Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 343/2021-T
Data da decisão: 2022-01-27  IVA  
Valor do pedido: € 572.446,05
Tema: IVA – Atividade económica - Direito à dedução - Investigação e desenvolvimento
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Sumário:

I - O exercício de atividade no âmbito de projetos de investigação, no qual se visa a produção e comercialização de bens e prestação de serviços, utilizando bens de investimento, inclusivamente adquiridos com subsídios, e visando retirar deles receitas com carácter de permanência independentemente dos resultados imediatos, enquadra-se no conceito de atividade económica.

II – Todo o sujeito passivo misto, para efeitos de IVA, relativamente aos bens e serviços adquiridos que são afetos à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica, parte das quais não confira direito à dedução, deve deduzir na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.  Não sendo efetuada afetação pelo sujeito passivo, como permite o n.º 2 deste artigo 23.º, a percentagem de dedução (pro rata) é determinada nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do mesmo artigo.

 

Os Árbitros Manuel Luís Macaísta Malheiros, Guilherme W. d’Oliveira Martins e José Nunes Barata, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

a.            A Requerente, A… (doravante “A…”), Pessoa Coletiva n.º …, com sede na Universidade de … – Campus Universitário de …, vem, respeitosamente, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e do artigo 1.º e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL com designação pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e no artigo 11.º do referido Decreto-Lei, nos seguintes termos e fundamentos:

a)            A Requerente é uma associação privada sem fins lucrativos, de utilidade pública, que congrega nove instituições com experiência em investigação e desenvolvimento (“I&D”) do domínio das telecomunicações.

b)           Nos termos dos estatutos do A…, cumpre relevar, pela sua representatividade, os seguintes objetivos:

•             o Criar, aprofundar e difundir o conhecimento científico na área das telecomunicações;

•             o Criar e apoiar iniciativa s de formação avançada de recursos humanos e prestar serviços no mesmo domínio;

•             o Cooperar com instituições de ensino superior e instituição de investigação, públicas e privadas, com objetivos na mesma área, contribuindo para o desenvolvimento do sector das telecomunicações;

•             o Prestar os serviços que lhe foram solicitados no âmbito do seu estatuto.

c)            Concretamente, a atividade económica da Requerente consiste essencialmente na investigação, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias ou de ferramentas operacionais de trabalho, bem como na criação de tecnologia patenteada e de protótipos, que têm sido objeto de transmissão onerosa, no todo ou em parte, para diversos operadores económicos, sujeitos passivos do tecido industrial, mediante o pagamento de uma contrapartida (preço).

d)           Por conseguinte, todo o conhecimento científico gerado pela Requerente visa a sua aplicação concreta, configurando uma investigação aplicada para a obtenção de proveitos em condições de mercado, através da comercialização do know-how ou da prestação de serviços de investigação e transferência de conhecimento.

e)           Como é normal neste tipo de projetos, nem toda a I&D gera outputs 8 específicos e imediatos.

f)            Inclusivamente, alguns projetos de I&D acabam por não redundar numa aplicação prática futura – situação bastante usual, que reflete o cariz inovador e incerto subjacente à atividade.

g)            Não obstante, toda a investigação levada a cabo pelo A… visa a (potencial e efetiva) produção de resultados com valor económico ou aptidão comercial, tendente à geração de proveitos tributados, mesmo quando, no imediato, não é gerado um output específico.

h)           Consequentemente, ainda que não seja gerado um output de I&D comercializável, esta dinâmica investigativa:

•             Concorre para a iminência da “marca” da Requerente;

•             Potencia, de sobremaneira, a realização de subsequentes operações que conferem direito à dedução que utilizam e fomentam o know-how adquirido nesses projetos (aptidão comercial indireta); e

•             Influencia positivamente o valor de mercado dos serviços a prestar pelo Requerente – somente esta dinâmica disruptiva de investigação permite ao A… funcionar como uma referência nacional e internacional, imprescindível à celebração dos seus protocolos (e respetivos preços cobrados), de onde decorrem os seus outputs tributados.

i)             Acresce que, a aptidão comercial resultante da investigação pode ocorrer de forma imediata, após vários anos ou até nunca ocorrer, por falta de interessados (e.g., não é rentável o resultado da investigação).

j)             Assim, o A... compilou alguns exemplos suscetíveis de demonstrar a aludida aptidão comercial indireta, ou seja, projetos que não tiveram um output tributado direto e/ou imediato, mas cujo know-how foi subsequente capitalizado em outros projetos de I&D, geradores de prestação de serviços tributáveis, cujo montante global ascendeu a € 2.252.505.

k)            O que é corroborado também pela associação ao IT da B… (anterior C…) e a D…, empresas no ramo das telecomunicações que têm como grandes objetivos o desenvolvimento tecnológico em geral, e o desenvolvimento das telecomunicações em particular.

l)             Em concreto, a parceria com a B… – sociedade responsável pela Investigação no Grupo E…, tendo, por inerência, escopo lucrativo – tem mantido uma linha contínua de projetos em co-promoção com o A... que muito tem contribuído para a manutenção de destaque no mercado das redes óticas de acesso, um dos seus principais produtos.

m)          Paralelamente, importa notar que o A... procede também à organização de eventos formativos (organização de conferências e escolas de Verão internacionais, ao nível do estado da arte da tecnologia a nível mundial).

n)           Contudo, para o triénio em apreço (2014 a 2016), a atividade formativa apenas implicou um montante marginal de IVA deduzido, no valor de € 61.713, em contraponto com o montante total de IVA deduzido pelo A..., cujo valor excedeu € 850.000.

o)           Ora, excetuando esta atividade formativa 10, não conexa com a atividade de I&D, os demais outputs do A... configuram operações que conferem direito à dedução em sede de IVA (e.g., prestações de serviços de consultoria tributáveis ao abrigo dos protocolos gerados).

p)           Decorrente do carácter marginal do IVA incorrido nas aludidas ações formativas, o A... procedia, até ao procedimento inspetivo, à dedução integral do IVA suportado a montante.

q)           Para assegurar a realização destes projetos de I&D (génese da sua atividade), o A... recebe também subvenções não tributadas, registadas na conta patrimonial SNC #75, merecendo particular destaque (vide detalhe numérico como Documento 10): o 75101 – “Entes Públicos F…: concedidas pela F… e a Tecnologia (“F…”), destinadas a financiar, exclusivamente, projetos de investigação; o 75102 – “G…”: concedidas pela G… [atual H… (“H…”)], destinadas a financiar, exclusivamente, projetos de investigação; o 7521 – “Entidades Nacionais ”: concedidas pela Universidade de I…, destinadas a financiar, exclusivamente, o vencimento dos investigadores afetos aos projetos de I&D; o 752201 – “Projetos UE": concedidas ao abrigo de programas específicos da União Europeia, destinadas a financiar, exclusivamente, projetos de investigação.

r)            Cumpre notar que estas verbas são consignadas a projetos específicos, não sendo possível a sua utilização para outros fins.

s)            A título de exemplo, vejamos o que sucede na atribuição de verbas da F…, correspondente à parcela mais representativa das subvenções registadas conta SNC #75.

t)            Conforme resulta das normas de execução financeira 11, “1.1. As verbas atribuídas destinam-se a financiar as despesas do projeto aprovado, com observância da legislação em vigor, do Regulamento de acesso a financiamento de projetos de investigação científica e desenvolvimento tecnológico (IC&DT) aplicável, dos termos contratados, condições e orçamento previstos” (sublinhado nosso).

u)           Adicionalmente, “1.4. Para além de outras obrigações definidas nos Regulamentos aplicáveis, os beneficiários ficam obrigados a não afetar a outras finalidades, durante o período de vigência do projeto, os bens e serviços adquiridos no âmbito do mesmo, não podendo, igualmente, os mesmos ser locados, alienados ou por qualquer modo onerados, no todo ou em parte, sem autorização prévia da F…”.

v)            O mesmo acontece nos projetos financiados pela H… e projetos europeus.

w)          Naturalmente, o recebimento dessas subvenções implica um inexistente (ou insignificante) consumo de inputs 12 com IVA (decorrente da atitude terminantemente passiva subjacente à sua receção).

x)            Em face do supra exposto, cumpre concluir que:

i)             Todo o conhecimento científico que o A... produz visa a sua execução prática, retirando receitas tributáveis com carácter de permanência;

ii)            A atividade de I&D coloca o A... na vanguarda da investigação, permitindo tornar-se um atrativo para investigadores internacionais, e, consequentemente, gerar sinergias com diversas entidades de referência, tendentes à realização de projetos de elevado valor acrescentado que, subsequentemente, resultam em atividades tributáveis do A...;

iii)           Existem vários projetos financiados (e.g., F…) cujo resultado é utilizado em serviços prestados pelo Requerente, que tornaram a sua prestação possível e a valorizam.

