DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. No dia 14-5-2021, o sujeito passivo A..., S.A., pessoa colectiva nº..., com sede na ..., nºs .../..., ...-... ..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios ... 1603T, no valor de € 32 109,37, ... 1606T, no valor de € 29 577,15, ... 1609T, no valor de € 17 528,68, ... 1612T, no valor de € 35 199,57, ... 1703T, no valor de € 35 843,29, ... 1706T, no valor de € 55 187,64, ... 1709T, no valor de € 28 255,65, ... 1712T, no valor de € 57 606,12, ... 1803T, no valor de € 34 172,45 €, ... 1806T, no valor de € 23 524,35, ... 1809T, no valor de € 27 120,61, ... 1812T, no valor de € 23 532,73, ... 1903T, no valor de € 32 492,44, ...1906T no valor de € 17 265,70, ... 1909T, no valor de € 38 942,01, ... 1912T, no valor de € 19 911,86 e ... 2003T, no valor de € 22 929,63, e o indeferimento do pedido de reembolso de IVA apresentado pela Requerente, relativo ao período de 2020 03T, no montante de € 480.175,71, acto notificado ao SP através do Ofício DSR/DRR, N.º..., datado de 29/12/2020, em virtude dessas liquidações adicionais.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitros o Juiz José Poças Falcão (presidente e relator), o Professor Doutor Luís Menezes Leitão e a Dra. Raquel Montes Fernandes, disso notificando as partes.
3. O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, os seguintes:
4.1. Em virtude de Relatório de Inspeção Tributária dos Serviços de Inspecção Tributária da Direção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício, n.º/Data 2020..., 21/12/2020, com a Referência 500.10.300.02, assente nas seguintes Ordens de Serviço n.ºs: OI2020..., OI2020..., OI2020..., OI2020..., OI2020..., da Divisão II/Equipa EQ6360/MX, a Requerida procedeu às seguintes liquidações adicionais de impostos e juros:
Ano 2016 (IVA)
- Liquidação Adicional ... 1603T: 32 109,37 €
- Liquidação Adicional ... 1606T: 29 577,15 €
- Liquidação Adicional ... 1609T: 17 528,68 €
- Liquidação Adicional ... 1612T: 35 199,57 €
Ano 2017 (IVA)
- Liquidação Adicional ... 1703T: 35 843,29 €
- Liquidação Adicional ... 1706T: 55 187,64 €
- Liquidação Adicional ... 1709T: 28 255,65 €
- Liquidação Adicional ...1712T: 57 606,12 €
Ano 2018 (IVA)
- Liquidação Adicional ... 1803T: 34 172,45 €
- Liquidação Adicional ... 1806T: 23 524,35 €
- Liquidação Adicional ... 1809T: 27 120,61 €
- Liquidação Adicional ... 1812T: 23 532,73 €
Ano 2019 (IVA)
- Liquidação Adicional ...1903T: 32 492,44 €
- Liquidação Adicional ...1906T: 17 265,70 €
- Liquidação Adicional ... 1909T: 38 942,01 €
- Liquidação Adicional ... 1912T: 19 911,86 €
Ano 2020 (IVA)
- Liquidação Adicional ... 2003T: 22 929,63 €
531 199,25 €
4.2. Em consequências dessas liquidações adicionais, a Requerida procedeu ao indeferimento do pedido de reembolso de IVA apresentado pela Requerente, relativo ao período de 2020 03T, no montante de € 480.175,71, acto notificado através do Ofício DSR/DRR, N.º..., datado de 2020/12/29, “Reembolso NR ...1”, fundado em “insuficiência de crédito em conta-corrente”, sendo esse indeferimento consequência da anulação do crédito em conta-corrente que a Requerente tinha contabilizado a seu favor e que a Requerida eliminou por via das liquidações acima referidas.
4.3. O CAAD é competente para a decisão da presente impugnação, quer para a declaração da ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios, quer para a declaração da ilegalidade do indeferimento pela Requerida do pedido de reembolso efectuado, em razão de eliminação do crédito que a Requerente mantinha na conta-corrente do IVA, conforme resulta do expendido na decisão arbitral proferida no processo n.º 543/2018-T.
