Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 494/2021-T
Data da decisão: 2022-01-18  IRC  
Valor do pedido: € 194.169,51
Tema: IRC - Valor de aquisição de imóvel adquirido em venda judicial.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Francisco Carvalho Furtado e Dr. Nuno Pombo, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-10-2021, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

               

A... SGPS SA (doravante Requerente), com sede na Rua ..., n.ºs ... e ..., Braga, ... ..., com número fiscal ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação parcial da liquidação adicional de IRC n.º 2021..., 13-04-2021, no valor € 255.456,53, e das liquidações de juros compensatórios n.º 2021..., no valor de € 17.888,95, e  n.º 2021..., no valor de € 231,91, com o valor global de € 273.577,39.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19-08-2021.

Em 07-10-2021, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 26-10-2021.

A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 07-12-2021 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

                Consideram-se provados os seguintes factos:

A.           A Requerente tem como objecto social a actividade de sociedade gestora de participações sociais não financeiras (CAE 64202), sendo tributada no que que concerne a IRC pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (de ora em diante RETGS) nos termos do art.º 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (de ora em diante CIRC), enquanto sociedade dominante do Grupo;

B.            Foi realizada uma acção inspectiva à Requerente, a coberto da Ordem de Serviço Interna n.º OI2021...;

C.            Essa acção inspectiva foi efectuada para imputar à Requerente as correcções efectuadas numa outra acção inspectiva externa a uma sociedade integrante do grupo, que visou a sociedade B... SA (doravante, B...), com o NIPC ..., efectuada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2020...;

D.           Na acção inspectiva efectuada à Requerente foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE

ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

 

No âmbito da ação inspetiva ao sujeito passivo B... SA, com o NIPC..., credenciada pela Ordem de serviço 012020..., ao ano de 2018, verificamos o seguinte:

 

1- Valor patrimonial tributário das compras

O sujeito passivo inscreveu no campo 772 do quadro 7 da declaração Modelo 22, o valor de 2.531.882,86€ que corresponde à aplicação do previsto na alínea b) do nº 3 do artº 64º do CIRC.

Estabelece o aquele preceito que os adquirentes de direitos reais sobre imóveis adotarão o VPT (Valor Patrimonial Tributário) para determinação de qualquer resultado tributável de IRC relativamente ao imóvel adquirido, se este for superior ao valor do contrato (preço de compra).

Assim o sujeito passivo procedeu à dedução no quadro 7 de 2.531.882,86€, que resultam das seguintes compras:

 

Análise:

- De facto em 2018, ocorreram oito transmissões de imóveis, cujas aquisições ocorreram em momentos anteriores;

- Analisando a compra de cada um dos imóveis, constatou-se que sete desses imóveis foram adquiridos por arrematação judicial e nestes casos o IMT foi liquidado com base no estabelecido na regra 16) do nº4 do artº 12 do Código do IMT, a saber "o valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas e às Autarquias locais, bem como o dos adquiridos por arrematação judicial ou administrativa, é o preço do valor do ato ou do contrato";

- Este facto está em conformidade com a Decisão Arbitral -Processo 43/2019-T proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa e com Ficha Doutrinária -Processo 2014 002157 de 2015-03-12.

- O art° 64º n°1 do CIRC estipula o seguinte "Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto". Ora, neste caso, ainda que não tivesse havido lugar à liquidação de IMT porque os prédios eram para revenda (artº 7° do Código do IMT), a matéria coletável indicada nos Documentos de Cobrança foi o preço do valor do ato ou do contrato e não o VPT.

- Os casos em concreto são todos os imóveis referidos no quadro anexo, com exceção do imóvel n° 2, neste caso, segue os procedimentos estabelecidos por se considerar uma transmissão normal;

Assim, a dedução do quadro 7 no valor de 2.531.882,86€ não está correta, pelo que vamos acrescer ao lucro tributável o valor de 864.187,48€.

 

2- Valor Patrimonial Tributário na alienação de imóveis

Verificamos que não procedeu ao estipulado na alínea a) do nº3 do artº 64° do CIRC, em que o sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato.

Assim:

 

Por não ter adotado o estipulado na alínea a) do n°3 do art° 64 e não ter utilizado o preceituado no artº 139° do CIRC, não acresceu no Quadro 7 da declaração Modelo 22, a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, no valor de 369.828,11€.

