DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Cristina Aragão Seia e Dr. Rui Miguel Zeferino Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-11-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., SA, com o NIPC ... e sede na ..., n.º..., ...-..., Lisboa, adiante, a «Requerente», veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista:
a) Declaração de ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa;
b) declaração de ilegalidade das contestadas liquidações adicionais de IVA relativa ao ano de 2017;
c) Condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento dos juros indemnizatórios devidos pelo pagamento das contestadas liquidações.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 01-09-2021.
Em 21-10-2021, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 10-11-2021.
A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 16-12-2021, foi decidido dispensar reunião e alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão das questões prévias:
A. A Requerente dedica-se às actividades de comércio e indústria de géneros alimentícios e de todo o tipo de artigos compreendidos no ramo de hipermercado e supermercado, incluindo a venda de medicamentos não sujeitos a receita médica, e exploração de postos de abastecimento de combustíveis, compra, venda, compra para revenda, construção, locação, exploração e administração de imóveis destinados à instalação de hipermercados, supermercados, centros comerciais, postos de abastecimento de combustíveis, bem como de imóveis destinados a escritório e habitação;
B. Foi efectuada uma acção de inspeção à Requerente a coberto da ordem de serviço n.º OI2019..., de âmbito geral, que incidiu sobre o período de 2017 e teve como objecto a análise da situação tributária global do sujeito passivo;
C. Nessa inspecção, a Requerente foi notificada para apresentar à Autoridade Tributária e Aduaneira «Listagem por taxa, de todos os bens comercializados com IVA à taxa reduzida e à taxa intermédia, com indicação da faturação mensal (sem IVA) para cada bem, relativamente ao ano de 2017, em ficheiro em suporte informático (formato Excel) e respetivo enquadramento nas verbas das Listas anexas ao CIVA I e II”;
D. A Requerente enviou à inspecção tributária ficheiro informático com indicação dos artigos vendidos em 2016, mas não com o enquadramento de todos os bens comercializados nas verbas das listas anexas ao CIVA, tendo informado que não tinha essa informação carregada no sistema informático relativamente à totalidade daqueles bens (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e artigos 10.º a 13. Do pedido de pronúncia arbitral);
E. Nessa inspecção a Requerente foi notificada para o exercício do direito de audição, mas não o exerceu (páginas 17 e 18 do Relatório da Inspecção Tributária, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
F. Posteriormente a Requerente foi notificada do Relatório da Inspecção Tributária, em que se refere, além do mais, o seguinte:
III.1 imposto sobre o Valor Acrescentado
Falta de liquidação de IVA por aplicação de taxas incorretas
No âmbito da sua atividade (comércio a retalho), a A... comercializa produtos alimentares e não alimentares. Com vista a validar o correto enquadramento desses produtos, para efeitos de aplicação das taxas de IVA, nas vendas realizadas ao longo do ano de 2017, foi solicitado ao sujeito passivo, em 2019-06-07, "Listagem por taxa, de todos os bens comercializados com IVA à taxa reduzida e à taxa intermédia, com indicação da faturação mensal (sem IVA) para cada bem, relativamente ao período de 2017, em ficheiro em suporte informático (formato Excel) e respetivo enquadramento nas verbas das Listas anexas ao CIVA l e II.".
A partir das listagens, fornecidas em suporte informático pelo sujeito passivo, detetou-se a existência de produtos indevidamente sujeitos quer à taxa reduzida quer a taxa intermédia de IVA, quando a taxa correta a aplicar seria a taxa normal. E isto porque, por força da al. c) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA, à generalidade das importações, transmissões de bens e prestações de serviços aplica-se a taxa normal de imposto (23%).
