 8.925,73 Alínea a), do n.º 1, do art.º 22º
Total 1.840.107,23
- Valores totais a declarar corrigidos:
Exercício Lucro Tributável Declarado Acréscimos Resultado Fiscal Corrigido
2015 72.583.98 € 1.840.107,23 € 1.912.691,21 €
H) Em 2013, a Requerente emitiu a factura n.º 795/2013, no valor de € 1.494.336,90, em nome da sociedade de direito brasileiro B... Ltd, relativa à aquisição de equipamento.
I) A factura foi anulada no exercício de 2014, através na Nota de Crédito nº 2014A4/35, de 11 de Novembro de 2014.
L) Em 11 de Novembro de 2014, a Requerente firmou um contrato de fornecimento com a C..., SA, pessoa coletiva ..., com sede em..., CEP ...-..., São Paulo, Brasil, que constitui o documento n.º 5 junto ao pedido, que aqui se dá como reproduzido, e contém, entre outras, as seguintes cláusulas:
Cláusula 3a
Objecto
O presente contrato tem por objecto o fornecimento de equipamentos para montagem de laboratório", de acordo com a proposta apresentada e em conformidade com as características técnicas especificadas.
Cláusula 4a
Preço
1. A Primeira Outorgante obriga-se a pagar à Segunda Outorgante o preço de EUR 1.455.667,50 (Um milhão, quatrocentos e cinquenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos).
2. O preço referido no número anterior está abrangido pelos termos Inconterms CIF (Custos de Seguro e Fretes incluídos), ou seja, inclui todos os custos, encargos e despesas até a entrega no porto de destino, sendo que as despesas de desalfandegamento e taxas são por conta do primeiro outorgante.
Cláusula 5a
Prazo de fornecimento e Condições de Pagamento
l. Os bens objecto deste contrato deverão ser embarcados pelo fornecedor no prazo de seis meses a contar da assinatura do presente contrato e após comprovado recebimento integral do preço dos bens a fornecer.
2. Sem prejuízo do número precedente, o prazo de fornecimento só começará a correr após pagamento integral do preço do contrato, efectuado pela primeira à segunda outorgante.
J) A Requerente emitiu a factura n.º 550/2014, com data de 11 de Novembro de 2014, em nome da sociedade de direito brasileiro C..., SA, no valor de € 1.455.667,50, para fornecimento do equipamento que se encontra descrito no relatório de inspecção tributária (pág. 5).
L) Em 31 de Dezembro de 2014, a C..., SA, procedeu ao pagamento parcial da factura n.º 550/2014, que titulava o fornecimento de equipamentos, correspondente a 90% do seu valor (€ 1.309.990,75), e liquidou o remanescente em 4 de Agosto de 2015 (documento nº 6).
M) A Requerente anulou a factura n.º 550/2014 através da nota de crédito nº 2015A19/150023, com data de 27 de outubro de 2015.
N) A Requerente emitiu a factura n.º 2015A17/150398, com data de 30 de setembro de 2015, em nome da sociedade C..., SA, no valor de € 1.455.667,50, para fornecimento do mesmo equipamento a que se refere a antecedente alínea J).
O) A mercadoria foi transportada com destino a Porto de Santos, São Paulo, Brasil, em 30 de outubro de 2015.
P) A Requerente não incluiu no inventário final de 2015 parte dos componentes, no valor total de € 86.989,00, que não chegaram a ser comercializados nesse ano, e que constava da factura de compra n.º BD64000529, de 2 de Junho de 2015, da empresa japonesa D..., no valor total de € 223.894,00.
Q) No âmbito do procedimento inspectivo, a Autoridade Tributária desconsiderou gastos contabilizados pela Requerente, com referência a facturas emitidas sociedade de direito espanhol E..., SL, sua relacionada, a titulo de prestações de serviços de apoio logístico e comercial, no montante total de € 288.525,00, por entender que esses encargos não são dedutíveis, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na esfera jurídica da Requerente.
R) A Requerente não declarou como rendimento no exercício de 2015, a título de subsídios não reembolsáveis recebidos no âmbito do Programa de Incentivos QREN, no montante total de € 8.925,73.
S) As sociedades A..., S.A. e E..., S.L. têm o mesmo acionista individual, que detém o capital social, e é o administrador único.
T) O pedido arbitral deu entrada em 30 de Dezembro de 2020.
Factos não provados
Não se encontra provado que a Requerente tenha regularizado, no exercício de 2018, a omissão de mercadorias verificada no inventário de 2015 e efectuado o pagamento do imposto devido.
Não se encontra provado que a Requerente tenha regularizado, no exercício de 2017, a omissão verificada no exercício de 2015 quanto a subsídios não reembolsáveis, atribuídos no âmbito do Programa de Incentivos QREN, e procedido ao pagamento do imposto devido.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, na produção de prova testemunhal em audiência e factos não questionados.
Quanto aos factos não provados cabe referir o seguinte.
Tendo sido detectado pela Administração Tributária, no âmbito do procedimento inspectivo, e relativamente ao exercício de 2015, a existência de irregularidades nos inventários e a omissão quanto a subsídios não reembolsáveis, atribuídos no âmbito do Programa de Incentivos QREN, foi ilidida a presunção da veracidade dos elementos contabilísticos, nos termos do disposto no artigo 75.º, n.º 2, alínea a), da LGT, pelo que cabia ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos atinentes à regularização do imposto. Embora a Requerente tenha alegado no decurso do procedimento inspectivo que procedeu à regularização dos inventários no exercício de 2018 (RIT, págs. 7/20 e 17/2) e à regularização da omissão quanto aos subsídios no exercício de 2017 (RIT, pág. 19/20), o sujeito passivo não logrou apresentar qualquer prova documental, nem nesse procedimento, nem no processo arbitral, que permita considerar como verificada essa regularização.
Matéria de direito
A Requerente impugna as correções tributárias efetuadas no âmbito de um procedimento inspetivo resultantes da desconsideração como gasto para efeitos fiscais de nota de crédito, por incumprimento do princípio da especialização dos exercícios, e outras correcções relacionadas com inventários não declarados, submissão de encargos não dedutíveis fiscais e rendimentos não contabilizados e declarados relativos a subsídios.
Contabilização como gasto da Nota de Crédito n.º 2015 A 19/150023
5. Como resulta da matéria de facto dada como assente, em 2013, a Requerente emitiu a factura n.º 795/2013, no valor de € 1.494.336,90, em nome da sociedade de direito brasileiro B... Ltd., relativa à aquisição de equipamentos, que veio a ser anulada no exercício de 2014, através na Nota de Crédito nº 2014A4/35, de 11 de Novembro de 2014.