 

3-Tributação de grupo de sociedades art- 69°- CIRC.

No âmbito da ação inspetiva à B..., no exercício do direito de audição ao abrigo do artº 60° do RCPITA e do ar° 60° da LGT, não foram postas em causa as correções propostas.

Uma vez que a A..., é sociedade dominante da B..., por ser titular de 100% do capital social desta última, as correções aritméticas terão de ser imputadas ao grupo em que a A... se insere, assim:

Propomos as seguintes correções, na esfera da A...:

 

E.            Na sequência da inspecção à Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2021..., 13-04-2021, no valor € 255.456,53, e as liquidações de juros compensatórios n.º 2021..., no valor de € 17.888,95, e n.º 2021..., no valor de € 231,91, com o valor global de € 273.577,39;

F.            Em 18-08-2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não há factos que tivessem sido dados como não provados.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções à matéria tributável de IRC da Requerente, relativamente aos valores de aquisição e aos valores de alienação de imóveis.

Apenas as correcções referentes à aquisição dos imóveis são impugnadas no presente processo.

 

3.1. Posições da Partes

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, no Relatório da Inspecção Tributária, em suma:

– a Requerente aplicou no campo 772 do quadro 7 da declaração Modelo 22 de IRC, o valor de € 2.531.882,86 correspondente à aplicação do previsto na alínea b) do n.º 3 do art.º 64.º do CIRC, relativamente a oito imóveis que adquiriu;

– o artigo 64.º, n.° 1, do CIRC estabelece que «os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto»;

– sete dos imóveis foram adquiridos por arrematação judicial e nestes casos o IMT foi liquidado com base no estabelecido na regra 16) do n.º 4 do art.º 12 do Código do IMT, que estabelece que «o valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas e às Autarquias locais, bem como o dos adquiridos por arrematação judicial ou administrativa, é o preço do valor do ato ou do contrato»;

– «neste caso, ainda que não tivesse havido lugar à liquidação de IMT porque os prédios eram para revenda (art.º 7.° do Código do IMT), a matéria coletável indicada nos Documentos de Cobrança foi o preço do valor do ato ou do contrato e não o VPT»;

– por isso, a Requerente não pode efectuar a dedução prevista no campo 772 do quadro 7 da declaração modelo 22, relativamente aos sete imóveis adquiridos em venda judicial.

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– dos n.ºs 1 e 2 do artigo 64.º resulta que nas transmissões onerosas de imóveis, se o valor do contrato for inferior ao VPT, será este o valor a considerar pelo adquirente para determinar o lucro tributável de IRC, o que é confirmado pela alínea b) do n.º 3, ao dispor que o adquirente adota o VPT para a determinação de qualquer resultado em sede de IRC;

– o campo da declaração modelo 22 destinado a esta correção tem como descritivo “Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art.º 64.º, n.º 3, al. b)]”;

– a Requerente procedeu de acordo com o citado normativo e com a menção que consta na declaração modelo 22, apurando o seu resultado fiscal, em sede de IRC, tendo como base o VPT e não o valor de aquisição;

– após a alteração legislativa efectuada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12-11, a consideração do VPT, em sede de IRC, por parte do adquirente, deixou de estar condicionada à consideração desse valor em termos contabilísticos, passando a operar de modo automático e imperativo;

–  o n.º 1 do artigo 64.º do CIRC refere-se expressamente aos “VPT” considerados para efeitos de IMT e não aos “valores tributáveis” considerados para feitos de IMT, razão pela qual, a nosso ver, não poderá prevalecer a regra 16.ª do n.º 4 do art.º 12.º do Código do IMT em detrimento do VPT, pois esta norma refere-se ao valor tributável e não ao VPT;

– as regras contidas no n.º 4 do art.º 12.º do Código do IMT, nomeadamente a regra 16.ª, nada têm a ver com o “VPT” dos imóveis, expressamente referido no n.º 1 do art.º 64.º do CIRC, tratando-se, isso sim, de regras especiais de determinação do “valor tributável” para efeitos de IMT, regras que, no entendimento da Requerente, não são relevantes em sede de IRC, mas apenas em sede de IMT;

– o disposto no n.º 1 do art.º 64.º do Código do IRC aponta claramente para a consideração do VPT para efeitos de determinação do lucro tributável, se superior ao valor do contrato, sendo que a referência feita nesta norma do CIRC ao IMT deriva exclusivamente do facto de ser o VPT aquele que, em regra, sendo superior ao valor do contrato, deve presidir à liquidação deste imposto, assumindo-se como valor tributável, nos termos do n.º 1 do art.º 12.º do respetivo Código;

