Sumário:
1. Tendo sido desconsiderada a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, os actos de liquidação em causa encontram-se feridos de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 110.º do TFUE – razão pela qual os referidos actos devem ser parcialmente anulados, na medida dessa desconsideração.
2. Nos casos de revisão do acto tributário, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., PORTADOR DO NIF..., RESIDENTE NA RUA ..., n.º ..., ..., ...-... ... (doravante, “REQUERENTE”), veio, ao abrigo do disposto no art. 99.º do CPPT, deduzir, em 21/7/2021, impugnação da liquidação do ISV resultante da DAV n.º 2020/..., por entender que a referida liquidação “está ferida de um vício de ilegalidade no que diz respeito a cálculo da componente ambiental ou CO2”.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
2.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 28/9/2021.
3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente, alega, em síntese, o seguinte:
a) «O impugnante introduziu em Portugal [...] em 03.02.2020, o veículo automóvel, usado, marca ..., a que foi atribuída a matrícula ..., identificado na DAV que se junta [...]. Veículo proveniente da Alemanha, Estado membro da EU. E com a primeira matrícula registada nesse referido país.
b) No cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias, o Impugnante procedeu à declaração aduaneira do referido veículo, tendo a AT procedido à liquidação do ISV [...] no valor de €9.822,14 (ver DAV anexa). Imposto que foi integralmente pago pelo Impugnante. Deste valor liquidado pela AT, €4.194,86, correspondente ao valor da componente cilindrada e €5.627,28 ao valor da componente ambiental (ver DAV anexa). Sendo que, relativamente à componente cilindrada, aquele valor foi deduzido da redução resultante do número de anos de uso do veículo, ou seja, o valor de €1.048,72.
c) Apesar do Impugnante ter procedido ao pagamento do imposto liquidado [...], considera que a liquidação efectuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2. E isto porque a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11.º do CISV – viola o art. 110.º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia), conforme foi já declarado por acórdão transitado em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia.
d) Na sequência d[o] acórdão [de 16.06.2016 do TJUE] que declarou o incumprimento pela República Portuguesa do art. 110.º do TFUE, o legislador nacional introduziu uma nova alteração ao CISV, através da Lei n.º 42/2016, de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017). Alteração concretizada através de uma nova redacção do art. 11.º do CISV e da tabela D que integra esse mesmo artigo. Analisada essa tabela, conclui-se que o Estado Português respeitou o decidido pelo Tribunal Europeu naquele referido acórdão, ao alargar as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso. Todavia, a par desta alteração, foi introduzida uma outra, bem mais gravosa para o cálculo do ISV. Com efeito, o legislador, com a nova redacção dada ao art. 11.º, voltou a limitar a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2).
e) Com esta alteração, o legislador retrocedeu ao ano de 2010 e voltou a pôr em vigor uma norma jurídica que tinha sido já objecto de um processo instaurado pela Comissão Europeia e que esteve na base da alteração legislativa operada com a Lei 55-A/2010 de 31 de Dezembro. Limitando a tabela de redução para cálculo do ISV à componente cilindrada e excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2). O legislador português, aproveitando o facto do Acórdão do Tribunal de Justiça apenas se ter debruçado sobre a componente cilindrada, aproveitou para repor a exclusão da redução da componente ambiental que tinha sido já objecto de alteração legislativa anterior, imposta ou recomendada pela Comissão Europeia.
f) A norma [...] que esteve na base da liquidação de imposto pago pelo Impugnante, viola frontalmente o art. 110.º do TFUE, conforme foi já decidido pelo acórdão acima citado. Viola a citada norma do tratado, pois permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre os veículos importados, com base num valor superior ao valor real do veículo. [...]. Violação que já foi reconhecida, pelo menos, por duas decisões da União Europeia, uma das quais o referido acórdão do Tribunal de Justiça.
g) A AT quando procedeu à liquidação do ISV sob a presente impugnação, não levou em consideração o número de anos de uso do veículo na sua componente ambiental, tendo apenas considerado essa redução na componente cilindrada. Tendo-o feito com o recurso a uma norma jurídica que viola o direito europeu – art. 110.º do TFUE – que, como tal, está ferida de ilegalidade.
