Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 259/2021-T
Data da decisão: 2022-01-25  IRC  
Valor do pedido: € 117.746,10
Tema: IRC - Tributações autónomas; Despesas não documentadas; Art. 88.º do CIRC. Ónus da prova.
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SUMÁRIO          

I.             A inexistência dos meios financeiros evidenciados na conta #11-Caixa, conjugada com a não contabilização de qualquer saída, configura um caso de despesas não documentadas, enquadrável no artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC.

II.            Não sendo demonstrados pelo contribuinte erros no lançamento das suas disponibilidades monetárias a débito na conta #11-Caixa, passíveis de abalar a credibilidade dos correspondentes registos contabilísticos, deve assumir-se que, conforme contabilizado, tais valores chegaram a ingressar na sua esfera patrimonial.

III.          Tendo sido constatada a divergência entre o saldo de caixa e os meios financeiros disponíveis, cabia ao contribuinte o ónus de provar as saídas de valores da empresa e evitar a incidência de tributação autónoma.

IV.          A explicação normal para meios financeiros que deviam estar num património deixarem de estar é a de que saíram desse património. Esta presunção (natural), derivada da experiência comum, não foi afastada ou sequer abalada pelo sujeito passivo.

V.           Quando os sujeitos passivos, incumprindo os seus deveres declarativos, omitem a contabilização das saídas de caixa, é inviável a determinação da data da saída de caixa, pelo que terá de recorrer-se como indicador supletivo à data da contagem física de Caixa.

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Manuela Roseiro e Victor Calvete, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., LDA., doravante “Requerente”, pessoa coletiva número..., com sede no..., ..., ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações subsequentes.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade e anulada a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º ..., de 2019, no valor de 96.478,92€, incluindo o valor de 1.417,11€ (1.198,03€ + 219,08€) de juros compensatórios, conforme Demonstração de Liquidação de Juros nºs. 2020 ... e 2020..., de que resultou a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 ..., em que foi apurado o montante a pagar de 117.746,10€, com juros compensatórios incluídos (considerando que a liquidação a inicial de 2019 tinha um valor de reembolso no montante de 21.267,18€). Pede igualmente o pagamento de juros indemnizatórios.

 

Em 30 de abril de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 16 de Junho de 2021, não manifestaram vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 6 de julho de 2021.

 

Em 27 de Setembro de 2021, a Requerida apresentou a Resposta e juntou o processo administrativo (“PA”). Defende-se por impugnação, concluindo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

 

Por despacho de 4 de outubro de 2021 foi fixada a data de inquirição de testemunhas para 27 de outubro, data subsequentemente alterada para 4 de novembro.

 

Nessa audiência foi determinada a apresentação de alegações facultativas e sucessivas, fixando-se como prazo para prolação da decisão arbitral a data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT. A Requerente foi ainda advertida em relação ao pagamento prévio da taxa arbitral subsequente.

 

A Requerente apresentou as suas alegações em 10 de novembro de 2021, tendo a Requerida apresentado as suas alegações em 24 de novembro de 2021, nas quais remeteu para a sua Resposta.

 

Em 3 de janeiro de 2022 foi proferido despacho de prorrogação, por dois meses, do prazo para a prolação da Decisão Arbitral, decorrente da tramitação processual (com produção de prova testemunhal), da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

III.1.       DE FACTO

 

III.1.1.   FACTOS PROVADOS

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)            A Requerente é uma sociedade comercial por quotas com o capital social de 100.000,00€, com dois sócios, marido e mulher, detentores, em 2019, de quotas de 74.000,00€ e 26.000,00€, respetivamente  (cf. Relatório de Inspeção Tributária relativo ao período de tributação de 2019 (“RIT”), junto aos autos com o PA e pela Requerente como documento 4);

b)           A Requerente tem por objeto principal a atividade de restauração tradicional, iniciada em 1990, inscrita sob o CAE 56101 e, bem assim, diversas atividades hoteleiras secundárias (cf. RIT);

c)            Em Assembleia Geral da Requerente, realizada em 31 de Março de 2019, a fim de apreciar e aprovar as contas do exercício económico do ano de 2018, foi proposto e aprovado que o resultado de 312.439,82€ transitasse para o período seguinte, em conta de resultados transitados. As contas da Requerente foram aprovadas pelos sócios, sem qualquer menção à existência de créditos daquela sobre estes (cf. ata n.º 16 constante do PA);

d)           Na sequência do despacho nº DI20190..., emitido em 05/12/2019, a Direção de Finanças de Faro iniciou uma ação de inspeção externa referente ao exercício de 2019 da Requerente, com a finalidade de verificar o saldo de caixa, o que foi executado no estabelecimento da Requerente no ..., no dia 9 de Dezembro de 2019, com a presença do sócio gerente (cf. RIT);

e)           Da contagem dos valores em caixa resultou o apuramento do montante de 976,30€, em numerário, o que atendendo que o valor do saldo contabilístico era, nessa data, de 233.634,35€, resultou numa diferença de 232.657,97€ (cf. RIT);

f)            Com fundamento na necessidade de análise de saldos e da entrega da declaração modelo 22 referente ao ano de 2019, e nos sucessivos adiamentos de prazos para cumprimento de obrigações fiscais, ocorridos por causa da crise pandémica, sucederam-se duas prorrogações de prazo de procedimento inspetivo (cf. PA);

g)            Entre janeiro e março de 2020, o sócio-gerente procedeu a transferências para a Requerente no valor total de 261.450,00€ (cf. documentos 15, 16, 17 e 18 juntos pela Requerente), tendo declarado que as mesmas se destinavam, em parte, a regularizar a dívida registada na conta de sócios 2682501, que, em 31 de dezembro de 2019, apresentava um saldo devedor (a favor da sociedade) de 168.706,16€, e, noutra parte, para amortização de empréstimos obtidos por via de caixa;

h)           Em 30 de junho de 2020, os sócios da Requerente reuniram em Assembleia Geral (ata número 18), onde aprovaram as contas e resultados de 2019, assim como o saldo devedor da conta sócios 278 no montante de 260.000,00€ devido a levantamentos que os sócios declararam terem vindo a efetuar a “título de empréstimo”, situação que se comprometiam a regularizar, deliberando a redução do saldo devedor através de transferência para a conta 2682501 do saldo de prestações suplementares, registadas nas contas 53.1.01 e 53.1.02, no montante de 43.397,82€ (cf. PA e documento 19 junto pela Requerente);

i)             Com referência a 30 de junho de 2020, foi transferido o saldo da conta caixa, no montante de 233.373,00€, para a conta de outros devedores 27.8.1.2.02 – A... cf. documento 21 junto pela Requerente);

j)             Em 5 de agosto de 2020, a Requerente foi notificada para juntar documentos de contabilidade e ficheiro SAFT-T, relativos ao exercício de 2019 (cf. PA);

k)            Em 16 de outubro de 2020 os sócios da Requerente outorgaram uma escritura de confissão de dívida em que declararam ter retirado da caixa social, entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020, mediante retiradas parciais, o montante de 260.000,00 € que agora se encontram consignados na verba contabilística 27.8. Declaram também que irão pagar esse capital em dívida no prazo de 20 anos, em prestações anuais a partir de 2021, incluindo juros à taxa Euribor acrescida de 1,5% (cf. PA e documento 23 junto pela Requerente);

l)             Na sequência do procedimento externo acima referido, foi emitida a Ordem de Serviço Interna n.º OI2020..., de 21 de outubro de 2020, parcial, de IRC, abrangendo o período de tributação de 2019, e emitido, em 28 de outubro de 2020, o Projeto de Correções (“PRIT”), que foi notificado à Requerente, contendo a proposta de tributação da diferença de saldo de caixa apurada, no valor de 232.657,97€, à data da contagem – 09/12/2019 –, a título de tributação autónoma, à taxa de 50%, apurando imposto em falta de 116.328,99€ (232.657,97€), ao abrigo do disposto no artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC (cf. RIT);

m)          A Requerente exerceu o direito de audição em 9 de novembro de 2020 e manifestou a sua discordância em relação aos argumentos invocados pela AT no Projeto de Correções do Relatório de Inspeção, enviando os seguintes documentos, respeitando os dois primeiros a atos supervenientes ao período de tributação inspecionado (cf. PA):

i)             Ata de assembleia geral da Requerente número 18, de 30 de junho de 2020;

ii)            Escritura de confissão de dívida, de 16 de outubro de 2020;

iii)           Extrato da conta Caixa do ano 2018;

n)           O projeto de relatório de inspeção foi convolado em definitivo, em 26 de novembro de 2020, e notificado à Requerente, com a manutenção das correções propostas, constando do mesmo os fundamentos seguidamente transcritos (cf. RIT):

“III.  DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

 

A presente ação teve início em 09/12/2019 a coberto do 012019..., com a finalidade de uma contagem de caixa, que se efetivou no estabelecimento do SP, sito na Rua ..., em ..., na presença do Sócio-Gerente ... .