Na sequência de um contrato de fornecimento de equipamentos para montagem de laboratório, celebrado com a C..., SA, do mesmo grupo económico, a Requerente emitiu, em nome dessa entidade, a factura n.º 550/2014, com data de 11 de Novembro de 2014, no valor de € 1.455.667,50.
A C..., SA, procedeu ao pagamento parcial da factura n.º 550/2014, correspondente a 90% do seu valor, em 31 de Dezembro de 2014, no montante de € 1.309.990,75, e liquidou o remanescente em 4 de Agosto de 2015.
Em 30 de setembro de 2015, a Requerente emitiu uma nova factura sob o n.º 2015A17/150398, em nome da mesma entidade e com o mesmo valor de € 1.455.667,50, para fornecimento do mesmo equipamento e, em 27 de outubro seguinte, anulou a factura n.º 550/2014 através da nota de crédito nº 2015A19/150023, ainda que esse movimento se encontre contabilizado internamente com data de 27 de Julho de 2015.
No relatório de inspecção tributária, os serviços inspectivos descrevem esses sucessivos movimentos através do seguinte quadro (pág. 16/20):
Exercício de 2013 Exercício de 2014 Exercício de 2015
Doc. n.º Valor (€) Doc. n.º Valor (€) Doc. n.º Valor (€)
1 – Factura a) 795/2013 1 494 336,90 550/2014 1 455 667,50 2015A18/150398 1 455 667,50
2 – Nota de Crédito - - a) 2014A4/35 1 494 336,90 2015A19/150023 1 455 667,50
Resultado (1-2) 1 494 336,90 - 38 669,40 0,00
a) em nome da empresa brasileira B..., do grupo da C..., indicada inicialmente como cliente da mercadoria
Com base nesta factualidade, a Autoridade Tributária conclui que a Nota de Crédito nº 2015A19/150023, que anulou a factura n.º 550/2014, no valor de € 1.455.667,50 deveria ter sido imputada ao resultado do exercício de 2014, de forma a cumprir o balanceamento dos réditos com os gastos, conforme o estabelecido no parágrafo 19 da NCRF-20 e o princípio da especialização dos exercícios que consta do artigo 18.º do CIRC, não podendo alegar-se a imprevisibilidade ou o manifesto desconhecimento do gasto à data de encerramento das contas do exercício de 2014 (cfr. RIT, pág. 6/20).
A correcção que está, por conseguinte, em causa é o acréscimo ao lucro tributável declarado no exercício de 2015 por desconsideração como gasto da Nota de Crédito nº 2015A19/150023, no montante de € 1.455.667,50, com base na violação do princípio da especialização dos exercícios.
O princípio contabilístico da especialização económica dos exercícios, consagrado no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, consiste em incluir nos resultados fiscais os proveitos e custos correspondentes a cada ano económico, independentemente do seu efectivo recebimento ou pagamento. O n.º 3, alínea a), desse artigo esclarece, para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1, que “os réditos relativos a vendas consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que se opera a transferência de propriedade”.
O n.º 2 permite que proveitos ou custos respeitantes a exercícios anteriores sejam imputáveis a um outro exercício apenas quando à data do encerramento das contas daquele eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos. O que significa que o custo ou proveito está tendencialmente associado ao momento da emissão do documento, sendo esse um critério contabilístico que reflete o princípio da periodização anual do imposto.
Estes critérios encontram-se ainda em consonância com o parágrafo 19 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 20, onde se refere que “o rédito e os gastos que se relacionem com a mesma transacção ou outro acontecimento são reconhecidos simultaneamente”, processo que é geralmente designado como balanceamento dos réditos com os gastos.
Considera-se, em todo o caso, como tem sido entendimento jurisprudencial, que esse princípio não tem de ser interpretado em sentido estritamente literal quando da imputação do proveito ou custo a um exercício diverso daquele a que respeitava não resultar prejuízo para a Fazenda Nacional e a correção poder vir a traduzir-se num agravamento fiscal do contribuinte.
Como se afirma no acórdão do STA de 13 de outubro de 1996 (Processo n.º 20404), sem pôr em causa a relevância fiscal do princípio da especialização dos exercícios, é de admitir a imputação de custos a exercícios anteriores, quando ela não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, como é o caso em que está prestes a acabar ou iniciar um período de isenção, quando há interesse em reduzir prejuízos de determinado exercício ou retirar benefícios do seu reporte e quando se pretende reduzir o montante dos lucros tributários.
E esse sentido interpretativo pode ser adotado – como se ponderou também no acórdão do STA de 5 de fevereiro de 2003 (Processo n.º 01648/02) - mediante a articulação do princípio da especialização de exercícios com o princípio da justiça a que a Administração Tributária se encontra igualmente vinculada (artigo 55.º da LGT).
No caso, a Requerente imputou ao exercício de 2015 o gasto resultante da nota de crédito n.º 1015A19/1500023 que se referia à anulação de factura emitida em 2014 (factura n.º 550/2014), e que, segundo o princípio da especialização dos exercícios, deveria ter sido considerado no ano de 2014, em que ocorreu o correspondente rédito. E, desse modo, neutralizou o rendimento que tinha obtido em 2015, por efeito da concretização da venda dos equipamentos titulada pela factura n.º 2015A18/150398.
No entanto, os elementos coligidos no Relatório de Inspecção Tributária e, especialmente, o quadro inserto na pág. 16/20, evidenciam que a Requerente havia declarado e contabilizado em 2013 o montante de € 1.455.666,50 referente à factura n.º 795/2013, que apenas foi anulada em 2014 – facto que é igualmente reconhecido pelos serviços inspectivos (RIT, pág. 16/20) – e que determinou que essa importância fosse levada aos resultados, sendo que a diferença entre os valores em causa, no montante de € 38.669,40, foi corrigida no exercício de 2014.
Nessa circunstância, não há qualquer prejuízo para o erário público resultante da violação do princípio da especialização dos exercícios, visto que no ano de 2013 a Administração Fiscal cobrou imposto sem que fosse tido em consideração os custos fiscais que determinariam um decréscimo do lucro tributável por efeito da anulação da factura.
Afigura-se ser, nestes termos, de considerar a argumentação da Requerente e declarar a ilegalidade do acto tributário impugnado por violação do princípio da justiça.
Inventários não declarados
6. A Requerente discute ainda a correcção tributária resultante de não ter sido considerado no inventário final de 2015 os artigos no valor de € 86.989,00, por virtude de parte do montante da factura da compra do fornecedor D... ter sido erradamente considerada como gasto do exercício.