4.4. A Requerente é uma sociedade comercial que desenvolve uma actividade que lhe confere a qualidade de sujeito passivo de IVA, realizando, conforme o seu objecto social, prestações de serviços, não isentas, cabendo-lhe, portanto, o direito a deduzir o IVA por si suportado.
4.5. Considerando os valores inscritos na conta-corrente da Requerente, esta efectuou um pedido de reembolso de IVA referente ao período de 2020.03T, no valor de €480.175,71.
4.6. A apresentação desse pedido de reembolso pela Requerente do seu crédito em conta-corrente do IVA, conforme consta de modo expresso no RIT (pág. 5), justificou a selecção da Requerente “para verificação”, sendo emitida Ordem de serviço n.º OI2020... .
4.7. Portanto, de modo fortemente censurável, como caracteriza a actividade da AT, esta não actua em cumprimento de deveres legais, ex officio, de inspecção, mas actua reactivamente perante qualquer putativa vantagem de natureza fiscal do sujeito passivo, ainda que decorra do exercício legítimo de um seu direito, in casu, o direito ao reembolso do seu crédito de IVA.
4.8. Tal comportamento da Requerida viola ostensivamente os princípios da imparcialidade e da boa-fé a que se encontra vinculada, de resto, a que conforma um Estado de Direito na sua relação com os cidadãos, sejam eles contribuintes, arguidos ou que se enquadrem em qualquer específica relação em que o Estado exerce a sua potestas.
4.9. A Requerente prestou os serviços às sociedades suas participadas, constituindo o seu objecto social, a “prestação de serviços” (do tipo dos prestados às suas associadas”) e, também, de modo incindível ou correlacionado com essa “prestação de serviços” a “aquisição e gestão de participações sociais” e, mesmo que não tivesse prestado os serviços incluídos no âmbito do seu objecto social, desenvolveu actividade económica que lhe conferiu a qualidade de sujeito passivo de IVA.
4.10. A questão suscitada pela Requerida sobre a dedução do IVA suportado sem ter realizado operações ou tendo, não as tendo facturado ou recebido contrapartidas actuais pelas mesmas, não fundamenta, de todo, a negação do direito à dedução do imposto suportado pela Requerente.
4.11. É doutrina e jurisprudência firme e estabilizada, em particular, no que respeita à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em momentos bastante recuados, em acórdão do, então denominado, Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia (TJCE), a dedutibilidade do IVA suportado mesmo antes do início da actividade ou da sua frustração, reconhecendo o direito à dedução do imposto suportado a um sujeito passivo que não iniciou actividade após estudo de viabilidade do projecto, cujos respectivos custos havidos, em particular, com o “estudo”, foram considerados dedutíveis) – cfr. o Acórdão de 29.2.1996 – Processo C-110/94, do TJCE e o Acórdão do mesmo tribunal de 21.3.2000, Processos apensos C-110/98 a C-147/98.
4.12. Essa jurisprudência é bem conhecida e aceite pela própria AT, como se retira, de entre muitos outros entendimentos, da Informação Vinculativa emitida no processo n.º 540, em conformidade com despacho do Director Geral dos Impostos, de 2010-04-30.
4.13. No caso sub judice não se trata de “actos preparatórios da actividade ou de inexistência de actividade”, na medida em que, como bem resulta do RIT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Requerente desenvolveu a sua actividade, de prestação de serviços, tendo suportado custos, sujeitos a IVA.
4.14. Não prejudicando o direito à dedução do IVA suportado, o facto de a Requerente não ter facturado os serviços, por isso não tendo liquidado o imposto, justificado pelo modelo empresarial concebido e desenvolvido para a sua actividade de prestação de serviços, essencialmente dirigida a sociedades participadas, em termos de permitir o seu início de actividade e a sua sobrevivência no momento de arranque dessa actividade num mercado fortemente concorrencial, senão, mesmo, oligopolista, o que a Requerente bem explicou à AT no exercício do direito de audição prévia.
4.15. Consequentemente, resulta legítimo o exercício do seu direito à recuperação do IVA através do pedido de reembolso que lhe foi indeferido e aqui se impugna.
