DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Rui Duarte Morais, (árbitro presidente), António Pragal Colaço e Maria da Graça Martins (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 24 de Agosto de 2021, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1 – A..., S.A., contribuinte n.º..., com sede no ..., ... ..., ..., ...-..., ..., com o número de identificação de pessoa coletiva ..., adiante designada por “Requerente”, apresentou, em 16 de Junho de 2021, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 6º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1 alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos seguintes atos tributários:
Liquidação adicional de IVA n.º 2021..., incluindo juros compensatórios, referentes ao período 1609T, e ainda da liquidação adicional de IVA n.º 2020 ... e a de juros de mora n.º 2020..., respeitantes ao período 1709T, no montante total a pagar de € 118.234,44.
2 – TRAMITAÇÃO
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 17 de Junho de 2021 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT em 7 de setembro de 2021.
Nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes, notificadas dessa designação em 4 de Agosto de 2021, não manifestaram vontade de a recusar, atento o preceituado nos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 24 de Agosto de 2021.
Em 11 de Outubro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, suscitando uma exceção que designou de Questão prévia – do pedido e da causa de pedir e da anulação apenas parcial dos atos tributários de liquidação impugnados. Defendeu-se também por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”).
Por despacho de 21 de Outubro de 2021, foi decidido que “Por se considerar existirem factos, que poderão ser relevantes, suscetíveis de prova testemunhal, designa-se o dia 19 de novembro, às 15 horas, para a realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT e para audição das testemunhas arroladas pela Requerente, as quais, para o efeito, deverão comparecer em instalações do CAAD.”
Em 19 de Novembro de 2021 teve lugar a referida reunião, na qual foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela Requerente, tendo as Partes sido notificadas para apresentarem alegações simultâneas no prazo de 15 dias.
Fixou-se, ainda, como data previsível para a prolação da decisão o dia 24 de Fevereiro de 2022, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente por parte da Requerente, até 10 dias subsequentes à data limite para a produção de alegações, (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).
Em 3 de Dezembro de 2021, a Requerente apresentou as suas alegações, reiterando o já por si alegado no pedido arbitral. Em 7 de Dezembro de 2021, a Requerida contra-alegou, mantendo a posição assumida no articulado de resposta e no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).
3 - POSIÇÃO DA REQUERENTE
Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega que as correções efetuadas sede de IVA que impugna, concretamente as ínsitas nos pontos III.1 e III.4 do Relatório de Inspeção, consubstanciadas na alegada existência de “faturas com descritivo genérico” e na desconsideração, para efeitos do exercício do direito à dedução, das faturas emitidas pela B..., Lda., padecem de vícios de índole material, por errada interpretação e aplicação da lei.
Quanto ao primeiro caso, alega que, uma vez que o espaço por si explorado possui todas as condições para a promoção de espetáculos, adotou uma estratégia comercial que assumia como prioridade a promoção de eventos musicais no seu espaço.
Porque, à altura, a verba 2.6, da Lista II anexa ao Código do IVA previa que as “entradas em espetáculos de canto, dança, música, teatro, cinema, tauromaquia e circo, excetuando-se as entradas em espetáculos de carácter pornográfico ou obsceno, como tal considerados na legislação sobre a matéria”, eram tributadas à taxa intermédia de IVA, entende ser essa a taxa a aplicar, por os montantes faturados corresponderem ao preço de entrada nos espetáculos de música por si promovidos.
Invoca, ainda, violação do princípio da neutralidade do IVA por entender estar-se perante uma discriminação entre ps espetáculos de música que organizou e outros espetáculos de idêntica natureza.
Quanto à não aceitação da dedutibilidade do IVA constante das faturas emitidas pela sociedade B..., considera que apenas pode ser negado o direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo quando, com fundamento em dados factuais, se possa concluir, com toda a probabilidade, que as faturas em causa não suportam operações reais, o que entende não ser o caso. Nesse sentido, afirma que adjudicou tarefas de promoção da discoteca e da marca C... à sociedade B..., ficando esta incumbida de promover a marca e a discoteca, bem como prestar serviços de apoio à gestão da Requerente nessas matérias. E que a B... envidou esforços neste sentido, desde a organização e implementação de ações publicitárias – levadas a cabo através das redes sociais, realização de voos nas praias das áreas geográficas próximas – à contratação de artistas reputados para atuar no espaço da Requerente.
