Sumário:
O n.º 12 do artigo 67.º do Código do IRC, na redação da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, não considerava como gastos de financiamento líquidos, para efeitos desse artigo, os juros relativos a contratos swap de taxas de juro.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., Lda., com o número único de matrícula e de pessoa colectiva..., com sede em ..., n.º ... -..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2021..., e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2021..., em que se apurou um montante a pagar de € 335.743,25, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma empresa imobiliária que para a prossecução da sua actividade necessita de recorrer ao financiamento bancário para a concretização e desenvolvimento dos seus projetos imobiliários.
Com a crise financeira mundial, a Requerente decidiu aderir aos contratos de swap de taxa de juro, que lhe foram propostos pelos seus bancos financiadores, como forma de permitir à empresa limitar a sua exposição aos juros bancários, dentro de limites pré-fixados.
Os swaps relativos a taxas de juro são um dos instrumentos financeiros derivados enumerados no artigo 2º do Código de Valores Mobiliários, cuja definição consta do parágrafo 5 da NCRF 27 e a que se refere o artigo 49º do CIRC.
A liquidação impugnada resultou de uma ação de inspecção tributária realizada ao exercício de 2016, em que se procedeu à correcção relativa a gastos de financiamento líquidos, no montante total de € 2.258.199,26, que se considerou excederem os limites legais de dedutibilidade previstos nos termos do artigo 67º, nº 1, do Código do IRC, e que incluía juros de contratos de swap de taxa de juro, no montante de € 1.554.327,39, e que à data dos factos não relevavam para o limite de dedutibilidade referido artigo 67º, nº 1, do Código do IRC, por não integrarem a noção legal de gastos de financiamento, que apenas foi consagrada, para esse efeito, no nº 12 desse artigo, na redação dada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
A norma não tem, por outro lado, natureza interpretativa, pelo que o ato de liquidação viola o princípio da legalidade e os princípios constitucionais da segurança e da certeza jurídica e da proibição da retroactividade em matéria fiscal.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta, em síntese, que o n.º 8 do artigo 67.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12 (renumerado como n.º 12 na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), ao referir que, para efeitos da limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento, consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente os diversos tipos de juros aí mencionados, pretende incluir, na interpretação da Circular N.º 7/2013, os instrumentos financeiros de cobertura de operações de endividamento, como é o caso de contratos de swap de taxa de juro, que satisfazem todos os requisitos para uma tal qualificação na medida em que esses gastos, resultando do diferencial das taxas de juros permutadas em resultado da evolução desfavorável da taxa de juro, estão relacionados com o próprio financiamento.
Nesse sentido, entende que a melhor interpretação da norma do n.º 12, do art.º 67.º, na redacção em vigor em 2016, é a de que os gastos com instrumentos financeiros derivados, designadamente, com os contratos de swap de taxa de juro com a natureza de instrumentos de cobertura de endividamento, cabem na definição de “gastos de financiamento líquidos”.