– aplicar ao IRC uma norma, presente no Código do IMT (regra 16.ª do n.º 4 do art.º 12.º), que nada tem a ver com o VPT, mas sim com a determinação do “valor tributável” em sede deste imposto, é, a nosso ver, salvo melhor opinião, manifestamente ilegítimo e, com o devido respeito por opinião diversa, desprovido de qualquer sentido.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, no presente processo, defende a posição adoptada no RIT, dizendo ainda, em suma:

 

–  n.º 2 do artigo 64.º do CIRC, ao estabelecer que, sempre que nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, será este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável, consagra uma presunção de rendimentos;

– para ilidir tal presunção, o legislador estabeleceu no art.º 139.º do CIRC, um procedimento para prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao VPT;

– fazendo essa prova, ilide-se, pois, a presunção constante do n.º 2 do art.º 64.º do CIRC, o que em consequência significa não ser de a aplicar, isto é, não haverá lugar à correcção ao valor de transmissão desses direitos reais;

– tem de se apurar se foi liquidado IMT ou, não o sendo, qual o valor que serviria de base à sua liquidação, caso tivesse existido;

– não tendo havido, no caso dos autos, lugar a liquidação de IMT, mostra-se necessário determinar qual o valor tributável sobre o qual este imposto incidiria caso a alienação fosse sujeita a este imposto e não tivesse beneficiado da isenção supra exposta (n.º 2 do art.º 270.º CIRE);

– a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) tem natureza especial e aplica-se a qualquer modalidade de venda judicial, pelo que o valor desta venda é o VPT.

 

3.2. Apreciação da questão

 

O artigo 64.º do CIRC estabelece o seguinte:

 

Artigo 64.º

 

Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis

 

1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 - Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.

 

4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

5 - No caso de existir uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel.

6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Autoridade Tributária e Aduaneira proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.

 

Este artigo 64.º, corresponde ao anterior artigo 58.º-A do CIRC e foi introduzido na sequência da reforma da tributação do património, operada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, para consagrar uma intenção legislativa no sentido de que «os valores patrimoniais tributários que servirem de base à liquidação do IMT passam a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável, quer do IRS, rendimentos empresariais, quer do IRC» (Preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 287/2003).

Foi esta regra que foi consagrada no n.º 1 deste artigo 64.º, que estabeleceu que, para determinação do lucro tributável, não podem ser considerados valores inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

O valor tributável para efeitos de IMT é indicado no artigo 12.º do CIMT que estabelece a regra de que «o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior».

Como resulta da fórmula alternativa utilizada, designadamente do uso da conjunção «ou», o valor do acto ou contrato e o valor patrimonial tributário são conceitos distintos.

                Isto é, nos casos em que no CIMT se estabelece que o valor tributável é o «valor do acto ou do contrato», o valor deste não passa a  ser considerado «valor patrimonial tributário», pois este continua a ser o que consta da matriz predial ou, no caso de prédio omisso ou não sujeito a inscrição matricial, será o que vier a ser determinado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), por força do preceituado no n.º 2 do artigo 12.º e no artigo 14.º do CIMT. 

A esta luz, reportando-se aquele n.º 1 do artigo 64.º do CIMT ao «valor patrimonial tributário», que é um dos tipos de valores tributáveis para efeitos de liquidação de IMT, deve concluir-se que esta norma se reporta especificamente ao valor patrimonial tributário e não aos outros tipos de valores tributáveis utilizados para liquidação de  IMT, designadamente os valores de actos ou contratos.

Na verdade, tendo de se presumir que o legislador «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), se no n.º 1 do artigo 64.º se pretendesse  aludir genericamente ao valor tributável relevante para efeitos de liquidação de IMT, decerto se faria uma referência abrangente  aos valores tributáveis que serviram ou deveriam servir de base à liquidação do IMT, e não aos valores patrimoniais tributários definitivos, que são apenas um dos tipos de valores tributáveis utilizados para esses efeitos.

Assim, não há o suporte textual mínimo exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, para entender que, nos casos em que IMT não é  liquidado ou não deveria ser liquidado com base no valor patrimonial tributário, se considere como tal o valor do acto ou contrato.