Alega a este propósito que o erro existente à data de encerramento do exercício de 2015 nos inventários finais e no apuramento do resultado, mediante a omissão de mercadorias no valor dos inventários e o aumento do custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas, foi regularizado no exercício de 2018 e, apesar de não ter sido apresentada uma declaração de rendimento de substituição, não houve prejuízo para o Estado, para além de eventuais juros compensatórios pelo atraso do pagamento de imposto pago a menos em 2015, pelo que considera verificada uma situação de duplicação de colecta e de violação do princípio da justiça.
Como se deixou exposto num momento anterior, o princípio contabilístico da especialização económica dos exercícios, consagrado no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, carece de ser articulado com o princípio da justiça quando da imputação do proveito ou custo a um exercício diverso daquele a que respeitava não resultar prejuízo para a Fazenda Nacional e a correção poder vir a traduzir-se num agravamento fiscal do contribuinte.
No entanto, na situação do caso, não foi apresentada uma declaração de substituição, nem é feita a prova pela Requerente da efectiva regularização dos inventários no exercício de 2018, nem do impacto que essa regularização, a ter existido, poderia ter tido em sede de liquidação de imposto.
E, sendo assim, não é possível mobilizar o princípio da justiça para afastar o critério contabilístico da periodização anual do imposto, visto que não está demonstrada a inocuidade, para os interesses da fazenda pública, da não imputação dos bens a inventariar num período de tributação anterior a que respeitavam e a sua contabilização a título de custo. E pela mesma ordem de considerações, a correcção tributária, baseada no incumprimento do princípio da especialização de exercícios, não pode subsumir-se a uma situação de duplicação de colecta.
Por outro lado, não podem considerar-se violados os princípios da actividade administrativa a que se referem os artigos 66.º, n.º 2, da Constituição e os artigos 8.º e 10.º do CPA, quando a Requerente lhes faz alusão no ponto 77.º da petição, mas sem qualquer outro desenvolvimento, e sem permitir ao tribunal, por conseguinte, efectuar qualquer apreciação crítica quanto às razões que, nas circunstâncias do caso, poderiam justificar a pretendida infracção a esses princípios procedimentais.
Gastos não dedutíveis para efeitos fiscais
7. Em causa estão ainda os gastos suportados pela Requerente com facturas emitidas pela sociedade de direito espanhol E... S.L., a título de prestação de serviços de apoio logístico e comercial, no montante de € 288.525,00, que a Autoridade considerou não cumprirem os critérios de dedutibilidade fiscal do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.
Para assim concluir os serviços inspectivos tiveram em consideração que a quase totalidade das vendas efetuada pela A... portuguesa para Espanha, tem como destino a própria E... SL, sendo residual a facturação para outros clientes espanhóis, pelo que os eventuais gastos associados a apoio comercial e logístico (como a participação em feiras, congressos e seminários em Espanha), se encontram directamente relacionadas com a actividade da sociedade espanhola e não se destinam a obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC por parte da entidade portuguesa.
A Requerente começa por considerar que a correcção tributária, nesta parte, resulta de um incorrecto enquadramento do direito aplicável quanto às operações em causa, que não poderiam ser analisadas ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC, mas de acordo com o Regime Fiscal dos Preços de Transferência a que se refere o artigo 63.º desse Código pelo facto de se tratar de transações entre partes relacionadas.
O Relatório de Inspecção Tributária faz uma alusão a este aspecto da questão, ao considerar, que tendo as duas empresas (A..., SA e E..., SL) o mesmo administrador, o valor da facturação entre estas duas empresas não está sujeito às normais regras de mercado, podendo esse mesmo administrador fixar os preços que se desviem daqueles que teriam sido acertados entre parceiros comerciais não relacionados, em transações comparáveis nas mesmas circunstâncias, sendo esta situação ainda mais difícil de controlar quando está em causa a prestação de serviços (RIT, pág. 9/20). Mas não extraiu daí um qualquer efeito de direito, vindo a proceder à correcção tributária apenas com fundamento na não dedutibilidade dos gastos segundo os critérios do artigo 23.º do Código do IRC.
Verificando-se que as sociedades têm o mesmo acionista individual que detém o capital social e um administrador único, haverá de concluir-se que se encontram em situação de relações especiais, por efeito do disposto no artigo 63.º, n.º 4, alínea b), do Código do IRC, que prescreve:
Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre: (…) b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respetivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto; (…).
Não estando excluído que sociedades relacionadas pudessem celebrar entre si um contrato de prestação de serviços, e tal como se decidiu no acórdão proferido no Processo n.º 70/2018, cabia à Autoridade Tributária, em primeira linha, aplicar o regime fiscal dos preços de transferência e verificar se os preços aplicados, tendo em conta as características das operações, ainda que realizadas no âmbito de operações entre entidades relacionadas, são desajustados em relação aos preços normais de mercado, a ponto de poder colocar-se em causa o princípio da plena concorrência.
Sendo essa uma norma anti-abuso que permite a desqualificação para efeitos fiscais de um qualquer ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte com o único, ou principal, objetivo de obtenção de uma vantagem fiscal, que possa consubstanciar uma fraude à lei fiscal, o efeito jurídico que resulta do seu funcionamento é o de considerar os actos como praticados de acordo com o padrão normal do comércio jurídico para obter o mesmo resultado económico, não aceitando como custo fiscal a eventual diferença entre os preços praticados no âmbito de relações especiais e os que o teriam sido em condições normais de mercado.
No entanto, a Autoridade Tributária, embora tenha equacionado a questão na perspectiva do regime fiscal dos preços de transferência – que tinha aplicação ao caso -, optou por desconsiderar os gastos, na sua totalidade, por considerar que os gastos incorridos com a empresa espanhola, com quem tinha relações, não eram dedutíveis porque não contribuíam para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto.
Na redação resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com efeitos desde 1 de janeiro de 2014, o n.º 1 desse preceito passou a dispor que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
Já na redação vigente em 2013 do artigo 23.º do CIRC, em que se fazia depender a consideração de custos ou perdas para efeitos fiscais de um requisito de indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos que são sujeitos ao imposto, havia um entendimento jurisprudencial firme no sentido de considerar que a indispensabilidade a que se refere o preceito exige tão só uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro” (cfr. acórdão do TCA Sul de 6 de outubro de 2009, Processo 03022/09 e, em idêntico sentido, acórdão do TCA Norte, de 12 de janeiro de 2012, Processo 00624/05).
Nessa mesma linha de entendimento, o STA, no acórdão de 29 de março de 2006 (Processo nº 1236/05), chamando a atenção para o carácter casuístico do preenchimento do conceito de indispensabilidade, formula o seguinte critério:
“A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios”.
