Sumário
I - A forma processual adequada à apreciação de uma decisão de revisão que tem por objeto um ato de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é a impugnação judicial, nos termos dos artigos 78.º, n.º 3, da LGT e 97.º, n.º 1, alínea b), do CPPT.
II - Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º do CPPT, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais, "com fundamento em qualquer ilegalidade", e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, é insuscetível de fazer-se, por via indireta, essa impugnação com fundamento em ilegalidade na sequência da notificação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.
III - Os atos de avaliação de valores patrimoniais têm natureza de atos destacáveis.
IV - Não enferma de erro imputável aos serviços a liquidação de IMI que se baseia no valor patrimonial que consta da matriz predial no dia 31 de Dezembro do ano a que se reporta o imposto.
V - A utilidade prática da revisão com fundamento em injustiça grave ou notória verifica-se apenas após o decurso do prazo da reclamação administrativa, precisamente quanto a atos que não podem ser impugnados com fundamento em qualquer ilegalidade ou em erro imputável aos serviços.
VI - Como decorre do n.º 7 do artigo 78.º da LGT, a revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória pode ser efetuada a pedido do contribuinte e, neste caso, pode ser efetuada após o prazo de três anos, pois o pedido do contribuinte interrompe o prazo inicial, contando-se um novo prazo a partir da apresentação do pedido.
VIII - A revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória é imperativa, verificados que sejam os respetivos requisitos, pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever.
IX - Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação dos coeficientes de localização, qualidade e conforto e de afetação.
X - É "grave" a injustiça gerada com avaliações erradas de que resultou agravamento indevido do IMI a pagar, isto é, resultou uma liquidação ilegal de imposto superior ao legalmente devido, independentemente do respetivo montante.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A sociedade A..., S.A., pessoa coletiva n.º ... com sede na ..., n.º ..., ...-... LISBOA (doravante a “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e as liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que dele foram objeto com vista à anulação (parcial) dos atos tributários do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.ºs 2016..., 2016..., 2016 ... (Ano de 2016), 2017..., 2017..., 2017 ... (Ano de 2017), 2018..., 2018... e 2018 ... (Ano de 2018).
2. A Requerente pede ainda o reembolso do imposto que considera indevidamente pago (€ 55.383,46) acrescido de juros indemnizatórios.
3. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”) ou "Requerida".
4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05-07-2021.
5. Em 23-08-2021, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do signatário como Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 11.º do RJAT.
6. Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 10-09-2021.
7. Em 10-09-2021 foi proferido despacho arbitral concedendo à Requerida, nos termos legais, o exercício do contraditório.
8. A AT apresentou tempestivamente RESPOSTA onde defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com base em que o ato de fixação do VPT é um auto autónomo ou destacável, não podendo ser apreciado em sede de impugnação do ato de liquidação do imposto que tem por base o VPT fixado no dia 31 de dezembro do ano a que o imposto diz respeito.
9. A AT requereu igualmente que, atenta a natureza e circunstâncias do processo, fosse dispensada de apresentar o PA.
10. Por despacho de 16-10-2021 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
II. Saneamento
11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
12. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.
13. A cumulação de pedidos é legal, nos termos do disposto no artigo 104.º do CPPT, por se mostrarem verificados os respetivos pressupostos.
14. É deferido o requerimento da AT para a dispensa da apresentação do PA, desde logo porque o presente pedido de decisão arbitral é deduzido com fundamento em indeferimento tácito do pedido de revisão da matéria tributável apresentado pela Requerente e, consequentemente, não foram ali aduzidas quaisquer considerações de direito que aqui devessem ser tidas em conta, bem como, quanto à matéria de facto, não existir qualquer controvérsia, sem prejuízo das consequências legais da sua não apresentação.