h) Essa ilegalidade foi objeto de uma queixa apresentada em 20.07.2017 junto da Comissão Europeia, que deu origem à instauração de um processo de infração contra Portugal, a que foi atribuído o n.º CHAP (2017) 2326. Que deu origem à emissão do parecer fundamentado pela CE, na sequência do qual esta entidade decidiu, em 12.02.2020, interpor contra Portugal uma nova ação no Tribunal de Justiça da União Europeia [...]. Ação que deu já entrada em 23.04.2020 e que corre termos com o n.º C-169/20.
i) Foram também já proferidas inúmeras decisões arbitrais do CAAD, algumas delas transitadas em julgado que, com base nos mesmos fundamentos invocados nesta impugnação, anularam parcialmente a liquidação do ISV, na parte respeitante à não redução da componente CO2.
j) Todavia, se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110.º do TFUE, deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado.
k) Verificados os cálculos do ISV constantes das DAV anexa (doc. 1), temos que relativamente à componente cilindrada, o ISV foi liquidado pelo valor de €5.243,58 - €1.048,72. Enquanto, na componente ambiental, foi liquidado por €5.627,28, sem qualquer redução. Quando deveria ter sido também aplicada a esta componente a redução aplicada à componente ambiental, que totaliza o valor de €1.125,46. Baixando dessa forma o valor relativo a esta componente ambiental para o valor de €4.501,82 e o respectivo ISV global para o valor de €8.696,68.
l) Devendo ser restituído ao Impugnante o montante de €1.125,46 pago a mais. Acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do art. 43.º da LGT.»
3.1. O Requerente termina pedindo que «a presente impugnação se[ja] julgada provada e procedente, ordenando-se a anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11.º do CISV à componente ambiental.» O Requerente pede, ainda, que «a AT se[ja] condenada a restituir ao Impugnante a quantia de €1.125,46 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efectiva restituição.»
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “REQUERIDA” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:
a) «Dos elementos constantes do Processo Administrativo, que se junta, constituído pelo procedimento atinente à introdução no consumo, efetuada através da DAV [...] identificada, o Requerente procedeu à regularização fiscal de um veículo ligeiro de passageiros, usado, proveniente de outro Estado-Membro, com as características constantes da mesma declaração. Na sequência do processamento da DAV em questão, foi efetuada a liquidação do imposto pela Alfândega do Jardim do Tabaco, tendo o Requerente, posteriormente, junto desta estância aduaneira, apresentado revisão oficiosa da mesma liquidação.
b) [D]o indeferimento tácito da do pedido de revisão oficiosa, veio, o Requerente, em 21.07.2021, apresentar, junto da Instância Arbitral, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a anulação parcial da liquidação de ISV, e consequente restituição do montante de € 1,125.46, resultante da aplicação da percentagem aplicável à componente cilindrada à componente ambiental, acrescido de juros indemnizatórios.
c) [N]o que concerne ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, importa referir que, ainda que venha a considerar-se que o pedido arbitral deva proceder, e que o ato de liquidação venha a ser parcialmente anulado, não poderá, todavia, aquele proceder.
d) É que, peticionando-se o pagamento de juros indemnizatórios “desde a data do pagamento do imposto até à efectiva restituição”, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, há que considerar o facto de o pedido arbitral ter sido efetuado na sequência do indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa que o Requerente apresentou junto da Alfândega de liquidação.
e) Efectivamente, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Dispondo o mesmo artigo na alínea c) do n.º 3 que são igualmente devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.
f) Deste modo, e seguindo jurisprudência assente do Supremo Tribunal Administrativo (STA), mormente a vertida nos Acórdãos de 11.12.2019, no Processo n.º 058/19.9BALSB, e de 20.05.2020, no Processo 05/19.8BALSB, entende-se que os juros indemnizatórios só seriam devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto (cf. artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT). No mesmo sentido já se pronunciou o tribunal arbitral, seguindo a jurisprudência superior, designadamente na decisão proferida no processo n.º 296/2020-T.