Quanto à liquidação relativa a juros compensatórios, invoca que “…para haver lugar à obrigação de juros compensatórios, (…) exige-se o concurso de três requisitos ou elementos constitutivos; retardamento da liquidação, ser a contribuição devida e haver culpa do contribuinte por aquele retardamento.” (Acórdão no Processo n.º 12649, de 12 de Julho de 1995) e que “nem é sequer feita qualquer alusão à culpa – em sentido técnico-jurídico – imputável à Requerente, nem comprovado qualquer nexo de causalidade adequada entre o eventual atraso na liquidação e a conduta do sujeito passivo. Conclui que, “…por não se encontrar verificado este requisito da culpa, e, em todo o caso, por não constar da liquidação qualquer fundamento de direito, sempre seria ilegal a liquidação de juros compensatórios” …”
3 -POSIÇÃO DA REQUERIDA
A Requerida remete para os fundamentos constantes do Relatório de Inspeção Tributária.
Quanto às faturas com descritivo genérico, frisa a exigência legal, que considera não ter sido cumprida pela Requerente, de que as faturas contenham os elementos mencionados no n.º 5 do artigo 36.º, nomeadamente “a especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável”, exigência também presente quanto estejam em causa faturas simplificadas, nos termos do n.º 2 do artigo 40.º, ambos do CIVA.
Continua invocando plúrima jurisprudência quanto à importância dos requisitos formais da fatura em sede de IVA e a insusceptibilidade de se completar as mesmas com outros meios de prova (sendo que muitas dessas decisões surgem no contexto do exercício do direito à dedução por ser aí que, mais frequentemente, este tipo de questão se suscita).
Quanto à segunda questão, a das faturas emitidas pela B..., sustenta, alicerçando-se nos indícios vertidos no RIT, que as operações por elas tituladas não se realizaram.
Frisa que a Requerente não tomou em consideração todos os elementos que conduziram os SIT a colocar em causa a realidade das operações, nomeadamente os aspetos relacionados com a falta de lógica comercial dos negócios alegadamente celebrados, que não foram exibidos quaisquer documentos comprovativos dos serviços supostamente prestados à Requerente, para além das faturas emitidas não especificarem que tipo de serviços foram prestados.
Por fim, trazendo à colação o princípio do ónus da prova nesta matéria, considera que não se afigura a credível realização das operações em causa, pelo que, não conseguindo a Requerente demonstrar a realização das mesmas, conclui estar-se na presença de faturas que não correspondem a serviços efetivamente prestados, pelo que, nos termos do n.º 3 do art.º 19.º do CIVA, que dispõe que não pode deduzir-se o imposto que resulte de operação simulada, o mesmo não pode ser aceite como dedutível.
Quanto aos juros compensatórios, conclui pela verificação dos pressupostos legais da liquidação impugnada.
Pugna, pois, pela improcedência total dos pedidos da Requerente.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa a liquidações de IVA e juros inerentes, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, i.e., antes de decorridos 90 dias sobre a data-limite para pagamento dos atos tributários objeto da ação (sendo a primeira data de 4 de Janeiro de 2021), descontada a suspensão de prazos operada pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, artigo 6.º-B, cuja cessação de efeitos foi determinada pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A Requerida, conforme já referido, invocou uma exceção, que designou de “questão prévia – do pedido e da causa de pedir e da anulação apenas parcial dos atos tributários de liquidação impugnados, concluindo no art.º 23.º da sua resposta: “Assim, na medida em que os poderes de cognição do Tribunal estão limitados pelo pedido e causa de pedir, o Tribunal arbitral não pode apreciar nem declarar a ilegalidade total das liquidações adicionais de IVA e respetivas liquidações de juros compensatórios e mora impugnada, porquanto as mesmas se encontram influenciadas por correções que não foram contestadas pela Requerente.”
Ora, as correções impugnadas foram devidamente identificadas pela impugnante, correspondem apenas a algumas das operadas pela AT, pelo que não se compreende, salvo o devido respeito, qual a razão de ser desta “questão prévia”, pelo que não há que dela conhecer.
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas outras exceções.