O valor em caixa foi apurado pelas 14:30 horas e totalizou € 976,38, conforme Auto de Declarações (anexo I). Em Terminal de Pagamento Automático constavam € 13,00 e o SP, na pessoa do Sócio-Gerente, declarou ter retirado € 3,50 do valor em caixa para a aquisição de jornais, tendo exibido a respetiva fatura simplificada.

Após a entrega da declaração Modelo 22 de IRC do ano de 2019, foram disponibilizados para análise os elementos contabilísticos do SP, nomeadamente ficheiro SAF-T da contabilidade, documentos de suporte aos registos contabilísticos e extratos bancários.

Procedeu-se à verificação dos registos da contabilidade referentes aos movimentos da conta “111 — Caixa A”, de modo a apurar o saldo contabilístico referente ao dia e hora da contagem

Através do ficheiro SAF-T da contabilidade, verificou-se que, no final do dia anterior à contagem (dia 07/12/2019, uma vez que não houve qualquer movimento no dia 08/12/2019), o saldo contabilístico da conta “111 – Caixa A” era de € 234.616,80 (em anexo 2) No entanto, a este valor, há que descontar os valores recebidos por TPA até aquele dia, uma vez que os movimentos respeitantes a esta forma de pagamento estão registados de uma só vez pela totalidade do mês, em 31/12/2019 (lançamento n.º 1P12 – Banco B...). Isto significa que o saldo contabilístico da conta “111 – Caixa A”, em 07/12/2019, inclui valores que afinal foram pagos através de TPA e não com numerário, Através do Extrato de Fecho de TPA do Banco B... foi possível apurar que, até aquela data, os recebimentos através de TPA totalizaram € 1.027,75. Assim, o saldo contabilístico correto da conta “111 – Caixa A”, em 07/12/2019, é de € 233.589,05 (€ 234.616,80 – € 1.027,75.

Considerando que no dia 09/12/2019, até à hora da contagem, o SP faturou e recebeu de clientes o valor de € 61,80, sendo € 13,00 através de TPA, e retirou € 3,50 para pagamento de despesa, o saldo que deveria constar em caixa totaliza € 233.634,35 (€ 233.589,05 + € 61,80 - € 13,00 - € 3,50).

Atendendo a que na contagem física foi apurado um valor de € 976,38, estamos perante uma divergência de € 232.657,97 (€ 233.634,35 – € 976,38).

Importa referir que apenas se conseguirá apresentar uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados das operações da empresa se se registarem na contabilidade todos os seus movimentos. É o que decorre da alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do Código do IRC e do próprio Sistema de Normalização Contabilística.

Em relação à diferença apurada, não existe qualquer documento de suporte que possibilite a comprovação da existência de eventuais gastos. Trata-se assim de movimentos contabilísticos não efetuados, com enquadramento nas despesas não documentadas, porque não é comprovada a existência efetiva das mesmas.

Nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC “...as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%...”

Uma vez que a diferença apurada no valor de € 232.657,97 não se encontrava efetivamente em caixa à data da contagem, conclui-se que houve saídas de fluxos financeiros no mesmo montante, sem que exista qualquer documento de suporte. Deste modo, atendendo ao que foi anteriormente exposto, deverá o montante de € 232.657,97 ser tributado autonomamente à taxa de 50%, apurando-se, no exercício de 2019, imposto em falta no valor de € 116.328,99 (€ 232.657,97 x 50%).

[…]

IX – DIREITO DE AUDIÇÃO

O SP foi notificado, através do ofício n.º ... de 28/10/2020, nos termos do artigo 232º do Código de Processo Civil, do projeto de relatório para exercício do direito de audição, conforme definido no artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).

Em 10/11/2020 foi rececionada nesta Direção de Finanças o exercício do direito de audição do SP, através do seu mandatário, Dr. C..., que será apreciado de seguida.

Refere o SP que a divergência apurada entre a conta de Caixa e a contagem física corresponde a valores que foram levantados ao longo dos tempos pelo sócio, a título de empréstimo (mútuo) e que se encontravam indevidamente lançados na conta Caixa. Refere ainda que esta situação foi corrigida na acta n.º 18 da Assembleia Geral realizada a 30/06/2020, na qual os sócios se comprometem a regularizar o empréstimo no futuro. Em 16/10/2020 foi realizada uma escritura pública “que formalizou os referidos levantamentos a título de empréstimo (mútuo) e a confissão da respetiva dívida dos sócios à sociedade”.

O SP refere que se trata de um erro contabilístico e que nunca poderia ter a natureza de despesas não documentadas. Além disso o saldo da conta Caixa já vinha influenciado pelos valores que transitaram do exercício de 2018 e que já correspondiam aos referidos levantamentos efetuados pelos sócios.

O SP considera que “o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa”, a qual carece de ser identificada. A AT não demonstrou a efetiva existência de uma dada despesa em concreto, ónus que recai sobre a AT nos termos do artigo 74.º da LGT. Refere ainda o SP que despesas não documentadas referem-se “a uma saída de dinheiro da empresa, um pagamento suportado sem que se conheça o respetivo beneficiário ou natureza, origem ou finalidade dessa mesma despesa.” “No caso em apreço conhecem-se os beneficiários das saídas financeiras da sociedade que ocorreram a favor dos seus sócios a título de empréstimos que lhe foram efetuados”.

O SP considera ainda “manifestamente ilegítimo presumir” “que a despesa presumida ocorreu no próprio dia da contagem de caixa”.

Relativamente ao que foi alegado refira-se que, nos termos do n.º 3 do artigo 17.º do CIRC, a contabilidade deve: “a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade; b) Refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes”.

O exercício de 2018 encontra-se encerrado e as sua contas foram devidamente aprovadas em Assembleia Geral pelos sócios da sociedade em 31/03/2019 através da Acta Número 16, sem que haja qualquer referência ao saldo da conta Caixa ou aos alegados empréstimos da sociedade aos sócios que, a ser assim, não poderiam desconhecê-los.

Só com a contagem física dos valores em caixa efetuada em 09/12/2019 foi detetada uma diferença que não se encontrava na posse do SP. Por este motivo considera-se que e saída de valores ocorreu no período compreendido entre 01/01/2019 e a data da contagem.

Uma regularização à posteriori, como a que aconteceu com a elaboração de uma ata em 30/06/2020 e de uma escritura em 16/10/2020, carece de credibilidade e não reflete as operações efetivas na sociedade.

No que se refere à falta de efetiva existência de uma despesa em concreto, o próprio SP confirma não só a divergência de valores apurada entre a contagem efetiva dos valores em caixa e o saldo contabilístico da conta Caixa, como fornece a explicação de que se tratou de uma saída efetiva de valores monetários do património da sociedade. É, desta forma, consensual que se verificou um dispêndio, no sentido de uma saída de meios financeiros, ou como refere no ponto 16º do direito de audição “um desembolso financeiro ou um exfluxo de meios financeiros”.

A AT satisfez o ónus ao identificar a falta de correspondência, que o SP não nega, entre os registos contabilísticos da conta Caixa e a realidade que encontrou no decurso do procedimento de inspeção, que acarreta necessariamente que tenham ocorrido saídas de meios financeiros que não foram contabilizadas, sem se saber o seu destino, preenchendo os pressupostos tipificados na norma de incidência de tributações autónomas.

O enquadramento desta situação como passível de configurar um caso de despesas não documentadas não resulta já da aplicação de uma norma de inversão do ónus da prova (presunção do artigo 74.º da LGT), mas da falta de preenchimento de um requisito legal – formal – por parte do SP e da não satisfação do ónus que sobre si impendia de demonstrar o destino e a finalidade das saídas de fundos verificadas.

Note-se que o n.º 1 do artigo 88.º do CIRC não faz depender a tributação autónoma da relevação contabilística como gastos das despesas não documentadas, prevendo apenas que, sendo esse o caso, a não dedutibilidade dos gastos, nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b), seja compatível com a tributação autónoma.

Interessa ainda recordar que os conceitos de despesa e de gasto não são sinónimos, nem do ponto de vista contabilístico, nem na perspetiva fiscal que, para além da relação de dependência parcial do IRC relativamente à contabilidade expressa no artigo 17.º do Código deste imposto, confere aos gastos um tratamento específico, conforme resulta da análise dos seus artigos 23.º e 23.º-A.