4.16. O exercício dos direitos constitucionais relativos à actividade económica privada, em particular quanto à liberdade de iniciativa e organização empresarial, não permite que a Requerida considere, ainda que encapotadamente, a actividade da Requerente como ilícita, sendo que, ainda que o fosse, encontra-se pacificamente assente a tributação das atividades ilícitas, muito em particular em sede do IVA, tendo havido repetidas pronúncias por parte do TJUE nesse sentido.
4.17. Está, também, pacificamente aceite que, mesmo sem a existência de uma (efectiva) atividade económica, as regras do imposto são aplicáveis, pelo que, sendo o objeto da sociedade a “Aquisição e gestão de participações sociais” e a “Prestação de serviços de apoio à gestão, à área administrativa e financeira, à logística, à área de recursos humanos e à contabilidade de empresas”, no que diz respeito a essa prestação de serviços de apoio a empresas, assim sejam adquiridos os bens e serviços necessários ao exercício da atividade da Requerente, o respectivo IVA é dedutível, independentemente da existência de, sequer, uma qualquer prestação de serviços.
4.18. No presente caso, a forte relação de participação da sociedade Requerente e as sociedades destinatárias dos serviços por si prestados, justificou o estabelecimento de condições que melhor realizem o interesse da participante, a saber, o êxito da atividade das participadas, para colher os proveitos, os lucros dessa actividade, e que assentou nos termos e condições amplamente expostos pelo SP no exercício do direito de audição prévia.
4.19. O legislador não estabeleceu qualquer requisito adicional para o afastamento da exclusão do direito à dedução estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º do CIVA, seja pela existência de relações de grupo, relações especiais ou outras evidenciáveis, seja, pela “exploração” ocorrer ao abrigo de um qualquer modelo de gestão empresarial.
4.20. Pelo contrário, a solução empresarial do caso sub judice não tem carácter inovador, atendendo ao objecto e conclusões da decisão arbitral do CAAD no processo n.º 751/2019-T (cfr., em particular, as págs. 15 e 16), - cujo sumário se refere, precisamente a “II – (…) um contrato de prestação de serviços intragrupo segundo o qual a entidade beneficiária da prestação poderia ficar isenta de qualquer pagamento quando a sua situação económica-financeira o justifique…” -, onde é sublinhada a licitude da atuação e o direito da sociedade participante a deduzir o IVA suportado.
4.21. A satisfação de necessidades de entidades em relações próximas, seja de grupo seja de mera parceria comercial, em termos de permitir um mais eficiente e racional desenvolvimento da actividade empresarial no seu todo, é uma causa ou fundamento económico plenamente válido para os termos de desenvolvimento de actividade pela sociedade Requerente.
4.22. Quando notificado para o efeito, o SP exerceu o direito de audição prévia, de modo cuidado e sério, expondo de modo circunstanciado o seu modelo de organização empresarial, de onde resultou explícita a unidade de sentido do seu objecto social, portanto, a negação de que desenvolva actividades “avulsas” de investimentos em participações sociais, por um lado, e a prestação de serviços, por outro, o que, para lá da cláusula estatutária relativa a esse objecto, resulta da própria firma: “Participações e Serviços”.
4.23. A A... foi constituída com um âmbito muito além da mera aquisição e gestão de participações sociais, tendo iniciado a sua actividade em 10/01/2014 com o CAE 70220 – Outras Atividades de Consultoria para os Negócios e a Gestão, tendo como objeto social a gestão e aquisição de participações sociais, a prestação de serviços de apoio à gestão, à área administrativa e financeira, à logística, à área de recursos humanos e à contabilidade de empresas.
4.24. A A... foi, desde o início, e continua a ser, responsável pela prestação de serviços às sociedades participadas com o intuito de implementar uma cadeia de valor num sector de atividade profundamente competitivo e com um contexto concorrencial muito amadurecido.
4.25. Os serviços de apoio foram sempre prestados pela A... às participadas, mas foi concedido um período de carência inicial para arranque, estabilização e consolidação dos negócios das participadas, que lhes permitisse suportar estes gastos de acordo com a evolução da sua rentabilidade.
4.26. Findo o período de carência concedido (31/12/2018), a A... iniciou a faturação às participadas numa lógica de continuidade, com a revisão de valores a faturar em função da evolução dos negócios das participadas e da sua capacidade para contribuir para este esforço de criação de um negócio abrangente.
