SUMÁRIO:
Quando, à data do facto tributário, na realidade, os prédios objecto da liquidação de AIMI não se encontravam constituídos como “terrenos para construção”, verifica-se que os mesmos se encontram abrangidos pela delimitação negativa de incidência prevista no artigo 135º-B, nº 2, do CIMI.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 31 de Agosto de 2020, A…, S.A., NIPC …, com sede na Rua …, Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Adicional ao IMI n.ºs 2019 … e n.º 2019 …, e compensação n.º 2019 …, referentes ao ano de 2019, no valor global de €60.250,58, assim como da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa, que teve os referidos actos de liquidação como objecto.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
i. em consequência da declaração de caducidade do alvará de loteamento e, por referência a 01-01-2019, os prédios sobre os quais incidiu o Adicional ao IMI estavam excluídos do âmbito de incidência objectiva, nos termos do artigo 135.º, n.º 2 do Código do IMI;
ii. é irrelevante se as matrizes prediais urbanas destes prédios estavam ou não actualizadas aquando da emissão das liquidações de Adicional ao IMI, na medida em que as matrizes prediais urbanas não têm força probatória plena, nem a informação constante das mesmas pode prevalecer sobre a verdade material ou substantiva.
3. No dia 01-09-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 22-10-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 23-11-2020.
7. No dia 25-01-2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
11. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade anónima que tem como objecto social a “Construção, exploração, locação, compra e venda para revenda dos adquiridos para esse fim, de prédios rústicos e urbanos, promoção e gestão de urbanizações”.
2- A Requerente é proprietária dos prédios anteriormente inscritos na matriz predial urbana da União das Freguesias de Santa Iria de Azoia, São João da Talha e Bobadela sob os artigos matriciais U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, -U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-… U-…, U-…, U-…,U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-… U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, -U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, os quais correspondem aos anteriores lotes n.ºs … a … do Alvará de Loteamento n.º …/2008.
3- Os prédios referidos não foram adquiridos, pela Requerente, como terrenos para construção.
4- A Requerente adquiriu em 18-07-2002, os prédios rústicos, inscritos na matriz predial rústica da freguesia de Santa Iria de Azoia sob os artigos … secção … e … secção ….
5- Na sequência da aprovação do Alvará, os prédios rústicos deram origem aos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Santa Iria de Azoia desde 2008, sob os artigos matriciais … a … que, por sua vez, estão na origem dos artigos matriciais identificados no ponto 2).
6- Em 28-12-2016, a Requerente foi notificada da proposta de caducidade do Alvará e para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia no prazo de 10 dias.
7- Em 09-01-2017, a Requerente exerceu o seu direito de audiência prévia relativamente à proposta de caducidade do Alvará.
8- Em 03-07-2017, a Requerente foi notificada para prestar esclarecimentos e actualizar a informação junta ao processo “para melhor tomada de decisão dos serviços”.
9- Em 11-01-2018, a Requerente apresentou um requerimento junto da Câmara Municipal de Loures a fazer novo ponto de situação.
10- Em 31-05-2018, a Requerente foi notificada da proposta de caducidade do Alvará para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia no prazo de 20 dias, ao abrigo do artigo 71.º, n.º 5 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
11- Em 27-06-2018, quer a Requerente, quer a B…, S.A., na qualidade de sociedade gestora da C…, apresentaram direito de audiência prévia relativamente à proposta de declaração de caducidade do Alvará.
12- No dia 07-11-2018, a Câmara Municipal de Loures deliberou a declaração de caducidade do loteamento n.º …/…, da qual resultou a obrigação de a Requerente entregar o Alvará e rectificações subsequentes de 23-07-2008 e 16-10-2008, que foram objecto de cassação.
13- A decisão definitiva de caducidade do Alvará foi notificada à Requerente em 12-11-2018.
14- Na sequência do pedido de registo da caducidade do Alvará, a Conservatória do Registo Predial averbou, em 08-01-2019, o registo de cancelamento/caducidade do Alvará.
15- Em 26-03-2019, a requerente procedeu à devolução do Alvará e respectivas declarações de retificações de 23-07-2018 e 16-10-2018, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 79.º do Decreto-Lei n.º 555/99.
16- No decurso do ano de 2019, a Requerente foi notificada das liquidações de Adicional ao IMI n.º 2019 … e n.º 2019 …, no valor global de €60.250,58.