As despesas são saídas de recursos financeiros ou dispêndios pecuniários de uma entidade ou organização e podem referir-se a gastos ou a outras realidades, como, por exemplo, a investimentos. Ou seja, há despesas que não são relativas a (ou qualificáveis como) gastos. E, por outro lado, se em regra os gastos supõem um desembolso financeiro, i.e., uma despesa, tal não significa que não existam múltiplos gastos que não têm associada qualquer despesa, pelo menos diretamente, como as depreciações e amortizações, as perdas por imparidade ou as provisões, entre muitas outras.

A hipótese de incidência constante do artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC sujeita a tributação autónoma as “despesas” e não os “gastos”, sem prejuízo de o mesmo dispêndio poder preencher em simultâneo os dois conceitos, de despesa e de gasto. Como afirmado naquela norma, o facto de a despesa não ser considerada como gasto fiscalmente dedutível ao abrigo do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b) do Código do IRC (que determina a não dedução, como componente negativa do lucro tributável, das despesas não documentadas) não prejudica a tributação autónoma.

A tributação autónoma das despesas não documentadas, traduz-se numa medida anti-abuso, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011, de 12 de janeiro de 2011, Processo n.º 204/2010, que passamos a citar: «A lógica fiscal do regime [não consideração como custo — o que agora não se coloca — e tributação autónoma] assenta na existência de um presumível prejuízo para a Fazenda Pública, por não ser possível comprovar, por falta de documentação, se houve lugar ao pagamento do IVA ou de outros tributos que fossem devidos em relação às transações efetuadas, ou se foram declarados para efeitos de incidência do imposto sobre o rendimento os proventos que terceiros tenham vindo a auferir através das relações comerciais mantidas com o sujeito passivo do imposto. Para além disso, a tributação autónoma, não incidindo diretamente sobre um lucro, terá ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de ilicitude penal ou de menor transparência fiscal».

Importa ainda referir que a exigência de que o beneficiário das despesas não seja conhecido nem cognoscível não resulta da lei contemporânea (artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC) que, por recomendação da OCDE, deixou de acolher o conceito de despesas confidenciais. A lei atual, com uma função dissuasora e sancionadora de determinados comportamentos, basta-se com a saída de fundos gerados pela atividade da empresa para fins conhecidos ou desconhecidos, mas sem suporte documental.

A interpretação efetuada pelo SP apenas teria aderência em relação à noção, mais restrita, de despesas confidenciais que deixou de ser aplicável a partir da sua eliminação do texto legal, pela Lei do Orçamento de Estado para 2008. Não é, assim, exigível, nem constitui atributo do conceito de despesas não documentadas, o desconhecimento do beneficiário das mesmas.

Relativamente ao momento da ocorrência das despesas não documentadas, como já foi referido, estando as contas de 2018 encerradas e aprovadas pelos sócios sem que exista qualquer referência a eventuais empréstimos (mútuos) a sócios, só com a contagem física dos valores em caixa efetuada em 09/12/2019 foi detetada uma diferença que não se encontrava na posse do SP. Por este motivo considera-se como momento de saída o período compreendido entre 01/01/2019 e a data da contagem.

Face ao exposto, considera-se que os argumentos apresentados pelo SP no decurso do prazo pare o exercício do direito de audição não são suscetíveis de alterar os pressupostos que estiveram na base da elaboração do projeto de relatório, mantendo-se a tributação proposta.

[…]”.

o)           O valor do saldo da conta caixa tinha sido de €74.866,22 em 2016, €116.267,14 em 2017 e €149.040,86 em 2018 (cf. documentos 7, 8 e 9 juntos pela Requerente);

p)           Foi emitido e notificado à Requerente o ato tributário de liquidação de IRC n.º ..., referente ao período de 2019, de 14/12/2020, no valor de 96.478,92€, incluindo juros compensatórios no montante de 1.417,11€ (1.198,03€ + 219,08€), conforme Demonstração de Liquidação de Juros nºs. 2020 ... e 2020 ..., resultando no valor global (de imposto e juros) a pagar de 117.746,10€ (considerando que a liquidação inicial de 2019 tinha um valor de reembolso no montante de 21.267,18€), com data limite de pagamento de 02/02/2021, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2020 ... (cf. documentos 1, 2 e 3 juntos pela Requerente);

q)           O referido valor de 117.746,10€ foi pago pela Requerente em 10/03/2021 (cf. documento 24 junto pela Requerente);

r)            A Requerente foi objeto de uma outra ação inspetiva externa iniciada em final de 2020, referente aos exercícios de 2018 e 2019, tendo sido notificada em 18 de março de 2021 do respetivo projeto de Relatório, em que se propuseram correções tributárias, com fundamento na falta de retenção na fonte de imposto, a título de rendimento sujeito a IRS, correspondente a montantes de transferências bancárias ocorridas entre a sociedade e o sócio gerente e outra sociedade dos mesmos sócios (cf. documento 13 junto pela Requerente);

s)            Inconformada com a liquidação de IRC (tributação autónoma) e de juros compensatórios acima identificada, que constitui o objeto da presente ação arbitral, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 28/04/2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

 

III.1.2.   FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não se provaram os factos alegados nos artigos 19.º a 21.º, 24.º a 27.º, 32.º a 36.º e 43.º, designadamente:

 

a)            Que o montante contabilizado na conta Caixa da Requerente em 2019 fosse fictício e resultasse de incorreções – erros ou irregularidades contabilísticas – fundadas no erro ou omissão de lançamentos de empréstimos aos sócios, não correspondendo a efetivas disponibilidades financeiras na posse da Requerente (19.º a 21.º e 24.º a 26.º) ;

b)           Que se tratasse de incorreções acumuladas provenientes de exercícios anteriores (1.º e 20.º;

c)            Que eventuais despesas não documentadas, a terem ocorrido, seriam imputáveis, em grande medida, a períodos passados, não podendo o saldo da conta Caixa corresponder a montantes saídos no ano 2019 sem documentação (19.º, 20.º, 21.º, 25.º, 26.º);

d)           Que tivesse sido retirado dinheiro da caixa da Requerente pelos sócios a título de empréstimo “com a intenção de o devolver à sociedade” (27.º, 32.º, 33.º, 36.º e 43.º em relação ao saldo da conta caixa); 

e)           O destino das verbas que faltavam em caixa em 2019 e o momento em que as mesmas foram retiradas (33.º, 36.º e 43.º na parte relativa ao saldo de caixa).

 

Com relevo para a decisão não foram identificados outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

III.1.3.   FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

O depoimento das testemunhas, D..., contabilista certificado da Requerente, e E..., técnico de contabilidade que executava os lançamentos contabilísticos da Requerente no dia a dia, não apresentaram especial relevo, pois não manifestaram conhecimento direto das razões que originaram a discrepância entre o saldo da conta caixa e o saldo efetivo, desconhecendo o destino concreto que foi dado aos fundos. Indicaram apenas, de forma genérica, que os montantes eram retirados pelo sócio gerente, para pagamento de obrigações pessoais, sem, no entanto, saberem, por não terem sido informados, quais as despesas concretas a que se destinaram e em que momento ocorreram.

 

Refira-se que a primeira testemunha deu conta de que, só podendo efetuar movimentos na contabilidade da empresa com base em documentos comprovativos, registava cheques, transferências, ou ordens de pagamento da sociedade para o sócio na respetiva conta, mas não podia fazê-lo quando as verbas saíam em dinheiro, sendo que boa parte da faturação da sociedade se fazia em numerário, sendo toda ela registada como proveitos.

 

Quanto ao depoimento da segunda testemunha, além de não ter confirmado a hipótese do empréstimo, deixou mesmo no ar a ideia distinta de que a retirada de dinheiro da caixa podia corresponder a uma antecipação da distribuição de lucros.

 

                III.2. DE DIREITO

 

III.2.1. Delimitação do thema decidendum

 

A questão central que se discute nos presentes autos diz respeito à legalidade da liquidação adicional de IRC a título de despesas não documentadas, fundada na divergência entre os valores contabilisticamente registados na conta caixa, e os valores aí efetivamente encontrados.

 

Subsequentemente, estará em causa a relevância a conferir aos diversos atos jurídicos e materiais que intentaram documentar, a posteriori, a concessão de empréstimos ao seu sócio gerente.