y)            Tendo por base os factos supra descritos, e tendo tomado conhecimento da posição da AT a respeito da dedução do IVA incorrido no âmbito de projetos de I&D (a qual será objeto de posterior análise), o A... decidiu consultar uma entidade externa para aferir o impacto que este entendimento poderia ter em sede de IVA, no imposto incorrido nos anos de 2015 e 2016.

z)            Entidade essa que, na prática e genericamente, replicou o entendimento da AT, com o único propósito de procurar mitigar a exposição do A....

aa)         Decorrente do início de um procedimento inspetivo, em sede do IVA, o A... seguiu o entendimento veiculado pela AT e submeteu, em 2018, as declarações periódicas de substituição para os períodos 2015/12 (em 18 -05-2018) e 2016/12 (em 16-05-2018), de modo a incluir no campo 41 14 o apuramento do IVA (alegadamente) deduzido de forma indevida.

bb)         Assim, com referência ao ano de 2015 (período 2015/12) foi apurado, um total de imposto (alegadamente) deduzido de forma indevida no montante de € 221.489,31, e relativamente ao ano de 2016 (período 2016/12), o montante de imposto ascendeu a € 244.090,09.

cc)          Contudo, reitera -se, estas regularizações voluntárias apenas foram efetuadas pelo A... de modo a atender ao aludido entendimento veiculado pela AT e, desse modo, mitigar as correções em sede inspetiva.

dd)         Após conclusão do procedimento inspetivo, o A... foi notificado do correspondente projeto de RIT através do Ofício n.º … (Documento 11), o qual veio a consagrar o IVA regularizado voluntariamente pelo A....

ee)         Conforme resulta da petição, apesar de as correções do tipo 1 e 4 dispostas não merecem qualquer reparo, o mesmo não se aplica às demais correções, a saber:

•             Tipo 2: (alegada) dedução indevida do IVA incorrido em projetos de I&D, em virtude de os subsídios auferidos serem (indevidamente) classificados pela AT como operações fora do campo do imposto; e

•             Tipo 3: revisão do cálculo do pro rata aplicável aos inputs de utilização mista, mediante a (indevida) inclusão no denominador da fração das subvenções não tributadas relacionadas com o I&D.

ff)           Segundo resulta das instruções emanadas pela AT ( e constantes do procedimento inspetivo), alguns projetos de I&D realizados pelo A... não se inserem no conceito de atividade económica, uma vez que alegadamente não estão abrangidos pela alínea a) do n.º 1 do artigo 1º do código do IVA, ou seja, “... prestações de serviços … a título oneroso …” dado que esta atividade seria subsidiada pela F… e afins – subvenções não tributadas destinadas à prossecução dos fins estatutários.

gg)         Consequentemente, este entendimento redundou na seguinte classificação por parte dos SIT:

•             Não dedutibilidade integral do IVA incorrido em inputs exclusivamente afetos a projetos de I&D classificados como não decorrentes do exercício de uma atividade económica (doravante “correção do tipo 2” – cfr. quadro do artigo 55.º); e

•             Dedutibilidade parcial do IVA incorrido, via aplicação do pro rata aos inputs de utilização mista (doravante “correção do tipo 3” – cfr. quadro do artigo 55.º).

hh)         Invoca ainda que estamos perante correções manifestamente ilegais, sendo impreterível a sua anulação, já que:

•             Todos os projetos de I&D decorrem do exercício de uma atividade económica, suscetíveis de gerar (direta ou indiretamente) outputs tributáveis; e

•             Não se afigura admissível a inclusão, no denominador do pro rata, as aludidas subvenções não tributadas.

ii)            Uma vez que (censuravelmente) os SIT se abstiveram de explorar o conceito de atividade económica subjacente aos projetos de I&D realizados pelo A..., importa observar algumas breves disposições sobre a matéria – os SIT apenas se limitaram a dar anuência à análise da entidade externa contratada pelo A... e replicar os já invocados entendimentos da AT, o que consubstancia uma gritante falta de fundamentação das correções promovidas.

jj)           Isto porque, perante o marginal e oscilante enquadramento efetuado pelos SIT, (cfr. a nota n.º 9 de rodapé supra disposta, estes projetos de I&D ora são classificados como operações “isentas”, ora são classificados como operações “não sujeitas”), resta ao Requerente efetuar um esforço interpretativo tendente à identificação dos fundamentos legais subjacentes às correções em apreço.

kk)         Ora, no entender do A..., a génese da questão reside no facto dos SIT considerarem (apesar de omisso no RIT) que nem todos os projetos de I&D realizados pelo A... se subsumem ao conceito de atividade económica ( i.e., alegadamente parte dos projetos realizados não tem propósito comercial), configurando por isso “operações fora do campo do imposto (não sujeitas) 18”.

ll)            Como veremos, tal posição da AT (na qual, indiretamente se suportam os SIT) não se mostra em consonância com os princípios e legislação aplicáveis (correção do tipo 2).

mm)      Paralelamente, e conforme já referido, o A... recebe várias subvenções não tributadas, destinados a financiar exclusivamente a atividade de investigação (i.e., projetos de I&D).

nn)         De acordo com os SIT, a metodologia de dedução do IVA adotado pelo IT até à revisão de procedimentos adotada era ilegal, dado que estamos perante um sujeito passivo misto, logo, deveria ter sido observada a disciplina do 23.º do Código do IVA, inviabilizando, por conseguinte, um direito à dedução integral do imposto.

oo)         Em consequência, dado que o IVA incorrido em projetos de I&D é passível de dedução integral, deverá a referida correção ser objeto de anulação, na medida em que, ao invés do entendido pela AT, o A... tem direito à dedução de IVA no montante de € 354.012,33.

pp)         Consequentemente, os SIT também entendem que os aludidos subsídios devem integrar o denominador do pro rata, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, uma vez que estamos perante um sujeito passivo misto.

qq)         Contudo, conforme veremos de seguida, para além da inclusão destes subsídios no denominador da fração revelar, à luz do seu próprio entendimento, uma flagrante incongruência dos SIT ao nível do direito à dedução do imposto, afigura-se contrária ao princípio da neutralidade, devendo, consequentemente, ser desconsiderado do denominador (impacto na correção tipo 3).

rr)           O diferendo em questão decorre do facto dos SIT incluírem no denominador do pro rata proveitos que, de acordo com o seu entendimento, estariam afetos a operações fora do campo do imposto – mais concretamente, os subsídios à exploração.

ss)          Neste sentido, importa começar por notar que o A... apenas corresponde a um sujeito passivo misto devido à sua atividade formativa – que é uma operação sujeita imposto e dele isenta, nos termos do artigo 9.º do Código do IVA, que não confere o direito a dedução do imposto suportado a montante.

tt)           Caso inexistisse a atividade formativa, estaríamos perante um sujeito passivo sem restrições no direito à dedução, dado que as demais operações realizadas correspondem a outputs tributados decorrentes da atividade de I&D.

uu)         Parece resultar claro que o critério em apreço visa aferir a percentagem de dedução aplicável ao IVA incorrido em inputs de utilização mista, indistintamente utilizados quer na atividade formativa quer na atividade de I&D.

vv)         Logo, deixamos mais uma questão, que visa demonstrar o carácter irracional da posição da AT: faz algum sentido, por via da inclusão destes subsídios no denominador da fração, restringir severamente o direito à dedução do IVA incorrido em inputs mistos, quando, na verdade, estes subsídios financiam exclusivamente operações que conferem o direito à dedução integral (i.e., atividade de I&D)?

ww)       Na verdade, ao expurgar estes subsídios do denominador da fração (rúbrica SNC #75), estaríamos perante uma percentagem de dedução incomensuravelmente superior.

xx)         Consequentemente, uma vez que:

i)             os aludidos subsídios apenas financiam operações que conferem o direito à dedução integral (i.e., atividade de investigação), e

ii)            o seu recebimento implica um inexistente (ou insignificante) consumo de inputs com IVA incorrido (decorrente da atitude terminantemente passiva subjacente à sua receção), a sua inclusão no denominador do pro rata distorce, de uma forma clara e irracional, o direito à dedução dos inputs mistos, inviabilizando a neutralidade do IVA (princípio basilar do imposto).

yy)         Em face do supra exposto, estamos perante subvenções que não deveriam ter integrado o denominador do pro rata, o que implicou, conforme já demonstrado, o apuramento de uma ilegal correção no valor global de € 218.433,72 – que, com a procedência do pedido arbitral, sempre se imporia anular.