17- A Requerente procedeu ao pagamento das referidas liquidações.
18- A Requerente constatou que a decisão definitiva de caducidade do Alvará implicaria a reclassificação dos prédios como prédios da espécie “outros” ou prédios rústicos e que, por conseguinte, exigia a promoção das correspondentes alterações matriciais.
19- A Requerente apresentou, em 26-12-2019, um email ao qual anexou toda a documentação relativa à caducidade do Alvará e através do qual solicitou instruções sobre o procedimento a adoptar para promover as alterações matriciais necessárias.
20- A Requerente solicitou ao Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Loures-… e à Sra. Chefe Adjunta do Património do Serviço de Finanças de Loures-… que lhe confirmassem se, em caso de se entender que os prédios em análise deveriam manter a sua natureza de prédios urbanos, embora na tipologia de prédios da espécie “Outros”, deveria apresentar 260 Declarações Modelo 1 do IMI (uma para cada um dos Prédios).
21- Embora não tenha recebido uma resposta formal ao pedido de esclarecimentos apresentado, a Requerente foi informada de que o procedimento a ser seguido deveria passar pela apresentação de 260 Declarações Modelo 1 do IMI, com fundamento em “mudança de afectação do prédio” com vista ao enquadramento destes prédios como prédios urbanos da espécie “Outros”.
22- A Requerente submeteu, electronicamente, nos dias 30-12-2019 e 31-12-2019, 260 Declarações Modelo 1 do IMI relativas aos anteriores lotes 1 a 260 do Alvará entretanto caducado.
23- Os requerimentos de validação das Declarações Modelo 1 do IMI apresentados, nos dias 30-12-2019 e 31-12-2019, foram instruídos com a seguinte documentação:
• certidões prediais permanentes dos Prédios;
• documentação relativa à caducidade do Alvará; e
• os comprovativos das Declarações Modelos 1 de IMI submetidas eletronicamente.
24- Em 28-01-2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto as liquidações de Adicional ao IMI n.ºs 2019 … e n.º 2019 ….
25- No momento em que a Requerente apresentou reclamação graciosa, das 260 Declarações Modelo 1 do IMI submetidas electronicamente em 30-12-2019 e 31-12-2019, 95 já se encontravam validadas pelo Serviço de Finanças de Loures - … e em fase de avaliação.
26- Após a apresentação da reclamação graciosa, o Serviço de Finanças de Loures-… validou as demais Declarações Modelo 1 do IMI e a Requerente foi, entretanto, notificada das 260 avaliações promovidas pela AT na sequência das Declarações Modelo 1 do IMI submetidas eletronicamente e validadas pelos serviços da AT.
27- Na sequência das avaliações promovidas, foi formalmente retificada a informação matricial a respeito da natureza dos prédios que deixaram de ser enquadrados como terrenos para construção e passaram a ser enquadrados como prédios urbanos da espécie “Outros” e foram atribuídos novos artigos matriciais aos Prédios e, em concreto, os prédios urbanos da espécie “Outros” passaram a estar inscritos na matriz predial urbana sob os artigos matriciais U-…, U-…,, U-…,, U-…,, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U- U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, e U-…, e o valor patrimonial tributário agregado destes prédios foi reduzido de € 15.062.645,72 para € 280.910,00.
28- Até à data da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente não foi notificada de qualquer decisão no âmbito daquele procedimento.
29- No dia 31 de Agosto de 2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
a. Da matéria de excepção: da incompetência material
Na sua resposta a Requerida começa por arguir a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido, dado que, em seu entender, “o ato que constitui o objeto da pronúncia arbitral jub judice consubstancia-se no ato tácito de indeferimento da reclamação graciosa”, que “por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através da impugnação judicial, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT”, motivo pelo qual “a sindicância do ato em questão está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral”.
Cumpre assim, antes de mais, determinar se a matéria em causa tem cabimento, ou não, no âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária.
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo a que o processo arbitral tributário constituísse um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando designadamente uma competência alternativa à da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art. 2.º” fazendo depender a vinculação da administração tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos” .
O âmbito da jurisdição arbitral tributária está, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material da competência, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos.
A Requerente peticiona, a final, a anulação da “decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada (ato imediato do presente pedido arbitral) e das liquidações contestadas (atos mediatos do presente pedido arbitral).