 

III.2.2. Posição da Requerente

 

A fundamentar o pedido de declaração de ilegalidade, a Requerente invoca, em síntese, o seguinte:

 

i)             Inexistência, por falta de demonstração, do facto tributário, i.e., omissão de identificação das despesas indocumentadas supostamente realizadas, do respetivo montante e da sua imputação ao período de tributação de 2019, verificando-se, em consequência, erro nos pressupostos de facto e de direito (artigo 74.º da LGT);

ii)            Inadequada descrição e interpretação dos factos, com o consequente erro na quantificação e qualificação do facto tributário;

iii)           Carácter fictício do valor contabilístico registado em caixa;

iv)           Desconsideração dos princípios da especialização dos exercícios e da periodização do lucro tributável (artigos 8.º e 18.º do CIRC);

v)            Violação dos princípios da justiça material (artigo 5.º, n.º 2 da LGT), da proporcionalidade (artigos 55.º da LGT e 46.º do CPPT), da tributação do rendimento real (104.º da CRP) e do inquisitório e da verdade material (artigos 58.º da LGT e 50.º do CPPT);

vi)           Omissão do recurso a métodos de avaliação indireta (artigo 87.º da LGT), pois a AT limitou-se a presumir despesas indocumentadas da inexistência de numerário na caixa social;

vii)          A título subsidiário, apenas seria tributável o acréscimo do saldo de caixa ocorrido de 2018 para 2019, pois suscitar-se-ia a fundada dúvida quanto ao tempo e quantificação do facto tributário quanto ao valor do saldo daquela conta a 31 de dezembro de 2018, que justificaria a anulação da liquidação na parte correspondente (artigo 100.º, n.º 1 do CPPT);

viii)         O direito a juros indemnizatórios (artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT).

 

                No que diz respeito à interpretação que a AT fez da inexistência física em caixa dos valores contabilísticos que aí deviam constar – ou seja: a sua correspondência a despesas não documentadas realizadas em 2019 –, diz a Requerente, em síntese, que a progressão dos saldos de caixa em 2016 (74.866,22€), 2017 (116.267,14€) e 2018 (149.040,86€) já evidenciava a inexistência efetiva desses montantes, pelo que não podia em 9 de Dezembro de 2019 ter sido realizada uma despesa de montante de 232.657,97€. Por outro lado, a movimentação de montantes pelo sócio gerente a título de empréstimo estava igualmente evidenciada pelas contas 2682501 [em 2018] e 26825 [em 2019] – contas de sócio – que eram objeto de registo quando o TOC recebia o respetivo documento de suporte (o que não era o caso de retiradas de numerário em pequenos montantes); o que, somado, refletiu

“entregas financeiras num total de 530.623,00€ (233.373,00€ + 297.250,00€), sendo que[], a 31 de Dezembro de 2019 e em virtude dos movimentos das respetivas conta-correntes, o sócio era devedor à sociedade de:

- 233.373,00€ relativos ao saldo da conta Caixa;

- 168.706,16€ relativos ao saldo da conta 26825,

num total de 402.089,16€.”,

montantes que amortizou parcialmente durante 2020: “o referido sócio realizou diversas transferências bancárias a favor da sociedade no primeiro trimestre de 2020, no montante global de 261.450,00€”, reduzindo a dívida à sociedade no fim do primeiro trimestre de 2020, também por via da “transferência dos saldos relativos a prestações suplementares existentes nas contas 53.1.01 e 53.1.02”, ao montante de 140.639,16€ (402.089,16€ - 261.450,00€). Mais: em 16 de Outubro de 2020 foi realizada uma escritura pública de confissão de dívida em que ficou consignado – para evitar que a inexatidão contabilística viesse a subavaliar a possível dívida perante a sociedade – que

“- os sócios da sociedade se declaram devedores desta no montante de 260.000,00€ que retiraram da caixa social mediante levantamentos parciais e que se encontra consignado na verba contabilística 278;

- o pagamento desse montante será efetuado à sociedade no prazo de 20 anos em prestações anuais;

- a quantia mutuada vence juros à taxa correspondente à Euribor acrescida de 1,5%.”

               

                Conclui a Requerente, nesta matéria de facto, que, tendo todas as regularizações e documentação respetiva sido presentes à AT antes da conclusão da ação inspetiva (que só ocorreu em Novembro de 2020), o princípio da justiça material (nº 2 do artigo 5º da Lei Geral Tributária), bem como o princípio do inquisitório e a vinculação da AT à descoberta da verdade material (artigo 58º da LGT e artigo 6º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária) imporiam que

“mesmo que se entendesse que haveria algum valor tributar como despesa não documentada com fundamento na desconsideração da escritura de confissão de dívida, o que, contudo, não se concede, o único valor que poderia ser considerado como não “regularizado” pelo sócio era o de 98.231,34€, correspondente à diferença entre o saldo da conta Caixa e o saldo a favor do sócio na conta 2682501 em 2020 (233.373,00 -135.141,66€), ou seja, a única parte do saldo de Caixa que não foi consumida pelas restituições efetuadas pelo sócio.”

 

                No plano do Direito, defendeu a Requerente, em primeiro lugar, que “o facto da sociedade não dispor, num determinado momento, da totalidade das disponibilidades evidenciadas na conta Caixa não constituí em si um facto para a incidência real do imposto (IRC) em sede de tributação autónoma com base na presunção de que o valor da divergência do saldo da conta Caixa corresponde a despesas não documentadas”, e que a AT teria

“que fazer a demo[n]stração:

a)            da ocorrência de despesas não documentadas;

b)           num determinado montante; e

c)            num determinado exercício.”

                Ora, a documentada movimentação de avultados montantes de dinheiro da sociedade para o sócio e do sócio para a sociedade mostrava a inexistência de despesas não documentadas “porquanto se conhece o seu beneficiário e a que título é que os mesmos se verificaram”. Acresce que, continua a Requerente – invocando também as decisões dos processos arbitrais ns. 689/2017-T, 7/2011-T e 487/2018-T, e o Acórdão do TCA do Sul de 20 de Janeiro de 2004, proferido no Processo n.º 00589/03 –

“a aplicação da tributação autónoma em sede de IRC aqui em apreço está sujeita às normas próprias deste tributo, designadamente, no que respeita às regras relativas à especialização dos exercícios e periodização do lucro tributável, conforme decorre, para além do mais, dos artigos 8.º e 18.º do CIRC, já que tal tributação autónoma tem subjacente factos tributários instantâneos e de natureza financeira” e que “o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, sendo necessário, antes de mais, demonstrar a efectiva ocorrência das despesas (não documentadas), ónus este que recai sobre a A.T. nos termos do artigo 74º da LGT, estando esta obrigada, no âmbito da fundamentação formal do acto de liquidação, a demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais (de facto e de direito) de que depende o direito à liquidação.” (destaques no original).

 

                Sobretudo quando se limita a presumir “como fez a A.T., que a despesa ocorreu, no montante total em apreço de 232.657,97€, no próprio dia da contagem de caixa feita pela inspecção”.

 

                Alega ainda a Requerente que “a A.T. nem sequer invoca quaisquer factos concretos tendentes à demonstração de que as alegadas despesas não documentadas tenham ocorrido no ano de 2019 e, caso o tivessem, em que montantes, uma vez que poderiam igualmente ter ocorrido em qualquer dos exercícios anteriores em que os saldos da conta 11 - Caixa já eram significativamente elevados.”, e – invocando em abono o decidido no processo arbitral n.º 287/2017-T, que cita (“essa conclusão só poderia basear-se numa presunção de correspondência da contabilidade à realidade que, neste caso, foi ilidida”) – afirma que “é inquestionável que os elevados saldos da conta 11 – Caixa ao longo dos exercícios de 2016 a 2018 não correspondem à realidade, não tendo adesão às efectivas disponibilidades em numerário existentes na sociedade em cada momento, não sendo por isso fidedignos.”

 

                Também alega que “a terem ocorrido [despesas não documentadas], não o terão sido neste exercício de 2019 e muito menos no momento imediatamente anterior ao da realização da inspeção que procedeu à contagem física da caixa social, mostrando-se, assim, violado o princípio da especialização dos exercícios e o da periodização do lucro tributável.” Invocando as decisões arbitrais nos processos ns. 93/2020-T e 203/2020-T, entende que a AT, “a pretender efectuar a tributação em 2019, esta apenas poderia abranger o valor do acréscimo do saldo da conta caixa ocorrido de 2018 para 2019, pois, mais não fosse, estar-se-ia perante uma fundada dúvida quanto ao tempo e quantificação do facto tributário quanto ao valor do saldo daquela conta a 31 de Dezembro de 2018 que justificaria a anulação da liquidação na parte correspondente, por força do disposto no artigo 100º, nº 1 da CPPT.”

 

                Finalmente, pretende que a alternativa a apresentar de forma clara, suficiente e congruente os pressupostos de facto e de direito da tributação autónoma – o que a AT não teria feito – era ter recorrido aos métodos indiretos, “com recurso aos critérios próprios desse método indireto de tributação” – o que a AT também não fez.