Nesse sentido se tem ainda posicionado a doutrina, sendo de referir, a título de exemplo, RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, págs. 86-87, e SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra, 2006, pág. 215.
Em síntese conclusiva, deve entender-se que a actividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a actividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando actividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de actividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, mas pressupõe uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou actos de gestão que se insiram no interesse próprio da entidade que assume os custos (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 480/2016-T).
É nesse âmbito compreensivo que deve entender-se a nova redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, que, visando implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passou a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com actividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a actividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, 30 de junho de 2013).
Ora, a Requerente, no exercício do seu direito de audição, apresentou uma explicação plausível para a necessidade de suportar os custos com a sociedade relacionada, ao dizer que não vende directamente em Espanha e é E... SL que desenvolve os contactos, faz a promoção comercial, vende, instala, dá a garantia e assistência técnica aos clientes espanhóis e basicamente as vendas de equipamentos da A... SA à E... SL são asseguradas pelos serviços comerciais desta para clientes espanhóis – facto, aliás, reconhecido pelos serviços inspectivos, que afirmam que a facturação para o mercado espanhol é residual (RIT, pág. 11/20).
Não tendo a Autoridade Tributária optado por analisar os preços aplicáveis à luz do regime fiscal de transferência de preços, não há motivo para considerar, face a tudo o que anteriormente se expõe quanto aos critérios de dedutibilidade de gastos, que os custos incorridos com o contrato de prestação de serviços celebrado com a entidade relacionada não tivessem uma relação causal com a obtenção de rendimentos ou com a finalidade de manter a fonte produtora de rendimentos.
Sendo de concluir que, não tendo a Autoridade Tributária procedido à correcção tributária com base no disposto no artigo 63.º do Código do IRC, não poderia recusar a dedução dos gastos com base no disposto no artigo 23.º.
Fica consequentemente prejudicado o conhecimento do vício de falta de fundamentação também imputado ao acto impugnado.
Rendimentos não declarados e contabilizados relativos a subsídios
8. Uma outra questão que vem suscitada respeita a um Projeto de Investimento submetido ao IAPMEI, no âmbito do Programa de Incentivos QREN, relativamente ao qual a Autoridade Tributária verificou que não foi imputado aos rendimentos do exercício de 2015, a título de subsídios não reembolsáveis recebidos, no montante total de € 8.925,73, em violação do disposto no artigo 22.º, n.º 1, alínea a), do CIRC.
A Requerente alega que a situação foi corrigida no exercício de 2017, não havendo prejuízo para o Estado, salvo quanto ao eventual pagamento dos juros compensatórios por retardamento no pagamento do imposto em dívida, considerando assim que a correcção tributária gera implica uma duplicação de colecta.
A presente situação é similar à já analisada a propósito dos inventários não declarados (cfr., supra 6.)
Como resulta do relatório de inspecção tributária (pág. 19/20), no decurso do procedimento inspectivo, e mesmo no âmbito do direito de audição, a Requerente não apresentou qualquer prova documental, designadamente extratos contabilísticos e mapas auxiliares de suporte ao apuramento dos valores imputáveis aos rendimentos, que permitam demonstrar que os montantes em causa foram considerados como rendimentos no exercício de 2017, não sendo suficiente para o efeito os quadros explicativos que juntou ao pedido arbitral como documentos n.ºs 6 e 7.
Não sendo possível, também neste caso, contornar a regra do artigo 22.º do CIRC quanto à contabilização dos subsídios relacionados com activos não correntes e considerar verificada a duplicação da colecta ou a violação do princípio da justiça.
Pelas mesmas razões apontadas no final do precedente ponto 6., para que se remete, também não opera a pretendia violação dos princípios da actividade administrativa a que se referem os artigos 66.º, n.º 2, da Constituição e os artigos 8.º e 10.º do CPA, a que a Requerente faz alusão no ponto 171.º da petição.
Questões de constitucionalidade
9. A Requerente imputa às correções tributárias efetuadas relativamente a inventários não declarados e a rendimentos relativos a subsídios não contabilizados, em relação às quais o tribunal considera improcedente o pedido, a violação do disposto no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, parecendo pretender referir-se ao princípio constitucional da tributação segundo o lucro real (artigos 77.º e 171.º da petição).
Como é sabido, o controlo difuso da constitucionalidade pelos tribunais é normativo, incidindo sobre uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada em decisão judicial ou em ato administrativo, competindo à parte suscitar de modo processualmente adequado a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
A suscitação processualmente adequada da questão implica a precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional (acórdãos n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08) e a indicação das razões pelas quais se considera verificada a violação de normas ou princípios constitucionais (acórdãos n.ºs 645/06, 708/06, 630/08), não bastando uma referência genérica a essas normas ou princípios ou a imputação da inconstitucionalidade aos próprios actos jurídicos que são objeto de impugnação judicial.
Tendo-se limitado a Requerente a imputar os vícios de inconstitucionalidade às correções tributárias, sem indicação da norma ou interpretação normativa que entende terem sido aplicadas em violação da Lei Fundamental e sem um mínimo desenvolvimento quanto às razões que justificam um juízo de inconstitucionalidade, não há que tomar conhecimento de qualquer dessas questões.
III – Decisão
Termos em que se decide:
A) Julgar procedente o pedido arbitral e anular a liquidação adicional em IRC respeitante à nota de crédito n.º 2015A18/150023, no montante de € 1.455.667,50 e a encargos não dedutíveis, no montante de € 288.525,00;
B) Julgar improcedente o pedido arbitral e manter a liquidação adicional em IRC respeitante a inventários não declarados, no montante de € 86.989,00, e a rendimentos não declarados como subsídios, no montante de € 8.926,73.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 462.911,19, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Notifique.
Lisboa, 31 de Dezembro de 2021
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Pinheiro Pinto
O Árbitro vogal
Henrique Fiúza
(com declaração de voto de vencido)
VOTO DE VENCIDO
Não me revendo na decisão tomada pelo Tribunal no que diz respeito à não tributação de rendimentos referentes a vendas realizadas no exercício económico de 2015 consideradas como tendo sido tributadas no exercício de 2013, assim como à aceitação como gastos fiscais dos valores facturados pela E... SL no exercício de 2015 referentes a alegados apoios desta sociedade de direito espanhol à Requerente, entendi emitir a presente declaração de voto.