Aliás, conforme refere a Requerente em sede de resposta às excepções, “a Requerida não nega nem ignora que assim seja, e nos artigos 1.º e 20.º da sua Resposta, afirma que: «O ato que constitui o objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral consubstancia-se na decisão de indeferimento da reclamação graciosa»”.
Vejamos:
Refere, inequivocamente, o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, que:
“1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”.
Não havendo, portanto, dúvidas, que a “competência dos tribunais arbitrais compreende a (...) declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos”, dúvidas não haverá, julga-se, que o presente Tribunal arbitral é competente para a apreciação da legalidade das liquidações de AIMI n.º 2019 … e n.º 2019 ….
O objecto do processo arbitral será sempre o acto de liquidação (conforme decorre do supra-transcrito artigo 2.º do RJAT), relevando unicamente a decisão dos actos de segundo e terceiro graus (reclamação graciosa, recurso hierárquico, pedido de revisão oficiosa) para efeitos da fixação do termo inicial do prazo para a apresentação do pedido arbitral.
Com efeito, não fazendo o artigo 2.º do RJAT qualquer referência, ao definir a competência do CAAD, aos actos de segundo e terceiro graus, dever-se-á concluir que a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária a funcionar no CAAD se há-de aferir, sempre, em função dos actos elencados naquele mesmo artigo 2.º do RJAT, e não de outros.
Deste modo, e como melhor e mais detalhadamente explica Carla Castelo Trindade no seu “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - Anotado” , o contencioso arbitral tributário está estruturado à volta do acto de liquidação, sendo este que figura como objecto do mesmo no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, e sendo os actos de segundo grau, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) também do RJAT, meros referenciais para a aferição da tempestividade da apresentação do pedido arbitral.
Assim, como refere a Autora em questão na obra citada , “Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objecto do processo arbitral tributário é o acto de liquidação”.
E referindo-se ao artigo 10.º do RJAT, prossegue a mesma Autora: “Desta norma não se deve, porém, retirar a competência para a apreciação directa dos actos de segundo grau. Esta é uma norma que respeita única e exclusivamente ao dies a quo do prazo para apresentação do pedido arbitral”
O disposto no art.º 10.º do RJAT confirmará este entendimento, ao dispor que:
“O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:
a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”
Resulta assim da sistemática do RJAT, sem prejuízo do respeito devido a outras opiniões, que os actos eventualmente relevantes por via do disposto no transcrito artigo 10.º daquele diploma, apenas serão susceptíveis de contender com a tempestividade (e já não com a competência para apreciação) do pedido arbitral.
A questão que se coloca nos autos é assim a da competência do Tribunal arbitral para a apreciação da legalidade dos actos de liquidação de Adicional ao IMI n.º 2019 … e n.º 2019 ….
Ora, em termos sumários:
- Objecto do processo: legalidade dos actos de liquidação de AIMI, para cuja apreciação o Tribunal arbitral é competente (arbitrável nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 2 do RJAT);
- Tempestividade do pedido: a apreciar em função do disposto no art.º 10.º/1/a) do RJAT.
Ou seja: a questão do indeferimento tácito da reclamação graciosa, sempre ressalvado o respeito devido e melhor opinião, deve ser encarada sob o prisma da tempestividade do pedido arbitral, e não sob o prisma da competência.
E sob tal prisma, será, crê-se, irrelevante a questão de a reclamação graciosa ter, ou não, conhecido da legalidade do acto de liquidação, desde logo porque o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, para o qual remete o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, se refere expressamente a “Formação da presunção de indeferimento tácito”.
Dito de outra forma, a circunstância de a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa não ter apreciado a legalidade do acto de liquidação, não contenderá, nem com a (competência para a) arbitrabilidade do acto de liquidação, nem, muito menos, com a respectiva tempestividade, já que a remissão feita pelo artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT para o artigo 102.º do CPPT (no que para o caso interessa, para ao artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT que se refere à formação da presunção de indeferimento tácito) - efectuada exclusivamente para esse efeito, ou seja, para aferição da tempestividade - não permitirá, salvo melhor opinião, distinguir entre decisões de reclamação graciosa que se pronunciam sobre a legalidade das liquidações, daquelas que não o fazem.