 

III.2.3. Posição da Requerida

 

A Resposta da AT, começando por reproduzir parte do Relatório da Inspecção Tributária (RIT), segue depois uma sistemática algo diferente da do Pedido de Pronúncia Arbitral da Requerente, pronunciando-se sobre:

i)             o momento da sujeição a tributação autónoma (especialização dos exercícios) e da inexistência de fundada dúvida;

ii)            o ónus da prova;

iii)           a qualificação da diferença de caixa enquanto despesa não documentada e sujeição a tributação autónoma;

iv)           a avaliação indireta.

Em todo o caso, os argumentos da Requerente encontram simetria nos da AT, pelo que se pode seguir o mesmo percurso anteriormente trilhado:

Diz a AT que se se percecionarem saídas de meios financeiros de uma empresa isso traduz uma diminuição do seu património. Inexistindo documentação contemporânea que justifique tais exfluxos, cai-se no âmbito das despesas não documentadas.

 

Demais, como já admitido pelo Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 18/2011), o n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC insere-se no âmbito das medidas anti abuso, por se presumir que o seu destino indocumentado evitou outros pagamentos devidos. A AT invoca ainda as decisões arbitrais nos processos 256/2018-T, 486/2019-T , n.º 511/2019-T e 213/2020-T  para delimitar o sentido e a extensão do conceito de despesas indocumentadas, que pode ser condensada num excerto de uma citação do primeiro daqueles arestos: “são consideradas não documentadas as despesas relativamente às quais não seja expressa a sua natureza, origem ou finalidade, o que, independentemente da alegação dos mútuos, se constata na situação vertente, sendo totalmente desconhecida, não tendo sequer sido invocada, qualquer finalidade ou destino para esta saída de fundos da sociedade”. Invoca também o princípio da especialidade do fim social para excluir a relevância de empréstimos de escopo pessoal.  

    

Convocando o artigo 74.º da LGT, a AT refere que, quando corrige as declarações dos sujeitos passivos, lhe cabe “a demonstração da verificação dos pressupostos que legitimam a sua atuação e, uma vez efetuada tal prova, passa a caber ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alega em contrário.” Tendo demonstrado a existência de uma divergência entre os registos contabilísticos e o saldo físico da caixa, sem que houvesse documentação justificativa para tal, passou a caber à Requerente o ónus de comprovar o destino do dinheiro. E, como se escrevera no Sumário da decisão arbitral no processo n.º 511/2019-T, “«IV - As diferenças apuradas entre os saldos da conta caixa e os valores resultantes da contagem física, devem ser tratadas contabilística e fiscalmente como despesas não documentadas e sujeitas a inerente tributação autónoma, se o contribuinte inspecionado não comprovar documentalmente qualquer outra causa para a divergência detetada e o destino dos respetivos valores.»”, acrescentando outra transcrição de outra decisão arbitral (a do processo n.º 213/2020-T: “Como refere a decisão arbitral n.º 235/2020-T numa situação similar, a ausência dos meios financeiros que a conta 11-Caixa evidenciava, conjugada com a não contabilização de qualquer saída, configura, para os efeitos da lei, uma despesa não documentada.”). Notando que todas as diligências intencionadas a comprovar os alegados mútuos foram posteriores à ação inspetiva da AT, a Resposta transcreve passagens do Sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de Abril de 2018, Processo 4/13.3TBCVL-B.C1, designadamente as seguintes:

“VI – O mútuo é um contrato real quoad constitutionem, cuja verificação depende da tradição da coisa que constitui o seu objecto mediato.

VII – Não existindo prova plena [da] demonstração da entrega da quantia por parte dos credores e incumbindo a estes, como mutuantes, o ónus de prova da entrega da quantia, se para além do documento autêntico (escritura pública) não apresentarem outro meio probatório que demonstre a entrega, será de concluir não demonstraram o preenchimento dos requisitos do direito de crédito resultante do mútuo por si invocado e que foi validamente impugnado.»”

 

Invocando o decidido no processo arbitral n.º 213/2020-T, a AT cita um trecho dessa decisão onde se escreve, designadamente, que “nos casos em que os sujeitos passivos, incumprindo os seus deveres declarativos, omitem a contabilização das saídas de caixa, como sucede na situação vertente, é inviável a determinação da data saída de caixa, pelo que terá de recorrer-se como indicador supletivo à data da contagem física de Caixa”. Por sua vez, essa decisão seguira o decidido no processo arbitral n.º 235/2020-T, que a Resposta da AT também transcreveu, designadamente no seguinte passo: “as demonstrações financeiras são preparadas segundo o regime da periodização económica, ou seja o regime de acréscimo, exceto para a informação de fluxos de caixa – à qual portanto tal regime expressamente se não aplica. Para movimentações de caixa, o regime que resta é o da sua reflexão com base na saída (ou na entrada).”. O argumento da AT é o de que até à conferência feita pela inspeção tributária, os saldos registados na conta caixa “gozam da presunção de veracidade referida no artigo 75.º da LGT, exceto se tal presunção for colocada em causa”, e tal só ocorreu no momento da conferência feita pela inspeção tributária. E até transcreve uma passagem do RIT subsequente ao exercício do direito de audição da Requerente:

“«O exercício de 2018 encontra-se encerrado e as sua contas foram devidamente aprovadas em Assembleia Geral pelos sócios da sociedade em 31/03/2019 através da Acta Número 16, sem que haja qualquer referência ao saldo da conta Caixa ou aos alegados empréstimos da sociedade aos sócios que, a ser assim, não poderiam desconhecê-los. Só com a contagem física dos valores em caixa efetuada em 09/12/2019 foi detetada uma diferença que não se encontrava na posse do SP. Por este motivo considera-se que a saída de valores ocorreu no período compreendido entre 01/01/2019 e a data da contagem».”

 

Finalmente, quanto à suposta necessidade de invocação dos pressupostos dos métodos indirectos, a AT remete para as decisões arbitrais proferidas nos processos 486/2019-T e 213/2020-T, no último dos quais se escreveu, designadamente, o seguinte:

“«A Requerente parte do carácter fictício do saldo da conta Caixa, para o que invoca irregularidades e erros contabilísticos, e chega à conclusão que devia ter sido alvo de uma correção de métodos indiretos e não de tributação autónoma. Entende-se que não tem razão.

(…)

os elementos necessários à correta determinação do imposto estão disponíveis, dispensando o recurso a métodos indiretos, que são subsidiários dos métodos diretos*, e que implicam necessariamente que seja inexequível a quantificação direta e exata da matéria tributável, de acordo com artigo 87.º, n.º 1, alínea b), conjugado com o artigo 88.º, ambos da LGT. Na situação vertente, a quantificação não era impossível e resultou da forma mais fiável que se pode equacionar: a contagem física e direta dos valores monetários na disponibilidade da Requerente.

(…)

A falta de transparência relativa ao destino do dispêndio não constitui pressuposto da aplicação de métodos indiretos, que se prende antes com a dificuldade em alcançar a base tributável, o quantum”.

 

III.2.4. Ponderação do Tribunal Arbitral

 

Estão em confronto duas visões sobre os factos e sobre as suas implicações jurídicas que se podem situar em dois momentos: o da verificação da divergência entre a contabilidade e as existências em caixa – o tax point, para usar a expressão das decisões arbitrais proferidas nos processos arbitrais 213/2020-T, 228/2020-T e 284/2020-T – e os eventos subsequentes. Daí que na delimitação do thema decidendum se tenham separado esses dois momentos.

 

III.2.4.1. As divergências no tax point

 

Quanto ao primeiro momento a considerar, estão em causa divergências quanto à configuração da situação dos autos no dito tax point que, para simplificar, se podem articular na resposta às seguintes questões:

1.            Pode a desconformidade entre valores contabilísticos e valores reais da conta Caixa ser considerada uma despesa não documentada?

 

2.            Pode a despesa não documentada ser imputada à data em que é feita a conferência do seu valor pela inspeção tributária?

 

3.            Podendo essa divergência ser uma despesa não documentada e podendo ela ter lugar na data da verificação da divergência, é preciso que a AT demonstre algo mais?

 

4.            Não tendo a AT que demonstrar a efetiva realização da presumida despesa, nem o seu efetivo montante, nem o real momento da saída dos valores da empresa, não deveria recorrer antes a métodos indiretos?

 

Vejamos então.

 

1.            Quanto à metamorfose em despesa não documentada de uma constatação de divergência entre valores contabilísticos e saldos reais

 

Embora o n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, estabeleça que “as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A”, em parte alguma define o que sejam essas despesas não documentadas.