III - FACTOS PROVADOS
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
A. A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto atividades hoteleiras, eventos e agenciamento de artistas, bem como o comércio a retalho em bancas, feiras e unidades móveis de venda de produtos alimentares, bebidas e tabaco;
B. A Requerente encontra-se enquadrada no regime normal mensal em sede de IVA e no regime geral em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas;
C. No âmbito da sua atividade, a Requerente explora um espaço de diversão noturna – o C...–, sito em ..., no Algarve;
D. As zonas em que se encontra o espaço dividido e subdividido correspondem igualmente à organização do estabelecimento em áreas necessárias ao desenvolvimento do negócio, sendo por vezes reorganizado, por forma a acomodar as necessidades específicas dos eventos realizados, por motivos relacionados com os eventos musicais, venda de bebidas, receção de artistas (do dia ou evento promovido), constituindo um todo de exploração;
E. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017..., a ora Requerente foi objeto de uma ação de inspeção de carácter externo, de âmbito geral com incidência no exercício de 2016;
F. Foram efetuadas correções ao IVA, no valor total de 82.693,48 (fls. 558 do RIT), nas quais se incluem as a seguir referidas, que constituem objeto do presente processo:
G. Facturas com descritivo genérico
Estão em causa as seguintes faturas:
H- A AT corrigiu o IVA liquidado pela Requerente em tais faturas, por considerar ser aplicável a taxa normal, sendo de 34.658,63€ o valor da correção efetuada.
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I - Facturas B...
A Requerida não aceitou a dedução do IVA liquidado nas seguintes faturas por considerar corresponderem a operações inexistentes:
J – O Capital social da B... era detido em 100% pela Requerente;
K - A B... encontrava-se em situação de crédito de IVA;
L - a Requerente tinha efetuado um investimento na B..., detendo sobre esta um crédito avultado;
M - a B... era uma “sociedade recente”; a B... tinha uma “dimensão em nada comparável à da Requerente”.
IV -FACTOS NÃO PROVADOS
A- Não ficou provado que os serviços a que se referem as faturas enumeradas em G) consistissem apenas em espetáculos de canto, dança, música de dança ou similares. Pelo contrário, da prova produzida resulta que os serviços praticados pela Requerente, a que se referem tais faturas, englobavam prestações com várias outras componentes.
B- Não ficou provada a prestação de quaisquer serviços, em concreto, pela B... à Requerente.
V - FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, a qual não resultou abalada pela prova testemunhal apresentada pela Requerente. Pelo contrário, a prova testemunhal produzida confirmou o que já resultava da prova documental.
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As testemunhas demonstraram conhecimento pessoal dos factos que relataram, responderam de forma objetiva e detalhada às questões que lhes foram colocadas, tendo-se abstido de responder a questão relativas a factos que não eram do seu conhecimento
A testemunha D..., que era ao tempo Diretor Financeiro da Requerente, afirmou, em suma, que: a Requerente geria um conjunto de espaços no Algarve, nas áreas da restauração e diversão noturna, nomeadamente a “...”, a discoteca “C...” e a “...”; investia nas redes sociais, em aviões publicitários, quer em Lisboa quer no Algarve, em ações de rua diárias, que começavam em Junho, visando captar clientes para os diferentes espaços; era a A... suportava os custos com estas atividades. Era a rubrica mais pesada a seguir às matérias – primas; contratavam pessoas com alguma notoriedade por um determinado valor de forma a “chamar” clientes para a discoteca.
Quando confrontado sobre as referências constantes nas faturas de descrição genérica, Homem 12 Homem 13 – indicou que o género era apenas para controlo interno e que o número era o preço de acesso ao espaço da C... .
A testemunha F..., afirmou ter sido fornecedor da A... de serviços de publicidade aérea, através da sociedade E... . Afirmou que era, normalmente, contactado pela testemunha anterior, E
D... (diretor financeiro da Requerente), ou, por vezes, pelos “donos” da Requerente.
Afirmou que a maioria da publicidade era relativa à C... .
II. DO DIREITO
I. QUESTÕES DECIDENDAS
Estão em causa, no presente processo:
- As correções ínsitas nos pontos III.1 e III.4 do Relatório de Inspeção, consubstanciadas na alegada existência de “faturas com descritivo genérico”
- A desconsideração das faturas emitidas pela B..., Lda., contribuinte n.º...;
- A legalidade das liquidações relativas a juros:
- Caso se julgue procedente o pedido de anulação das liquidações em crise, a Requerente peticiona a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios
A – Faturas com descritivo genérico
Decidindo:
Estabelece o artigo 36º, nº 5, do Código do IVA:
“5. As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:
a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;
b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;
c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;
d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;
e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;
f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.
No caso de a operação ou operações às quais se reporta a factura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável
De acordo com os factos provados nos autos, foram emitidas diversas faturas com descritivo genérico. A própria Requerente reconhece que as faturas em questão não “apresentam o maior detalhe”.
Ora, e este é um ponto que o tribunal arbitral não pode ignorar, a ausência de informação ou caracterização da natureza do serviço prestado viola frontalmente o disposto nos artigos 36º e 40ºdo Código do IVA no que concerne os requisitos formais estabelecidos para a emissão de faturas (e direito à dedução) do IVA.