 

b.            A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese o seguinte:

Por Exceção - Da Caducidade do Direito de Ação

a)            Desde logo, refira-se, tendo o n.º 2 do artigo 78.º da LGT sido revogado, não se vislumbra, qual possa ser o erro imputável aos serviços, que possa determinar a tempestividade da apresentação do Pedido de Revisão Oficiosa, porquanto, tendo sido a Requerente a apresentar as autoliquidações, sem qualquer interferência da Requerida na matéria, não tendo qualquer “doutrina administrativa” o alcance de determinar a atuação da Requerente em qualquer sentido e, muito menos, o alcance de corporizar erro imputável aos serviços.

b)           Tanto mais, que não explica a Requerente, como haja a doutrina administrativa que refere, determinado a apresentação das suas declarações de substituição em meados de 2018.

c)            Nem isso faz sentido, porquanto toda a referida doutrina administrativa, é anterior à prática das operações e, a ter seguido a Requerente aqueles entendimentos para enquadramento das operações, não o teria feito apenas em 2018, aquando da apresentação de declarações de substituição, mas antes e sim, aquando da entrega das declarações iniciais, nos anos imediatamente anteriores.

d)           E, mais, nem sequer alega a Requerente, logo muito menos prova, em que medida tal doutrina administrativa, tivesse influenciado o enquadramento que fez em IVA, de que operações, quando, quem e porquê.

e)           Aqui chegados, é manifesto que, relativamente às autoliquidações realizadas pela Requerente, não se verifica qualquer erro imputável aos serviços.

f)            Por outro lado, também relativamente às liquidações efetuadas pelos SIT, resulta evidente, desde logo, da pronúncia exercida pela Requerente em sede de audiência prévia no PIT, que não se verifica qualquer erro imputável aos serviços.

g)            Assim, não se verificando o erro imputável aos serviços, o pedido de revisão oficiosa forçosamente se concluirá, pela intempestividade da sua apresentação (note-se a este respeito que o prazo de reclamação graciosa ou de revisão oficiosa, com qualquer fundamento, já estava largamente ultrapassado aquando do Pedido de Revisão Oficiosa da Requerente) e, assim, pela consequente intempestividade do presente PPA.

h)           Pelo que, nos termos e com os fundamentos acima expostos, desde já se Requer que julgue o Tribunal provada a Exceção de Caducidade do Direito de Ação, com todas as consequências legais.

i)             No entanto, caso assim não se entenda, o que não se concede, à cautela, desde logo, uma vez que, ultrapassado o prazo de apresentação do pedido de revisão oficiosa, com base em qualquer fundamento, apenas cabe apreciar do eventual erro dos serviços, devem-se limitar a apreciação do presente PPA, na parte em cujos fundamentos, se reconduzam a erros dos serviços, não podendo nos presentes autos, serem apreciados quaisquer outros vícios dos atos tributários, que não aqueles, por se ter precludido o prazo para a sua arguição e, assim, ainda que os houvesse, o que não se concede, ter-se-iam consolidado, requerendo-se desde já a caducidade do direito de Ação, do presente PPA, na parte, cujos fundamentos, não se reconduzam a erros dos serviços.

 

Por Impugnação

a)            Sobre a falta de fundamentação sempre se dirá que, com o devido respeito por entendimento diverso, não tem qualquer sustentação a tese da Requerente relativamente à falta de fundamentação dos atos impugnados.

b)           Tendo presente no que respeita à fundamentação dos atos administrativos que o ato está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesão.

c)            Seguindo de perto a jurisprudência assente, que refere: “Variando a densidade da fundamentação em função do tipo legal de ato e das suas circunstâncias, é aceitável uma fundamentação menos densa de certos tipos de atos, considerando-se suficiente tal fundamentação desde que corresponda a um limite mínimo que a não descaracterize, ou seja, fique garantido o "quantum" indispensável ao cumprimento dos requisitos mínimos de uma fundamentação formal: a revelação da existência de uma reflexão e a indicação das razões principais que moveram o agente”, in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no recurso n.º 31616 de 13-04-2000.

d)           Ora, resulta demonstrado que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato, como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que fez quer através do pedido de revisão oficiosa, quer através do presente pedido de pronúncia arbitral.

e)           Pelo que não se pode deixar de concluir, como conclui a boa jurisprudência, que: “Não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido…”, in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0105/12 de 30-01-2013.

f)            Quando é manifesto e inquestionável que a Requerente demonstra, ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, uma perfeita compreensão do ato ora em crise.

g)            Todavia, a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação – hipótese que só em teoria e sem conceder se admitiria –, podia a Requerente lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e solicitar a respetiva notificação ou emissão da certidão em conformidade.

h)           Sobre o alegado Erro sobre os Pressupostos de Facto e de Direito adiante-se que, no que concerne às liquidações aqui em apreço, a fundamentação de direito, é a constante do RIT, que damos por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, como parte integrante da presente Resposta e, que por motivos de economia processual, nos escusamos a reproduzir.

i)             Todo o modo, refira-se que, a Requerente, seja para a obtenção de financiamento público, de aplicação de isenções de IRS, IRC, segurança social, etc., sempre considerou, todos os inputs aqui em apreço, como não estando afetos à realização de operações tributáveis.

j)             Para, agora e, apenas no que ao IVA concerne, vir alegar o exato contrário, do que sempre considerou, quando recebeu subvenções públicas, isentou rendimentos de IRS e de contribuições para a segurança social, aplicou a isenção de IRC, etc…

k)            Desde logo, entende a Requerida que, a Requerente confessou, não só na prática dos atos acima referidos, mas, também, no Anexo VI do RIT, que efetivamente, o IVA referente aos inputs aqui em apreço, não está relacionado com a realização de operações tributáveis e, assim, não é dedutível, nos termos e com o alcance das conclusões dos SIT, feitas constar do RIT.

l)             Mas, mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, sempre se teria de julgar provado o abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, por parte da Requerente, com a consequente improcedência do pedido.

m)          Verifica-se que a Requerente, ao ter considerado os projetos em apreço como fora da sua atividade económica (para efeitos fiscais, de obtenção de financiamento públicos, de segurança social, etc), obteve todas as vantagens daí decorrentes (que nunca rejeitou), levou à não dedutibilidade do imposto, que de outra forma (se os projetos se relacionassem com a sua atividade económica), não se teria verificado.

n)           Pelo que, a pretensão da Requerente reconduz-se a beneficiar desse comportamento próprio e contraditório, incorrendo claramente, salvo melhor opinião, em abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.

o)           Em traços gerais, como vertido naquele Acórdão, “o agente deve ser obrigado a honrar as expectativas que criou, podendo exigir-se-lhe, então, que atue de forma correspondente à confiança que despertou”, mas, a aplicação deste regime depende da verificação de vários pressupostos.

p)           A saber, são [5] cinco,

•             O [1] primeiro e fundamental pressuposto é «a existência de um comportamento anterior do agente (o factum proprium) que seja suscetível de fundar uma situação objetiva de confiança», (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 1464/11.2TBGRDA.C1.S1) que no caso se traduz no enquadramento que a mesma fez dos projetos, como não constituindo atividade económica, para efeitos de fiscais, de obtenção de financiamento público, cumprimento de obrigações para com a segurança social, etc, criando na requerida a (legítima) expectativa de não só, essa era a realidade, como de que a aceitava, verificando-se por via disso no caso em apreço o primeiro pressuposto.

•             «Em [2] segundo lugar exige-se que, quer a conduta anterior (factum proprium), quer a actual (em contradição com aquela) sejam imputáveis ao agente» (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1).

Ora, como resulta claro neste caso, quer o facto de inicialmente entender que os projetos não constituíam atividade económica (factum proprium), quer o facto de mais tarde e, sem rejeitar os benefícios do seu primeiro entendimento, vir defender entendimento contrário, são absoluta e exclusivamente imputáveis à Requerente, verificando-se assim o segundo pressuposto.

•             «Em [3] terceiro lugar, que a pessoa atingida com o comportamento contraditório esteja de boa fé, vale por dizer, que tenha confiado na situação criada pelo ato anterior, ignorando sem culpa a eventual intenção contrária do agente». (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1).