Conclui pela improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 7 de Dezembro de 2021, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas, por não haver novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 26 de Outubro de 2021.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é uma empresa cuja actividade consiste na construção e administração de bens imóveis próprios, compra e venda de bens imóveis, bem como a revenda de imóveis adquiridos para esse fim, urbanização de lotes para construção e prestação de serviços relativos à actividade imobiliária;
B) Encontra-se enquadrada em IRC no regime geral de tributação de rendimentos;
C) A Requerente celebrou contratos swap de taxas de juros com os seus bancos financiadores para limitar a sua exposição aos juros bancários, dentro de limites pré-fixados;
D) Os gastos com os juros dos contratos swap totalizaram, em 2017, o valor de € 1.554.327,39, registados na conta 69.8.8.8.8 da contabilidade da Requerente;
E) A Requerente suportou em 2017 gastos de financiamento líquido no total de € 2.258.199, 26 montante esse que incluiu o valor dos custos com juros nocionais decorrentes dos contratos de swap;
F) A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva incidente sobre o exercício de 2016, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2019..., que teve por objectivo verificar a coerência dos valores inscritos nas declarações relativas a IRC e IVA e o cumprimento do disposto no Código do IRC, designadamente no que se refere ao tratamento fiscal dos gastos de financiamento líquidos;
G) O Relatório de Inspecção Tributária apurou um EBITDA de € 3.592.308,43, e, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do CIR, considerou um limite de dedutibilidade de gastos de financiamento líquido, em 2017, de 30% do EBITDA, correspondente a € 1.077.692,53;
H) O Relatório determinou uma correcção tributária relativa a gastos de financiamento líquidos não dedutíveis, no valor de € 1.180.506,73, que corresponde à diferença entre o total dos gastos de financiamento líquidos (€ 2.258.199,26) e o limite de dedutibilidade de gastos (€ 1.077.692,53);
I) No montante total de € 2.258.199,26, estão compreendidos os juros de contratos de swap de taxa de juro no montante de € 1.554.327,39;
J) O Relatório de Inspecção Tributária, que aqui se dá como reproduzido, na parte relevante, é do seguinte teor:
“III.1.2 – Âmbito do conceito de gastos de financiamento
Sobre o conceito e âmbito de gastos de financiamento líquidos e na sequência da publicação da Lei do Orçamento para 2013 (Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro) já a AT se pronunciara na Circular nº 7/2013 do gabinete do Director Geral, no sentido da inclusão dos gastos relativos a instrumentos financeiros derivados, clarificando no seu ponto 2 alínea f):
“os rendimentos ou gastos relativos a um instrumento financeiro designado como instrumento de cobertura de um endividamento do sujeito passivo devem ser considerados no cômputo dos “gastos de financiamento líquidos” no período de tributação em que concorrem para a formação do lucro tributável.”
De tudo o que se expôs, os gastos com swaps de taxa de juro encontram-se incluídos na previsão normativa do nº 12 do artº 67º do Código do IRC, na redação aplicável a 2017, pelo que se irá proceder em conformidade, e de modo idêntico ao que já se tinha efectuado no exercício anterior.
III.1.3 – Apuramento dos Gastos de financiamento líquidos não dedutíveis
Posto isto, há que analisar o montante de Gastos de Financiamento Líquidos que se encontra contabilizado e compará-lo com os limites do n.º 1 do artigo 67.°, considerando ainda o estabelecido pelo regime transitório (que sendo de 30% é igual ao limite da alínea b) do nº 1). Caso esse montante seja superior a € 1.000.000,00 ou 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, Gastos de Financiamento Líquidos e impostos (EBITDA apurado na contabilidade e corrigido nos termos do n.º 13, se aplicável), o excesso não concorre para a formação do lucro tributável do período de 2017, conforme se segue:
a) EBITDA obtido na contabilidade - Corresponde ao campo A5017 do quadro 03-A do anexo A da IES = € 3.592.308,43
b) Gastos de financiamento suportados - consta da contabilidade e corresponde ao campo A5022 do quadro 03-A do anexo A da IES = € 2.292.046,03
c) Juros e rendimentos similares obtidos - consta da contabilidade e corresponde ao campo A5022 do quadro 03-A do anexo A da IES = € 687,50
d) Gastos de financiamento suportados não aceites fiscalmente - consta da contabilidade e está incluído no campo 728 do quadro 07 da Declaração Modelo 22 = € 33.159,27 (trata-se de juros de mora e compensatórios, relevados na conta SNC 69185)
e) Gastos de Financiamento Líquidos = € 2.258.199,26 (€2.292.046,03 - € 687,50 - €33.159,27)
f) 30% de €3.592.308,43= € 1.077.692,53
g) Os Gastos de Financiamento Líquidos são dedutíveis até ao maior dos seguintes limites: € 1.000.000,00 ou € 1.077.692,53, pelo que releva este último.
h) Os Gastos de Financiamento Líquidos não dedutíveis correspondem à diferença entre € 2.258.199,26 e € 1.077.692,53, ou seja, € 1.180.506,73.