Consequentemente, face à conjugação normativa dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, tanto será tempestiva a impugnação de uma liquidação (tendo-se presente que, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT é sempre esta o objecto da acção arbitral - cfr. obra citada) seguida de uma Reclamação Graciosa em cuja decisão haja sido apreciada a legalidade daquela, como será tempestiva a impugnação de uma liquidação seguida de uma Reclamação Graciosa em cuja decisão não haja sido apreciada a legalidade daquela.
Com efeito, em ambas as situações a tempestividade será aferida pela aplicação conjugada dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, que não contém qualquer distinção quanto ao conteúdo da decisão da reclamação graciosa.
De resto, tem sido entendido que “A presunção de indeferimento tácito constitui uma ficção jurídica destinada a facultar ao lesado o acesso à via judicial perante a omissão do dever de decisão, que nem preclude a possibilidade de este vir a recorrer a intimação judicial para um comportamento, nem transfere para o campo da “discricionariedade administrativa” o dever legal de decidir a reclamação, que apenas se tem por excluído nos casos previstos no n.º 2 do artigo 56.º da LGT.” .
Nesse sentido, também, carece de fundamento a pretensão de carência de competência deste Tribunal arbitral para apreciar o pedido.
Face a todo o exposto, e em suma, julga-se que o presente Tribunal arbitral é competente para a apreciação dos actos de liquidação de AIMI, nos termos do art.º 2.º, alínea a) do RJAT, relevando apenas a decisão de indeferimento tácito do procedimento de reclamação graciosa para a fixação do dies a quo do prazo de apresentação do pedido de pronúncia arbitral, improcedendo, por isso, a invocada excepção dilatória de incompetência material.
b. Da matéria de excepção: da intempestividade
Invoca, ainda, a Requerida, a excepção de caducidade do direito de acção, atendendo a que os actos de liquidação de AIMI tinham como data limite de pagamento setembro de 2019 e o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 31-08-2020, pelo que, em seu entender, é intempestivo face ao prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
A este propósito, dispõe o artigo 10.º, n.º 1, do RJAT que:
“O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:
a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”
Já o artigo 102.º do CPPT, dispõe que:
“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos
deste Código;
f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”
Conforme já se referiu, a decisão dos actos de segundo e terceiro graus (reclamação graciosa, recurso hierárquico, pedido de revisão oficiosa), bem como o respectivo indeferimento tácito, relevam unicamente para efeitos da fixação do termo inicial do prazo para a apresentação do pedido arbitral, pelo que, no presente caso, a tempestividade da presente acção arbitral vem reportada ao invocado pela Requerente, indeferimento tácito da reclamação graciosa que teve como objecto os actos de liquidação de AIMI n.º 2019 … e n.º 2019 ….
Assim, nos termos conjugados da alínea a) do artigo 10.º do RJAT, e da alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, a presente ação será tempestiva se apresentada no prazo de 90 dias, contados da “Formação da presunção de indeferimento tácito” daquela reclamação graciosa.
Deste modo, para aferir da tempestividade da presente lide, é necessário apurar, então,
se, e, eventualmente, quando, é que ocorreu a formação da presunção de indeferimento tácito
da reclamação graciosa, apresentada pela Requerente.
Como explica o Exm.º Conselheiro Jorge Lopes de Sousa , “O indeferimento tácito é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas.”. Não se tem dúvidas, assim, que a presunção de indeferimento tácito é uma consequência
da “inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas”, inércia essa aferida pela não prolação de decisão sobre tais pretensões, no prazo que, legalmente lhe seja conferido para tal.
Nos termos do artigo 57.º, n.º 1 da LGT, “O procedimento tributário deve ser concluído no prazo de quatro meses, devendo a administração tributária e os contribuintes abster-se da prática de actos inúteis ou dilatórios”; findo esse prazo, a reclamação graciosa presume-se indeferida para efeito de impugnação judicial, conforme resulta do artigo 57.º, n.º 5 da LGT.
Conforme resulta dos factos provados, a reclamação graciosa deu entrada em 28-01-2020, pelo que, em 28-05-2020 se formou, nos termos dos referidos normativos, a presunção de indeferimento tácito.
Resulta das disposições conjugadas dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, que o pedido de pronúncia arbitral tem de ser apresentado no prazo de 90 dias, contados da data da formação da presunção de indeferimento tácito.