Os temas e os fundamentos que me afastam da posição maioritária assumida pelo Tribunal são os seguintes:
1. TRIBUTAÇÃO DE RENDIMENTOS REFERENTES A VENDAS REALIZADAS NO EXERCÍCIO ECONÓMICO DE 2015 CONSIDERADAS COMO TENDO SIDO TRIBUTADAS NO EXERCÍCIO DE 2013
Com data de 31 de Dezembro de 2013 (31/12/2013), a Requerente emitiu a Factura nº 795/2013 no valor de €1.494.336,90, referente à transmissão de bens com destino a uma sociedade com sede no Brasil, a sociedade comercial B..., Lda (B...).
Apesar de os equipamentos facturados não terem sido entregues nem enviados à compradora, essa factura foi lançada em Vendas (Rendimentos) do exercício de 2013, tendo o respectivo valor integrado o apuramento de resultados desse exercício, embora neste apuramento não tivesse sido incluído o respectivo custo da mercadoria vendida (custo das vendas).
Tal contabilização e consequente apuramento de resultados, fez com que a Requerente tivesse apresentado o Lucro Tributável de €408.335,44, quando, na ausência de tal contabilização, teria apresentado o Prejuízo Fiscal de €1.086.001,46.
A Requerente não recebeu, nem parcialmente nem na totalidade, o valor da factura n.º 795/2013 emitida com data de 31/12/2013.
No exercício de 2014 a Requerente emitiu à B... a Nota de Crédito n.º 2014A4/35, com data de 11/11/2014, no valor de €1.494.336,90, nota de crédito que foi emitida para “anular” a Factura nº 795/2013 datada de 31/12/2013, que tinha sido classificada em Vendas (Rendimentos) de 2013.
No mesmo dia em que emitiu a nota de crédito acima referida (11/11/2014), a Requerente procedeu à emissão da Factura nº 550/2014 à C..., SA (C...), sociedade comercial residente no Brasil, referente à venda de produtos no valor total de €1.455.667,50.
À semelhança do que aconteceu no exercício de 2013, embora os equipamentos facturados não tivessem sido entregues nem enviados à compradora, essa factura foi lançada em Vendas (Rendimentos) do exercício de 2014, tendo o respectivo valor influenciado os resultados desse exercício, embora também neste exercício não tivesse sido incluído o custo da mercadoria vendida (custo das vendas) no processo de apuramento dos resultados do período.
Em termos de apuramento de resultados do exercício de 2014, foram contabilizadas vendas (Rendimentos) de equipamentos no valor de €1.455.667,50 e anuladas vendas (Rendimentos) de equipamentos no valor de €1.494.336,90 correspondentes à nota de crédito que “anulou” a factura emitida em 31/12/2013.
No exercício contabilístico e fiscal de 2015 (correspondente ao período de tributação de 1 de Abril de 2015 a 31 de Março de 2016) a Requerente emitiu à C..., SA, a Nota de Crédito nº 2015A19/150023 com data de 27-10-2015, no valor de €1.455.667,50, para “anular” a factura com o mesmo valor emitida no ano anterior (2014), documento aquele que, embora emitido em 27 de OUTUBRO de 2015, foi lançado na contabilidade da Requerente com data de 27 de JULHO de 2015, ou seja, três meses antes de ter sido emitido.
A nota de crédito indicada no parágrafo anterior, foi emitida para “anular” a Factura nº 550/2014 emitida com data de 11/11/2014, pois, uma vez mais, os equipamentos constantes dessa factura não terem sido entregues ou expedidos à referida sociedade no exercício da sua emissão, isto é, não tendo a venda sido concretizada no exercício em que foi contabilizada como rendimento (2014).
Ainda no período contabilístico e fiscal de 2015 a Requerente emitiu à C... SA, uma nova factura com o nº 2015A18/150398, com data de 30/09/2015, referente à venda de equipamentos no valor de €1.455.667,50, considerando tal venda como rendimento do exercício.
Porque só nesse exercício de 2015 adquiriu os equipamentos que finalmente acabou por vender, foi apenas nesse exercício que suportou os gastos com a aquisição (custo das vendas) e com a expedição dos bens transaccionados, como gastos desse mesmo exercício.
Resultado: no ano em que a venda dos equipamentos se concretizou, não houve vendas a considerar nos rendimentos, mas ouve gastos com o custo das vendas a influenciar negativamente os resultados do período, comprometendo irremediavelmente o balanceamento das vendas com o respectivo custo das vendas no mesmo período económico.
O parágrafo 14 da “NCRF 20 Rédito” determina que: “O rédito proveniente da venda de bens deve ser reconhecido quando tiverem sido satisfeitas todas as condições seguintes: a) A entidade tenha transferido para o comprador os riscos e vantagens significativos da propriedade dos bens; b) A entidade não mantenha envolvimento continuado de gestão com grau geralmente associado com a posse, nem o controlo efetivo dos bens vendidos; c) A quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada; d) Seja provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a entidade; e e) Os custos incorridos ou a serem incorridos referentes à transação possam ser fiavelmente mensurados. (Sublinhado e ênfase nosso)
De acordo com a alínea a) do n.º 3 do artigo 18º do Código do IRC “Os réditos relativos a vendas consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que se opera a transferência de propriedade;”
Ora, a data de expedição dos bens vendidos à C... aconteceu apenas no exercício de 2015, assim como aconteceu também no mesmo exercício a aquisição dos bens vendidos. E, consequentemente, foi também no exercício de 2015 que a Requerente pode apurar, e apurou, o custo da mercadoria vendida (custo das vendas) à C... .
Nos ternos da lei fiscal e da normalização contabilística em vigor à data dos factos, a Requerente não podia ter contabilizado as facturas em Vendas (Rendimentos) nem no exercício de 2013 nem no de 2014, porque não tinha nesses exercícios expedido os bens, nem procedido à transferência de propriedade dos mesmos para a compradora, e também porque não tinha adquirido os bens para os poder vender, não lhe sendo possível mensurar fiavelmente os custos a incorrer com a sua compra e posterior venda.
Por tudo o que se escreveu, fica claro que a tributação do rendimento obtido com a venda de equipamentos de laboratório à C... só foi possível de ser concretizada no exercício de 2015, por só nesse exercício terem sido expedidos os respectivos bens e também por só nesse exercício se tornar possível proceder ao apuramento do correspondente custo da mercadoria vendida (custo das vendas).
Os rendimentos referentes às vendas facturadas nos exercícios de 2013 e de 2014 e as correspondentes anulações das mesmas pela emissão de notas de crédito nos exercícios de 2014 e de 2015 devem ser desconsideradas, e o apuramento de resultados deve ser efectuado sem quaisquer influências dessas “operações”, por não corresponderem a vendas reais e efectivas.