4.27. Do mesmo modo, a A... cobrará a terceiros o preço a acordar em função do equilíbrio que venha a ser acordado com esses clientes quanto ao valor a cobrar.
4.28. O Relatório de Inspecção plasma uma visão errada do negócio da A...: o Relatório concebe a A... como uma mera SGPS (pura ou matizada); a A... não é uma SGPS, presta serviços efectivos de apoio à gestão de empresas.
4.29. Neste exacto contexto, tendo prestado serviços de apoio à gestão das empresas, tendo suportado os custos necessários para prestar esses serviços e tendo um crédito significativo de IVA a seu favor em 31 de março de 2020, a A... espoletou um pedido de reembolso de IVA, desde logo em virtude de uma necessidade premente de liquidez.
4.30. O direito à dedução previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 20.º do CIVA não está condicionado à imediata prestação do serviço sujeito a imposto e dele não isento.
4.31. Com efeito, em homenagem ao princípio da neutralidade do imposto, as despesas realizadas necessárias à criação das estruturas vitais para que uma empresa possa prestar os seus serviços são de per se consubstanciadoras do desenvolvimento de uma actividade económica, não estando a dedução do IVA respectivo dependente da efectiva prestação e cobrança do serviço.
4.32. Com efeito, o direito à dedução está, nestes casos, dependente, apenas, da existência de uma estrutura pronta e adequada para prestar ou realizar as operações tributáveis, pelo que, existindo essa estrutura, o direito à dedução não pode ser afastado, nem sequer retardado para o momento posterior da realização da operação tributável.
4.33. De boa fé a Requerente, em sede do exercício do direito de audição prévia, aceitou as correcções resultantes de dedução a mais, por lapso que reconheceu, no montante de 12.499,04€, pelo que a anulação do indeferimento do pedido de reembolso deve ser substituído pela declaração de deferimento do valor de reembolso requerido e indeferido, deduzido deste valor de correcções, portanto, deve ser deferido o pedido de reembolso de 467.676,87€, a saber: 480.175,71€ - 12.499,04= 467.676,87€.
4.34. Sem prejuízo, deve ainda ser declarado o valor relativo ao excesso do crédito de IVA registado na conta-corrente sobre o valor do pedido de reembolso indeferido, 4.858,64€, a saber, resultante de: € 485.034,55 - € 480.175,71€ = € 4.858,64.
4.35. A final, deve ser declarado o direito da Requerente a juros indemnizatórios a seu favor, calculados sobre 467.676,87€, contados a partir de 30 dias corridos sobre a data do pedido de reembolso até ao cumprimento do pagamento do reembolso pela Requerida.
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:
5.1. Os actos de liquidação adicional em questão resultaram de procedimentos inspectivos externos ao sujeito passivo A...– PARTICIPAÇÕES E SERVIÇOS, S.A., ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI2020.../.../.../... (de âmbito parcial – IVA e IRC e extensão aos anos de 2016, 2017, 2018, 2019) e OI2020..., de âmbito parcial – IVA e extensão ao 1.º trimestre de 2020, emitidas na sequência de um pedido de reembolso de IVA, tendo sido elaborado o respetivo Relatório de Inspeção Tributária, em 16/12/2020.
5.2. Importa realçar desde já que foi, no âmbito do presente processo, efectivamente sindicado autêntico acto de indeferimento de reembolso solicitado pela Requerente, e não pretensos actos de liquidação adicional de IVA.
5.3. Enquanto que um acto de liquidação é um acto tributário no sentido estrito do termo, a decisão de um pedido de reembolso é um acto administrativo-tributário produzido em matéria tributária, mas que não abarca actos de liquidação de tributos.
5.4. Embora da decisão de indeferimento do reembolso caiba impugnação judicial, tal não altera o facto de não estarmos perante um acto tributário de liquidação em sentido estrito, apenas segue um regime próprio de impugnação, previsto no artigo 13.º do CIVA.
5.5. Isso mesmo, foi considerado pelo Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão, de 02/21/2018 proferido no Processo 0239/16.
5.6. É a própria Requerente quem confessa que o procedimento de inspecção que foi instaurado, foi-o no seguimento de um pedido de reembolso por si apresentado nos termos do artigo 22.º do CIVA, tendente à análise do pedido de reembolso do crédito de IVA.
