Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 523/2014-T
Data da decisão: 2015-01-08  Selo  
Valor do pedido: € 15.533,28
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

I.                   Relatório

 

1.      A, com o NIPC …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ..., sob o n.º .../…, com sede na ..., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e formular pedido de pronúncia arbitral.

2.      É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

3.      A Requerente pretende a anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo (verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo), relativos ao ano de 2013, titulados pelos seguintes documentos:

a)      Doc. n.º 2014-..., de 2014/03/17, no montante de € 7.766,64, correspondente à 1.ª prestação;

b)      Doc. n.º 2014-..., de 2014/03/17, no montante de € 7.766,63, correspondente à 2.ª prestação;

c)      Doc. n.º 2014-..., de 2014/03/17, no montante de € 7.766,63, correspondente à 3.ª prestação.

 

4.      A Requerente fundamenta a sua pretensão alegando que:

4.1. O imóvel que está na base das liquidações ora impugnadas “não constitui “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, pois trata-se de um terreno totalmente devoluto de pessoas, bens ou quaisquer construções, não se verificando, nem se identificando nos actos sub judice qualquer facto material simples do qual resulte a autorização ou licenciamento de edifícios para habitação naquele terreno, por referência expressa às normas de qualquer instrumento de gestão territorial (v. art. 74.º da LGT e art. 100.º do CPPT), pelo que nunca poderia estar abrangido por qualquer das normas de incidência consagradas na verba 28 da TGIS […]”;

4.2. “A verba n.º 28 da TGIS, com o alcance e sentido normativo que lhe foi atribuído pela Administração Tributária nos actos de liquidação sub judice, integra claramente um normativo inconstitucional, por violação dos princípios da tipicidade e da justiça, bem como dos direitos de propriedade e iniciativa económica privada da ora requerente […]”, violando, ainda, os princípios constitucionais da legalidade tributária, da igualdade perante os encargos públicos, da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, da proporcionalidade e da confiança e da segurança jurídicas;

4.3. Os actos de liquidação ora impugnados são ilegais em virtude de a Requerida ter violado os princípios procedimentais da colaboração e da participação, consagrados na Lei Geral Tributária, e também por “manifesta falta de fundamentação de facto e de direito”.

5.      A Requerente optou pela não designação de árbitro.

6.      Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação no prazo aplicável.

7.      As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

8.      Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 26-09-2014.

9.      A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, não tendo suscitado qualquer exceção.

10.  A Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta na sua Reposta, em síntese, “que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma” (19.º), pelo que os atos de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos, por resultarem de uma correta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, a qual não viola qualquer comando constitucional.

11.  Por Despacho de 01/12/2014, o Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, dispensar a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, atendendo a que o litígio tem por objeto matéria exclusivamente de direito, e dispensar a produção de alegações.

12.  Através de Despacho de 15/12/2014, o Tribunal decidiu admitir a ampliação do pedido, pelo que o objeto do processo passou a abranger também a impugnação da liquidação de Imposto do Selo relativa à 3.ª prestação, conforme referido no § 3, al. c), da presente Decisão Arbitral.

13.  O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

14.  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

15.  Não se vislumbra qualquer nulidade.

II.                Matéria de facto

a.      Factos provados

16.  Consideram-se provados os seguintes factos:

16.1.A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o art. ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .../…, com a área de 1.386,25 m2;

16.2.O imóvel identificado supra encontra-se classificado e descrito como “terreno para construção”, e tem o Valor Patrimonial Tributário (VPT) de € 2.329.990,00;

16.3.Com base neste VPT, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu às liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, ora contestadas pela Requerente, à taxa de 1%, no montante total de € 23.299,90, a pagar em três prestações.

b.      Factos não provados

17.  Dos factos com interesse para a decisão da causa, não se provaram os que não constam da factualidade descrita supra.

c.       Fundamentação da decisão da matéria de facto

18.  Os factos foram dados como provados com base na prova documental.

 

III.             Matéria de direito

19.  Fixada a factualidade relevante, verifica-se estar em causa no presente processo exclusivamente matéria direito.

20.  A questão central a decidir pelo Tribunal é a que se prende com saber se um terreno para construção deverá, para efeitos da aplicação do art. 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo (CIS) e da Verba 28.1 da TGIS, ser considerado “prédio com afectação habitacional”.