Em derrogação a esta regra, aplicam-se as taxas reduzida (6%)e intermédia (13%) de IVA aos bens e serviços elencados, respectivamente, nas Listas, l é II anexas ao Código. Estas encontram-se divididas em várias categorias de bens e serviços sendo que, por vezes, estas ainda se subdividem em subcategorias. Em relação a cada uma delas (categoria ou subcategoria de bens ou de serviços), a disposição normativa que define o âmbito de aplicação da taxa reduzida ou da taxa intermédia, designada nos textos legais por "verba", consiste na última divisão que essa categoria ou subcategoria comporta.
Atendendo a que:
A A... apenas facultou, para cada um dos bens comercializados às taxas reduzida ou intermédia, a categoria em que os mesmos se encontram.
Para se conseguir aferir o correto enquadramento dos bens nas verbas das listas l e II anexas ao CIVA deveria ter sido disponibilizado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) o enquadramento efetuado pelo próprio sujeito passivo quando os sujeitou às taxas reduzida ou intermédia bem como as fichas que os caracterizam, o que até à data de elaboração do presente relatório não aconteceu.
Considera-se que, pelos elementos de que dispomos, os bens em crise não estão abrangidos pelas verbas constantes das Listas l e II anexas ao Código, sendo passíveis de tributação à taxa normal (23%), nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA.
Nos pontos seguintes a) e b) são identificados de forma resumida, por categoria, os produtos indevidamente comercializados às taxas reduzida e intermédia.
a) Aplicação da taxa reduzida de IVA na comercialização de produtos passíveis de tributação à taxa normal (ver Anexo 1)
Produtos aos quais foi aplicada a taxa reduzida de 6%, prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA, e que não têm enquadramento nas verbas constantes da Lista l anexa ao referido diploma, pelo que a sua tributação deve ser efetuada à taxa normal a que se refere a al. c) do mesmo preceito, ou seja, a 23%.
b) Aplicação, da taxa intermédia de IVA na comercialização de produtos passíveis de tributação à taxa normal (ver Anexo 2)
Produtos aos quais foi aplicada a taxa intermédia de 13%, previste na al. b) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA, e que não têm enquadramento nas verbas constantes da Lista II anexa ao referido diploma, pelo que a sua tributação deve ser efetuada à taxa normal a que se refere a al. c) do mesmo preceito (23%).
Ambas as situações retratadas nos pontos a) e b) consubstanciam-se no incumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 18.º do CIVA e, consequentemente, na falta de entrega do correspondente imposto no montante total de 299.126,30 euros, nos termos a seguir apresentados:
A aplicação incorreta das taxas reduzida, e. intermédia, por parte do, sujeito passivo, às transmissões dos produtos elencados nos Anexos 1 e 2 resultou, na falta de entrega de imposto nos cofres do Estado, no valor total de 299.126,30 euros (271.543,02 euros + 27.683,28 euros), correspondente à diferença entre o valor do IVA liquidado pelo sujeito passivo por aplicação daquelas taxas e o valor do IVA liquidado apurado pela AT, após reenquadramento na taxa normal de imposto prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 18.ºdo CIVA.
G. Na sequência da inspecção a Administração Tributária emitiu as seguintes liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios:
H. Em 30-12-2020, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra as liquidações referidas, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido):
I. Em 19-05-2021, a reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...2020..., foi deferida apenas quanto ao valor de € 18.544,39, por despacho do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Unidade de Grandes Contribuintes, por subdelegação de competências, do qual foi a Requerente notificada, através do ViaCTT, a 20-05-2021;
J. Em 31-08-2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.
Não se provou que a Requerente tenham efectuado o pagamento das quantias liquidadas.
A Requerente apenas ao formular o pedido, na alínea c) do artigo 173.º do pedido de pronúncia arbitral, diz que «entretanto, efectuou» o «pagamento das contestadas liquidações de IVA».
No entanto, a Requerente não apresentou qualquer documento comprovativo do pagamento e das demonstrações de acerto de contas que constam do documento n.º 1 junto com a reclamação graciosa, não consta qualquer referência a pagamento nos locais destinados a certificá-lo.