Tendo-se formado a decisão de indeferimento tácito em 28-05-2020, a Requerente dispunha, até 28-08-2020 para apresentar o pedido arbitral.
Sucede que, em consequência da emergência global decorrente do flagelo do coronavírus – COVID-19, foi publicada a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março que consagrou medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica, determinando a suspensão, entre outros, dos prazos para a prática de actos por particulares em procedimentos administrativos e tributários.
O n.º 10 do artigo 7.º da referida lei, com a redacção introduzida pela Lei n.º 4-A/2020 de 6 de Abril determinou que “A suspensão dos prazos em procedimentos tributários abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais e procedimentais subsequentes àqueles”.
Como explica o Exm.º Conselheiro Jorge Lopes de Sousa , a suspensão do prazo para apresentar pedido arbitral “decorre, inicialmente, da alínea c) do n.º 6 do artigo 7.º do mesmo artigo 7.º (...). Com a Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, esse regime de suspensão passou para os n.ºs 9, alínea c) e 10 do mesmo artigo 7.º “, sustentando que “o pedido de constituição de tribunal arbitral, que inicia o «procedimento arbitral» é idêntico à apresentação da impugnação judicial, de que é meio alternativo para impugnação de atos tributários”.
Em 03-06-2020 entrou em vigor a Lei n.º 16/2020, de 29 de maio que procedeu à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, tendo procedido no seu artigo 8.º à revogação do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que estabelecia o regime da suspensão dos prazos.
Assim, por força dos citados normativos, o referido prazo de caducidade esteve suspenso entre os dias 28-05-2020 e 03-06-2020, pelo que o mesmo apenas terminaria em 31-08-2020, que corresponde a férias judiciais, pelo que o seu termo se transfere para o dia 01-09-2020.
Tendo o presente pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 31-08-2020, é o mesmo tempestivo, pelo que improcede a alegada excepção de caducidade da impugnação dos actos de liquidação controvertidos.
*
c. Da questão de fundo
Insurge-se a Requerente contra os actos de liquidação de AIMI, referentes ao ano de 2019, por entender que, com referência a 01-01-2019 – única data relevante para efeitos de tributação em Adicional ao IMI, por referência ao ano de 2019 –, os prédios sobre os quais incidiu o AIMI estavam excluídos no âmbito de incidência, nos termos e para os efeitos do artigo 135.º-B do Código do IMI, independentemente da informação que se encontrava na matriz, uma vez que com a caducidade do alvará de loteamento ocorrida em 12-11-2018, os prédios em questão deixaram de poder ser enquadrados como “terrenos para construção”.
Por sua vez, sustenta a Requerida que “a caducidade do alvará de loteamento não faz prova de que os prédios em causa nos presentes autos deixaram de poder integrar o conceito de «terreno para construção», sendo que “os prédios só poderão qualificar-se de novo como prédio rústico, e assim voltar a constar da matriz quando aquele titular, face à caducidade do loteamento, o solicite expressamente à Administração Fiscal”.
A questão essencial que é objecto do presente processo consiste, portanto, em saber se, apesar de em relação aos prédios objecto das liquidações de AIMI, o Alvará de loteamento emitido em 2008, que transformou os prédios rústicos em prédios urbanos (terreno para construção), ter caducado em 12-11-2018, estão sujeitos a AIMI, dado que em 01-01-2019 se encontravam inscritos na matriz como «terreno para construção».
Resulta da prova produzida, que não é controvertida, que os prédios relativamente aos quais foi liquidado Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) integram os prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Santa Iria de Azoia desde 2008, sob os artigos matriciais … a …, e se encontravam em 01-01-2019, inscritos na matriz predial urbana como “terrenos para construção”, embora o Alvará de loteamento tivesse caducado em 12-11-2018.
Dispõe o artigo 135.º-B, do CIMI, o seguinte:
“1-O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.
3-(…)”
Por sua vez, os nºs 1 e 2 do artigo 6º do mesmo Código dispõem o seguinte:
“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”
Para resolver esta questão é necessário saber se os erros nas inscrições matriciais podem
ser invocados na impugnação de actos de liquidação que nelas assentem.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a admitir a possibilidade de na impugnação de actos de liquidação serem invocados vícios das inscrições matriciais , em sintonia com a interpretação que faz do princípio da impugnação unitária, enunciado no artigo 54.º do CPPT, de que resulta que pode “ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.