Aqui chegados, sendo evidente a manipulação de resultados que a Requerente levou a cabo durante três exercícios (2013, 2014 e 2015), com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios, torna-se forçoso concluir que a nota de crédito que anulou a factura emitida em 2014 não pode ser considerada como redução de rendimentos do exercício de 2015, por dizer respeito à “anulação” de uma factura de venda que não correspondeu a uma venda real e efectiva e que foi indevidamente contabilizada como rendimento de 2014.
O referido acréscimo aos resultados de 2013, resultante de uma factura que não correspondeu a qualquer venda e que foi criada com data de 31 de Dezembro de 2013, não pode ser qualificada como venda, por não cumprir as condições constantes do parágrafo 14 da NCRF 20 e da alínea a) do n.º 3 do Art.º 18º do CIRC.
Em 2013 a alegada venda não existiu. Nesse exercício a alegada venda não podia ter sido realizada. Não existiu porque não houve a entrega ou expedição dos respectivos bens à compradora. Não podia ter sido realizada, porque em 2013 a Requerente não tinha em existências, nem adquiriu ou produziu os bens que alegadamente vendeu.
Sendo forçoso concluir que a venda só se concretizou no exercício de 2015 e que só com referência a esse exercício devem ser apurados os impostos devidos.
E não se diga que, a serem tributados por inclusão no lucro tributável de 2015, os rendimentos aqui em discussão (realizados em 2015) vão ser tributados duas vezes. Ou como alega a Requerente, o acto de liquidação está ferido de ilegalidade por haver dupla tributação.
Pretendendo a Requerente, com tal argumentação, que seja aplicado o Princípio da Justiça ao caso e assim seja tomada uma decisão a seu favor.
Contudo, é claro e sem margens para dúvidas, que a Requerente manipulou os resultados de 2013, criando um rendimento no dia 31 /12/2013, para com essa criação apresentar resultados diferentes dos que apresentaria sem tal acto criativo.
Com todo o respeito por opinião contrária, o Princípio da Justiça previsto no Artigo 266º, nº 2 da CRP e no Artigo 55º da LGT só deve ser aplicado, conforme tem sido o entendimento adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, “por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.” (negrito e sublinhado nosso)
E em todas as circunstâncias em que foi lícito recorrer-se ao Princípio da Justiça para decidir sobre um qualquer caso em que houve erro de imputação temporal, sempre estiveram em causa omissões, actos em falta ou lacunas, que não foram registados na devida altura e que vieram a ser regularizados posteriormente.
Ora, no caso em apreço, não está em causa uma omissão de gastos, mas sim um registo contabilístico que foi criado com um determinado fim. Foi um acto que resultou de uma acção e não de uma omissão. E as acções voluntárias não são omissões, faltas ou lacunas, não podendo por isso aproveitar de um princípio constitucional – o Princípio da Justiça - que acautela as omissões não intencionais permitindo fazer justiça.
Faz-se notar que as situações correspondentes a casos em que houve erros de imputação temporal e foi aplicado o Princípio da Justiça, tais casos se prendiam com “a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores” e nunca a imputação a exercícios anteriores (2013) de rendimentos de um exercício (2015), como é o caso em apreciação.
A factura emitida com data de 31 de dezembro de 2013 foi apenas o meio criado pela Requerente para dar suporte a um registo contabilístico que visou permitir apresentar resultados diferentes dos que seriam apresentados na ausência de tal acto criativo.
E se esse acto de criação de rendimentos fictícios gerou impostos a pagar pela Requerente, ela teve hipótese de corrigir o erro que praticou no seguimento da emissão da nota de crédito que “anulou” a factura que foi emitida com data de 31/12/2013 e que não correspondeu a uma venda efectiva.
No ano de 2014, após a emissão da nota de crédito que “anulou” a referida factura, a Requerente poderia ter entregue uma Declaração de Substituição Modelo 22 do IRC respeitante ao exercício de 2013, corrigindo a declaração anteriormente entregue. A Requerente poderia ter reclamado contra a liquidação de IRC do Exercício de 2013 e assim ver corrigida a liquidação original efectuada.
Mas a Requerente optou por não o fazer. E se não o fez, só à Requerente podem ser atribuídas as culpas e preço a pagar pela opção que tomou.
E não pode a AT ser acusada de ter recebido impostos superiores aos devidos por efeitos da contabilização de rendimentos criados com a emissão de uma factura respeitante a uma venda inventada, emitida com data do último dia do exercício de 2013. Porque à data, a AT desconhecia a manipulação de resultados praticada pela Requerente e das consequências dessa sua acção.
E não se caia na tentação de se dizer que, porque não houve prejuízo para o Estado, embora a Requerente tenha praticado actos voluntários e intencionais com vista à transferência de resultados entre exercícios, ainda assim pode ser aplicado o Princípio da Justiça.
Porque a Requerente não demonstrou que o montante dos impostos a pagar ao Estado com referência ao exercício de 2015, caso a Requerente não tivesse praticado actos voluntários e intencionais com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios, seria pelo menos igual ao montante dos impostos pagos em 2013 referentes às operações alvo de manipulação.
O facto de a colecta do IRC ser apurada pela aplicação de uma taxa até um determinado limite de matéria colectável e de outra, maior, a partir desse limite; de a Derrama Estadual ser aplicada às entidades com Lucro Tributável superior a €1.500.000,00, ficando não sujeitas as entidades com lucros tributáveis inferiores; de a Requerente ter apresentado lucro tributável em 2013, quando na ausência dos actos voluntários e intencionais com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios, teria apresentado prejuízo fiscal, levando a que as taxas de todas as tributações autónomas tivessem sido acrescidas (agravadas) em 10%, gerando maior imposto a pagar; são elementos de sobra para se concluir que, na falta de tal demonstração, não é razoável pressupor que não houve prejuízo para o Estado, e decidir pela aplicação do Princípio da Justiça ao caso.
Em conclusão, com todo o respeito por opinião diferente, para que o Tribunal, desconsiderando a prática dos actos voluntários e intencionais com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios, se pudesse apoiar nesse argumento para julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Requerente, teria de ter ficado demonstrado que o somatório dos valores do IRC, da Derrama Municipal, da Derrama Estadual, das Tributações Autónomas (agravadas em ano de prejuízo fiscal) e das implicações nas deduções de Benefícios Fiscais, referentes ao exercício de 2013, foi igual ou superior ao somatório dos impostos que seriam apurados com referência ao exercício de 2015, caso não tivesse havido transferência de resultados entre exercícios.
E tal demonstração ficou por ser feita.
Tudo quanto ficou acima expresso é a razão pela qual não me revejo na fundamentação e na correspondente decisão do Tribunal no que diz respeito aos actos voluntários e intencionais praticados pela Requerente, com vista à transferência de resultados entre exercícios.