g) Assim, atendendo a que o pedido de revisão foi apresentado junto da alfândega competente em 21.01.2021, não tendo decorrido o prazo de um ano após a apresentação daquele pedido não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios no caso concreto, porquanto o direito ao seu recebimento só poderia ocorrer, face à lei, a partir de 21.01.2022.
h) Destarte, em face do invocado, ainda que o tribunal venha a decidir no sentido da anulação parcial da liquidação, não obstante a AT tenha efetuado a liquidação no cumprimento estrito da lei em vigor, a que estava vinculada, não se verifica, conforme se expôs, no caso em apreço, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.»
4.1. A AT conclui a sua resposta pedindo que o pedido de pronúncia arbitral seja «julgado improcedente ou o pedido de pagamento de juros indemnizatórios [seja] julgado totalmente improcedente.»
5. Não tendo sido invocadas excepções e não havendo matéria de facto controvertida, por as questões a decidir serem de direito, o Tribunal Arbitral, através de despacho de 14/1/2022, prescindiu da produção de prova testemunhal e da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Foi, ainda, fixado o dia 21/1/2022 para a prolação da decisão arbitral.
II. Saneamento
6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8. Pelo supra exposto, e não se verificando nulidades, impõe-se o conhecimento, em seguida, do mérito do pedido.
III. Questões a decidir
9. Na petição arbitral, o Requerente alega que a liquidação de ISV ora em causa “está ferida de um vício de ilegalidade no que diz respeito a cálculo da componente ambiental ou CO2”. No entender do Requerente, “a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11.º do CISV – viola o art. 110.º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia), conforme foi já declarado por acórdão transitado em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia.”
10. Pelo exposto, o Requerente pede a “anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11.º do CISV à componente ambiental [e que] a AT se[ja] condenada a restituir ao Impugnante a quantia de €1.125,46 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento até à efectiva restituição.”
11. Por seu lado, a Requerida considera (de forma sumária e sem aduzir argumentação de Direito) que “a AT [...] efetu[ou] a liquidação no cumprimento estrito da lei em vigor, a que estava vinculada.” (vd. § 14.º e último da resposta). Relativamente ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados, a Requerida afirma, em síntese (tendo, neste caso, aduzido argumentação de Direito: vd. §§ 6.º a 13.º da resposta), que, tendo “o pedido de revisão [sido] apresentado junto da alfândega competente em 21.01.2021, não tendo decorrido o prazo de um ano após a apresentação daquele pedido não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios no caso concreto, porquanto o direito ao seu recebimento só poderia ocorrer, face à lei, a partir de 21.01.2022.” (§ 13.º da resposta).
12. Pelo exposto, conclui-se que a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da interpretação, adoptada pela Requerida, do referido artigo 11.º do CISV (na redacção que lhe foi dada pelo artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28/12), da qual resultou a liquidação de ISV em causa (e cuja anulação parcial constitui o objecto do presente pedido arbitral), tendo em vista verificar se a mesma viola ou não o disposto no artigo 110.º do TFUE (e, caso subsistam dúvidas, aferir se haverá necessidade de promover o reenvio prejudicial ao TJUE, nos termos sugeridos pelo Requerente [vd. § 73.º da p.i.]). Por último, tratar-se-á da questão relativa ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados.
IV. Mérito
IV.1. Matéria de facto
13. Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A. O Requerente introduziu em Portugal, em 3/2/2020, um veículo automóvel ligeiro usado, a gasóleo, da marca ..., ao qual foi atribuída a matrícula ..., e que se encontra identificado na DAV que consta de Doc. 1 apenso aos autos. O veículo é proveniente da Alemanha, com a primeira matrícula registada nesse país.
B. No cumprimento das suas obrigações legais tributárias, o Requerente procedeu à declaração aduaneira do referido veículo, tendo a AT procedido à liquidação do ISV [...] no valor de €9.822,14 (vd. DAV apensa). O referido valor foi integralmente pago pelo Requerente. Do montante liquidado pela AT, €4.194,86 correspondem ao valor da componente cilindrada e €5.627,28 ao valor da componente ambiental (vd. DAV apensa). Quanto à componente cilindrada, operou a redução resultante do número de anos de uso do veículo (€1.048,72). Ao invés, nenhuma redução incidiu sobre o valor da componente ambiental (vd. Quadro R da DAV).