Ora, a Requerida nunca agiu de má fé com a Requerente, cabendo recordar a este respeito que não só, as correções que efetuou, se mostraram de acordo com o (então) entendimento da Requerente sobre a matéria, como que, em suma, esta confirmou o acerto das conclusões dos SIT a este respeito, na pronuncia que apresentou em sede de audiência prévia no PIT.

•             «Em [4] quarto lugar, que haja um “investimento de confiança”, traduzido no facto de o confiante ter desenvolvido uma atividade com base no factum proprium, de modo tal que a destruição dessa atividade pela conduta posterior, contraditória, do agente (o venire) traduzam uma injustiça clara, evidente». (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1).

A Requerente apenas pretender aplicar o seu (novo) entendimento de que os projetos respeitam a operações tributáveis, sem assumir relativamente à devolução de financiamentos públicos, cumprimento de obrigações para com a segurança social e, tributárias, que de tal entendimento sempre decorreriam, é uma manifesta e clara injustiça, pelo que também se tem de considerar verificado este pressuposto.

•             «Por [5] último, exige-se que o referido “investimento de confiança” seja causado por uma confiança subjetiva objetivamente fundada; terá que existir, por conseguinte, causalidade entre, por um lado, a situação objetiva de confiança e a confiança da contraparte, e, por outro, entre esta e a “disposição” ou “investimento” levado a cabo que deu origem ao dano». (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1).

q)           O ter enquadrado as operações, para todos os efeitos legais acima já referidos, enquanto não relacionadas com atividade económica, beneficiando de financiamento público que de outra forma não beneficiaria, de isenção de segurança social, de IRS, IRC, etc, demonstram que tal investimento é evidente, por tudo o já supra exposto e que por questões de economia processual nos escusamos a repetir e que, não fora assim, a Requerida sempre teria liquidado IRS e IRC, a Segurança Social teria cobrado as suas prestações e, o F… não teria financiado a Requerente.

r)            Ora, no caso em apreço, sempre improcederá, tanto pelas exceções quanto pelas impugnações antes formuladas na presente oposição e que per si já inviabilizam in totum a sua procedência. No entanto e a não se entender assim, o que não se concede, sempre se teriam de considerar verificados todos os pressupostos, e por via disso lançar mão da proibição do abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, se outra forma não se considerar para pôr termo a esta flagrante e notória injustiça.

s)            Pois, como já sobejamente observado, na verdade, não tivesse a Requerente praticado os comportamentos contraditórios já referidos e, não poderia ter “sol na eira e chuva no nabal” que, salvo melhor opinião, constitui abuso do direito nos termos acima referidos.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 07-06-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 09-06-2021. Em 28-07-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 28-07-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 17-08-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em 17-08-2021 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

A AT, tendo pedido prorrogação do prazo por mais 10 dias em 29-09-2021, o que foi aceite por este Tribunal na mesma data, apresentou a sua Resposta, em tempo, em 11-10-2021.

 

Em 12-10-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

«O tribunal considera dispensável a reunião do artº18º RJAT.

Convida o SP a pronunciar-se por escrito sobre a exceção invocada pela AT.»

 

Em 11-11-2021 foi proferido o seguinte despacho:

«O tribunal considera dispensável a reunião do artº18 RJAT.

Conhecerá da exceção a final.

Para inquirição das testemunhas designa o dia 16/12/2021, pelas 10 Horas.»

 

A inquirição de testemunhas teve lugar na sede do CAAD e via CISCO WEBEX MEETINGS.

 

Apenas a Requerente apresentou as alegações.

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

III. DECISÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

a)            A Requerente é uma associação privada sem fins lucrativos, de utilidade pública, que congrega nove instituições com experiência em investigação e desenvolvimento (“I&D”) do domínio das telecomunicações.

b)           Nos termos dos estatutos do A..., cumpre relevar, pela sua representatividade, os seguintes objetivos:

•             o Criar, aprofundar e difundir o conhecimento científico na área das telecomunicações;

•             o Criar e apoiar iniciativas de formação avançada de recursos humanos e prestar serviços no mesmo domínio;

•             o Cooperar com instituições de ensino superior e instituição de investigação, públicas e privadas, com objetivos na mesma área, contribuindo para o desenvolvimento do sector das telecomunicações;

•             o Prestar os serviços que lhe foram solicitados no âmbito do seu estatuto.

c)            Concretamente, a atividade económica da Requerente consiste essencialmente na investigação, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias ou de ferramentas operacionais de trabalho, bem como na criação de tecnologia patenteada e de protótipos, que têm sido objeto de transmissão onerosa, no todo ou em parte, para diversos operadores económicos, sujeitos passivos do tecido industrial, mediante o pagamento de uma contrapartida (preço).

d)           Como é normal neste tipo de projetos, nem toda a I&D gera outputs específicos e imediatos.

e)           Inclusivamente, alguns projetos de I&D acabam por não redundar numa aplicação prática futura – situação bastante usual, que reflete o cariz inovador e incerto subjacente à atividade.

f)            Não obstante, toda a investigação levada a cabo pelo A... visa a (potencial e efetiva) produção de resultados com valor económico ou aptidão comercial, tendente à geração de proveitos tributados, mesmo quando, no imediato, não é gerado um output específico.

g)            Consequentemente, ainda que não seja gerado um output de I&D comercializável, esta dinâmica investigativa:

•             Concorre para a iminência da “marca” da Requerente;

•             Potencia, de sobremaneira, a realização de subsequentes operações que conferem direito à dedução que utilizam e fomentam o know-how adquirido nesses projetos (aptidão comercial indireta); e

•             Influencia positivamente o valor de mercado dos serviços a prestar pelo Requerente – somente esta dinâmica disruptiva de investigação permite ao A... funcionar como uma referência nacional e internacional, imprescindível à celebração dos seus protocolos (e respetivos preços cobrados), de onde decorrem os seus outputs tributados.

h)           Acresce que, a aptidão comercial resultante da investigação pode ocorrer de forma imediata, após vários anos ou até nunca ocorrer, por falta de interessados (e.g., não é rentável o resultado da investigação).

i)             Assim cumpre aferir que:

iv)           Todo o conhecimento científico que o A... produz visa a sua execução prática, retirando receitas tributáveis com carácter de permanência;

v)            A atividade de I&D coloca o A... na vanguarda da investigação, permitindo tornar-se um atrativo para investigadores internacionais, e, consequentemente, gerar sinergias com diversas entidades de referência, tendentes à realização de projetos de elevado valor acrescentado que, subsequentemente, resultam em atividades tributáveis do A...;

vi)           Existem vários projetos financiados (e.g., F…) cujo resultado é utilizado em serviços prestados pelo Requerente, que tornaram a sua prestação possível e a valorizam.

j)             Tendo por base os factos identificados, e tendo tomado conhecimento da posição da AT a respeito da dedução do IVA incorrido no âmbito de projetos de I&D (a qual será objeto de posterior análise), o A... decidiu consultar uma entidade externa para aferir o impacto que este entendimento poderia ter em sede de IVA, no imposto incorrido nos anos de 2015 e 2016.

k)            Entidade essa que, na prática e genericamente, replicou o entendimento da AT, com o único propósito de procurar mitigar a exposição do A....

l)             Decorrente do início de um procedimento inspetivo, em sede do IVA, o A... seguiu o entendimento veiculado pela AT e submeteu, em 2018, as declarações periódicas de substituição para os períodos 2015/12 (em 18 -05-2018) e 2016/12 (em 16-05-2018), de modo a incluir no campo 41 14 o apuramento do IVA (alegadamente) deduzido de forma indevida.

m)          Assim, com referência ao ano de 2015 (período 2015/12) foi apurado, um total de imposto (alegadamente) deduzido de forma indevida no montante de € 221.489,31, e relativamente ao ano de 2016 (período 2016/12), o montante de imposto ascendeu a € 244.090,09.

n)           Após conclusão do procedimento inspetivo, o A... foi notificado do correspondente projeto de RIT através do Ofício n.º …, o qual veio a consagrar o IVA regularizado voluntariamente pelo A....

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a mesma se considera provada ou não, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

 

B. DO DIREITO

 

B.1. Estão em causa nos presentes autos:

a)            Questão da caducidade do direito de ação por o pedido de pronúncia arbitral não ser apresentado no prazo legal;

b)           Questão da existência dos erros invocados pela Requerente

c)            Imposto suportado em excesso, em matéria recursos mistos.

 

B.1.A. QUESTÃO DA CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO POR O PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL NÃO SER APRESENTADO NO PRAZO LEGAL

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o pedido de revisão oficiosa foi intempestivamente apresentado.

O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

«1. A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2. Revogado.