Do exposto conclui-se que não é dedutível para efeitos da determinação do lucro tributável do exercício de 2017 o valor de € 1.180.506,73, correspondente aos Gastos de Financiamento Líquidos que excedem os limites fiscalmente aceites nos termos do n.º 1 do artigo 67.° do Código do IRC, em conjugação com o disposto no regime transitório estabelecido pelo n.º 2 do artigo 192.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e mantido pelo n.º 7 do artigo 12.° da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.”
J) A correcção tributária originou a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2021..., no valor total de € 516.031,54, que constitui o documento n.º 1 junto ao pedido arbitral;
L) Em 11 de Junho de 2021, a Requerente procedeu ao pagamento do imposto devido.
M) O pedido arbitral deu entrada em 17 de Junho de 2021.
Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.
Matéria de direito
5. A única questão em debate traduz-se em saber se os gastos com instrumentos financeiros derivados, e, em especial, os resultantes de contratos de swap de taxa de juro, poderiam ter sido considerados para efeitos do limite de gastos de financiamento ao abrigo do artigo 67º, n.º 12, do CIRC.
A Requerente entende que a correcção efetuada pelos serviços inspectivos, relativa a gastos de financiamento líquidos, incluía juros de contratos de swap de taxa de juro, que no período de tributação em causa (2017) não relevavam para o limite de dedutibilidade referido artigo 67º, nº 1, do CIRC, por não integrarem a noção legal de gastos de financiamento, que apenas foi consagrada, para esse efeito, no nº 12 desse artigo, na redação dada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de maio.
Em contraposição, a Autoridade Tributária defende que o n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, vigente à data dos factos, e segundo a interpretação vertida na Circular n.º 7/2013, de 19 de Agosto, ao englobar nos gastos de financiamento “as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros ...”, permite inferir que aí se encontram incluídos os instrumentos financeiros de cobertura de operações de endividamento, como é o caso de contratos de swap de taxa de juro, a que se refere a alínea f) da Circular, sob a epígrafe “instrumentos financeiros derivados”.
Vindo a concluir que, segundo a melhor interpretação da norma do n.º 12 do art.º 67.º, na redação vigente em 2016, os gastos com instrumentos financeiros derivados, designadamente, com os contratos de swap de taxa de juro com a natureza de instrumentos de cobertura de endividamento, cabem na definição de “gastos de financiamento líquidos”.
Sendo esta a questão a decidir, importa ter presente o referido n.º 12 do artigo 67.º, na redação da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, vigente no período de tributação a que se refere a correcção tributária, e que é do seguinte teor:
“Para efeitos do presente artigo, consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza.”
Essa disposição começou por ser introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, correspondendo ao n.º 8 desse artigo 67.º, entretanto renumerado como n.º 12 por efeito das alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, e foi mantida pela Lei n.º 82-/2014, de 31 de Dezembro.
Entretanto, a Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, desdobrou o n.º 12 em duas alíneas e na alínea a), que corresponde ao antigo corpo do n.º 12, aditou ao conjunto de situações que se consideram gastos de financiamento “os montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou de mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos obtidos”.
A Lei n.º 32/2019 pretendeu transpor para a ordem jurídica nacional a Diretiva (EU) 2016/1164, do Conselho, de 12 de julho, que reforça as regras contra práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno. E é essa mesma Diretiva que, no seu artigo 2.º, parágrafo 1), define como gastos com empréstimos obtidos, “os montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou de mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos contraídos por uma entidade”.
Por outro lado, como se depreende do considerando (5) da Diretiva, a referência aos “juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados” teve em vista contribuir para o objetivo de evitar a erosão das bases tributáveis e a transferência de lucros para fora do mercado interno, especialmente no domínio da limitação à dedutibilidade de juros.