C. A aplicar-se a redução pretendida pelo Requerente, deveria ser deduzida, na parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, a quantia de €1.125,46. O valor da presente causa corresponde a este valor parcial da liquidação de ISV que o Requerente considera que foi exigido em violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
D. Na sequência do processamento da DAV em questão, foi efectuada a liquidação do imposto pela Alfândega do Jardim do Tabaco, tendo o Requerente, posteriormente, apresentado revisão oficiosa da mesma liquidação (vd. Doc. 6 apenso).
E. Inconformado com o indeferimento tácito do referido pedido de revisão oficiosa, o Requerente interpôs o presente pedido de constituição de tribunal arbitral a 21/7/2021, peticionando a anulação parcial das liquidações de ISV e a restituição do montante de €9.325,19 acrescido de juros indemnizatórios “desde a data do pagamento do imposto até à efectiva restituição”.
IV.2. Factos não provados
14. Inexistem factos não provados com relevo para a apreciação do mérito da causa.
IV.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
15. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
16. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
17. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados.
IV.4. Matéria de direito
18. A questão essencial que aqui está em causa já foi, por várias vezes, objecto de análise em sede arbitral. O entendimento da jurisprudência arbitral do CAAD até à presente data (nomeadamente, o que está vertido, por ex., nas Decisões arbitrais proferidas nos processos n.os 572/2018-T , 346/2019-T, 348/2019-T, 350/2019-T, 459/2019-T, 466/2019-T [da nossa autoria e que aqui se seguirá de perto], 498/2019-T, 660/2019-T, 776/2019-T, 833/2019-T, 13/2020-T, 33/2020-T, 75/2020-T, 117/2020-T, 130/2020-T [da nossa autoria], 201/2020-T, 246/2020-T, 293/2020-T, 779/2020-T e 129/2021-T) é aquele que também se defenderá aqui, por com ele se concordar, pelas razões que serão, em seguida, expostas.
19. Como se disse acima, a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da interpretação, adoptada pela Requerida, do art. 11.º, n.º 1, do CISV (na redacção que lhe foi dada pelo art. 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28/12), da qual resultou a liquidação de ISV em causa (e cuja anulação parcial constituiu o objecto do presente pedido arbitral), tendo em vista verificar se a mesma viola ou não o disposto no artigo 110.º do TFUE. Com efeito, o Requerente interpôs o presente pedido arbitral por entender que a liquidação de ISV em causa “está ferida de um vício de ilegalidade no que diz respeito a cálculo da componente ambiental ou CO2”, uma vez que “a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11.º do CISV – viola o art. 110.º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia)”. Razão pela qual conclui que lhe deve ser restituída “a quantia de €1.125,46 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados [...] desde a data do pagamento do imposto”.
20. Por seu lado, a Requerida considera que “a AT [...] efetu[ou] a liquidação no cumprimento estrito da lei em vigor, a que estava vinculada.” Relativamente ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados, a Requerida afirma, em síntese, que, tendo “o pedido de revisão [sido] apresentado junto da alfândega competente em 21.01.2021, não tendo decorrido o prazo de um ano após a apresentação daquele pedido não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios no caso concreto, porquanto o direito ao seu recebimento só poderia ocorrer, face à lei, a partir de 21.01.2022.”
21. Vejamos, então, começando pela questão essencial supra referida.
22. Nos termos do disposto no mencionado art. 110.º do TFUE (que corresponde ao anterior art. 90.º do TCE), “Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções.”
23. E, nos termos do também mencionado art. 11.º (Taxas - veículos usados) do CISV, na redacção dada pela Lei n.º 42/2016, de 28/12,
“1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:
Tabela D
2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.
3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:
ISV = ((V/VR) x Y) + C
em que:
ISV representa o montante do imposto a pagar;
V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;
VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;
Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;
C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.