Impõe-se reconhecer a vertente formalista do sistema comum do IVA assente no dever de comprovação dos pressupostos formais.
A mera referência genérica à designação de prestação de serviço seja ela qual for, é legalmente insuficiente, o que legitima a AT a corrigir a liquidação de imposto feita pelo sujeito passivo, neste caso, a taxa aplicada.
Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Abril de 2009 (Pimenta do Vale), Proc. nº 0951/08: “o que o legislador pretendeu foi evitar a fuga e a fraude fiscal, exigindo várias formalidades aos documentos que atestam a existência de factos tributários: nas transmissões de bens e prestações de serviços, as facturas têm que obedecer a todos os requisitos do dito artº 35º . No caso dos autos, o facto tributário é a prestação de serviços, pelo que os documentos relevantes para efeito de liquidação de IVA são as ditas facturas. Todavia, estes documentos, que permitiram estabelecer uma relação com a sociedade adquirente, não possuem os elementos essenciais legalmente previstos que permitam obstaculizar a liquidação do IVA. Na verdade, e repetindo o que acima referimos, é reconhecido o carácter formalista do IVA, em ordem nomeadamente, a evitar, o mais possível, a evasão fiscal, pelo que as respectivas formalidades o são «ad substantiam», que não meramente «ad probationem».”
(…)
Neste conspecto, nem pode dizer-se que este art. 35º permite distinguir entre falta de forma legal e falta de elementos meramente acessórios, não essenciais, que só podem levar ao suprimento da falta. É que, a forma legal, já se viu, é a do artigo 35° n° 5.
(…).
Assim sendo, a factura ou documento equivalente que não respeite integralmente o artigo 35° n° 5 do CIVA não está passada "em forma legal" e, consequentemente, não permite deduzir o respectivo imposto. (…)
Acresce que, não obstante o recorrente pudesse querer produzir prova testemunhal sobre os discriminados trabalhos, tal prova não era idónea como não seria a feita por documentos internos que não podem substituir as indicações que a lei impõe sejam discriminadas na própria factura: para efeitos de IVA só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal e, como assim, por mais apropriados que sejam outros método, dado que o legislador só conferiu o direito à dedução do imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes, estes têm que ser necessariamente os processados pelos vendedores”(cf. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de Outubro de 2002 (José Gomes Correia), proc. nº 06153/01)
Na realidade, a aceitação de faturas com um descritivo genérico obrigaria a que AT, em cada ação de inspeção, tivesse que desencadear procedimentos de comprovação das operações subjacentes, o que tornaria impraticável o funcionamento dos serviços, com prejuízo para todos os sujeitos passivos.
Acresce, por último, que a Requerente, do decurso do presente processo, não logrou provar quais os concretos serviços subjacentes à emissão das faturas em causa, pelo que o seu pedido sempre improcederia, mesmo que se considerasse possível a produção de tal prova em juízo.
Improcede também a argumentação deduzida pela Requerente no sentido da violação do princípio da neutralidade do IVA, pois o que está em causa é qual a realidade dos concretos serviços titulados por tais faturas e não uma discriminação negativa da Requerente comparativamente a outros sujeitos passivos que forneçam serviços idênticos.
Este Tribunal acompanha, por isso, o posicionamento da AT, pelo que improcede nesta parte o pedido de declaração de ilegalidade das correções efetuadas relativas à taxa de IVA aplicável.
B – Não dedução do IVA constante das faturas B... Club
A Requerente suscitou a ilegalidade da correção referente ao IVA mencionado nas faturas a si emitidas pela B..., a cuja dedução, afirmando estarem em causa operações reais e que a AT assentou a correção em meras dúvidas e suspeições da não realização das operações.
A AT, partindo dos indícios dados como provados em J) a M), concluiu que “a situação em apreço, não se afigura como credível, configurando que estaremos na presença de faturas que não correspondem a serviços prestados, mas sim a forma de recuperar parte do investimento realizado”, que “ tais operações não se realizaram, “… não correspondem a serviços prestados”.
Assinala ainda o RIT que “ o facto de os SIT terem considerado que as faturas descreviam uma operação em que uma discoteca menos conhecida, a “B... Club”, promovia uma discoteca maior e mais popular (por uma quantia desprovida dos valores de mercado), quando as regras de bonus pater famila indicam que tal deveria ser precisamente inversa.
Repare-se que a B... só esteve em atividade efetiva durante um período temporal relativamente curto (cerca de um mês) – no período compreendido entre 2016/07/02 a 2016/08/20 –, sendo que a sua atividade mais relevante acabou por ser a prestação de serviços de divulgação efetuada à Requerente, em montantes superiores a €200.000,00.