15. O processo não enferma de nulidades.
III. Matéria de facto
III.1. Factos provados
16. Consideram-se provados os seguintes factos:
a) Em 31-12-2016, 31-12-2017 e 31-12-2018, datas em que, relativamente a cada um dos anos, se verificou o correspondente facto tributário nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 1, do CIMI, a Requerente era proprietária dos seguintes terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana:
i. da União de Freguesias de ... e ..., sob os artigos U-..., U-..., U-... e U-...;
ii. da Freguesia de... e..., sob o artigo U...;
iii. da União das Freguesias de ... (... e ...), sob o artigo U-...;
iv. da Freguesia de ..., sob o artigo U-...;
v. da Freguesia de ..., sob o artigo U-...;
vi. da Freguesia de ..., sob o artigo U-...;
vii. da União das Freguesias de ... e ..., ... e ..., sob o artigo U-...;
viii. da União das Freguesias de ... (...), ... e ..., sob os artigos U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-...;
ix. da Freguesia de ..., sob o artigo U-...;
x. da Freguesia de ..., sob os artigos U-... e U-...;
xi. da União das Freguesias de ... e ..., sob o artigo U-..., apenas relativamente a 31-12-2018;
xii. da União das Freguesias de ... e ..., sob o artigo U-...;
xiii. da Freguesia de ..., sob os artigos U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-...;
xiv. da Freguesia de..., sob o artigo U-...
b) A Requerente foi notificada das Liquidações de IMI n.ºs:
i. 2016..., 2016..., 2016..., relativas ao ano de 2016 e cuja liquidação ocorreu em 2017, com o valor total de € 7.770.618,52, igual à soma do valor das 3 prestações pagas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do CIMI (Doc. 2, 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
ii. 2017..., 2017..., 2017 ... relativas ao ano de 2017 e cuja liquidação ocorreu em 2018, com o valor total de € 7.033.778,23, igual à soma do valor das 3 prestações pagas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do CIMI (Doc. 5, 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
iii. 2018..., 2018 ... e 2018 ... relativas ao ano de 2018 e cuja liquidação ocorreu em 2019, com o valor total de € 5.958.863,72, igual à soma do valor das 3 prestações pagas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do CIMI (Doc. 9, 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
c) Em conformidade com o Doc. 15, que a seguir se reproduz, elaborado pela Requerente de acordo com os valores de reavaliação do VPT dos terrenos para construção por ele pedida após a nova redação dada ao artigo 45.º do Código do IMI pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, juntos sob o Doc. 13 que aqui também se dá como integralmente reproduzido:
i. Do referido valor global do IMI liquidado em 2017 por referência ao ano de imposto de 2016 (€ 7.770.618,52), a importância de € 82.858,49 respeita exclusivamente aos terrenos para construção de que a Requerente era proprietário e resultam da aplicação das taxas de IMI em vigor no ano de 2016 nos concelhos da respetiva localização, sobre os VPT a 31-12-2016, de acordo com o quadro que segue:
ii. Do referido valor global do IMI liquidado em 2018 por referência ao ano de imposto de 2017 (€ € 7.033.778,23), a importância de € 92.356,54 respeita exclusivamente aos terrenos para construção de que a Requerente era proprietário e resultam da aplicação das taxas de IMI em vigor no ano de 2016 nos concelhos da respetiva localização, sobre os VPT a 31-12-2017, de acordo com o quadro que segue:
iii. Do referido valor global do IMI liquidado em 2019 por referência ao ano de imposto de 2018 (€ 5.958.863,72), a importância de € 92.360,09 respeita exclusivamente aos terrenos para construção de que a Requerente era proprietário e resultam da aplicação das taxas de IMI em vigor no ano de 2016 nos concelhos da respetiva localização, sobre os VPT a 31-12-2018.