3. A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.»

O n.º 1 deste artigo 78.º estabelece o dever de a Administração concretizar a revisão de atos tributários, a favor do contribuinte, quando detetar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam Oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.

Assim, conclui-se que a revisão oficiosa é um meio que pode ser utilizado pela Requerente para obter a declaração da ilegalidade do ato de autoliquidação. Mas, a utilização deste meio processual, quando o pedido é apresentado após estar esgotado o prazo de reclamação administrativa a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º, é limitada também quanto aos fundamentos de impugnação, que deixam de ser «qualquer ilegalidade» (como sucede quanto aos pedidos apresentados naquele prazo) para passar a ser apenas o «erro imputável aos serviços». É um regime que se justifica pela velha máxima «Dormientibus non sucurrit jus» que explica a preclusão de direitos por falta de exercício tempestivo, em benefício da segurança jurídica imprescindível no fundamento geral da sociedade.

Com efeito, como sucede, em regra, com a generalidade dos direitos, o decurso do tempo pode provocar a sua extinção, e, nomeadamente no caso da cobrança dos tributos, o interesse público reclama que, em regra, haja uma rápida definição dos direitos dos entes públicos, para poderem eficazmente programar as suas atividades e aplicarem as quantias cobradas à satisfação os interesses públicos que visam prosseguir. A fixação de qualquer prazo para impugnação de decisões administrativas constitui a determinação de um ponto de equilíbrio entre dois interesses conflituantes, que são o do interessado em ver anulado o ato que considera ilegal e o da administração tributária em ver assegurada a estabilidade das situações jurídicas tributárias. O peso deste último interesse acentua-se com o decurso do tempo e a fixação do prazo legal deve corresponder ao ponto de equilíbrio entre estes dois interesses, permitindo aos interessados o direito de impugnação contenciosa enquanto não houver razões de segurança jurídica que se lhe sobreponham. No caso dos atos tributários, o limite máximo admitido para impugnação de atos anuláveis é o previsto para a reclamação graciosa, que pelo art. 70.º, n.º 1, do CPPT, está fixado em 120 dias a contar dos factos referidos no art. 102.º, n.º 1, do mesmo Código.

Isto é, exige-se a quem é titular de direitos o dever de diligenciar para que eles sejam reconhecidos, para evitar as perturbações da ordem jurídica que a indesejável instabilidade de atos administrativos e tributários provoca. Esse dever é explicitamente afirmado no âmbito das relações jurídicas administrativas no artigo 4.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, ao estabelecer que «quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do ato jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída».

O antecedente artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 48051 já o afirmava também: «... o direito destes à reparação só subsistirá na medida em que tal dano se não possa imputar à falta de interposição de recurso ou a negligente conduta processual da sua parte no recurso interposto».

O n.º 4 deste artigo 78.º confirma a opção legislativa de penalizar com perda de direitos de impugnação de atos tributários a negligência do contribuinte, pois mesmo nos casos de injustiça grave ou notória, apenas permitir a revisão se o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. O prazo para a «reclamação administrativa» relativamente a atos de autoliquidação é «de 2 anos após a apresentação da declaração», nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT. A fixação deste prazo tem ínsito o entendimento legislativo de que, após o seu decurso, já se justifica, numa ponderação conjunta dos interesses conflituantes do contribuinte e da administração tributária, que as razões de segurança jurídica que justificam o estabelecimento de preclusão de direitos de anulação de atos tributários prevaleçam sobre os direitos de impugnação.

A esta luz, o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, conjugado com o artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, que prevê o prazo de 2 anos para a apresentação de reclamação graciosa, quantificam temporalmente o dever de diligência dos sujeitos passivos, limitando os direitos de impugnação contenciosa quando eles não agem com a diligência aí pressuposta como sendo exigível. Na verdade, é por não se poder fazer uma censura ao sujeito passivo a nível do cumprimento dos deveres de diligência que no n.º 4 do artigo 70.º do CPPT se prevê que, nos casos de documento ou sentença superveniente o prazo de 120 dias só se começar a contar «a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto», apesar de as exigências de segurança jurídica não deixarem de valer a partir do termo inicial normal aplicável, determinado pelos factos arrolados no n.º 1 do artigo 102.º do mesmo Código.

No caso em apreço, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado mais de dois anos após a apresentação das declarações que consubstanciam as autoliquidações impugnadas. É certo que o n.º 2 do artigo 78.º da LGT considerava imputável aos serviços qualquer erro na autoliquidação, mas esta norma foi revogada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, pelo que, estando-se perante autoliquidações efetuadas em 2017 e 2018, não é aplicável aquela ficção. Assim, no caso em apreço, a possibilidade de revisão oficiosa depende da existência efetiva de um «erro imputável aos serviços» que analisaremos de seguida.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

•             Desde logo, refira-se, tendo o n.º 2 do artigo 78.º da LGT sido revogado, não se vislumbra, qual possa ser o erro imputável aos serviços, que possa determinar a tempestividade da apresentação do Pedido de Revisão Oficiosa, porquanto, tendo sido a Requerente a apresentar as autoliquidações, sem qualquer interferência da Requerida na matéria, não tendo qualquer “doutrina administrativa” o alcance de determinar a atuação da Requerente em qualquer sentido e, muito menos, o alcance de corporizar erro imputável aos serviços.

•             Tanto mais, que não explica a Requerente, como haja a doutrina administrativa que refere, determinado a apresentação das suas declarações de substituição em meados de 2018.

•             Nem isso faz sentido, porquanto toda a referida doutrina administrativa, é anterior à prática das operações e, a ter seguido a Requerente aqueles entendimentos para enquadramento das operações, não o teria feito apenas em 2018, aquando da apresentação de declarações de substituição, mas antes e sim, aquando da entrega das declarações iniciais, nos anos imediatamente anteriores.

•             E, mais, nem sequer alega a Requerente, logo muito menos prova, em que medida tal doutrina administrativa, tivesse influenciado o enquadramento que fez em IVA, de que operações, quando, quem e porquê.

•             Aqui chegados, é manifesto que, relativamente às autoliquidações realizadas pela Requerente, não se verifica qualquer erro imputável aos serviços.

•             Por outro lado, também relativamente às liquidações efetuadas pelos SIT, resulta evidente, desde logo, da pronúncia exercida pela Requerente em sede de audiência prévia no PIT, que não se verifica qualquer erro imputável aos serviços.

•             Assim, não se verificando o erro imputável aos serviços, o pedido de revisão oficiosa forçosamente se concluirá, pela intempestividade da sua apresentação (note-se a este respeito que o prazo de reclamação graciosa ou de revisão oficiosa, com qualquer fundamento, já estava largamente ultrapassado aquando do Pedido de Revisão Oficiosa da Requerente) e, assim, pela consequente intempestividade do presente PPA.

Como se referiu, no n.º 2 do artigo 78.º da LGT estabelecia-se uma ficção de que qualquer erro de que enfermassem autoliquidações era imputável aos serviços. A razão que justificava esta presunção era a de que a imposição aos contribuintes da prática de atos de autoliquidação o exercício de funções tributárias para que não estão ou não têm de estar vocacionados nem preparados e, por isso, era razoável e proporcionado admitir com maior amplitude a correção de erros que eventualmente praticassem e os prejudicassem.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-01-2015, processo n.º 0843/14, «tratando-se de verdadeira liquidação tributária para todos os efeitos, na medida em que o cidadão é utilizado em funções que lhe não são próprias, mas próprias de um funcionário da Administração Tributária, nos casos em que, ao mencionar os factos ou na subsunção dos mesmos ao direito, incorre em erro, esse erro não pode deixar de considerar-se como erro da própria Administração Tributária».

Como é óbvio, esta razão que justifica a especial proteção contra erros praticados pelo contribuinte a quem é imposta por lei a tarefa de liquidação de impostos não deixou de valer com as alterações introduzidas na LGT pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, pois a situação do contribuinte que se vê obrigado a assumir funções tributárias para que não tem especial preparação é precisamente a mesma. Por isso, afigura-se que a razão da revogação daquela norma do n.º 2 do artigo 78.º, em que se considerava sempre imputável aos serviços qualquer erro da autoliquidação, será a eliminação do exagero de proteção do contribuinte que nela estava ínsito, ao considerar como imputáveis aos serviços todos os erros que o contribuinte tivesse praticado, mesmo que a atuação do contribuinte merecesse censura a título de negligência (ou mesmo de dolo, se bem que pouco provável em situação em que o erro se reconduz a prejuízo para o contribuinte).