3. Matéria de direito
A Requerente imputa as liquidações impugnadas os seguintes vícios:
a) Violação das regras do ónus da prova e dos princípios da cooperação e da descoberta da verdade material;
b) Falta de fundamentação;
c) Não apuramento do imposto «por dentro»;
d) Erro na aplicação da taxa normal de IVA.
3.1. Questão da violação das regras do ónus da prova, dos deveres de cooperação e do princípio da descoberta da verdade material
Estes vícios estão relacionados, pelo que se justifica que sejam apreciados conjuntamente.
O artigo 58.º da LGT enuncia o princípio do inquisitório estabelecendo que «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».
O artigo 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira estabelece que «o procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo».
O artigo 59.º da LGT estabelece que «os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco» e o artigo 63.º n.º 4, da mesma Lei estabelece, relativamente ao procedimento de inspecção que «os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objetivos a prosseguir».
O artigo 74.º da LGT estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
A Autoridade Tributária e Aduaneira solicitou à Requerente, na inspecção tributária «Listagem por taxa, de todos os bens comercializados com IVA à taxa reduzida e à taxa intermédia, com indicação da faturação mensal (sem IVA) para cada bem, relativamente ao ano de 2017, em ficheiro em suporte informático (formato Excel) e respetivo enquadramento nas verbas das Listas anexas ao CIVA I e II».
A Requerente apresentou uma listagem, mas não com «enquadramento nas verbas das Listas anexas ao CIVA I e II», invocando que
– comercializa mais de 220.000 produtos;
– «sendo a sua faturação feita por meios informatizados tem naturalmente em base de dados os elementos relativos às vendas, em particular, aqueles que relevam para a emissão de uma fatura».
– «para efeitos da faturação da transmissão de bens, a informação relevante é a sua sujeição a uma taxa específica (reduzida, intermédia ou normal) pelo que a integração nas diferentes verbas não é informação residente nas tabelas dos programas de faturação. Veja-se, a propósito, a Tabela de Impostos constante da Estrutura de Dados do ficheiro SAF-T (PT) aprovada pela Portaria n.º 302/2016, de 2 de dezembro. Nessa Tabela inclui-se apenas informação relativa aos regimes fiscais de IVA (taxas), praticados em cada espaço fiscal, sem qualquer referência às verbas das Listas anexas ao Código do IVA»;
– a prova quanto à utilização das taxas pode ser feita por quaisquer meios e a Requerente não foi notificada para apresentar outros elementos de prova;
– não se afigura que seja adequado e proporcional que a Requerente seja obrigada a inserir manualmente num ficheiro excel o enquadramento do universo de produtos comercializados às referidas taxas;
– a Requerente não incumpriu o seu dever de colaboração e também não incumpriu o seu ónus de prova, pois não lhe foram pedidos quaisquer outros elementos;
– a descoberta da verdade material é frustrada pela inspeção tributária, quando, em face da impossibilidade manifestada pela Requerente de fazer constar no ficheiro, para cada produto, a identificação das verbas correspondentes às Listas I e II, em vez de, em obediência ao referido princípio do inquisitório, procurar saber quais os elementos de prova que a Requerente tinha para o enquadramento dos controvertidos produtos, se limitou, sem fundamentação, a considerar que um conjunto de produtos estava sujeito à taxa normal.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que, em suma, que recai sobre a Requerente o ónus da prova dos factos que relevam para a aplicação das taxas e que em reclamação graciosa a Requerente apresentou fichas técnicas dos produtos com base nos quais efectuou o enquadramento nas taxas de IVA.
3.1.1. Questão do ónus da prova
O procedimento tributário deve culminar com uma decisão da administração tributária, que tem de assentar em pressupostos de facto.
Porém, pode suceder que, após a produção de prova, a administração tributária fique com dúvidas sobre a situação factual que interessa conhecer para tomar a sua decisão.