d) Na avaliação dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana em nome da Requerente, a Requerida aplicou os coeficientes de afetação, de localização e/ou de qualidade e conforto nos termos legais vigentes na respetiva data;
e) Na reavaliação dos terrenos para construção inscritos em seu nome na matriz predial urbana pedida pela no mês de abril de 2020, a Requerida já não aplicou aqueles coeficientes (Doc. 14), o que se refletiu, para menos, no VPT dos terrenos para construção reavaliados;
f) Todavia, a AT, não corrigiu oficiosamente as liquidações anteriores de IMI, já efetuadas, mormente as relativas aos anos de 2016, 2017 e 2018;
g) A Requerente apresentou, em datas compreendidas entre 1 de março e 31 de abril de 2020, nos serviços de finanças competentes dos concelhos de localização dos terrenos para construção de que era proprietário, a declaração mod. 1 para efeitos de reavaliação dos imóveis;
h) A procedeu ao pagamento integral das liquidações referidas (Doc. 16);
i) A Requerente apresentou, no dia 23/02/2021, um pedido de revisão oficiosa no qual suscitou diversas questões de ilegalidade dos referidos atos tributários e solicitou a revisão dos mesmos e, em consequência, a anulação parcial das Liquidações referidas (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
j) O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 23-06-2026, e a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo em 02-07-2021
III.2 Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
17. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela à p.i.
18. A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo, embora tenha pedido dispensa da sua apresentação, que foi deferida, mas sem preclusão das consequências legais (artigo 84.º, n.º 6 do CPTA) cominadas para a falta de apresentação.
IV. Matéria de direito
19. A Requerente vem impugnar os atos de liquidação de IMI dos anos de 2016, 2017 e de 2018, invocando a competência deste Tribunal para apreciar o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, o que a AT não contestou, a tempestividade do pedido que a AT contestou embora não em impugnação por exceção de caducidade e que, por isso, será matéria a apreciar autonomamente e com fundamento em erros dos atos de fixação (VPT) dos prédios sobre que incidiu o imposto.
20. Vejamos, pois, seguidamente, as questões a apreciar.
IV.1 Da tempestividade do pedido
21. A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a caducidade do pedido de pronúncia arbitral por, em suma, os atos de liquidação de IMI impugnados serem de 2016, 2017 e 2018, as avaliações do VPT subjacentes às liquidações impugnadas já não estarem em vigor por terem sido realizadas há mais de cinco anos e o pedido ter sido apresentado em 2021, para além do prazo de 90 dias contado da data dessas mesmas avaliações, previsto no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT.
22. Ora, de acordo com a jurisprudência fixada na Decisão Arbitral n.º 487/2020-T, de 10-05-2021, à qual se adere, transcreve-se, nessa parte, o seguinte:
Nesta norma (artigo 10.º, n.º 1, do RJIT) estabelece-se o seguinte:
1 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:
a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;
Como se vê, nesta norma prevêem-se, por remissão para o artigo 102.º do CPPT, vários termos iniciais do prazo de apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral.
Na alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, prevê-se como termo inicial desse prazo a «formação da presunção de indeferimento tácito».
No caso em apreço, em que são impugnados actos de liquidação na sequência de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa, é da sua formação que se conta o prazo para apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral (sublinhado nosso).
23. O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 23-02-2021, sendo de 4 meses o prazo necessário para a formação de indeferimento tácito, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.
24. Por isso, o indeferimento tácito formou-se em 23-06-2021.
25. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 02-07-2021, no 8.º subsequente à formação de indeferimento tácito e, portanto, dentro do prazo legal.
26. Logo, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado tempestivamente.
27. Assim, o pedido é tempestivo e deve ser apreciado.
IV.2. Das liquidações impugnadas
IV.2.1. Questão da possibilidade de impugnar liquidações de IMI com fundamento e vícios de atos de fixação de valores patrimoniais
28. Deve, em primeiro lugar, esclarecer-se se os vícios de atos de avaliação de valores patrimoniais podem se invocados em impugnação de atos de liquidação de IMI que os têm como pressuposto.