Acresce que, para além das faturas emitidas não especificarem suficientemente que os serviços concretamente prestados, não foram exibidos quaisquer documentos comprovativos dos serviços supostamente prestados à Requerente.
Vejamos,
Neste ponto, o tribunal arbitral acompanha o entendimento da AT quanto à aplicação do regime do ónus da prova.
É manifesto que a AT provou indícios suficientemente credíveis da inverosimilidade das operações alegadamente subjacentes à emissão de tais faturas.
Por seu lado, a Requerente não conseguiu provar quais os serviços que foram efetivamente prestados pela B... . Bem pelo contrário, da prova testemunhal produzida resultou que os tipos de serviços em causa, nomeadamente publicidade aérea, eram normalmente contratados, diretamente, pela Requerente a terceiros.
Com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 2016-03-16, processo 587/15, dizemos:
«Com efeito, como a jurisprudência do STA tem unanimemente afirmado, apesar de, atendendo ao princípio da legalidade administrativa, impender sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente (não aceitando a respetiva dedução) o montante do IVA incluído em faturas correspondentes a transações que considere não se terem realizado, basta para legitimar essa atuação da AT (ao abrigo do n.º 3 do art.º 19.º do CIVA) a existência de indícios sérios de que as operações tituladas por tais faturas não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são. (…)
E, aqui, a lei não exige senão ‘indícios fundados’, ou seja, não impõe à Administração a ‘prova provada’ de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente refletem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte.
E a este, desprovido do escudo protetor da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respetivos suportes, destarte posta em crise face àqueles ‘fundados indícios’.”. “Destarte, não é a Administração que afirma um facto positivo com consequências tributárias – é o contribuinte que invoca o seu direito à dedução do IVA pago a montante. Por isso, é ele quem deve provar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito.”»
Desta forma, tendo a AT fundamentadamente considerado que as operações não eram credíveis, cabia à Requerente demonstrar que o eram, o que não fez.
Ora, a Requerente não apresentou documentação probatória da efetiva realização das mesmas para além da referida faturação, nem produziu prova testemunhal minimamente convincente.
Assim, não conseguindo a Requerente demonstrar os factos que lhe incumbia provar, há que concluir estar-se na presença de faturas que não correspondem a serviços efetivamente prestados.
Pelo que não deve ser considerada a dedução do IVA contido em tais faturas, nos termos do n.º 3 do art.º 19.º do CIVA, que dispõe que não pode deduzir-se o imposto que resulte de operação simulada.
Desta forma, também aqui se deve concluir que a correção contestada não merece qualquer censura.
Juros Compensatórios
O atraso na cobrança do imposto é consequência óbvia do facto de as autoliquidações de IVA apresentadas pela Requerente não serem, pelas razões que se deixaram expostas, conformes com os preceitos legais aplicáveis. A culpa da Requerente consubstancia-se na violação da lei, sendo que os normativos aplicáveis são claros, existindo até dolo no relativo à dedução do IVA liquidado pela B... .
A deficiência de tais liquidações apenas resultou corrigida em sede inspetiva, do que resultou um atraso no recebimento pelo estado do imposto devido, o que fundamenta a exigência do pagamento de juros compensatórios.
Acompanhando o STA no ac. de 21-11-2019, proferido no processo n.º 0306/12, temos que o relatório de inspeção tributária contém a descrição dos factos imputados ao sujeito passivo que originaram as correções, conduzindo ao retardamento da liquidação, bem como a sua qualificação como comportamento ilícito, não faltando sequer a referência ao seu enquadramento legal como um ilícito contraordenacional, pelo que se deve ter por suficientemente fundamentada a liquidação de juros compensatórios impugnada.
DECISÃO
Pelo exposto acordam os árbitros deste tribunal arbitral em:
a) Julgar a ação improcedente, mantendo-se as liquidações impugnadas, com as legais consequências.
b) Considerar prejudicado o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios;
c) Condenar a Requerente no pagamento das custas arbitrais, por ter sido total o seu decaimento.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 118.234,44 (cento e dezoito mil, duzentos e trinta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos) correspondente ao valor das liquidações de IVA que a Requerente pretendeu anular – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
CUSTAS
Custas no montante de € 3.060,00 a cargo da Requerente, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Lisboa, 20 de janeiro de 2022
Notifique-se.
Os Árbitros,
Rui Duarte Morais
António Pragal Colaço
Maria da Graça Martins