Para possibilitar à administração tributária decidir nos casos em que, após a produção de prova possível, ficar com uma dúvida insanável sobre qualquer ponto da matéria de facto, estabeleceram-se as regras do ónus da prova.
O funcionamento destas regras, assim, ocorre apenas quando, após a actividade de fixação da matéria de facto, directamente, a partir dos meios de prova, e indirectamente, com base na formulação de juízos de facto, se chega a uma situação em que não se apurou algum ou alguns dos factos que relevam para a decisão que deve ser proferida.
Por força das regras do ónus da prova devem decidir-se os pontos em que se verifique tal dúvida contra a parte que tem o ónus da prova. ( )
É apenas nestas situações em que, após a produção das provas, subsistem dúvidas sobre factos que relevam para a decisão que funcionam as regras do ónus da prova.
Neste caso, não é questionado pela Requerente que é ela quem tem o ónus da prova dos factos relevantes para aplicação das taxas de IVA, pois é ela quem aplicou as taxas reduzidas de IVA a produtos que vendeu.
Aliás, a Requerente reconhece expressamente no artigo 14.º do pedido de pronúncia arbitral que «não desconhece que, estando perante a utilização de taxas reduzidas em sede de IVA, nos termos do artigo 74.º da LGT, recai sobre si o ónus de prova da utilização dessas taxas».
Por isso, neste contexto, não se equaciona uma violação pela Autoridade Tributária e Aduaneira das regras prevista no artigo 74.º da LGT.
3.1.2. Questão da violação dos princípios da cooperação e da descoberta da verdade material
No procedimento tributário, as regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é imposto que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a Administração Tributária de diligenciar no sentido de obtenção das provas necessárias para adequada aplicação do direito.
Na verdade, por força do artigo 58.º da LGT, vigora no procedimento tributário o princípio do inquisitório, que impõe à Autoridade Tributária e Aduaneira o dever de realizar «todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».
Na mesma linha, os artigos 5.ºe 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA) enunciam o princípio da verdade materialmente, estabelecendo que «o procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo».
Este princípio do inquisitório e o dever de diligenciar no sentido da descoberta da verdade material situam-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.
Assim, «o órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito» (artigo 72.º da LGT) e no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.
No caso em apreço, afigura-se manifesto que, quanto ao IVA, não foi observado este dever de prosseguir a descoberta da verdade material.
Na verdade, como se vê pelo Relatório da Inspecção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira limitou-se a solicitar a Requerente «Listagem por taxa, de todos os bens comercializados com IVA à taxa reduzida e à taxa intermédia, com indicação da faturação mensal (sem IVA) para cada bem, relativamente ao período de 2017, em ficheiro em suporte informático (formato Excel) e respetivo enquadramento nas verbas das Listas anexas ao CIVA l e II.".
Como defende a Requerente no pedido de pronúncia arbitral, a obrigação de entrega de listas informáticas com indicação da verba da Lista anexa ao CIVA em que se enquadram as mercadorias não está legalmente prevista e, designadamente, como diz a Requerente, não é exigida pela Portaria n.º 302-A/2007,de 26 de Março, na redacção da Portaria n.º 302/2016, de 2 de Dezembro, em que se refere, no ponto 2.5.1.3. da estrutura de dados do ficheiro SAF-T (PT):
Como se vê, neste ponto, apenas quanto ao Imposto do Selo se faz referência a inclusão do código da verba respectiva, o mesmo não sucedendo quanto ao IVA, em que apenas se exigem indicação do tipo de taxa (ou isenção) e não também a indicação das verbas das listas anexas ao CIVA em que cada mercadoria se enquadra.
Por isso, são credíveis as afirmações da Requerente de que não tinha possibilidade de enviar à Autoridade Tributária e Aduaneira os únicos elementos que lhe solicitou que foram os ficheiros informáticos em formato Excel com o enquadramento nas verbas das listas anexas ao CIVA.