5.7. Os actos aqui em causa, nomenclados de liquidações adicionais, mais não se traduzem do que o resultado do acerto de contas entre o reembolso solicitado pela Requerente e as correcções efectuadas pelos serviços de inspecção tributária após se ter procedido à aferição da legitimidade do referido pedido de reembolso.
5.8. Aliás, importa referir que aqueles actos não traduzem actos de liquidação dos tributos para efeitos de se aferir se os mesmos estão feridos ou não de qualquer ilegalidade, conforme foi reconhecido no Acórdão Arbitral, de 3 de Outubro de 2015, proferido no âmbito do processo nº 48/2015-T, que acompanha a jurisprudência do STA, consignada no Acórdão de 12/7/2007, processo n.º 0303/07, bem como o Acórdão Arbitral, de 4 de Abril de 2014, processo nº 238/2013-T.
5.9. Conclui-se, com clareza, que os actos que indeferem pedidos de reembolsos não são passíveis de serem sindicados em jurisdição arbitral, muito simplesmente porque, nem no RJAT, nem na Portaria de Vinculação o legislador aí inseriu a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento que provenham de pedidos de reembolsos, ainda que do seu indeferimento caiba impugnação judicial.
5.10. Por assim ser, esta jurisdição arbitral não é competente para conhecer da pretensão da ora Requerente relativamente ao pedido que formulou, já que o acto de indeferimento parcial de um pedido de reembolso não traduz um acto tributário de liquidação.
5.11. Convirá dizer então que a interpretação normativa efectuada pelo Tribunal Arbitral acerca do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º da citada Portaria, ambas acerca da competência material daquele Tribunal, tal como vem gizada na decisão em escrutínio, é inconstitucional por violação do artigo 212.º, n.º 3 da CRP e bem assim por violação do princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do direito ao duplo grau de jurisdição.
5.12. Nos termos do disposto no artigo 211.º, n.º 2 da CRP, podem existir, é certo, tribunais arbitrais, mas a estes somente competirá dirimir os litígios que por lei lhes estão especificamente acometidos.
5.13. Assim, se a lei não atribuiu ao Centro de Arbitragem Administrativa a competência para apreciar actos administrativos-tributários, como é o caso dos pedidos de reembolso, e se em decisão judicial o Tribunal Arbitral constituído vier a entender, não obstante, que é sua a competência, há, manifestamente, uma clara violação do teor do artigo 212.º, n.º 3 da CRP.
5.14. Por assim ser, por se estar ante uma manifesta incompetência absoluta do foro arbitral para conhecer da matéria a que se reporta o indeferimento parcial do reembolso solicitado e que subjaz ao acto impugnado nos presentes autos, infere-se que este Tribunal dela não deve conhecer, tendo sido nesse sentido a decisão do processo 295/2019-T, transitada em julgado.
5.15. Está-se, assim, perante a excepção dilatória de incompetência absoluta do foro arbitral para conhecer da matéria a que se reporta os deferimentos parciais de reembolsos solicitados, o que obstaculiza a que esse Tribunal conheça do mérito da acção e, em conformidade, devendo a Requerida ser absolvida da instância.
5.16. Existe ainda falta da causa de pedir, uma vez que a Requerente não alega uma única prestação de serviços, respectiva extensão, destinatário, valor, momento, etc., que tenha praticado e, bem assim, da relação entre concretos inputs e concretos outputs.
5.17. Ora, radicando a sua alegação de direito, no que ao erro acerca dos pressupostos de facto e de direito concerne, no facto de ter prestado serviços às suas participadas, mas não alegando qualquer facto que permita concluir pela efectiva prestação de um único desses serviços em concreto, manifestamente se há-de concluir pela falta de causa de pedir, com todas as consequências legais, nomeadamente, com a absolvição da Requerida da instância, nesta parte.
5.18. A Requerida, aquando de (alguns) pedidos de reembolsos, efectivamente abre ordens de serviços com vista à verificação do direito aos mesmos por quem os invoca, ordens de serviço essas que umas vezes culminam em correcções, outras não e, tal, não pode nunca ser considerado um abuso de direito, ou uma violação do princípio da boa-fé ou da imparcialidade.