4 - Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume--se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.”
24. Para o presente caso, é também importante ter presente o que dizia o artigo 7.º (Taxas normais - automóveis) do CISV, na redacção dada pela Lei n.º 42/2016, de 28/12:
“1 - A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos: a) Aos automóveis de passageiros; [...].
Tabela A
25. No caso destes autos, é indiscutível que está em causa um veículo ligeiro de passageiros, usado, movido a gasóleo (vd. ponto A da factualidade provada).
26. Como resulta da leitura do Quadro R da DAV ora em causa, no que respeita à componente cilindrada, foi deduzida a quantia legalmente exigida, por força da redução resultante do número de anos de uso dos veículos, segundo as percentagens de redução constantes da Tabela D prevista no n.º 1 do art. 11.º do CISV, aplicável aos veículos usados; já no que se refere à componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de redução.
27. Está, pois, em causa determinar se a referida norma do art. 11.º do CISV, na medida em que não considera qualquer redução de imposto em função do número de anos de uso do veículo na componente ambiental, viola ou não o direito comunitário, nomeadamente o citado art. 110.º do TFUE e, consequentemente, se a liquidação ora impugnada se encontra, ou não, ferida de ilegalidade.
28. Assim sendo, mostra-se necessária a análise da questão da conformidade com o direito comunitário das normas nacionais relativas à tributação de veículos usados “importados” de outro Estado-Membro. Uma questão importante que já foi submetida à apreciação do TJUE por diversas vezes.
29. Como bem se sintetiza, a este respeito, na Decisão arbitral que foi proferida no processo n.º 346/2019-T, “ainda na vigência do revogado imposto automóvel, que precedeu o atual ISV, aquele Tribunal não teve dúvida em declarar que «A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.º do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.» (Ac. de 09-03-1995, proc. C-345/03, Nunes Tadeu). Sobre a mesma matéria, e com referência aquele mesmo tributo, voltaria o Tribunal de Justiça a pronunciar-se, no sentido de que «A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.º do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional» (Ac. de 22-02-2001, proc. C-393/98, Gomes Valente). É, pois, constante orientação do Tribunal de Justiça sobre a incompatibilidade de normas nacionais que tributem mais gravosamente os veículos «importados» de outros Estados Membros, como se extrai tanto das decisões referidas como de tributações de similares contornos vigentes noutros países da União Europeia: «O artigo 95.º, primeiro parágrafo, do Tratado só permite a um Estado-Membro aplicar aos veículos usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação em que a depreciação do valor efectivo dos referidos veículos é calculada de modo geral e abstracto, com base em critérios ou tabelas fixas determinados por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa, se esses critérios ou tabelas forem susceptíveis de garantir que o montante do imposto devido não excede, ainda que apenas em certos casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados no território nacional» (Ac. de 20-09-2007, proc. C-74/06, Comissão das Comunidades Europeias vs República Helénica).”
30. E, num caso em que, pela primeira vez, se analisou a consideração da componente ambiental no âmbito da tributação automóvel no direito húngaro (vd. Ac. de 5/10/2006, proc. C-290/05, caso Ákos Nádasdi), o TJUE viria a considerar que: “51. No que concerne aos critérios que podem ser utilizados para o cálculo de um imposto, há que recordar que o direito comunitário, no estado actual da sua evolução, não limita a liberdade de cada Estado‑Membro estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, ainda que similares na acepção do artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE, em função de critérios objectivos, como sejam a natureza das matérias‑primas utilizadas ou os processos de produção aplicados. Contudo, tais diferenciações só são compatíveis com o direito comunitário se prosseguirem objectivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e se as suas modalidades forem de molde a evitar qualquer forma de discriminação, directa ou indirecta, das importações provenientes dos outros Estados‑Membros, ou de protecção em favor de produções nacionais concorrentes (acórdão Outokumpu, já referido, n.º 30). 52. No âmbito de um regime relativo ao imposto automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em considerações ambientais constituem critérios objectivos. Daí poderem ser utilizados num regime desses. Em compensação, não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo. 53. Contudo, um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados‑Membros do que os produtos nacionais similares. [...]. 56. Assim, não obstante o carácter ambiental do objectivo e do fundamento do imposto automóvel e mesmo não tendo estes qualquer relação com o valor de mercado do veículo, o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE exige que seja tida em conta a depreciação dos veículos usados que são objecto de tributação, visto que esse imposto se caracteriza por ser apenas cobrado uma vez quando do primeiro registo do veículo para efeitos da sua utilização no Estado‑Membro em causa e por ser desta forma incorporado no referido valor.”