Foi, decerto, o exagero de proteção do contribuinte negligente que o n.º 2 do artigo 78.º consubstanciava que terá justificado a sua revogação. De qualquer modo, mesmo sem a ficção referida, é de entender que há erro imputável aos serviços sempre que ele não seja imputável a atuação negligente do contribuinte, como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à responsabilidade por juros indemnizatórios.

No caso em apreço, na verdade, até ao final de 2016 o Requerente efetuava dedução integral do IVA suportado a montante e passou a adotar, em 2017 entendimento diverso, porquanto tomou conhecimento de que a doutrina administrativa da AT , na génese do diferendo em apreço, assentava, de um modo geral, nas seguintes premissas:

•             só pode ser deduzido o IVA incorrido em projetos cuja atividade de investigação revista valor económico relevante e esse valor reverta, direta ou indiretamente, em benefício do financiador;

•             As subvenções devem integrar o denominador do pro rata de dedução.

Após tomar conhecimento das aludidas orientações, a Requerente contratou uma entidade externa de referência para aferir o potencial risco fiscal inerente dado que, até 2016, procedia à dedução integral do IVA incorrido – consequentemente, o IVA incorrido objeto do diferendo em apreço não foi financiado.

O Requerente alega que foi após tomar conhecimento desse entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira que passou a adotá-lo, em vez do que adotava anteriormente e agora defende no presente processo. À face das regras da experiência comum, é de crer que, como alega o Requerente, foi o conhecimento desse entendimento da Administração Tributária que levou o Requerente a passar a adotar esse entendimento, pois é essa a única explicação que se entrevê para que passasse a adotar nas autoliquidações um entendimento que lhe era manifestamente desfavorável. Assim, a ser errado o entendimento adotado nesta Informação Vinculativa, as autoliquidações que lhe deram execução enfermarão de erro de direito, que não poderá ser imputado à atuação negligente do Requerente, antes será imputável primacialmente à Administração Tributária que publicitou essa posição e se absteve de efetuar qualquer correção das autoliquidações de lhe foram mensalmente apresentadas, em que o Requerente adotou esse entendimento.

Nestas condições, a invocação pelo Requerente, como fundamento de pedido de revisão oficiosa, de alegados erros nas autoliquidações induzidos pelo comportamento da Autoridade Tributária e Aduaneira tem enquadramento na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pois eles serão imputáveis aos serviços. Consequentemente, o Requerente podia apresentar o pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro anos a contar das autoliquidações.

O Pedido de Revisão oficiosa foi apresentado no dia 27 de novembro de 2020 por referência às autoliquidações realizadas em por referência ao período de 2015 e 2016, tendo presente que decorrente do início de um procedimento inspetivo, em sede do IVA, o A... seguiu o entendimento veiculado pela AT e submeteu, em 2018, as declarações periódicas de substituição para os períodos 2015/12 (em 18 -05-2018) e 2016/12 (em 16-05-2018), de modo a incluir no campo 41 14 o apuramento do IVA (alegadamente) deduzido de forma indevida.

Sendo assim o pedido de revisão oficiosa foi efetuado por referência às declarações de substituição (18 -05-2018 e 16-05-2018) pelo que a sua apresentação não foi intempestiva.

 

B.1.B. QUESTÃO DA EXISTÊNCIA DOS ERROS INVOCADOS PELA REQUERENTE 

 

Os artigos 19. ° e 20. ° do CIVA estabelecem as regras básicas do regime de dedução de IVA, em sintonia com o preceituado nos artigos 167.º a 172.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006. O regime previsto na Diretiva n.º 2006/112/CE prevalece sobre as regras do Direito Nacional, por força do preceituado n n.º 4 do artigo 8.º da CRP. A regra essencial do direito à dedução, enunciada no artigo 168.º da Diretiva n.º 2006/112/CE é a de que «quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor». Como se refere na citada Informação Vinculativa n.º A419 2008041, em regra, que tem as exceções indicadas no artigo 21.º do CIVA, é dedutível todo o imposto suportado em bens e serviços adquiridos pelos sujeitos passivos para o exercício de uma atividade económica referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2° do CIVA desde que respeite a transmissões de bens e a prestações de serviços que confiram direito à dedução nos termos do artigo 20° do CIVA.

Assim, os sujeitos passivos têm direito à dedução integral o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução ou, ainda, não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b), ll, do n.º 1 do artigo 20.° do CIVA. O Requerente desenvolve atividades sobre as quais não há controvérsia que conferem direito a dedução do IVA, como é o caso das prestações de serviços que efetua, e atividades sobre as quais também não é controvertido que não conferem direito a dedução, como sucede com as suas atividades formativas.

A controvérsia entre as Partes incide sobre as atividades de investigação e desenvolvimento (I&D) realizadas pelo Requerente, que são suportadas essencialmente por subvenções. Durante os anos de 2014 a 2016, o Requerente efetuava dedução integral do IVA suportado a montante para a sua atividade de investigação e desenvolvimento.

Tendo por base os factos supra descritos, e tendo tomado conhecimento da posição da AT a respeito da dedução do IVA incorrido no âmbito de projetos de I&D, o A... decidiu consultar uma entidade externa para aferir o impacto que este entendimento poderia ter em sede de IVA, no imposto incorrido nos anos de 2015 e 2016. Entidade essa que, na prática e genericamente, replicou o entendimento da AT, com o único propósito de procurar mitigar a exposição do A....

Decorrente do início de um procedimento inspetivo, em sede do IVA, o A... seguiu o entendimento veiculado pela AT e submeteu, em 2018, as declarações periódicas de substituição para os períodos 2015/12 (em 18 -05-2018) e 2016/12 (em 16-05-2018), de modo a incluir no campo 41 14 o apuramento do IVA (alegadamente) deduzido de forma indevida.

Assim, com referência ao ano de 2015 (período 2015/12) foi apurado, um total de imposto (alegadamente) deduzido de forma indevida no montante de € 221.489,31, e relativamente ao ano de 2016 (período 2016/12), o montante de imposto ascendeu a € 244.090,09.

 

E, assim, o Requerente, que dispõe de contabilidade analítica, considerou dedutível todo o IVA suportado em bens e serviços adquiridos para o exercício da atividade de prestação de serviços (com output tributável direto e imediato), não considerou dedutível o IVA suportado em bens e serviços adquiridos para a sua atividade de I&D (não geradora de output direto e imediato) e para a sua atividade formativa e, no cálculo do pro rata definitivo, efetuou dedução parcial do IVA incorrido em inputs mistos mediante a aplicação de um pro rata de 20% com inclusão das subvenções não tributadas no denominador da fração.

 

O Requerente defende que o IVA incorrido em projetos de I&D, no valor de € 354.012,33 deve ser integralmente dedutível, por se tratar de uma atividade económica e que as subvenções não tributadas são exclusivamente afetas a uma atividade integralmente dedutível (projectos de I&D), pelo que mesmas não devem integrar o denominador do pro rata.

O conceito de atividade económica está definido no artigo 9.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que é invocado pela Requerente e prevalece sobre o Direito Nacional, por força do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

De harmonia com o disposto no artigo 9.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, «entende-se por «sujeito passivo» qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade» e «entende-se por «atividade económica» qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».

Embora este artigo 9.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, confira um âmbito de aplicação muito lato ao IVA, apenas são abrangidas por esta disposição as atividades que tenham carácter económico (acórdãos do TJUE Régie Dauphinoise, processo C-306/94, n.º 15; EDM, processo C-77/01, n.º 47; de 26-05-2005, Kretztechnik, processo C-465/03, n.º 18; e T-Mobile Austria GmbH, processo n.º c-284/04, n.º 38).

«Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito à dedução do IVA, conforme previsto nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva IVA, constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Este direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante» (Acórdão do TJUE de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C 320/17, n.º 24).

«O regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, consequentemente, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem elas próprias, em princípio, sujeitas ao IVA» (acórdão citado n.º 35). «Todavia, resulta do artigo 168.º, alínea a), da Diretiva IVA que, para poder beneficiar do direito à dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na aceção desta diretiva, e, por outro, que os bens ou os serviços invocados para fundamentar esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo» (Acórdão citado , n.º 26 e Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C 101/16, n.º 39).

O conceito de atividade económica tem carácter objetivo «no sentido de que a atividade é considerada em si mesma, independentemente dos seus objetivos ou dos seus resultados.

Assim, uma atividade é, regra geral, qualificada de económica quando tem caráter permanente e é realizada contra uma remuneração recebida pelo autor da operação (Acórdãos do TJUE de 29 de outubro de 2009, Comissão/Finlândia, C 246/08, n.º 37 e de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C 320/17, n.º 22).