29. A AT defende o seguinte, em suma:
a) O tribunal arbitral está limitado pelo princípio do pedido, vide art.º 609.º/1 do Código de Processo Civil aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT;
b) “O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, a quem incumbe dizer com precisão o que pretende do tribunal, que efeito jurídico quer obter com a ação”;
c) Assim, importa em primeiro lugar delimitar com exatidão o âmbito do pedido de pronúncia arbitral tal como a o configura;
d) A Requerente vem pedir a anulação das liquidações impugnadas com base na impugnação do Valor Patrimonial Tributário (VPT), nomeadamente erros na fórmula de cálculo que foi utilizada pela AT para efeitos de determinação dos VPT dos Terrenos para Construção;
e) Face à delimitação do pedido, coloca-se desde logo a questão de saber se estamos perante atos destacáveis, ou seja, atos autonomamente impugnáveis;
f) Os atos de fixação do VPT, regulados no artigo 134.º do CPPT visam determinar a base tributável de imóveis, ou seja, determinam o valor de imoveis que posteriormente servirá de base à liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), do Adicional ao IMI (AIMI) ou Impostos Municipal sobre a Transmissão de Imóveis (IMT);
g) Ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação;
h) São atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis;
i) Aliás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da LGT;
j) Ao estabelecer a sindicância direta destes atos, qualificando-os como atos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação da liquidação;
k) Sendo assim, não é nem legal nem admissível a apreciação da correção do VPT em impugnação do ato de liquidação, uma vez que nesta sede há-de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.
30. Este entendimento da Requerida é correto. Neste sentido se pronunciou a Decisão Arbitral já mencionada (e outras entretanto proferidas, nomeadamente, a proferida no Processo 41/2021-T, de 27-07-2021) e que estamos a seguir e que, na sua Resposta, a citou, embora parcialmente. Transcreve-se, pois, nessa parte, a referida decisão arbitral:
Na verdade, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos e directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».
Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que
– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e
– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).
Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento meios de revisão previsto no procedimento de avaliação.
No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).
Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).
Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.
Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.
Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).
A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
– de 30-06-1999, processo n.º 023160 ( ):
– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;
– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;
– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12 ( )
– de 5-2-2015, processo n.º 08/13;
– de 13-7-2016, processo n.º 0173/16;
– de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.
Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI.
Os princípios constitucionais invocados pela Requerente, designadamente os princípios da legalidade tributária, da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da igualdade, não contendem com tal regime de impugnação autónoma dos actos de avaliação de valores patrimoniais.
Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS ( ), IRC ( ) e Imposto do Selo ( ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.
Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.
O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).
Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2020, actos de avaliação praticados entre 2012 e 2015 (como se vê pelas cadernetas prediais junta pela Requerente ao pedido de revisão oficiosa), muito depois do prazo legal de impugnação de três meses.
Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.
Por isso, em princípio, as liquidações de IMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios.
31. Nos presentes autos, o VPT que serviu de base às liquidações impugnadas resultou de avaliações efetuadas, conforme os casos, em 2009, 2011, 2012, 2013, 2016, 2017 e 2018, de harmonia com as cadernetas prediais juntas à p.i. sob o documento 12, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
32. Não obstante, e embora não seja normal a impugnação de atos de liquidação com fundamento em vícios dos atos de avaliação de valores patrimoniais, os n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, «com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».
33. Por isso, invocando a Requerente que «qualquer erro nos pressupostos de facto e / ou de direito do qual resulte um erróneo cálculo dos valores patrimoniais dos imóveis sobre os quais incide o acto tributário de liquidação de IMI e que, consequentemente, faz com que seja determinado um montante de imposto superior ou inferior ao legalmente devido nos termos das normas do Código de IMI, constitui um vício que determina a anulabilidade desse mesmo ato tributário» - artigo 82.º da p.i. - e sustentando a sua posição no Acórdão de TCAS, de 31 de outubro de 2019, processo n.º 2765/12.BELRS que sufraga o entendimento de que é admissível o pedido de revisão oficiosa, verificados os respetivos pressupostos, por via do qual, e por erro imputável aos serviços, sejam conhecidos os vícios que afetam o VPT, a forma de determinação da matéria coletável para efeitos de determinar a coleta de IMI, conclui-se que, no caso dos autos, resultou uma coleta em IMI superior àquela que seria devida nos termos legais, o que é igualmente suscetível de configurar uma injustiça grave ou notória nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 4, da LGT.