Por outro lado, este entendimento de que não há preclusão do direito de o contribuinte ver corrigidas as inscrições matriciais erradas, sintoniza-se com a possibilidade de os pedidos de correcção de inscrições poderem ser apresentados a todo o tempo (artigo 134.º, n.º 5 do CPPT) e as rectificações poderem ser promovidas a todo o tempo pelo Chefe do Serviço de Finanças (artigo 130.º, n.º 5 do CIMI).
O artigo 135º-B, nº 2, do CIMI ao determinar que “São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”, estabelece como critério legal para a classificação dos imóveis - no caso do AIMI, essencial para a verificação da ocorrência do próprio facto tributário - o do licenciamento ou, na falta dele, o do seu destino normal, nos termos do artigo 6º, nº 2, do CIMI.
Como se pode ler na decisão arbitral proferida no processo n.º: 205/2013-T, de 7 de Março de 2014:
“No caso em apreço, a afetação do imóvel para habitação consta da matriz predial com base em modelo 1 de IMI entregue em 23.10.2008.
Por outro lado, consta da matéria de facto provada que o imóvel em questão, resultante de emparcelamento, não se encontra, nem nunca se encontrou, apto para habitação, tendo sido objeto, desde Dezembro de 2008, de diversos atos administrativos no sentido da concretização da edificação duma unidade hoteleira.
Provou-se, assim, uma realidade substantiva diversa da constante da matriz predial urbana, não podendo a verdade material deixar de prevalecer.
Não parece, aliás, curial entender que as matrizes prediais tenham força probatória plena, quando o próprio CIMI prevê, para efeito deste imposto, a possibilidade do sujeito passivo reclamar a todo o tempo de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, nos termos do artigo 130º, nº 3 deste Código, dispondo, na mesma linha, o nº 5 deste artigo que “O chefe do Serviço de Finanças competente pode, a todo o tempo, promover a retificação de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, salvo as que impliquem alteração do valor patrimonial tributário resultante de avaliação direta com o fundamento previsto na al. a) do nº 3 (…)”.
Escrevendo sobre as informações oficiais, refere Rui Duarte Morais que “foi abolida a força probatória plena que, antes, era atribuída às informações oficiais prestadas pela administração tributária. Estão também sujeitas à livre apreciação pelo juiz (artº 76º, nº 1 da LGT e artº 115º, nº 2 do CPPT), pelo que o seu relevo probatório dependerá da respetiva fundamentação, sendo que bastará ao interessado lograr a contraprova de factos suscetíveis de gerar dúvida razoável quanto à correspondência à verdade do afirmado em tais informações”
Com efeito, não fazendo a matriz prova plena dos factos nela inscritos, fica aberta à Requerente a possibilidade de fazer prova da concreta e real afectação dos prédios.
Resulta da prova produzida que o Alvará de loteamento dos prédios relativamente aos quais foi liquidado o AIMI, caducou em 12-11-2018, pelo que, na data relevante para efeitos de tributação em sede de AIMI, já não integravam o conceito de “terreno para construção”.
Prevalecendo a verdade material sobre a realidade que se encontra inscrita na matriz, sempre seria de concluir pela ilegalidade das liquidações de AIMI.
Acresce, porém, que a correcção da matriz tanto poderia ocorrer por impulso da Requerente, como da Requerida, ou ainda da Câmara Municipal ou da Junta de Freguesia.
Senão vejamos:
Refere o artigo 13.º, n.º 3 do CIMI:
“3 - O chefe de finanças competente procede, oficiosamente:
a) À inscrição de um prédio na matriz, bem como às necessárias actualizações, quando não se mostre cumprido o disposto no n.º 1;
b) À actualização do valor patrimonial tributário dos prédios, em resultado de novas avaliações ou quando tal for legalmente determinado;
c) À actualização da identidade dos proprietários, usufrutuários, superficiários e possuidores, sempre que tenha conhecimento de que houve mudança do respectivo titular;
d) À eliminação na matriz dos prédios demolidos, após informação dos serviços relativa ao termo da demolição;
e) À inscrição do valor patrimonial tributário definitivo determinado nos termos do presente Código.”