Resulta ainda da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 177/XIII, que originou a Lei n.º 32/2019, que houve o propósito de concretizar, na sequência da Diretiva, alterações ao Código do IRC em vários aspectos da tributação das empresas e, em especial, nas limitações à dedutibilidade dos juros (cfr. alínea i)), que acrescenta ainda o seguinte:
A presente proposta de lei propõe, assim, alterações ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), começando por, em matéria de limitação da dedutibilidade de gastos de financiamento, ajustar apenas a definição de «gastos de financiamento líquidos», visto que o regime consignado no artigo 67.º do Código do IRC, que estabelece que os gastos de financiamento líquidos apenas concorrem para a determinação do lucro tributável até ao montante de 1 milhão de euros ou, quando superior, até ao montante que corresponder a 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, já se afigura estar, nos restantes aspectos, em conformidade com o previsto na Diretiva (UE) 2016/114 e até com maior exigência do que esta no que respeita à possibilidade de reporte dos gastos que não sejam dedutíveis por força da aplicação deste regime e da parte do limite que não seja utilizada.
Como tudo indica, a Lei n.º 32/2019, ao efetuar a transposição para o direito interno da Diretiva (EU) 2016/1164, pretendeu reajustar a definição de gastos de financiamento, aditando, entre outras, a referência aos “juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados”, na linha do entretanto estabelecido no artigo 2.º, parágrafo 1), da Diretiva, entendendo o legislador que, noutros aspectos, o regime consignado no artigo 67.º do Código do IRC já se encontrava em conformidade com o previsto no direito europeu.
Por tudo o que antes se expôs, torna-se claro que os juros no âmbito de instrumentos derivados apenas foram qualificados como “gastos de financiamento”, para efeito dos limites à dedutibilidade previstos no artigo 67.º do CIRC, com a nova redação dada ao n.º 12 desse artigo pela Lei n.º 32/2019.
Nem seria possível extrair diferente conclusão com base no advérbio “designadamente”, que já constava da precedente redação desse n.º 12, na medida em que uma enumeração não taxativa da norma, como parece sugerir a sua utilização, não permite ao intérprete um juízo casuístico sobre o que se entende por gastos de financiamento, o que poderia colocar em causa o próprio princípio da tipicidade da lei do imposto. Pretende-se que o imposto, quanto aos seus principais elementos, seja desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar, nem para a discricionariedade administrativa. Uma tal determinação constitucional funciona assim como uma garantia dos contribuintes, no ponto em que procura criar um quadro legal rigoroso, colocando os sujeitos passivos do imposto a coberto de uma interpretação administrativa variável e porventura menos publicitada (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 695/14).
É nesse sentido de determinabilidade, que corresponde a uma aceção material do princípio da legalidade fiscal, assente na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, que poderá falar-se na tipicidade legal no plano fiscal. E a tipicidade não é aplicável apenas quando esteja em causa a incidência do imposto, mas também as regras que permitem a determinação da matéria coletável.
Como é de concluir, a não dedutibilidade de juros relativos a contratos swap de taxas de juro, com referência ao exercício de 2016, quando não se encontrava previsto, a essa data, a sua inclusão como gastos de financiamento, para efeitos do disposto no artigo 67.º do CIRC, é ilegal por violação do disposto no n.º 12 desse artigo, na redação dada pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, então vigente.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
6. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato tributário de liquidação de IRC n.º 2021 ... na parte em que desconsidera a dedutibilidade de juros de contratos swap de taxas de juros;
b) Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
Fixa-se o valor da causa em € 335.743,25 , que corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar e constitui o valor atendível para efeitos de custas, segundo o critério fixado no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 5.814,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2021,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Manuel Lopes Faustino
O Árbitro vogal
Marcolino Pisão Pedreiro