Por isso, o n.º 2 do artigo 64.º do CIRC, ao estabelecer que, «sempre que o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável», reporta-se especificamente ao valor patrimonial tributário e não ao valor tributável que foi ou deveria ser utilizado para liquidação de IMT, quando este não é o valor patrimonial tributário. 

É certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo, esta obrigatoriedade de utilizar para determinação do lucro tributável de IRC o valor patrimonial tributário não é  absoluta, pois esta utilização pode ser afastada pelo sujeito passivo (tanto o alienante como o adquirente), nos termos do n.º 1 do artigo 139.º do CIRC, que estabelece que «o disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis».

Mas, como resulta do n.º 3 deste 139.º, a prova do preço efectivo inferior ao valor patrimonial tributário depende da iniciativa do sujeito passivo, pois «deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente».

Na verdade, apenas nos casos de disponibilidade pela Autoridade Tributária e Aduaneira de «elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado» se prevê a possibilidade de intervenção oficiosa (n.º 6 do artigo 64.º), o que não sucede no caso em apreço.

 Isto é, à face deste regime que resulta dos artigos 64.º e 139.º do CIRC, nos casos em que o valor do acto ou contrato é inferior ao valor patrimonial tributário, o sujeito passivo pode optar por utilizar para determinação da matéria tributável de IRC o valor patrimonial tributário ou pode procurar fazer a prova do preço efectivo, sendo certo que, se não apresentar um requerimento para instauração do procedimento referido no n.º 3 do artigo 139.º, é forçosamente o valor patrimonial tributário o valor da transmissão a considerar para efeitos de IRC.

Assim, no caso em apreço, sendo o valor da transmissão inferior ao valor patrimonial tributário e não tendo a Requerente optado por fazer a prova do preço efectivo, não é afastada a aplicação do artigo 64.º do CIRC, pelo que o valor patrimonial tributário é «o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável» (n.º 2) e «o sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel», como impõe a alínea b) do seu n.º 3.

No campo 772 do quadro 7 da declaração modelo 22 de IRC, está expresso o direito à dedução pela «correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art.º 64.º, n.º 3, al. b)]».

A explicação para a inclusão na declaração modelo 22 deste campo é dada no «Manual de Preenchimento do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22», IRC 2020, publicado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em

https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/apoio_contribuinte/modelos_formularios/irc/Documents/Manual_Q_07_Mod22.pdf:

 

Campo 772 – Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão (art.º 64.º, n.º 3, al. b)]

Contrariamente ao que acontecia no âmbito da redação do ex-artigo 58.º-A, o adquirente dos direitos reais sobre bens imóveis já não pode contabilizar os imóveis pelo valor patrimonial tributário definitivo (VPT) quando superior ao valor de aquisição, tendo de respeitar o conceito de custo de aquisição referido nos normativos contabilísticos e no D.R. n.º 25/2009, de 14 de setembro. Portanto, como o imóvel já não pode ser contabilizado pelo VPT, já não pode ser aceite o acréscimo de depreciações que resultava dessa contabilização. No entanto, para efeitos fiscais, esse valor (VPT) é tomado em consideração na determinação de qualquer resultado tributável em IRC que venha a ser apurado relativamente ao imóvel. Consequentemente, quando o sujeito passivo transmitir o imóvel, o resultado fiscal é apurado considerando como valor de aquisição o VPT e não o custo de aquisição que reconheceu no seu ativo, quando aquele valor for superior ao custo de aquisição.

 

Assim, tendo a Requerente adoptado o valor patrimonial tributário relativamente aos oito imóveis referidos nos autos, tem em relação a todos eles o direito de efectuar esta dedução.

 Por isso, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, ao não admitir a dedução em relação aos sete imóveis que foram adquiridos em venda judicial.

Este vício justifica a anulação das liquidações de IRC e juros compensatórios, na parte em que são impugnadas, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

                4. Decisão          

 

                De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular parcialmente a liquidação adicional de IRC n.º 2021 ... e as liquidações de juros compensatórios n.º 2021 ... e n.º 2021 ..., na parte em que têm como pressupostos as correções à matéria tributável descritas no ponto 1 do Capítulo III do Relatório da Inspecção Tributária, no valor de € 864.187,48.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 194.169,51, atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

6. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 18-01-2022

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Francisco Carvalho Furtado)

(Nuno Pombo)