IV.2.2. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa das liquidações ao abrigo do CIMI e do n.º 1 do artigo 78.º da LGT
34. Continuando a seguir a Decisão Arbitral já identificada, a que reiteramos a adesão, transcreve-se, seguidamente, o que a propósito da admissibilidade de revisão oficiosa das liquidações ao abrigo do CIMI e do n.º 1 do artigo 78.º da LGT ali se escreveu:
Antes de mais, há que esclarecer que não estão reunidos os requisitos da revisão oficiosa ao abrigo do CIMI e do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
A Requerente invoca com fundamento de revisão oficiosa a alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do CIMI, que estabelece o seguinte:
Artigo 115.º
Revisão oficiosa da liquidação e anulação
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:
(...)
c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;
Como resulta do teor expresso deste artigo 115.º, ele reporta-se a revisão oficiosa de actos de liquidação de IMI e não a actos de avaliação de valores patrimoniais.
Para além disso, como estas normas especiais são aplicáveis «sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária», a possibilidade de revisão oficiosa está limitada pelas condições aí indicadas, designadamente a de que, quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efectuada se existir erro imputável aos serviços.
No caso em apreço, os actos de liquidação de IMI, em si mesmos, não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita».
35. Assim, tendo as liquidações sido efetuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes em 31-12-2016, 31-12-2017 e 31-12-2018, não há erros da Administração Tributária ao efetuar as liquidações e, por isso, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa não enferma de ilegalidade.
IV.2.3. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais ao abrigo dos n.ºs 3 e 4 do artigo 78.º da LGT
36. Continuando a seguir o entendimento arbitral já referido, transcreve-se o que nele, sobre a admissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais ao abrigo dos n.ºs 3 e 4 do artigo 78.º da LGT, foi escrito:
A possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI.
Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão.
O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte:
Artigo 78.º
Revisão dos actos tributários
1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2. Revogado.
3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.
Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as dos n.ºs 1 e 6 reportam-se a actos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1).
Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º se reportam a actos de fixação da matéria tributável, categoria em que se integram os actos de fixação de valores patrimoniais. Na verdade, no âmbito do IMI, os actos de fixação dos valores patrimoniais são os actos que fixam a matéria tributável.
Assim, é apenas dentro do condicionalismo previsto nestes n.ºs 4 e 5 se pode aventar a possibilidade revisão oficiosa.
Apesar de neste n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo:
– «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»; ( )
– «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos». ( )
Por outro lado, a limitação de competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao conhecimento de pedidos de declaração de ilegalidade de actos para que é adequado o processo de impugnação judicial, não é obstáculo à apreciação do cumprimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira do dever de efectuar a revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave e notória, pois, como também esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo, «a forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do acto de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78º nº 3 da LGT e 97º nº 1 al. b) do CPPT)». ( )
Nestas situações em que erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes actos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».
Por outro lado, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no citado acórdão de 17-12-2021, a previsão da autorização como excepcional, não afasta o «poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».
a) Tempestividade do pedido de revisão oficiosa
37. O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º.
38. Os «três anos posteriores ao do ato tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário.
39. O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 23-02-2021, facto provado documentalmente e que reúne o acordo das partes.
40. Quanto à liquidação relativa ao ano de 2016, emitida em 04-03-2017, a «revisão da matéria tributável» já não podia ser autorizada em 2021, pois os três anos posteriores ao do ato terminaram mais 31 de Dezembro de 2020.
41. Por isso, tendo a revisão oficiosa sido pedida apenas em 23-02-2021, tem de se concluir que o indeferimento tácito do pedido se justifica, quanto à liquidação de 2016, por intempestividade.
42. No que concerne às liquidações relativas aos anos de 2017, emitida em 08-03-2018, e de 2018, emitida em 31-05-2018, quando a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa, em 23-02-2021, ainda poderia ser dada pelo dirigente máximo do serviço autorização para «revisão da matéria tributável».