5.19. E, não alegando a Requerente qualquer facto efectivamente susceptível de constituir má fé, parcialidade ou abuso de direito da Requerida, forçoso será concluir pela improcedência por não provado, desta parte do pedido.
5.20. Diga-se, a vingar a tese da Requerente, na verdade, ver-se-ia a Requerida impedida de exercer o seu poder-dever, de verificar da legitimidade dos pedidos de reembolsos.
5.21. A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição sobre o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (PRIT), no prazo de 15 dias, nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), através do ofício n.º 2020... de 04/11/2020, remetido por via postal (carta registada com aviso de receção), devidamente recepcionado em 06/11/2020.
5.22. Em 20/11/2020, a Requerente solicitou, através de e-mail, que o prazo inicialmente concedido de 15 dias para o exercício do direito de audição, fosse prorrogado por um período adicional de 10 dias, o que lhe foi concedido.
5.23. Sucede, porém, que, o direito de audição não continha novos elementos ou esclarecimentos, pelo que foram mantidas as correções constantes do PRIT.
5.24. Sobre a falta de fundamentação sempre se dirá que, com o devido respeito por entendimento diverso, não tem qualquer sustentação a tese da Requerente relativamente à falta de fundamentação dos actos impugnados.
5.25. Tendo presente no que respeita à fundamentação dos actos administrativos que o ato está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesão.
5.26. Esta é a jurisprudência dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo no recurso n.º 31616, de 13-04-2000 e no processo n.º 016217, de 28-10-1998.
5.27. Ora, resulta demonstrado do próprio exercício jurídico-argumentativo que fez, quer através da reclamação graciosa, quer através do presente pedido de pronúncia arbitral, que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do acto, pelo que, não se pode deixar de concluir, como salienta o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0105/12 de 30-01-2013, que não ocorre o vício formal de falta de fundamentação.
5.28. Para além disso, uma vez que a falta de notificação da fundamentação conduz apenas à consequência prevista no artigo 37º do CPPT, não tendo a Requerente usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que os actos aludidos continham, como efectivamente contêm, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que eventualmente padeciam ficou sanado.
5.29. Não existe qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito das liquidações adicionais, conforme resulta da fundamentação de direito do RIT, que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
5.30. Os SIT desconsideraram o direito à dedução da Requerente, por entenderem não ter esta feito prova de tal direito, nomeadamente, dos outputs, que conferissem o direito à dedução e que tivessem nexo com aqueles.
5.31. Conforme jurisprudência e doutrina unânimes, o ónus da prova dos factos recai sobre quem os invoque e, no caso específico do direito à dedução do imposto, nos termos do previsto no artigo 74.º da LGT, competia (e compete) à Requerente fazer prova de todos os requisitos para o exercício do reclamado direito à dedução.
5.32. Ora, como já observado, a Requerida actuou no âmbito de ordens de serviço abertas para aferir da legitimidade do reembolso requerido, cabendo assim à Requerente fazer prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto, o que, diga-se, manifestamente, não logrou fazer, não tendo a Requerente sequer alegado tais factos.
5.33. Para além disso, as facturas que os sujeitos passivos estão obrigados a emitir não servem apenas para verificar da correcta liquidação (ou não) de imposto, mas também, para aferir do eventual direito à dedução de inputs, com elas relacionados.
5.34. Ora, a completa ausência de emissão de facturas por parte da Requerente, inviabilizou também a verificação da validade dos requisitos do direito à dedução dos inputs, no caso, por falta de correspondência a outputs.
5.35. Nem, diga-se, a existência de contratos a partir de 2019 permite concluir pela efectiva prestação destes ou daqueles serviços em concreto, porquanto a mera celebração de um contracto, não permite, sem mais, a presunção da execução do mesmo.
5.36. Pelo que, manifesto é que bem andaram os SIT, nas correcções efectuadas, porquanto a Requerente não cumpriu com o seu ónus de provar outputs que concedam o direito à dedução, relacionados com os inputs em apreço.
5.37. O que resulta manifesto, desde logo do facto de a Requerente não ter sequer alegado a efectiva prestação de algum determinado serviço que conceda o direito à dedução, respectivos destinatários, valor, extensão e nexo com algum concreto input.