 

Como a Requerente notou, existem precedentes arbitrais e jurisdicionais que recusam a transformação automática da constatação de uma divergência entre os valores contabilísticos e reais da caixa numa despesa não documentada. Na decisão do processo 7/2011-T escreveu-se:

“no caso em análise, as irregularidades na contabilidade do sujeito passivo, incluindo a existência de dúvidas, resultantes dessas irregularidades, sobre se certas despesas foram incorridas ou não (se há dúvidas sobre se elas foram incorridas, também não há documentação relevante), não podem cair na categoria de despesas não documentadas, mas são antes pressupostos de aplicação de métodos indiretos nos termos do art.º 87.º al. b) e 88.º da LGT.”

 

Na declaração de voto de vencido – no qual se viria a filiar a maioria das decisões subsequentes da jurisdição arbitral – escrevia-se, pelo contrário:

“atentos a letra e espírito do artigo 88.º n.º 1 CIRC, devem ser incluídas na tributação autónoma em causa não apenas as despesas não documentadas, contabilizadas como gastos, mas também aquelas com as mesmas características, isto é, não documentadas que, devendo ter sido reconhecidas na contabilidade, como gastos, embora fiscalmente não dedutíveis, não o foram e, portanto, não afectaram o resultado, não existindo razão excludente das vias que, embora não sejam ou possam não ser as mais evidentes, não deixam de implicar despesas não documentadas. Aliás, a irrelevância da contabilização, como gasto, de encargos não dedutíveis resulta ainda do proémio do artigo 45.º do CIRC.”

 

A ideia de que movimentações contabilísticas sem suporte documental poderiam ser reconduzidas a uma despesa não documentada foi depois alargada a situações em que nem sequer havia movimentação contabilística, como era o caso da ausência de registos de saída da caixa. Como se escreveu na decisão do processo 284/2020-T para este caso específico,

“Conforme refere a decisão arbitral no processo n.º 213/2020-T, o significado de despesas não documentadas reconduz-se a saídas de meios financeiros do património empresarial, por movimentação da conta caixa ou de contas bancárias (onde esses meios financeiros estavam registados), desprovidas de suporte documental.”

 

No fundo, defrontam-se duas conceções de despesa indocumentada nas posições indicadas: uma exige a verificação dessa despesa por ação (ie: supõe que se possa identificar uma certa operação a que falta formalização), outra basta-se com a constatação dessa operação por omissão (designadamente, supõe que onde haja uma falta de ativos na caixa houve uma despesa equivalente). Note-se que, uma vez que as despesas não documentadas não são só as despesas que são feitas a partir da caixa (nem estas serão, talvez, as principais despesas não documentadas), nada impede que haja diferentes conceções para umas e para outras.

 

                Ora, no que diz respeito ao enquadramento da falta de disponibilidades efetivas correspondentes aos valores que a contabilidade regista, a AT parece ter oscilado no seu enquadramento como antecipação de lucros aos sócios (como no processo arbitral  3/2017-T) – para o que tinha bons argumentos –, ou para seu enquadramento como despesas não documentadas – para o que também tem bons argumentos (se bem que se ache algo inquietante que umas vezes o mesmo quadro fáctico leve a um enquadramento, e outras a outro).

                Desconsiderando – porque alheio aos presentes autos – a averiguação do critério que pode levar a um ou outro enquadramento, deve concluir-se que, em matéria de desconformidade entre os valores contabilísticos supostamente disponíveis na caixa e os valores reais aí apurados por contagem realizada pelos serviços de inspeção tributária, a diferença é imputável a uma despesa não documentada.

2.            Quanto ao momento da realização da despesa indocumentada

 

                Também em relação ao momento de imputação da divergência entre valores contabilísticos e reais há precedentes arbitrais e jurisdicionais em sentidos opostos. Assim, enquanto na decisão arbitral do processo 235/2020-T se entendeu que “a verificação do facto gerador da tributação autónoma, que são as despesas não documentadas, fica evidenciada na data da contagem física de caixa.” – uma fórmula diversas vezes repetida na jurisdição arbitral nesta matéria – na decisão arbitral do processo 689/2017-T escreveu-se:

                “existindo saldos de caixa considerados excessivos em todos os anos anteriores mais próximos do ano de 2014, e não tendo sido aferido em relação a eles se os valores estavam ou não em caixa por não ter sido efetuado o mesmo exercício de conferência que foi efetuado para o exercício de 2015 e para o exercício de 2014, é plausível concluir que as saídas podem ter ocorrido em qualquer dos anos anteriores atento que os saldos de caixa respetivos dariam cobertura ao montante das saídas considerado para efeitos de tributação autónoma.”

 

                No fundo, ao que se recorre aqui é a uma presunção natural (ao id quod plerumque accidit), ao seja, ao juízo de probabilidade fundada na experiência prática do modo de funcionamento de sociedades “familiares” em que há uma geral indefinição das fronteiras entre o património da sociedade e o dos sócios. Desse ponto de vista, é evidentemente “plausível” (e, reconheça-se, muito mais plausível do que a alternativa) que as saídas de caixa tenham ocorrido ao longo de vários exercícios económicos, e que a evolução dos montantes registados em caixa seja ela própria um indício desse processo cumulativo. O problema desta linha argumentativa é ser incompatível com uma presunção normativa que tem uma inequívoca base de conformação de comportamentos dos sujeitos passivos de impostos: a de que os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita dos contribuintes gozam de presunção de veracidade (n.º 1 do artigo 75.º da LGT).

 

Assim, entre uma presunção de experiência quanto à normalidade das coisas e uma presunção legalmente estabelecida como regra de conduta, não parece haver dúvidas de que, para efeitos jurídicos (e não sociológicos, por exemplo) se deve dar preferência a esta. Entende assim o presente Tribunal Arbitral que a presunção da veracidade contabilística só cessou no momento da verificação das disponibilidades da caixa da sociedade sujeita a inspeção e na data em que essa inspeção se realizou.

 

Ao que se poderia ainda aditar o argumento usado na decisão do processo arbitral 235/2020-T quanto à indesejabilidade de se vulnerar a fiabilidade da contabilidade das empresas (ie, de fazer ceder a presunção normativa perante a presunção natural):

“afinal, o comércio jurídico confia que a empresa tem disponibilidades líquidas (de ativo corrente) espelhadas na Conta 11-Caixa, mas essa confiança já foi frontalmente violada pelo esvaziamento da caixa. Ora, as necessárias segurança, confiança, previsibilidade e calculabilidade no tráfego jurídico e económico são mais bem asseguradas através da garantia da fiabilidade da Conta 11-Caixa, objetivo que as normas sobre tributação autónoma também visam promover, no quadro mais amplo de desincentivo de práticas de erosão da base tributária.”

 

                Porém, para poder aceitar esta hierarquização de presunções, resta ainda garantir que não há obstáculos legais à ilação que a AT extraiu nessa data – ou seja, a de que houve uma despesa não documentada com o valor da totalidade da divergência entre registo contabilístico – até aí presumidamente verdadeiro – e o seu equivalente físico. Ora, o princípio da especialização dos exercícios e da periodização do lucro tributável já foi invocado como obstáculo a essa “englobação sincrética” de despesas realizadas, plausivelmente, ao longo de vários exercícios.

 

                Por exemplo: numa das decisões invocadas pela Requerente – a do processo arbitral 487/2018-T – escreveu-se (destaque aditado):

“as tributações autónomas em IRC são, tal como o imposto que incide sobre o lucro tributável, apuradas na declaração periódica anual, a que se referem os artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e 120.º do CIRC, pelo que no exercício de 2015 apenas poderão ser tributadas autonomamente despesas que tenham ocorrido nesse exercício.”

 

Ora, no caso há várias razões para tal objeção improceder :

 

                - em primeiro lugar, como se lembrou na decisão do processo 7/2011-T, a tributação autónoma das despesas não documentadas incide sobre despesas e não sobre o rendimento, ainda menos sobre o lucro do exercício:

                “a tributação autónoma de despesas não documentadas na esfera jurídica de quem nelas incorre é, na perspetiva deste sujeito passivo, uma tributação da despesa e não do rendimento, com uma finalidade penalizadora, de antiabuso e implicando uma responsabilidade tributária”;

 

                - em segundo lugar, como se lembrou na decisão do processo 235/2020-T, a despesa não documentada inferiu-se de um índice que está legalmente excluído da regra da anualidade : 

                “as demonstrações financeiras são preparadas segundo o regime da periodização económica, ou seja o regime de acréscimo, exceto para a informação de fluxos de caixa – à qual portanto tal regime expressamente se não aplica. Para movimentações de caixa, o regime que resta é o da sua reflexão com base na saída (ou na entrada).”

 

                - em terceiro lugar, se as saídas (e as entradas) de caixa ocorrem quando ocorrem (ou quando se constata que ocorreram, se não havia maneira de saber quando ocorreram de facto), e se tais movimentos positivos e negativos não têm ligação necessária à formação do rendimento de cada período (mesmo supondo que fosse o rendimento a base tributária), as despesas (e as entradas) apuradas a partir da caixa só podem ter conexão com o período em que se constatam.