E, perante a remessa de ficheiros informáticos pela Requerente, com a informação de que não podia enviar em relação a todos os produtos o «detalhe da verba» por só quanto a alguns ela estar «carregada no sistema», a Autoridade Tributária e Aduaneira não realizou qualquer diligência no sentido de apurar esse «detalhe», que tinha solicitado e considerava necessário para correcto enquadramento a nível de taxas de cada um dos tipos de produtos vendidos.
Na verdade, esta omissão de diligências ocorreu em situação em que a Autoridade Tributária e Aduaneira expressamente reconhece que faltavam os elementos necessários para um correcto enquadramento como se vê pelo seguinte excerto do Relatório da Inspecção Tributária:
A A... apenas facultou, para cada um dos bens comercializados às taxas reduzida ou intermédia, a categoria em que os mesmos se encontram.
Para se conseguir aferir o correto enquadramento dos bens nas verbas das listas l e II anexas ao CIVA deveria ter sido disponibilizado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) o enquadramento efetuado pelo próprio sujeito passivo quando os sujeitou às taxas reduzida ou intermédia bem como as fichas que os caracterizam, o que até à data de elaboração do presente relatório não aconteceu.
Isto é, a Autoridade Tributária e Aduaneira, apesar de ter consciência de que, com os elementos disponíveis, não conseguia «aferir o correcto enquadramento dos bens nas verbas das listas l e II anexas ao CIVA» e que, para tal, seriam necessárias fichas que revelassem as suas características, decidiu, sem apurar quais eram essas características, afastar o enquadramento nas listas i e ii anexas ao CIVA.
É manifesto que, sabendo a Autoridade Tributária e Aduaneira que haveria fichas reveladoras das características do produtos na posse do sujeito passivo (como se depreende de lhes fazer referência no Relatório da Inspecção Tributária) que podiam esclarecer o seu enquadramento para efeitos de aplicação das taxas de IVA, deveria tê-las solicitado à Requerente ou diligenciar por qualquer forma para apurar por outras vias essas características, inclusivamente através de pedidos de informação a fabricantes ou consulta das informações publicitadas.
De qualquer modo, o que não permitem o artigo 58.º da LGT e o artigo 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira é que, numa situação em que não estavam esgotadas as possibilidade de obtenção dos elementos reveladores das características do produtos, a Autoridade Tributária e Aduaneira se abstenha de realizar qualquer diligência com fundamento em o sujeito passivo não ter apresentado esses elementos, o que constitui violação do artigo 58.º da LGT, que lhe impõe o dever de «realizar todas as diligências necessárias ... à descoberta da verdade material», não estando subordinada à iniciativa da entidade inspeccionada.
Pelo exposto, as liquidações impugnadas enfermam de vício procedimental, por violação do princípio da descoberta da verdade material, cuja observância é imposta à Autoridade Tributária e Aduaneira pelos artigos 58.º da LGT e 5.º e 6.º do RCPITA.
3.2. Questão da falta de fundamentação
A Requerente imputa falta de fundamentação às liquidações impugnadas porque, em suma, «no Relatório a inspeção limita-se a elencar nos Anexos 1 e 2, os produtos cuja tributação entende que deve ser feita à taxa normal, com o apuramento do alegado imposto em dívida, sem que dele conste a mínima fundamentação quanto ao motivo justificativo da aplicação da taxa normal».
A Autoridade Tributária e Aduaneira diz, em suma, que «constando as taxas reduzida e intermédia de listas positivas que são aplicadas numa lógica de especialidade em relação à taxa normal, a fundamentação para a sua não aplicação a determinado bem e serviço não poderá deixar de ser que não se vê nesse bem ou serviço características que tenham correspondência com as verbas constantes daquelas listas positivas» e «é justamente essa a fundamentação que se faz no Relatório de Inspeção e que não poderá deixar de ser aceite como suficiente e perfeitamente percetível por um destinatário médio».
Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 04-10-2017, proferido no processo n.º 0406/13, a fundamentação relevante é apenas a do Relatório da Inspecção Tributária, pois a que consta da decisão da reclamação graciosa «não pode ser usada para aferir da validade formal do acto impugnado, uma vez que a nossa ordem jurídica não confere relevância à fundamentação a posteriori».
3.2.1. Fundamentação formal e fundamentação material
Deverão distinguir-se os conceitos de «fundamentação material» e «fundamentação formal».
Esta última «pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão», enquanto a fundamentação material corresponde à «recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspecto formal da operação, associando-a à transparência da perspectiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do acto praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade». (...)
«O dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória. O dever cumpre-se desde que exista uma declaração a exprimir um discurso que pretenda justificar a decisão, independentemente de esse arrazoado». (VIEIRA DE ANDRADE, O dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, páginas 11-13).
Apenas a falta de fundamentação formal constituirá vício de forma.
A falta de fundamentação substancial, por incorrecção ou falta de prova dos pressupostos de facto ou o erro de direito, consubstanciará vício de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito.
Neste sentido, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-09-2011, proferido no processo n.º 0494/11:
O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos nesse discurso fundamentador não ser suficiente para retirar a conclusão que aí se retirou, isto é, ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correção efetuada, é matéria que não contende com a fundamentação formal do acto, mas sim com a fundamentação substancial, que pode levar à procedência da impugnação por força dos vícios de violação de lei que foram invocados.
Com efeito, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exatidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. É que, como adverte SÉRVULO CORREIA ("Noções de Direito Administrativo", I, pág. 403.), «a fundamentação pode ser inexata e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do acto. Deste modo, a inexatidão dos fundamentos não conduz ao vicio de forma por falta de fundamentação. Ela pode sim revelar a existência de outros vícios, como o vicio de violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, ou (...) por erro nos pressupostos de facto» (...)".
No caso em apreço, a Requerente imputa às liquidações impugnadas vícios de falta de fundamentação formal e falta de fundamentação material, como se vê pelo artigo 39.º do pedido de pronúncia arbitral, em que refere:
39. E, assim, a inspeção não deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, questão que se situa no âmbito da validade formal do ato; nem o facto invocado para tributação à taxa normal (a falta de indicação das verbas no ficheiro) é suficiente para legitimar a concreta atuação administrativa, o que se situa já no âmbito da validade substancial do ato.
3.2.2. Vícios de falta de fundamentação formal e material
A exigência de fundamentação dos actos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que «carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».
Concretizando o conteúdo da fundamentação no procedimento tributário, o artigo 77.º, n.º 1, da LGT que estabelece a regra geral de que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( )
Assim, para a fundamentação ser considerada suficiente basta que sejam perceptíveis as razões por que se decidiu no sentido em que se decidiu.
Mas, por força do disposto no n.º 2 do referido artigo 77.º da LGT, «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
Nos casos em que as liquidações são precedidas de inspecção tributária, na fundamentação inclui-se a que consta do Relatório da Inspecção Tributária, se a entidade que as emitiu não manifestou divergência face às conclusões do relatório, como decorre do artigo 63.º, n.º 1, do RCPITA.
No caso em apreço, percebe-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou as correcções subjacentes às liquidações impugnadas porque concluiu que os bens que constam doas anexos i e ii ao Relatório da Inspecção Tributária não se enquadravam nas verbas constantes das Listas I e II anexas ao CIVA.
Mas, percebe-se também que tal conclusão foi formada sem análise das características dos produtos, pois ela não consta do Relatório da Inspecção Tributária, e que as razões para a Autoridade Tributária e Aduaneira afastar tal enquadramento não foram as características dos produtos, mas apenas a falta «do enquadramento efetuado pelo próprio sujeito passivo quando os sujeitou às taxas reduzida ou intermédia bem como as fichas que os caracterizam, o que até à data de elaboração do presente relatório».