Nos termos dos n.ºs 3 e 5 do artigo 131.º do CIMI:
“3 - O sujeito passivo, a câmara municipal e a junta de freguesia podem, a todo o tempo, reclamar de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, nomeadamente com base nos seguintes fundamentos:
a) Valor patrimonial tributário considerado desactualizado;
b) Indevida inclusão do prédio na matriz;
c) Erro na designação das pessoas e residências ou na descrição dos prédios;
d) Erro de transcrição dos elementos cadastrais ou das inscrições constantes de quaisquer elementos oficiais;
e) Duplicação ou omissão dos prédios ou das respectivas parcelas;
f) Não averbamento de isenção já concedida ou reconhecida;
g) Alteração na composição dos prédios em resultado de divisão, anexação de outros confinantes, rectificação de estremas ou arredondamento de propriedades;
h) Não discriminação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos por andares ou divisões de utilização autónoma;
i) Passagem do prédio ao regime de propriedade horizontal;
j) Erro na representação topográfica, confrontações e características agrárias dos prédios rústicos;
l) Erro nos mapas parcelares cometidos na divisão dos prédios referidos na alínea anterior;
m) Erro na actualização dos valores patrimoniais tributários;
n) Erro na determinação das áreas de prédios rústicos ou urbanos, desde que as diferenças entre as áreas apuradas pelo perito avaliador e a contestada sejam superiores a 10% e 5%, respectivamente.
4 – (….)
5 - O chefe do serviço de finanças competente pode, a todo o tempo, promover a rectificação de qualquer incorrecção nas inscrições matriciais, salvo as que impliquem alteração do valor patrimonial tributário resultante de avaliação directa com o fundamento previsto na alínea a) do n.º 3, caso em que tal rectificação só pode efectuar-se decorrido o prazo referido no número anterior.”
A expressão “pode” do n.º 5 do referido artigo 130º deve ser entendida, naqueles casos como o que nos ocupa, como um “poder-dever” do Chefe do Serviço de Finanças e não como uma faculdade, atentos os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade a que a administração tributária está adstrita na globalidade da sua actividade.
Com efeito, o supra citado normativo impõe à AT a correcção oficiosa das matrizes, adequando-as à realidade. Em consequência, uma vez tomado conhecimento, por parte da AT, da caducidade do Alvará de Loteamento, sempre deveria a AT ter procedido oficiosamente à promoção da respectiva correcção (independentemente da Requerente, a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia terem, também, legitimidade para reclamar da mesma).
Assim sendo, tendo-se demonstrado que, à data do facto tributário, na realidade, os prédios objecto das liquidações “sub judice” não se encontravam constituídos como “terrenos para construção”, verifica-se que os mesmos se encontram abrangidos pela delimitação negativa de incidência prevista no artigo 135º-B, nº 2, do CIMI e, deste modo, não pode a pretensão anulatória da Requerente deixar de proceder.
De resto, à mesma conclusão se chegaria pela via da inexistência do facto tributário.
Com efeito, deverá entender-se que a tributação imobiliária incide sobre a realidade dos prédios e não sobre o registo matricial.
Assim sendo, como deve ser, inelutável é a conclusão de que, com a caducidade do alvará de loteamento, a realidade que anteriormente era tributada como “terreno para construção” deixou de existir enquanto tal.
Deste modo, e face a todo o exposto, há que concluir pela ilegalidade das liquidações objecto da presente acção arbitral, que devem ser anuladas, procedendo, assim, o pedido arbitral.
*
d. Dos juros indemnizatórios
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Sufraga-se o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (Lei Geral Tributária, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).
Porém, no caso “sub judice”, não pode concluir-se que o erro que deu origem à liquidação não seja imputável ao contribuinte, uma vez que não comunicou, atempadamente, a alteração à matriz.
Não obstante, “Ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efectiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT (passando a constituir um erro dos serviços), a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo de juros indemnizatórios sobre o montante pago [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].” .
Desse modo, serão devidos os juros indemnizatórios desde a data da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa.
Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos tributários anulados e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Julgar improcedentes as excepções arguidas pela Requerida;
b) Anular as liquidações de AIMI n.º 2019 … e n.º 2019 …;
c) Condenar a AT na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados;
d) Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 60.250,58, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2022
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz)
O Árbitro Vogal
(Ricardo Rodrigues Pereira)