 

                Já se vê, portanto, que nenhum obstáculo legal existe a que a presunção legal da veracidade contabilística prevaleça sobre a presunção natural de que a contabilidade não revela a evolução dos montantes em caixa da Requerente.

 

3.            Quanto aos ónus impendentes sobre a AT

 

                Como referido, invocou a Requerente que era à AT que cabia 

“fazer a demo[n]stração:

a)            da ocorrência de despesas não documentadas;

b)           num determinado montante; e

c)            num determinado exercício.”

 

                Acontece que a demonstração da ocorrência de despesas não documentadas decorreu, como visto, da conferência das disponibilidades de caixa, e o seu montante resultou do apuramento da diferença entre o valor que aí se devia encontrar, de acordo com a contabilidade, e o que foi constatado pela inspeção. Por sua vez, também se viu que tal despesa presumida se teria de imputar ao momento da constatação dessa divergência. Consequentemente, nenhum ónus adicional impendia sobre a AT.

               

                Sobre o ponto, porém, vale a pena recuperar a arguta argumentação da decisão arbitral proferida no processo 235/2020-T:

                “Não tem a AT o ónus de prova de cada concreta despesa, o que, relativamente a despesas não documentadas e não contabilizadas, seria probatio diabolica, de postulado que temos por inadmissível.

                Como também não vigora para as tributações autónomas o princípio da especialização dos exercícios, menos ainda se poderia defender a existência de ónus de prova pela AT de quais os exercícios em que cada despesa – não contabilizada – teria sido feita. É, salvo o devido respeito por posições diversas, um raciocínio desconforme com o Direito: não se vê como seja conforme ao Direito uma interpretação que, não sendo a única hermenêuticamente possível, nem, a nosso ver, a mais rigorosa, confere a sujeitos passivos de IRC incumpridores uma via segura para práticas de ‘caixa aberta’, que esvaziam sem nada documentarem nem contabilizarem, com o previsível resultado – deve o julgador recorrer à experiência – de que nem os sócios são tributados sobre dividendos, ou terceiros são tributados sobre recebimentos opacos, nem as sociedades suportam a tributação autónoma que está na lei. Ponto é, para que tais práticas de evasão fiscal sejam bem sucedidas, ficando imunes à aplicação da lei, que as saídas tampouco sejam contabilizadas, assim inviabilizando a aplicação a tais esvaziamentos de caixa do princípio da especialização dos exercícios, caso este fosse entendido como aplicável a mais do que aquilo que está na lei: à periodização do rendimento e portanto do lucro tributável. A posteriori, quase lhes basta venire contra factum proprium e invocar que a sua própria contabilidade não tem rigor no caso específico da conta 11-Caixa, tem incorreções, lacunas, etc. Estaria assim criada, e sancionada pela jurisprudência, uma simples mas eficaz técnica de transferência de rendimento (income shifting technique), incompatível com a teleologia inerente ao instituto das tributações autónomas, de prevenção da erosão da base tributária.”

 

                4.            Quanto à alternativa do recurso a métodos indiretos

 

                Sobre esta questão escreveu-se o bastante na já mencionada decisão do processo 235/2020-T, que, com a devida vénia, se transcreve:

“Assim, no Acórdão no processo n.º 7/2011-T, foi exarada a seguinte decisão, sufragada pela maioria dos ilustres Árbitros que o prolataram: “Tudo ponderado, no caso em análise, as irregularidades na contabilidade do sujeito passivo, incluindo a existência de dúvidas, resultantes dessas irregularidades, sobre se certas despesas foram incorridas ou não (se há dúvidas sobre se elas foram incorridas, também não há documentação relevante), não podem cair na categoria de despesas não documentadas, mas são antes pressupostos de aplicação de métodos indiretos nos termos do art.º 87.º al. b) e 88.º da LGT.”

                               Orientação esta seguida, ipsis verbis, no Acórdão exarado no Proc. n.º 54/2013–T.

                               Salvo o devido respeito, esta posição assenta no que temos por um equívoco conceptual.

                               A aplicação de métodos indiretos tem por objetivo apurar o lucro tributável, quando se demonstra que a contabilidade não é feita e mantida com o rigor exigido por lei e pelos princípios contabilísticos. Note-se: apurar o lucro tributável. Vejam-se os artigos 16.º 4, 59.º, 60.º, 61.º, 62.º do CIRC.

                               A aplicação de métodos indiretos não está prevista na lei para apurar se e quando foram feitas despesas que nem estão documentadas nem estão contabilizadas, para sobre elas fazer incidir a tributação autónoma. Esta mera circunstância, desacompanhada de outras, como a infiabilidade geral da contabilidade – não apenas, como está em equação no caso do presente processo, a falta na caixa dos meios monetários evidenciados pelo saldo da conta 11-Caixa, e a pontual não reflexão na conta 21-Clientes de um recebimento em numerário que deveria ter anulado o saldo de € 90.000 nesta existente –, ou alguma das situações previstas nas várias alíneas do artigo 87.º da LGT, em particular a alínea b), com o desenvolvimento que desta se faz no artigo 88.º, não tem como corolário normativo que a AT deva recorrer aos métodos indiretos.

                               Isto mesmo é afirmado, com exemplar clareza, no Acórdão do TCA Sul, de 5.8.2019 (Proc. 1119/16.1BELRA):

                               «Em face do ordenamento jurídico português, cabe distinguir entre a tributação autónoma, incidente sobre gastos detectados, mas não suportados em elementos justificativos e a determinação do rendimento por métodos indirectos, a qual, na falta de credibilidade da contabilidade impossibilitante da avaliação directa, determina, verificados os pressupostos elencados na lei, a necessidade da fixação da matéria colectável através de métodos indirectos (artigos 87.º e 88.º da LGT).

                               Os pressupostos da avaliação indirecta não estão demonstrados, no que respeita às despesas em causa, porquanto as mesmas não correspondem a rendimento, mas antes a despesa incorrida não documentada, a qual é tributada, enquanto facto tributário instantâneo e autónomo, nos termos do artigo 88.º/1, do CIRC. O que nada tem que ver com a determinação do rendimento, segundo os critérios dos artigos 89.º a 90.º da LGT. É que, recorde-se, «a tributação autónoma consubstancia-se numa obrigação única, pois incide sobre factos tributários instantâneos e autónomos, que se esgotam em actos de realização de determinadas despesas realizadas, sem mais. Factos formados por um único acontecimento (despesa ou encargo), nesse momento dando origem ao imposto, o que não se confunde com o momento em que o imposto é devido».

                               Por outras palavras, «[n]a tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efectuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efectuadas na determinação da taxa».

                               Não sofre dúvida que «a tributação das despesas não documentadas pretende compensar o pagamento oculto de rendimentos a outro sujeito passivo, não identificável pela administração tributária». Mais se refere que «[a] tributação autónoma atinge a despesa do sujeito passivo-contribuinte e não o seu rendimento». A norma incide sobre a capacidade contributiva efectiva manifestada através de realização de gastos sem contrapartida, por parte do sujeito passivo e tem em vista prevenir a fraude, a evasão e-ou a elisão fiscais que as despesas não documentadas implicam. Não se trata de uma norma presuntiva, mas antes de uma norma de incidência, cujos pressupostos de aplicação decorrem da previsão legal e que assenta na avaliação directa do facto tributário. Não há presunção, na medida em que a tributação autónoma da despesa oculta implica a demonstração de que o gasto sem contrapartida ocorreu.

                               Uma vez que se tributam certas categorias de despesas e não o rendimento do sujeito passivo não existe qualquer fungibilidade entre a tributação autónoma de despesas não documentadas e a determinação da matéria colectável por métodos indirectos. A segunda tem em vista apurar o rendimento percebido em certo período, pelo sujeito passivo, com vista à sua tributação. Motivação a que é alheia a primeira, centrada na prevenção de comportamento fiscal abusivo, consistente na afectação de uma parte do património da empresa a fins não empresariais.»

 

III.2.4.2. As diligências posteriores ao tax point

 

Resta saber qual a relevância a conferir aos procedimentos adotados pela Requerente em momento superveniente, já no período de tributação de 2020, no decurso do procedimento inspetivo e após a respetiva conclusão, a saber:

 

a)            Transferências monetárias dos sócios para as contas bancárias Requerente;

b)           Declaração, feita constar em ata de assembleia geral, de que os levantamentos superiores a 200 mil euros que os sócios tinham vindo a efetuar, decorriam de empréstimos da Requerente que os sócios se comprometiam a regularizar;

c)            Transferência contabilística do saldo da conta caixa para uma conta de outros devedores, em nome do sócio gerente;

d)           Celebração de escritura de confissão de dívida.