Daí a presente declaração de voto.
2. GASTOS FISCAIS DOS VALORES FACTURADOS PELA E... SL À REQUERENTE NO EXERCÍCIO DE 2015
A questão aqui em causa prende-se com a não aceitação como gasto fiscal da alegada prestação de serviços no montante de €288,525,00 referente aos encargos com três comerciais e um apoio logístico, trabalhadores da E... SL (Espanha) alegadamente a trabalhar em Espanha ao serviço da Requerente.
No exercício do direito de audição apresentado nos termos dos artigos 60º da LGT e 60º do RCPITA, a Requerente declarou que “A A... SA por norma não vende directamente em Espanha. É a E... SL que desenvolve os contactos, faz a promoção comercial, dá a garantia e assistência técnica aos clientes espanhóis.”
Ao longo do Pedido de Pronúncia Arbitral, com base num suposto modelo de negócio e de pricing, é afirmado que é a Requerente quem desenvolve actividade em Espanha, que sendo dona da lista de clientes e de fornecedores nesse país, controla a equipa de vendas e actividades da logística de promoção comercial, “sendo que a E... SL foi criada para funcionar como veículo em Espanha na venda - lógica de comissionista/revendedor -, ao mesmo tempo que assumia outras funções rotineiras e sobre o controlo da A... SA para promoção comercial, desenvolvimento de negócio e apoio logístico, como, por exemplo, apoiar na candidatura a concursos públicos, na obtenção de mais negócio para o “grupo” e de novos clientes em Espanha, sendo uma entidade meramente intermediária, com poucos riscos e ativos pouco relevantes, funcionando como um apoio à atividade realizada através de Portugal”. (art.º 107º do PPA).
Para, no artigo seguinte alegar que:
“Efetivamente, na definição do modelo de negócios e de internacionalização da A... SA, sociedade aqui Recorrente, e considerando que para promover negócios e ganhar clientes em Espanha (para além de todo o apoio logístico e administrativo a realizar), era fundamental criar uma empresa residente para efeitos fiscais, bem como que a mesma apresentasse resultados positivos, (por exemplo, para se candidatar a concursos públicos e para ter reconhecimento em Espanha), pelo que o acionista criou a E... SL, tendo optado por deter essa entidade como acionista em termos individuais (...)”(negrito e sublinhado nosso)
E mais à frente sustentar que: “Sendo a E... SL uma empresa intermediária (compra a quase totalidade do seu stock à A... SA e procede à sua revenda), de reduzido risco de negócio (...) pelo que não representa níveis elevados de complexidade, ao mesmo tempo que é razoável considerar que deverá assumir reduzida volatilidade nos seus resultados brutos e líquidos (ou operacionais), ou seja, tendencialmente positivos, reduzidos e estáveis ao longo do tempo.” (art.º 113º do PPA)
Com as passagens acima transcritas a Requerente pretendeu explicar que quem exerce a actividade comercial em Espanha é ela própria e não a E... SL, uma vez que esta sociedade não é mais do que um mero expediente para a A... SA poder concorrer a concursos públicos e a fazer outros negócios no país vizinho.
Para tal, isto é, para a A... SA poder intervir em concursos públicos e fazer outros negócios em Espanha, o administrador único criou, como sócio único, a título pessoal, uma sociedade de direito espanhol, para em Espanha a Requerente poder fazer esses negócios com o Estado e outras entidades, sempre com o cuidado que essa sociedade veículo apresentasse resultados positivos, reduzidos e estáveis ao longo do tempo.
A Administração Tributária e Aduaneira não deve nem pode interferir no modelo de negócio posto em prática por uma entidade, de acordo com as vontades dos seus órgãos sociais. Mas, o modelo de negócio não pode ultrapassar as fronteiras da legalidade, quer civil, quer comercial, quer fiscal.
Quando alguém, com base num qualquer modelo de negócio, cria duas entidades distintas com personalidades jurídicas distintas, no caso até em jurisdições distintas, não pode actuar como se as duas entidades fossem uma só sociedade, e decidir que os gastos de uma são suportados pela outra.
Ao contrário do alegado pela Requerente, cada sociedade tem o seu próprio negócio: a Requerente tem os negócios que ela própria realiza – incluindo os realizados com a E... SL – e esta tem os negócios que realiza, por si, com os seus meios, em Espanha ou em qualquer outra parte do mundo. Cada uma tem as suas compras, as suas vendas, os seus encargos para realizar essas compras e vendas, e cada uma delas deve apresentar os resultados da sua actividade.
Ao ter criado uma sociedade comercial de direito espanhol – que tem personalidade jurídica e capacidade tributária própria – a Requerente não pode actuar como se a E... SL fosse formalmente uma sociedade comercial, mas que na prática fosse um seu departamento, uma sua loja, um seu estabelecimento em Espanha, desconsiderando a sua personalidade jurídica e capacidade tributária.
Por não ser possível desconsiderar a personalidade jurídica da E... SL, esta sociedade tem o direito (e o dever) de exercer a sua actividade de acordo com o direito espanhol e comunitário, realizando os seus rendimentos e suportando os seus gastos, e tem também a obrigação de prestar contas e pagar os impostos devidos de acordo com a legislação fiscal do país vizinho.
Por sua vez, a A... SA, aqui a Requerente, tem equivalentes direitos e obrigações para com o Estado, não lhe sendo legítimo suportar encargos de outras entidades, residentes ou não em território português.
E quando tal acontecer, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) terá o dever de, aplicando as condições previstas no artigo 23º do CIRC, não aceitar como gasto para efeitos fiscais, o suportado com comerciais e apoio logístico de uma empresa sua cliente, no caso, a E... SL.
Resumindo,
Os encargos suportados com três comerciais que alegadamente actuariam um em Barcelona, outro em Madrid e outro em Bilbao, bem como os gastos suportados com apoio logístico às vendas, não podem ser aceites como gastos para efeitos fiscais da Requerente, por serem gastos suportados com pessoal e outros ao serviço da E... SL, e por essas pessoas e encargos serem suportados em benefício desta sociedade espanhola, que é quem realiza as vendas em Espanha em seu nome e em proveito próprio, e não ao serviço da Requerente.
Relembra-se que a Requerente afirmou na audição prévia e no Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) que não faz vendas directas em Espanha, e também que as vendas naquele país são feitas pela E... SL, que faz o trabalho comercial, a instalação, a formação e dá garantia dos produtos que vende.
A reforçar tal alegação, conforme consta dos autos, no exercício de 2015, a Requerente não realizou qualquer venda a entidades comerciais ou outras localizadas em Barcelona, Madrid ou em Bilbao, zonas geográficas a que, supostamente, estariam adstritos os três comerciais.