Esta exigência de remuneração não se confunde com a exigência de lucro. Tal como resulta do artigo 9.º da Diretiva IVA, à incidência do imposto são irrelevantes a finalidade ou o resultado de uma qualquer atividade e, desde logo, é irrelevante que ela vise o lucro ou que seja verdadeiramente capaz de o gerar. É assim porque o IVA tem por objetivo onerar a capacidade contributiva do consumidor e porque esta se manifesta através do gasto que este faz com bens e serviços, sendo indiferente, desse ponte de vista, a intenção do agente económico que lhos fornece» ( 21 ) Por outro lado, o TJUE tem entendido que «um sujeito passivo atuando nessa qualidade e que tem direito a deduzir de imediato o IVA referente aos fornecimentos adquiridos para os fins das suas transações tributáveis previstas, sem que tenha que esperar pelo início da efetiva exploração da atividade económica ou mesmo que esta não venha sequer a começar» (Acórdão de 3 de Março de 2005, Fini H, C-32/03, n.º 7).

O TJUE entendeu ainda que para assegurar o direito à dedução de IVA basta uma relação direta e imediata entre as despesas associadas às operações a montante e «o conjunto da atividade económica do sujeito passivo».

Resulta da prova produzida que a atividade de I&D realizada pelo Requerente é de investigação aplicada, todos os projetos têm objetivos concretos e se destinam a obter conhecimentos para serem aplicados em tecnologia. Resulta também da prova produzida que são raros os projetos de investigação que ainda não têm aplicação prática e, mesmo esses, podem vir a tê-la, pois os resultados dos projetos são divulgados em publicações científicas e, na sequência de publicações, podem eventuais interessados na sua utilização prática contactar o Requerente ou seus investigadores, sendo os conhecimentos utilizados em posteriores prestações e serviços como tem sucedido.

Assim, resulta da prova produzida há projetos que não têm uma aptidão comercial direta, mas cujo know-how serviu posteriormente para projetos geradores de prestação de serviços tributados em IVA. A isto acresce que os conhecimentos obtidos na investigação são utilizados para criar patentes que são vendidas ou servem de base a licenças de utilização, gerando rendimentos. Assim, resulta da prova produzida que, com a atividade no âmbito de projetos de investigação, a Requerente visa a produção e comercialização de bens e prestação de serviços, utilizando bens de investimento, inclusivamente adquiridos com subsídios, e visando retirar deles receitas com carácter de permanência – pelo que se está perante uma situação que, independentemente dos resultados imediatos, se enquadra no conceito de atividade económica. Na verdade, provou-se que, como diz o Requerente, o resultado de projetos financiados por subvenções é utilizado em serviços prestados, tornando a sua prestação possível e valorizando-se, isto é, esses projetos financiados refletem-se positivamente no número das prestações de serviços realizadas pelo Requerente, bem como no preço mais elevado das mesmas.

Por isso, aquelas despesas incorridas com projetos financiados têm um nexo direto e imediato com o «conjunto da atividade do sujeito passivo», o que basta para assegurar o direito a dedução, nos termos do citado acórdão de 22-10-2015, processo n.º C-126/14 Sveda.

Por outro lado, o facto de a atividade não reverter em benefício direto ou indireto do financiador não é requisito exigido pelo artigo 9.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, para a caracterização de uma atividade como económica para efeitos de IVA, à face do artigo 9.º da Diretiva n.º 2006/112/CE.

Como se refere no acórdão arbitral de 04-02-2021, proferido no processo n.º 83/202-T: «não é exigível, ao contrário do que refere a Requerida, que a Requerente tenha à partida encomendas e destinatários definidos e contratados para os seus projetos, para que se constate uma atividade económica. A maior parte das atividades desenvolvidas pelos operadores económicos, sujeitos passivos de IVA, não têm um cliente ou comprador assegurado num momento inicial, nem tal condição figura nas normas de incidência do Código deste imposto ou da Diretiva IVA, sendo desprovida de suporte legal».

Pelo exposto, tem de se concluir que as autoliquidações efetuadas com base no pressuposto de que a atividade de investigação da Requerente não constitui atividade económica para feitos de IVA enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito, que justificam a sua anulação, nas partes respetivas, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Assim, em consequência, dado que o IVA incorrido em projetos de I&D é passível de dedução integral, deverá a referida correção ser objeto de anulação, na medida em que, ao invés do entendido pela AT, o A... tem direito à dedução de IVA no montante de € 354.012,33.

 

B.1.C. QUESTÃO DO IMPOSTO SUPORTADO EM EXCESSO: RECURSOS MISTOS

 

Neste contexto , o Requerente imputa ilegalidade ao Ofício-Circulado n.º 30 103, 23-04- 2008 (nos artigos 18.º e 19.º do PPA), em que se refere, além do mais, que «caso a subvenção vise financiar operações decorrentes de uma atividade económica sujeitas a IVA, o respetivo montante deve integrar o denominador do pró rata previsto no n.º 4 do artigo 23.° do CIVA no caso dos sujeitos passivos mistos, não tendo qualquer influência no montante do imposto dedutível no caso dos sujeitos passivos integrais».

O Requerente é sujeito passivo misto, para efeitos de IVA, pois além de atividades que conferem direito à dedução, desenvolve atividades formativas, que não o conferem, por serem operações sujeitas a imposto (por serem atividade económica), mas dele isentas, nos termos dos artigos 9.º, alíneas 9) e 10) e 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA. Relativamente aos bens e serviços adquiridos que são afetos à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.

Não sendo efetuada afetação pelo sujeito passivo, como permite o n.º 2 deste artigo 23.º, a percentagem de dedução (pro rata) é determinada nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do mesmo artigo, que estabelece o seguinte:

«4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.»

 

O Requerente defende, em suma, que as subvenções recebidas que financiam exclusivamente operações de I&D que conferem direito à dedução (como se referiu no ponto anterior), não devem ser incluídas no denominador da fração que se refere neste n.º 4, por tal limitar o direito à dedução, neste caso, conduzindo a uma percentagem de dedução :

•             Para 2014, de 22% em vez de 83% (tabela do PPA do artigo 145 vs. Tabela do PPA do artigo 151.º);

•             Para 2015, de 19% em vez de 86% (tabela do PPA do artigo 145 vs. Tabela do PPA do artigo 151.º);

•             Para 2016, de 10% em vez de 54% (tabela do PPA do artigo 145 vs. Tabela do PPA do artigo 151.º);

Na verdade, decorrente da aplicação da percentagem de dedução pro rata, os SIT apuraram uma correção global de € 308.069,86, correspondente a imposto (alegadamente) deduzido em excesso em inputs de utilização mista, resultando aqui uma diferença de € 218.433,72 a favor do Requerente.

 

No entanto, as subvenções em causa são não tributadas e não são subsídios a equipamento, nem estão diretamente ligadas ao preço das operações e, por isso, enquadram-se na previsão da parte final do n.º 4 do artigo 23.º, em que expressamente se prevê a sua inclusão no denominador da fração. Por outro lado, independentemente da compatibilidade ou não desta inclusão com o princípio da neutralidade, esta possibilidade de os Estados-Membros está também expressamente prevista na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 174.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, em que se estabelece que «os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as diretamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º».

Esta possibilidade inclusão no denominador do montante das subvenções não tributadas não ligadas ao preço das operações já estava prevista no 2.º travessão do n.º 1 do artigo 19.º da 6.ª Diretiva IVA, 77/388/CEE, de 17-05-1977, que foi interpretada pelo acórdão do TJCE de 06-10-2005, processo n.º C-204/03 (Comissão / Espanha) e foi considerada admissível, quanto a sujeitos passivos mistos, apenas não podendo ser aplicada aos sujeitos passivos integrais.

É certo que esta possibilidade de inclusão do valor das subvenções no denominador da fração tem sido alvo de críticas, inclusivamente por parte do Grupo de Trabalho relativo à Dedução do IVA pelos sujeitos passivos que exercem atividades que conferem direito à dedução e atividades que não conferem esse direito, mas, o que se critica no Relatório desse Grupo de Trabalho é o entendimento que se refere ser então adotado pela Administração Tributária que se traduzia em aplicar esse regime, por interpretação extensiva, a todos os sujeitos passivos, inclusivamente aqueles que só praticam operações que conferem direito a dedução integral, por esse regime só estar previsto para os sujeitos passivos mistos, a que se refere o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA (páginas 282, 320 e 321 do Relatório).