31. Com base nestas considerações, o TJUE viria a declarar, no referido caso Ákos Nádasdi, que: “57. [...] o artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida: – em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado‑Membro e; – em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação.”
32. No contexto do sistema nacional de tributação automóvel, e já sobre a norma do art. 11.º do CISV, na redacção em vigor até à alteração introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, o TJUE também viria a tecer considerações relevantes no seu Ac. de 16/6/2016, proc. C-200/15 (Comissão Europeia vs República Portuguesa): “26. Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar‑se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida). 27. No caso em apreço, o artigo 11.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados‑Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos. 28. Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos. 29. Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C‑101/00, EU:C:2002:505, n.º 78). 30. Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos. 31. Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.º TFUE. [...]. 37. [...] o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração da desvalorização real dos veículos não tem necessariamente que levar a uma avaliação ou a uma prova pericial de cada um deles. Com efeito, evitando as dificuldades inerentes a tal sistema, um Estado‑Membro pode fixar, através de tabelas de percentagens fixas determinadas por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa e calculadas com base em critérios como a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, um valor dos veículos usados que, regra geral, é muito próximo do seu valor real (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.º 24, e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.º 29). 38. Assim, embora não decorra desta jurisprudência que as tabelas de percentagens fixas devam ser concebidas com base em todos estes critérios, uma vez que esta contém só, como confirma a utilização do termo «como», uma lista exemplificativa e não exaustiva de critérios de elaboração das referidas tabelas, importa contudo que, conforme resulta dos n.os 24 a 26 do presente acórdão, a aplicação destas tabelas não conduza, ainda que apenas em certos casos, a uma tributação dos veículos usados importados de outros Estados‑Membros superior à dos veículos similares já matriculados no Estado‑Membro em causa. 39. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração de vários fatores de desvalorização, como os indicados no n.º 37 do presente acórdão, é suscetível de garantir que a tabela de percentagens fixas reflita de forma muito mais precisa a desvalorização efetiva dos veículos e permita atingir o objetivo de uma tributação dos veículos usados importados que não seja em caso algum superior ao montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional (v., neste sentido, acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.º 28). 40. Resulta de todas as considerações precedentes que a ação da Comissão deve ser julgada procedente. 41. Por conseguinte, há que declarar que a República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.” (Sublinhados nossos.)
33. No sentido de acolher esta decisão do TJUE, foi, através da Lei n.º 42/2016, de 28/12, alterada a redacção do art. 11.º do CISV, nele passando a ser considerada a desvalorização do veículo a que a mesma se refere mas apenas quanto à componente cilindrada, ficando excluída qualquer redução no que diz respeito à componente ambiental.
34. Pode, assim, concluir-se, também aqui, e tal como se fez na Decisão arbitral proferida no processo n.º 572/2018-T, que os “contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11.º, n.º 1, Tabela D, o previsto no art. 110.º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no art. 90.º do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados[ ], de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.”
35. Este entendimento, que já era (e que continua a ser) adoptado pela jurisprudência arbitral portuguesa, veio a encontrar apoio no recente Acórdão do TJUE (processo C-169/20), de 2/9/2021, no qual, de forma clara e inequívoca, se conclui que o artigo 11.º do CISV, na redacção dada pela Lei n.º 42/2016, de 28/12 (a qual foi aplicada ao caso em apreciação nos presentes autos) é contrário ao que dispõe o artigo 110.º do TFUE.