43. Em conformidade com o exposto, no que diz respeito às liquidações relativas aos anos de 2017 e 2018, o pedido de revisão oficiosa não é intempestivo, pelo que tem de se apreciar se se verificam os restantes requisitos legais.
b) Exigência de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte
44. A propósito deste requisito legal de procedência do pedido de revisão, escreveu-se na Decisão Arbitral a que aqui se adere:
A fixação da matéria tributável foi efeituada pela Administração, com base numa fórmula prevista na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente tem fornecido qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela Requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente.
c) O erro imputado pela Requerente à fixação de valores patrimoniais relativo à aplicação de coeficientes aplicáveis a prédios edificados
45. A propósito deste requisito legal de procedência do pedido de revisão, escreveu-se na Decisão Arbitral a que aqui se adere:
O erro que a Requerente imputa à fixação de valores patrimoniais é o de ter aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados.
O artigo 45.º do CIMI, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro) é a seguinte:
Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12)
O artigo 42.º, para que remete o n.º 3 deste artigo 45.º, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 42.º
Coeficiente de localização
(...)
3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:
a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
c) Serviços de transportes públicos;
d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º
Como bem diz a Requerente, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, que
I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).
II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto
Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:
«O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:
(…)
Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.
Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.
Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado, mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.
A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.
Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.
A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.
A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38 com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.
É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos, mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.
O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I. (…)
Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.
Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto (parece ser o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso se faz referência a uma moradia unifamiliar (vide fls.48 a 56)) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.
Como se expressou no acórdão deste STA a que supra fizemos referência
(…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.
Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados (…).
Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros».
Esta jurisprudência foi posteriormente reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, entre vários outros, pelos acórdãos seguintes acórdãos:
– de 05-04-2017, processo n.º 01107/16 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»);
– de 28-06-2017, processo n.º 0897/16 («II – Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»).
– de16-05-2018, processo n.º 0986/16 («O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;
– de 14-11-2018, processo n.º 0133/18 («No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»;
– 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17 («os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).»
– de 13-01-2021, processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17 («Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».
46. De acordo com esta jurisprudência, considera-se que a avaliação dos terrenos para construção devia ter sido efetuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação.
47. Adotando tal fundamento, tem de se concluir que a fixação de valores patrimoniais dos prédios supra identificados, porque tiveram em conta os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação, enferma dos erros que a Requerente lhes assaca, que são exclusivamente imputáveis à Administração Tributária que praticou os atos de avaliação.
d) Injustiça grave ou notória
48. O último requisito da revisão oficiosa ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o de o apuramento da matéria tributável integrar o conceito de «injustiça grave ou notória».
49. O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que «para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».
50. Aqueles requisitos não são cumulativos, mas alternativos, como se depreende do uso da conjunção «ou» pelo que basta a verificação de um deles para a procedência da revisão oficiosa.
51. No caso em apreço, afigura-se ser manifesta a natureza «grave» da injustiça gerada com as erradas avaliações, pois (mesmo sem considerar os efeitos da errada majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do CIMI), uma vez que, independentemente do seu montante, foi liquidado imposto superior ao devido, degenerando a diferença em imposto indevido e, portanto, ilegal.
e) Conclusão
52. Com base na fundamentação anterior, não podem deixar de ter-se por verificados todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que, em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Requerida deveria ter efetuado a revisão e anulado parcialmente as liquidações relativas aos anos de 2017 e 2018, mas apenas estas, uma vez que quanto ao ano de 2016, o pedido de revisão oficiosa é manifestamente intempestivo.
53. Termos em que se justifica a anulação do indeferimento tácito, na parte respeitante às liquidações de IMI relativas aos exercícios de 2017 e 2018, bem como a anulação parcial destas liquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
V. Questão de conhecimento prejudicado
54. Do exposto resulta a inviabilidade de anulação da liquidação relativa ao ano de 2016 e a procedência do pedido anulação parcial relativo aos anos de 2017 e 2018.
55. Sendo esta anulação baseada em vícios que obstam à renovação da liquidação com o mesmo conteúdo, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC).
56. No entanto, vem alegada, pela, a inconstitucionalidade "da norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção" (artigo 98.º da p.i.).