Ora, não é isso que sucede no caso em apreço, pois o Requerente é um sujeito passivo misto, já que desenvolve atividades formativas isentas. E é também por, neste caso, estar em causa um sujeito passivo misto que não pode ser aplicada aqui a jurisprudência do acórdão arbitral de 04-02-2021, proferido no processo n.º 83/2020 -T, invocada pelo Requerente, que se reporta a um sujeito passivo com direito a dedução integral. Por isso, perante a realidade incontornável de a inclusão das subvenções no denominador da fração prevista para determinação do pro rata estar prevista, para sujeitos passivos mistos, no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA e essa possibilidade ser admitida pela segunda parte do n.º do artigo 174.º da Diretiva n.º 2006/112/CE, tem de reconhecer-se que a Administração Tributária tem razão, ao propugnar essa inclusão, no Ofício-Circulado n.º 30 103, 23-04-2008.

Assim, tendo os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD de decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), resta aplicar esse regime de inclusão do valor das subvenções no denominador da fração, que conduz à conclusão de que não enfermam de ilegalidade imputável aos serviços as autoliquidações no que concerne ao cálculo do pro rata. Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

B.2. QUANTO À RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA EM EXCESSO ACRESCIDA DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT, que dispõe que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea” ( CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

 

O n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

Na sequência da anulação parcial do ato impugnado, a Demandante terá direito a ser reembolsada do imposto indevidamente pago, o que é efeito da própria anulação parcial, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

Quanto ao direito a juros indemnizatórios, dispõe o art.º 43º nº 3 LGT que “são também devidos juros indemnizatórios (...) d) em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

É o caso nos presentes autos, na medida em que a Requerente efetuou o pagamento do imposto autoliquidado/liquidado adicionalmente deverá ser ressarcida do montante indevidamente pago em sede de IVA, em excesso ( € 354.012,33), no que concerne à parte da procedência do pedido, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à luz do preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT. Pelo que há que concluir que, transitada a presente decisão arbitral em julgado, a Demandada terá direito a ser ressarcida nos termos do art. 43º, nº 3, al. d) da LGT, através do pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

B.3. DA APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE REENVIO PREJUDICIAL

 

A Requerente, no artigo 118º do pedido de pronúncia arbitral, requer o reenvio prejudicial deste Tribunal Arbitral para o TJCE, uma vez que está em causa a aplicação de normas comunitárias, designadamente normas da Diretiva n.º 2006/112/CE de 28.11. do Conselho - sendo que inexiste pronúncia do TJCE.

Nesta matéria, de acordo com o disposto no artigo 19º, nº 3 do TJUE, “o Tribunal de Justiça da União Europeia decide, nos termos do disposto nos Tratados: a) Sobre os recursos interpostos por um Estado membro, por uma instituição ou por pessoas singulares ou coletivas; b) A título prejudicial, a pedido dos órgãos jurisdicionais nacionais, sobre a interpretação do direito da União ou sobre a validade dos atos adotados pelas instituições; c) Nos demais casos previstos pelos Tratados”.

Já de acordo com o previsto no artigo 267º do TFUE, “o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos catos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União”.

Ora, a primeira questão que aqui se deverá colocar prende-se com a competência para submeter questões prejudiciais ao TJUE, a qual pertence aos órgãos jurisdicionais dos Estados-membros da União Europeia.

Neste âmbito, dado que a qualidade de órgão jurisdicional não está densificada em qualquer dos Tratados da União, sendo tal conceito interpretado pelo TJUE, os Tribunais Arbitrais, sempre que estes cumpram os requisitos elencados na jurisprudência do TJUE (a origem legal do órgão que lhe submeteu o pedido, a usa permanência, o caráter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, por esse órgão, das regras de Direito e a sua independência), este Tribunal não tem hesitado em qualificá-los como órgãos jurisdicionais para efeitos do disposto no artigo 267º do TFUE acima referido.

Com efeito, no preâmbulo do diploma legal que institui o RJAT é referido que “nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é suscetível de reenvio prejudicial em cumprimento do §3 do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”, sendo hoje esta questão pacífica face à jurisprudência do TJUE, vertida no acórdão “Ascendi”, prolatado em 12/06/2014 (no processo C-377/13), nos termos do qual o TJUE concluiu pela qualificação dos tribunais arbitrais em matéria tributária, constituídos sob a égide do CAAD, como órgãos jurisdicionais de um Estado-membro, para efeitos do previsto no artigo 267º do TFUE.

 

Assim, atualmente é inquestionável que os tribunais arbitrais nacionais em matéria tributária são qualificados como órgãos jurisdicionais de um Estado-membro e, por isso, é-lhes admitida a possibilidade de submeterem questões prejudiciais ao TJUE, desde que tal se afigure necessário e adequado á luz dos pressupostos de base para operacionalizar o reenvio prejudicial.

No que diz respeito à questão prejudicial propriamente dita, entende-se como tal aquela que um órgão jurisdicional nacional de um qualquer Estado Membro considera necessária para a resolução de um litígio pendente perante si e, ou é relativa à interpretação, ou à apreciação de validade, do Direito da União (com exceção da apreciação de validade dos Tratados) sendo que, perante uma questão assim entendida, o órgão jurisdicional nacional pede ao TJUE (intérprete máximo do Direito da União) que se pronuncie, de forma a ficar esclarecido sobre o correcto entendimento, ou se for caso disso validade, das disposições europeias que condicionam a solução do litígio concreto que é chamado a julgar.

Por outro lado, sempre que uma questão de natureza prejudicial seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie (reenvio facultativo) mas sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal (reenvio obrigatório), exceto se se verificar uma das exceções à obrigatoriedade do reenvio prejudicial fixadas pela Jurisprudência do TJUE.

Ora, as decisões arbitrais proferidas pelos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD são, em regra, irrecorríveis quanto ao mérito.

Com efeito, a recorribilidade permitida circunscreve-se aos casos de violação de normas constitucionais (recurso para o Tribunal Constitucional) ou de desrespeito pela jurisprudência do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo (recurso por oposição de acórdãos para o Supremo Tribunal Administrativo).

Contudo, como já decidido pelo TJUE (acórdão Cilfit, de 06/10/1982, processo C-283/81), a referida obrigatoriedade de reenvio pode ser dispensada quando

(i)           a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal,

(ii)          o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma,

(iii)         o Juiz Nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente (teoria do ato claro, cujos exigentes e cumulativos critérios de verificação foram igualmente definidos no referido acórdão). 

 

E é a esta luz que há que apreciar a necessidade de reenvio prejudicial no caso em análise.  Assim, entende este Tribunal Arbitral que, no caso concreto, estão preenchidas duas das três elencadas exceções à obrigatoriedade de reenvio prejudicial para o TJUE, acima elencada, porquanto:

•             Por um lado, não subsistem dúvidas sobre a correta interpretação das normas jurídicas em causa nos autos (porquanto as normas são perfeitamente claras) e, por isso, não está já em causa interpretá-las, mas sim aplicá-las, o que é da competência do Tribunal Arbitral, tendo aqui total cabimento a teoria do ato claro;

•             Por outro lado, existe também nesta matéria jurisprudência do TJUE (acima citada, no que concerne ao conteúdo do conceito de atividade económica e ao cálculo do pro rata) que não deixa dúvidas de interpretação do normativo da UE que esteve na base do normativo nacional aplicável.

Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não há fundamento para proceder ao peticionado reenvio prejudicial para o TJUE sendo, por isso, indeferido o pedido apresentado pela Requerente.

 

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular parcialmente, na medida em que não incluem direito a dedução relativamente à atividade de I&D, no montante global de € 354.012,33, as seguintes autoliquidações/liquidações de IVA:

a.            Autoliquidação n. º … (período 2015/12);

b.            Autoliquidação n. º … (período 2016/12);

c.            Liquidação adicional n.º … (período 2014/12);

d.            Liquidação adicional n.º … (período 2015/12)

e.            Liquidação adicional n. º … (período 2016/12).

a)            Anular parcialmente o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa na parte correspondente às autoliquidações anuladas;

b)           Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso, quanto à quantia de € 354.012,33 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-la ao Requerente;

c)            Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los ao Requerente.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 572.446,05, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 8.568,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar, na proporção do decaimento, pela Requerente no valor de € 3.269,37 (38,16%) e pela Requerida no valor de € 5.298,63 (61.84%), uma vez que o pedido foi julgado parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 27 de janeiro de 2022

 

O Árbitro - Presidente,

(Manuel Luís Macaísta Malheiros)

 

O Árbitro-Vogal (relator),

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

O Árbitro-Vogal,

(José Nunes Barata)