36. Citando as partes consideradas mais relevantes para o caso aqui em apreciação, pode ler-se no supra referido Acórdão do TJUE: “No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, na sequência do Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal (C‑200/15, não publicado, EU:C:2016:453), a República Portuguesa reformou o seu regime de tributação dos veículos objeto de uma primeira colocação em circulação em Portugal. Segundo o regime resultante da referida reforma, o imposto em causa, cobrado nessa ocasião, inclui duas componentes, uma calculada em função da cilindrada do veículo em questão e a outra, denominada «componente ambiental», em função do nível de emissão de dióxido de carbono desse veículo. Diferentemente da componente do imposto em causa calculada em função da cilindrada do veículo, para a qual o artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos prevê uma percentagem de redução em função da idade do veículo, não está prevista nenhuma redução da componente ambiental do referido imposto que reflita a desvalorização do valor comercial do veículo a esse título. Daqui resulta que a legislação nacional que institui o imposto em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo para os veículos usados importados em Portugal de outros Estados-Membros é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos. Por conseguinte, a referida legislação não garante que os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares já presentes no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.º TFUE. [...]. A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que o artigo 110.º TFUE se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Nádashi e Németh, C‑290/05 e C‑333/05, EU:C:2006:652, n.os 56 e 57). [...]. Nestas condições, há que declarar que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.” (Sublinhados nossos.)
37. Em face do exposto, pode concluir-se que não se suscitam, nesta sede, dúvidas quanto a incompatibilidade (já declarada pelo TJUE) com o direito comunitário da norma aplicada às liquidações aqui impugnadas, nem quanto à posição constante e reiterada do TJUE nos termos assinalados nesta Decisão, nem quanto à interpretação do art. 110.º do TFUE, pelo que se mostra desnecessário o reenvio prejudicial , julgando-se, assim, incompatível com o direito comunitário a norma do artigo 11.º do CISV, na redacção dada pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, na medida em que – pelas razões que foram supra referidas e que encontram respaldo no recente Acórdão do TJUE (processo C-169/20), de 2/9/2021 – tal norma sujeitava os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transaccionados no mercado nacional.
38. Como no acto de liquidação aqui em causa foi, comprovadamente, desconsiderada a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, o mesmo encontra-se ferido de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 110.º do TFUE , devendo o referido acto ser parcialmente anulado, na medida dessa desconsideração (€ 1.125,46) .
Restituição do imposto pago em excesso / Juros indemnizatórios
39. Relativamente ao pedido de restituição do imposto pago em excesso, não restam dúvidas de que assiste ao Requerente o direito a tal restituição - sendo que o referido pedido se contém nos poderes reconhecidos aos tribunais arbitrais em matéria tributária.
40. Com efeito, e como bem se refere, por ex., na Decisão Arbitral (colectiva) de 9/11/2020, proferida no processo n.º 772/2019-T, «dúvidas não subsistem de que os poderes dos tribunais arbitrais se circunscrevem a poderes de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto impugnado. Porém, não obstante este contencioso ser essencialmente de mera anulação, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estritamente ligados ao poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia ou com o direito à restituição do imposto indevidamente pago. Ressalvadas estas excepções, estaremos sempre perante um contencioso de mera anulação, o que significa que perante a impugnação de um acto tributário junto de um tribunal arbitral, a este tribunal caberá apenas considerar o acto legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo, cabendo à AT retirar as consequências da eventual decisão anulatória, no respeito pelo disposto no art.º 24.º do RJAT. [...]. [...] os tribunais arbitrais tributários não podem emitir injunções condenatórias para além dos poderes estritamente ligados ao poder anulatório, que acima se referiram. No caso, interpreta-se o peticionado [...] como um pedido de restituição do imposto indevidamente pago por força do acto tributário impugnado, [...] [sendo que tal pedido] se contém nos poderes reconhecidos aos tribunais arbitrais em matéria tributária.» (Sublinhados nossos.)