Foi perante tal falta que a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que «considera-se que, pelos elementos de que dispomos, os bens em crise não estão abrangidos pelas verbas constantes das Listas l e II anexas ao Código», sendo esses elementos de que dispunha apenas os que a Requerente «facultou, para cada um dos bens comercializados às taxas reduzida ou intermédia, a categoria em que os mesmos se encontram».
Assim, percebem-se as razões que levaram a Autoridade Tributária e Aduaneira a concluir que os bens referidos nos anexos i e ii ao Relatório da Inspecção Tributária não se enquadravam nas das Listas l e II anexas ao Código e deveria ter sido tributados à taxa máxima de IVA, pelo que não ocorre o vício de falta de fundamentação formal.
Mas, verifica-se manifestamente o vício de falta de fundamentação material, pois o enquadramento ou não dos produtos referidos naquelas listas depende das suas características e não do enquadramento que lhes deu o sujeito passivo e a insuficiência de elementos de prova dessas características, que até poderia ser suprida se a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse diligenciado no sentido de obter as fichas a que alude e que sabia que a Requerente possua, não é razão para, sem mais, lhes aplicar a taxa máxima.
Pelo exposto, as liquidações impugnadas enfermam e vício de falta de fundamentação material, que constitui vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.3. Questão do apuramento do IVA «por dentro»
A Requerente defende, em suma, que, à face da jurisprudência do TJUE (acórdãos 24-10-1996, no Processo C-317/94, de 22-11-2018, no Processo C-295/17, e de 01-07-2021, no Processo C-521/19), do artigo 49.º do CIVA e do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 162/99, de 13 de Maio, «a base tributável e o imposto devido são determinados por dentro, partindo sempre do valor pago pelo consumidor final, que já não pode ser alterado, e o IVA a apurar (seja à taxa normal ou reduzida) tem de conter-se no preço final exigido e suportado pelo consumidor final e que consubstancia a despesa sujeita a imposto».
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que
– a jurisprudência do TJUE invocada pela Requerente se aplica a situações em que não houve qualquer menção a IVA nas facturas ou em casos de fraude, em que não houve prévia fixação do preço sem IVA;
– o artigo 49.º do CIVA aplica-se a «casos em que a facturação ou o seu registo sejam processados por valores, com imposto incluído»;
– «se a AT aplicasse a tese da Requerente, estaria a confirmar a conduta da Requerente que, ao praticar um preço de mercado inferior por ter desonerado os bens de parte do IVA, se colocou em situação concorrencialmente mais vantajosa em relação a outros operadores que tenham aplicado as taxas corretas».
Como diz a Requerente, o TJUE tem vindo a decidir que, nos casos em que houve falta de cobrança do IVA devido, este seja deduzido do montante que o sujeito passivo efectivamente recebeu do seu cliente.
Assim, no citado acórdão do TJUE proferido no de 22-11-2018, no Processo C-295/17, refere-se o seguinte:
55 Por outro lado, dado que o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final, o valor tributável do IVA a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contraprestação efetivamente paga pelo consumidor final, sobre a qual foi calculado o IVA que recai em definitivo sobre esse consumidor (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs, C 317/94, EU:C:1996:400, n.º 19).
56 Por isso, há que acrescentar, para todos os efeitos úteis e como a advogada geral salientou no n.º 55 das suas conclusões, que, se for necessário, caberá às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente.
No mesmo sentido, essencialmente, decidiu o TJUE nos seguintes acórdãos: de 24-10-1996, processo C-317/94 Elida Gibbs, n.º 19; de 15-10--2002, Comissão/Alemanha, processo n.º C-427/98, n.º 30, de 16-10-2003, Yorkshire Co-operatives, processo C-398/99, n.º 19.