 

Atentas as finalidades anti-abuso de que se reveste a tributação agravada de despesas não documentadas, é de entender que a narrativa – claramente póstuma – da obtenção de empréstimos por parte do sócio gerente, a mais de incompatível com os fins sociais da empresa , e de não ser suficientemente probante , não pode ter a virtualidade de alterar o enquadramento da desconformidade dos valores da caixa da Requerente com os registos da sua contabilidade no momento em que foram detetados.

 

Neste âmbito, relativamente ao período de 2019 sob apreciação, a tentativa de explicação, pela Requerente, da divergência de caixa identificada pelo procedimento inspetivo da AT a título de empréstimo não colhe, desde logo, porque não logrou demonstrar que à data dos factos, precisamente no ano 2019, tivesse existido um contrato de mútuo, mesmo que não formalizado. Com efeito, não ficou provado, nem para tal foram manifestados quaisquer indícios, de que as retiradas de fundos em numerário da Requerente tivessem sido efetuadas como uma cedência temporária de fundos desta aos sócios, i.e., no pressuposto de que essas quantias iriam ser restituídas a esta última.

 

Assim, a adoção superveniente pela Requerente de um conjunto de iniciativas consubstanciadas em atos jurídicos e operações materiais num período de tributação posterior (2020), com vista a construir, a posteriori e com pretendidos efeitos retroativos, uma situação correspondente à da celebração e execução de um contrato de mútuo relativo a anos precedentes, não alcança a finalidade por aquela intentada, pois, por um lado, no que ao presente caso releva, tem como pressuposto a existência do contrato de mútuo vigente no período de 2019, premissa que não resultou provada , e, por outro lado, tais iniciativas posteriores não podem constituir prova idónea do facto em que se alicerçam (o dito contrato de empréstimo ou mútuo em 2019), sob pena de vício de raciocínio circular, que incorre na falácia lógica de pressupor o que está a tentar provar.

 

Da factualidade descrita afigura-se antes que a Requerente, confrontada com a identificação da divergência pela Requerida, pretendeu superar ou minimizar as respetivas consequências tributárias, através da formulação de um enquadramento a posteriori, sem contudo conseguir provar que o mesmo se verificava à data dos factos [2019], ou destino dado às quantias que estavam escrituradas na conta caixa de que não dispunha. Não pode, por essa razão, admitir-se, dada a inexistência de suporte fáctico reportado à data dos factos, que tenham repercussão em factos tributários de 2019 os efeitos produzidos por um contrato de mútuo celebrado em 2020 e as transferências de fundos (“regularizações”) efetuadas ao abrigo deste.

 

Quer dizer que, ainda que tendo produzido efeitos no exercício de 2020, o que não constitui matéria que a este Tribunal caiba conhecer por extravasar o objeto dos autos circunscrito ao período de 2019, tais movimentações patrimoniais não são aptas a alterar o enquadramento da divergência de saldo de caixa registada em 2019.

 

Em síntese, resulta do adquirido processual que era retirado dinheiro (em numerário) da sociedade Requerente para finalidades desconhecidas, não se demonstrando a respetiva conexão com a atividade económica desenvolvida. A Requerida cumpriu o ónus de demonstrar a divergência de saldo de caixa, pressuposto da tributação, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT. A Requerente não conseguiu provar, com referência à data dos factos, os alegados empréstimos, não existindo indícios de que os valores de saldo de caixa em falta em 2019 tivessem sido cedidos pela Requerente aos sócios com a condição de que estes, mais tarde, os devolvessem (mútuos).

 

De notar que a contabilidade da Requerente evidenciava empréstimos da sociedade aos sócios (alínea g) da matéria de facto), nomeadamente na conta #2682501, que registava um saldo devedor de 168.706,17€, com referência a 31 de dezembro de 2019. Significa isto que existiam efetivamente empréstimos, assumidos como tal e relevados contabilisticamente. Não era porém o caso das retiradas de retiradas de fundos da conta caixa da Requerente com destino desconhecido.

 

Não tendo a Requerente provado o destino dado às quantias monetárias da conta caixa, nem que à sua apropriação estava subjacente um contrato de mútuo, os atos e operações empreendidos em 2020 para “regularizar” formalmente a situação, não produzem quaisquer efeitos a 2019, período em relação ao qual a assinalada divergência de saldo de caixa é subsumível à previsão do artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC, e, em consequência, tributada à taxa de 50%, nos moldes preconizados pela Requerida.

 

                Sobre a imputação temporal dos dispêndios, nomeadamente a sua efetivação em exercícios anteriores a 2019, a Requerente, de novo, não fez prova do alegado, não resultando do acréscimo progressivo do saldo da conta caixa nos anos precedentes qualquer indício de que as retiradas de fundos tivessem ocorrido nesses anos, na medida do incremento. Assim, é ao período correspondente à constatação da divergência do saldo de caixa (2019) que deve imputar-se o dispêndio não documentado passível de tributação autónoma.

 

Nestes termos, não se suscita uma situação de fundada dúvida que convoque a aplicação do disposto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.

 

III.2.4.3. Outras questões

 

A Requerente invoca não terem sido valorizados e tidos em conta pela Requerida os factos supervenientes alegados em direito de audição e, neste contexto, suscita a violação dos princípios da justiça material (artigo 5.º, n.º 2 da LGT), da proporcionalidade (artigos 55.º da LGT e 46.º do CPPT), da tributação do rendimento real (104.º da CRP) e do inquisitório e da verdade material (artigos 58.º da LGT e 50.º do CPPT).

 

Todavia, a Requerida pronunciou-se sobre os referidos factos no Relatório de Inspeção Tributária e justificou as razões pelas quais não aderiu à tese da Requerente, independentemente de com as mesmas se concordar, pelo que é improcedente o argumento. Acresce que em relação aos princípios invocados a Requerente não especifica como e em que medida é que o entendimento da AT viola a justiça material, a proporcionalidade, a tributação do rendimento real o inquisitório e a verdade material, soçobrando a alegação, por insubsistente.

 

III.2.4.4. Reembolso das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios

 

A Requerente, peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade dos atos de liquidação de IRC e juros compensatórios, a restituição da importância indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

Dispõe, neste âmbito, o artigo 43.º da LGT que os juros indemnizatórios são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, circunstância que, na presente situação, não se verificou, uma vez que se concluiu pela validade e manutenção dos atos tributários sindicados, improcedendo, em consequência, os pedidos dependentes de restituição do imposto pago e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.

 

 

IV.          DECISÃO

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência;

b)           Manter na ordem jurídica o ato de liquidação adicional de IRC acima identificado, que resultou no valor a pagar de 117.746,10€, incluindo juros compensatórios; e

c)            Condenar a Requerente nas custas. 

 

 

V.           VALOR DO PROCESSO

 

                Fixa-se o valor do processo em EUR 117.746,10 (cento e dezassete mil setecentos e quarenta e seis euros e dez cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VI.          CUSTAS

 

                Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em EUR 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

Lisboa, 25 de janeiro de 2022

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Alexandra Coelho Martins

Manuela Roseiro

 

Victor Calvete (Relator)

(Com declaração de voto)

Declaração de Voto

 

                A minha única divergência em relação ao texto da Decisão – de que acabei por ser apenas co-relator – tem a ver com a relevância a atribuir às diligências realizadas depois do tax point. Não encontrei precedente para uma situação em que os montantes saídos da sociedade alegadamente a título de empréstimo, tenham nela reentrado de forma válida (em parte, de forma efectiva antes de terminada a actividade inspectiva – como compensação contabilística de créditos dos sócios e como transferências bancárias documentalmente provadas; em parte antes desse momento, mas com efeitos só posteriores – como reconhecimento da dívida, por escritura pública).

Entendi que, nessa medida, o próprio conceito de despesa (a partir da caixa) – que implica certamente definitividade da saída patrimonial – se teria alterado, e que o campo específico do RIT com epígrafe: “Regularizações efetuadas pelo SP no decurso da ação de inspeção” (que foi assim preenchido: “Não aplicável ao caso em apreciação”) devia ter reflectido tais regularizações, ao menos no montante efectivamente realizado. Afinal, ao formalizar (validamente) a reentrada do dinheiro na sociedade, a AT recuperou a possibilidade de o tributar quando dela sair – sendo que o que a tributação de despesas não documentadas visa é salvaguardar a integralidade dos direitos tributários (que assim foi reposta). O que, ainda que por razões algo diversas, correspondia ao pedido subsidiário da Requerente, a que teria dado procedência.

 

Victor Calvete