57. Sublinha-se, em primeiro lugar, que a fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade das normas jurídicas, onde se incluem as normas jurídicas tributárias, significa, tendo em conta o disposto no artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa, que todos os tribunais, seja qual for a sua categoria (artigo 209.º) exercem fiscalização, a qual implica «apreciação» e não simplesmente «não aplicação», pelo que este Tribunal é competente para o efeito.
58. Não obstante, e acompanhando a lição de JORGE MIRANDA - O Regime de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal, CJP - Instituto de Ciências Jurídico-Políticas / CIDP - Centro de Investigação de Direito Público - não pode deixar de se ter em conta que "a questão da inconstitucionalidade só pode e só deve ser conhecida na medida em que haja um nexo incindível entre ela e a questão principal objeto do processo, entre ela e o feito submetido a julgamento".
59. Ora, a norma cuja inconstitucionalidade vem questionada é a norma que estabelece o regime de avaliação de terrenos para construção, no Código do IMI, e não uma norma atinente ao regime de liquidação do imposto.
60. Neste processo, discute-se, em substância - dir-se-ia, mesmo, exclusivamente -, a legalidade da(s) liquidação(ões).
61. Se poderia conceber-se a existência do nexo incindível entre a questão da inconstitucionalidade e a impugnação direta do regime de avaliação dos terrenos para construção nos termos do Código do IMI, o mesmo se não pode dizer que exista esse mesmo nexo incindível entre a questão da inconstitucionalidade relativa ao regime de avaliação dos terrenos para construção nos termos do Código do IMI e a impugnação direta da liquidação de imposto, que só indiretamente tem aquele na base.
62. Nestes termos, o Tribunal abstém-se de conhecer da invocada inconstitucionalidade
VI. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios
63. A Requerente pagou as quantias liquidadas e pede o reembolso das que considera indevidamente pagas, no total de € 55.383,46, acrescidas de juros indemnizatórios.
64. Como antes se deixou expresso, o pedido de pronúncia arbitral apenas procede quanto ao IMI indevido dos anos de 2017 e 2018, nos montantes de, respetivamente, € 18,692,84 e € 18.885,46, que somam € 37.578,30, quantificação que não é contestada pela Requerida.
65. Assim, como consequência da anulação parcial da liquidação relativa aos anos de 2017 e de 2018, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 37.578,30.
66. Sobre juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece-lhes o direito quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
67. O pedido de revisão do ato tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 0402/06.
68. Também se refere no mesmo acórdão que, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».
69. No caso que aqui se decide, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
70. Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 23-02-2021, pelo que apenas a partir de 24-02-2021 haverá direito a direito a juros indemnizatórios, pois o pedido não foi apreciado.
71. Os juros indemnizatórios devem, pois, ser contados com base em valor de € 37.578,30, desde 24-02-2022, caso até lá não seja feito o reembolso, até à integral devolução do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
VI. Decisão
De harmonia com o exposto, este Tribunal decide:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular parcialmente:
i. a liquidação de IMI relativa ao ano de 2017, datada de 31-05-2018, com o n.º 2017 ... (bem como as respetivas notas de cobrança n.ºs 2017..., 2017... e 2017..., juntas sob os doc. 5, 6 e 7 à p.i. e não contestadas), quanto ao valor de € 18,692,84;
ii. A liquidação de IMI relativa ao ano de 2018, datada de 31-05-2018, com o n.º 2018 ... (bem como as respetivas notas de cobrança n.ºs 2018..., 2018 ... e 2018..., juntas sob os doc. 8, 9 e 10 à p.i. e não contestadas), quanto ao valor de € 18.885,46;
c) Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso quanto aos valores de € 18,692,84 e de € 18.885,46, e condenar a Requerida a efetuar o seu pagamento;
d) Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente contados com base nos valores de € 18,692,84 e € 18.885,46, desde 24-02-2022, se antes não forem efetuados, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva;
e) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte restante e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos respetivos pedidos.
VII. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se em € 55.383,46, o valor do processo.
VIII. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 32,15% e a cargo da Requerida na percentagem de 67,85%, na proporção do correspondente decaimento.
Lisboa, 12-01-2022
O Árbitro Singular
(Manuel Faustino)