Se é verdade que o Estado não pode interferir no modelo de negócio da Requerente, também é verdade que o mesmo, através da AT, tem o dever de avaliar se a Requerente está a incluir nos seus gastos – fazendo diminuir os valores dos impostos a pagar – gastos que não resultam do exercício da sua actividade, mas da actividade e em benefício de outros, no caso da E... SL (Espanha).
Ora, sendo a E... SL que realiza as vendas em Espanha, em seu nome e em seu benefício, não faz sentido ser a Requerente a suportar os gastos com 4 colaboradores da E... SL, dado ser esta que faz as vendas, a instalação, a formação e dá garantias dos produtos que vende.
Como foi afirmado no PPA, era preocupação do administrador único da A... SA e da E... SL que a sociedade espanhola por si detida e gerida não apresentasse prejuízos para a poder apresentar a concursos públicos lançados pelo Estado espanhol.
Porém, essa sua preocupação não pode ser resolvida à custa da Requerente, fazendo com que esta suporte gastos da E... SL com vista a apresentar resultados positivos e assim se poder candidatar a concursos públicos em Espanha.
Determina o nº 1 do Artigo 23º do Código do IRC que “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”
Ora, a lei estabelece que “para a determinação do lucro tributável (de um sujeito passivo tributado em território português), são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os (seus) rendimentos sujeitos a IRC” e não para obter ou garantir os rendimentos de outras entidades.
Não permitindo, nem a letra nem o espírito da lei, que um sujeito passivo residente em território português, deduza os gastos por outros suportados (ainda que a si debitados), para obter ou garantir os rendimentos a outros sujeitos passivos (ou não) de IRC.
E não tendo ficado provado que os três comerciais e o apoio logístico trabalhavam para a Requerente, levando a que esta realizasse vendas em Espanha directamente aos diversos clientes, não pode a AT aceitar como gastos para efeitos fiscais os suportados com os comerciais e apoio logístico que nada venderam para si, mas que trabalham para a E... SL e em benefício da actividade por ela desenvolvida como foi reiteradamente afirmado ao longo do PPA.
Acresce que o contrato de prestação de serviços celebrado entre ambas, datado de 30/12/2014, assinado pelo sócio e administrador único de ambas, previa a facturação de €20.000,00 mensais a título de apoio comercial e logística.
Uma adenda a este contrato com data de 31/12/2015 previa que a E... SL, para além dos valores constantes do contrato, tinha direito a receber mais €53.525,00 em contrapartida dos custos assumidos com a organização de 11 seminários e congresso.
Todavia, quando se examina a facturação emitida pela E... SL à Requerente, verifica-se que a mesma foi a seguinte:
Abril --------- €36.100,00
Maio --------- €36.100,00
Junho -------- €36.100,00
Julho --------- €36.100,00
Agosto ------- €0,00
Setembro ---- €45.125,00
Outubro -------- €0,00
Novembro ----- €0,00
Dezembro --- €39.000,00
Janeiro ------- €0,00
Fevereiro ---- €0,00
Março -------- €60.000,00
Os valores referentes aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2016 foram assumidos como gastos da A... SA a título de “acréscimos de gastos", ou seja, sem suporte em factura emitida pela E... SL.
E sendo as facturas das alegadas prestações de serviços emitidas com valores que não têm qualquer aderência aos valores constantes do contrato e da adenda celebrados entre ambas as sociedades, também este factor não dá um suporte credível da efectiva prestação de serviços da E... SL à Requerente, uma vez que nenhuma factura corresponde aos valores dos serviços contratados.
Pelo exposto, deve concluir-se que, não havendo provas das alegadas prestações de serviços, nem sequer evidências da sua prestação em benefício da actividade da Requerente – apontando as alegações constantes da PPA e as evidências em sentido oposto – entende-se que a AT não errou ao não aceitar como gasto para efeitos fiscais os valores das facturas da E... SL à Requerente.
Motivos pelos quais entendo que não merece censura a correcção efectuada pela AT ao abrigo da Art.º 23.º do CIRC.
Porém, concluiu a Decisão Arbitral que a AT deveria ter sustentado o seu acto tributário no artigo 63º do CIRC e não no artigo 23º, nº1, do mesmo código, tese à qual, com o devido respeito, não faço adesão.
Tendo em conta que o mecanismo do artigo 23º do CIRC é de âmbito geral, prévio e aplicável a todas as entidades, com ou sem relações especiais entre si, como resulta da respetiva inserção sistemática no CIRC – “Regras Gerais” do capítulo de “Determinação da Matéria Coletável” - não vejo que a escolha deste suporte jurídico para o ato de liquidação adicional, seja, por si só, causa de ilegalidade.
Por outro lado, o artigo 63º não é uma norma que afaste a norma geral do artigo 23º, nº 1, do CIRC, de tal modo que na presença dos requisitos daquele preceito seja afastada a aplicação deste. O âmbito do referido artigo 63º do CIRC não é igual ao do artigo 23º, nº1.
O artigo 63º do CIRC opera em face da divergência entre as condições contratuais praticadas entre entidades relacionadas, por comparação com as que seriam praticadas entre entidades não relacionadas, em operações comparáveis.
Mas, no que respeita aos gastos contabilizados, operará quando estes já passaram pelo crivo da exigência fiscal do artigo 23º do CIRC.
E, nos autos, é por este crivo inicial e geral que os gastos facturados pela E... SL não passam. Não sendo, em minha opinião, necessário mais para suportar legalmente o acto de liquidação correctiva em julgamento.
O artigo 23º, nº 1, age em função da consideração de gastos que não são dedutíveis porque lhes falta a condição absoluta de obtenção ou garantia de rendimentos sujeitos a IRC. Ao passo que o artigo 63º do CIRC se traduz numa correção quantitativa pelo montante da diferença entre os valores praticados e os preços de plena concorrência que existiriam, para operações comparáveis, entre entidades independentes.
Ora, a situação sub judice não se enquadra na finalidade a que se destina o artigo 63º do CIRC. As correções fiscais efetuadas nos termos deste preceito, de natureza quantitativa em face do preço de plena concorrência, estão intrinsecamente conexas ou dependentes de elementos que são estranhos ao tratamento da questão controvertida.
Mecanismos de ajustamento e obrigações que não se coadunam, nem são exigíveis no âmbito do artigo 23º do CIRC.
Razões pelas quais entendo que devia ter sido mantido o acto tributário em análise. E daí, a presente declaração de voto de vencido.
Henrique Fiúza
(Economista)