Esta jurisprudência foi recentemente reiterada pelo TJUE no acórdão de 15-04-2021, processo n.º C-846/19, EQ, em que se afirma:
93 No que respeita, por outro lado, à hipótese, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de o prestador ter realizado prestações de serviços sem cobrança do IVA de que era devedor, e de não estar em condições de recuperar junto de quem pagou essas prestações o IVA posteriormente exigido pela administração tributária, há que considerar, se essa hipótese se concretizar, que as remunerações recebidas a esse título pelo prestador de serviços incluem já o IVA devido, pelo que a cobrança do IVA é compatível com o princípio de base da Diretiva IVA segundo o qual o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin, C 249/12 e C 250/12, EU:C:2013:722, n.ºs 34, 42 e 43).
E, como diz a Requerente, ainda mais recentemente, o TJUE decidiu, no acórdão de 01-07-2021, processo n.º C-521/19, aplicar esse regime mesmo nos casos de fraude, se os sujeitos passivos não tiverem a possibilidade de fazer repercutir e deduzir ulteriormente o IVA em causa:
A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, nomeadamente os seus artigos 73.º e 78.º, lidos à luz do princípio da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), deve ser interpretada no sentido de que, quando os sujeitos passivos do IVA, por meio de fraude, não indicaram a existência da operação à Administração Tributária, não emitiram fatura nem incluíram os rendimentos gerados por ocasião desta operação numa declaração a título de impostos diretos, deve considerar-se que a reconstituição, no âmbito da inspeção de tal declaração, dos montantes pagos e recebidos durante a operação em causa levada a cabo pela Administração Tributária em causa é um preço que já inclui o IVA, a menos que, nos termos do direito nacional, os sujeitos passivos tenham a possibilidade de fazer repercutir e deduzir ulteriormente o IVA em causa, não obstante a fraude.
No caso em apreço, é manifesto que a Requerente não tem possibilidade de fazer repercutir nos clientes o IVA em falta, pelo que, aplicando esta jurisprudência, tem de se concluir que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por violarem o princípio da neutralidade, que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.
3.4. Questões sobre a correcta aplicação das taxas reduzidas de IVA
O conhecimento destas questões está prejudicado pela solução dada à questão da falta de fundamentação.
Na verdade, não foi por razões relativas às características do produtor que a Autoridade Tributária e Aduaneira decidiu queles não eram enquadráveis nas listas I e II anexas ao CIVA e, como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no citado acórdão de 04-10-2017, proferido no processo n.º 406/13, é irrelevante para aferir a legalidade das liquidações a fundamentação que consta da decisão da reclamação graciosa.
Por isso, seria inútil a decisão da causa apreciar essas questões, pelo que não se toma delas conhecimento em sintonia com o preceituado nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
3.5. Juros compensatórios
As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as respectivas liquidações de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam estas, justificando-se também a sua anulação.
3.6. Decisão da reclamação graciosa
A decisão da reclamação graciosa, nas partes em que manteve as liquidações enfermam dos mesmos vícios que afectam estas, justificando-se também a sua anulação.
4. Juros indemnizatórios
A Requerente pede juros indemnizatórios.
Como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que a Requerente tivesse efetuado o pagamento da quanta liquidada.
Assim, não tendo sido feita prova do pagamento, aqueles pedidos têm de ser julgados improcedentes, sem prejuízo dos eventuais direitos a reembolso e juros indemnizatórios poderem ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir, quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (artigo 609.º, n.º 2, do CPC e 61.º, n.º 2, do CPPT).
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade da reclamação graciosa, nas partes em que manteve as liquidações;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às questões de legalidade das liquidações, nas partes que não foram revogadas na reclamação graciosa;
c) Anular a decisão da reclamação graciosa
d) Anular as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:
e) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos juros indemnizatórios, sem prejuízo de o respectivo direito poder ser reconhecido à Requerente em execução de julgado.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 280.582,00, atribuído pela Requerente ao requerer a constituição do Tribunal Arbitral, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 17-01-2022
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Cristina Aragão Seia)
(Rui Miguel Zeferino Ferreira)