41. Neste mesmo sentido – mas também no que se refere ao entendimento, com o qual se concorda, relativamente ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios –, veja-se, por ex., a Decisão Arbitral (colectiva) de 15/6/2020, proferida no processo n.º 702/2019-T: “Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT [...] e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial) [...]. Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida. Cumpre, assim, apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios. Na sequência da anulação das liquidações, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada [...]. No que concerne a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT apenas reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços. O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06. Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT». Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT. Nestes casos de revisão do acto tributário, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, nos termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT. Neste sentido, tem vindo a pronunciar-se reiteradamente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 6-07-2005, processo n.º 0560/05; de 02-11-2005, processo n.º 0562/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; de 24-05-2006, processo n.º 01155/05; de 02-11-2006, processo n.º 0604/06; de 15-11-2006, processo n.º 028/06; de 10-01-2007, processo n.º 523/06; de 17-01-2007, processo n.º 01040/06; de 12-12-2006, processo n.º 0918/06; de 15-02-2007, processo n.º 01041/06; de 06-06-2007, processo n.º 0606/06; de 10-07-2013, processo n.º 390/13; de 18-01-2017, processo n.º 0890/16; de 10-5-2017, processo n.º 01159/14.” (Sublinhados nossos.)
42. Veja-se, também, em sentido idêntico, por ex., os seguintes arestos: “Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação que não foi oportunamente reclamado nem impugnado e vindo o acto a ser anulado em decisão arbitral, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT” (Acórdão do STA de 20/5/2020, Proc. 05/19.8BALSB); “A questão fundamental de direito [...] consiste em saber se os juros indemnizatórios, a fixar na sequência de anulação judicial de acto de liquidação precedida de pedido de revisão por iniciativa do contribuinte, devem ser contados a partir da data do pagamento do imposto indevidamente liquidado, ou devem ser contados após o decurso do prazo de um ano sobre o pedido de revisão formulado. A questão não é nova e já foi por diversas vezes analisada e decidida pelo STA no sentido de que tais juros só são devidos após o decurso do prazo de um ano contado da data de apresentação do pedido de revisão – acórdãos desta Secção de 24/05/06, no proc. n.º 01155/05, de 2/11/2006, no proc. n.º 0604/06, de 15/02/2007, no proc. n.º 01041/06, de 10/05/2017, no proc. n.º 01159/14, e de 6/12/2017, no proc. n.º 0926/17, e acórdãos do Pleno de 23/05/2018, no proc. n.º 01201/17, e de 27/02/2019, no proc. n.º 022/18. Sufragamos, sem reservas, esta orientação jurisprudencial, que actualmente se encontra consolidada no Supremo Tribunal Administrativo face aos mencionados acórdãos do Pleno” (Acórdão do STA de 8/5/2019, Proc. 0116/18.7BALSB). (Sublinhados nossos.)
43. Em face do exposto, conclui-se, no caso aqui em apreciação, que, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado a 21/1/2021 (vd. § 75.º da p.i. e Doc. 6 apenso aos autos), apenas a partir de 22/1/2022 (caso o Requerente não tenha sido integralmente reembolsado do montante pago em excesso antes desta data) tem o Requerente direito a juros indemnizatórios. Tais juros indemnizatórios devem ser contados desde a mencionada data de 22/1/2022 até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do art. 61.º do CPPT, do art. 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8/4.
44. Em resumo, reconhece-se ao ora Requerente: o direito ao reembolso parcial do montante por si pago, relativo ao ISV na parte em que a liquidação se deve considerar anulada (€1.125,46), como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade supra assinalada ; e o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados a partir de 22/1/2022 (se o reembolso integral do montante pago em excesso não ocorrer antes desta data) até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do art. 61.º do CPPT, do art. 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8/4.
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, determinar a anulação parcial do acto de liquidação impugnado na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da desconsideração da redução do imposto correspondente à componente ambiental do ISV, no valor total de € 1.125,46, com o consequente reembolso do valor indevidamente cobrado.
- Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los ao Requerente nos termos referidos no ponto 43 e 44 desta decisão arbitral.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 1.125,46 (mil cento e vinte cinco euros e quarenta e seis cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 306,00 (trezentos e seis euros), a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
VIII. Comunicação ao Ministério Público
Notifique-se o Ministério Público, nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, para efeitos de eventual recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, se for caso disso.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2022.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.