21.  A Verba 28 da TGIS foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, com o seguinte teor:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.

 

22.  A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, através do art. 194.º, procedeu à alteração da verba 20.1 da TGIS, a qual passou a ter a seguinte redação:

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 %

 

 

23.  Contudo, os actos de liquidação ora em apreciação são referentes ao ano de 2013, anteriores, portanto, à alteração ao texto da verba 28.1 introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, pelo que esta nova redação não deverá ser tida em linha de conta para a decisão do presente litígio.

24.  Ora, o Código do Imposto do Selo (CIS) e a respetiva Tabela Geral, na redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, não esclarece qual o sentido da expressão “prédio com afetação habitacional”.

25.  O art. 67.º, n.º 2 do CIS, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, prevê que “[à]s matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”.

26.  O legislador, no n.º 1 do art. 2.º do CIMI, adota o seguinte conceito de prédio:

“Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”

27.  O n.º 1 do art. 6.º do CIMI enuncia as diversas espécies de prédios urbanos, em função da respetiva afetação: habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção; outros.

28.  Decorre da classificação adotada pelo legislador no art. 6.º do CIMI a distinção entre (i) prédios edificados, os quais podem ser afectos a habitação, comércio, indústria ou serviços, sendo esta afectação aferida em função do licenciamento respectivo ou, na falta de licença, do destino normal do imóvel (art. 6.º, n.º 2, do CIMI) e (ii) terrenos para construção, de acordo com a definição constante do n.º 3 do art. 6.º do CIMI.

29.  Assim, subscrevemos a fundamentação expressa pelo STA no seu Acórdão de 23/04/2014, no proc. 0271/14, quando afirma que “[n]ão tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional”.

30.  Afigura-se-nos acertado o entendimento, expresso no mesmo Acórdão do STA, segundo o qual “[o] facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI)”.

31.  Uma interpretação como a adotada pela Requerida, segundo a qual um terreno para construção está abrangido pela expressão “prédio com afectação habitacional” não tem um mínimo de correspondência na letra da lei, levando a uma solução jurídica que configura uma verdadeira aplicação analógica da norma contida no art. 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo (CIS) e da Verba 28.1 da TGIS, em desconformidade com a lei (art. 11.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária), com o princípio da tipicidade da lei fiscal, ínsito no princípio da legalidade tributária (art. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição da República Portuguesa) e com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.

32.   Sendo possível interpretar a verba 28.1 da TGIS em conformidade com a Constituição, é, contudo, de afastar o julgamento da inconstitucionalidade da norma nela contida.

33.  Neste caso, uma interpretação conforme com a Constituição implica a não sujeição a Imposto do Selo, por aplicação da Verba 28.1 da TGIS, dos terrenos para construção, relativamente ao ano de 2013.

34.  Finalmente, quanto à alegada violação de normas do procedimento tributário, invocada pela Requerente, há que esclarecer que os actos de liquidação ora impugnados não foram praticados no âmbito de um procedimento administrativo em que tenha havido instrução (v. Acórdão de 17/12/1997, do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA, proferido no recurso n.º 36001, publicado no BMJ n.º 472, p. 246, e em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 12, p. 3) pelo que não são aplicáveis in casu as normas procedimentais que a Requerente considera terem sido violadas pela Requerida, nem se considera ter havido falta de fundamentação dos actos praticados.

IV.             Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos atos de liquidação impugnados.

 

 

V.                Valor do processo

O valor do processo é fixado em € 23,299,90, conforme o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

VI.             Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 08 de janeiro de 2015

 

 

O Árbitro,

 

 

  Paulo Nogueira da Costa