5.38. Isso mesmo é salientado pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de Novembro de 2017, Proc. nº 1081/09.7BELRS, segundo o qual se “relativamente a certos bens ou serviços a empresa age como consumidor final não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto”.
5.39. Mesmo a considerar-se que a Requerente prestara serviços que conferem o direito à dedução daquele imposto, esta sempre teria que ter cumprido a sua obrigação de proceder à emissão de facturas com liquidação do respectivo imposto, nos termos legalmente previstos, pretendendo assim a Requerente proceder à anulação de liquidações que, caso tivesse cumprido com a referida obrigação, com elevado grau de probabilidade não se teriam efectuado.
5.40. Pelo que a pretensão da Requerente reconduz-se a beneficiar desse comportamento próprio omitido, incorrendo claramente em abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.
5.41. Como resulta claro neste caso, quer o facto de não emitir facturas com liquidação de imposto (factum proprium), quer o facto de ter deduzido o imposto, são absoluta e exclusivamente imputáveis à Requerente.
5.42. Ora, a Requerida, confrontada com a inexistência de outputs nos quais haja sido liquidado imposto, de boa fé, conclui pela sua inexistência e, assim, pela consequente inexistência do direito à dedução da Requerente.
5.43. A Requerente apenas pretende aplicar a parte da Lei que lhe permite deduzir imposto, quando não cumpriu a parte que a obriga a liquidar, prejudicando a expectativa da Requerida decorrente da Lei, de que se apenas pratica operações isentas e não emitiu qualquer factura com liquidação de imposto, não tem direito a deduzir.
5.44. Ora, no caso em apreço, o PPA sempre deve improceder, tanto pelas excepções quanto pelas impugnações antes formuladas na presente Resposta e que per si já inviabilizam in totum tal desiderato.
5.45. No entanto, se nada do antes dito e que obsta à procedência da causa, no entendimento do Tribunal, se verificar, então, em última análise, sempre deve o presente PPA improceder porquanto a pretensão da Requerente, atenta a factualidade em apreço, é, salvo melhor opinião, abuso do direito nos termos acima referidos.
5.46. Assim se confirmando o acerto da actuação dos SIT e, a legalidade das liquidações em apreço, pelo que, sem mais delongas, deve o presente PPA improceder, por não provado, tudo com as demais consequências legais.
5.47. E, para o efeito, sempre se têm de ter por irrelevantes as declarações de parte e a prova testemunhal requeridas pela Requerente, porquanto não tendo a Requerente alegado os factos que pudessem corporizar o direito que invoca, não há factos que se mostrem necessários à boa decisão da causa que se possam provar, pelo que as referidas declarações de parte e prova testemunhal constituem um acto inútil para a apreciação da causa e, assim, proibido pelo princípio da economia processual, devendo ser indeferido o seu requerimento.
6. No dia 10/12/2021 foi proferido despacho arbitral convidando a Requerente a pronunciar-se sobre as excepções invocadas pela Requerida.
7. Em 21/10/2021, a Requerente respondeu, sustentando não haver lugar à incompetência do Tribunal Arbitral, nem à falta de causa de pedir no seu pedido de pronúncia arbitral, tendo o Tribunal convidado as partes a proferirem alegações escritas no prazo de 20 dias.
8. Ambas as partes apresentaram alegações onde reiteraram as posições sustentadas nos articulados, tendo a Requerente sustentado nas suas alegações a necessidade de prova testemunhal e por declarações de parte, o que levou o Tribunal Arbitral a solicitar por despacho de 21/11/2021 à Requerente que indicasse os factos sobre os quais pretendia produzir prova, o que a Requerente fez em requerimento de 30/11/2021.
9. Por despacho de 7/12/2021 foi indeferido o requerimento de produção de prova, por se ter considerado que os factos indicados não eram susceptíveis de prova testemunhal, nem de presunções judiciais.
II – Factos provados
10. Com base na prova documental constante da documentação junta pela Requerente e do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
a) A Requerente é uma sociedade comercial, registada desde 21.01.2014 para o exercício principal de “Outras atividades de consultoria para o negócio e a gestão” (CAE 70220), tendo por objeto social (i) a aquisição e gestão de participações sociais e (ii) a prestação de serviços de apoio à gestão, à área administrativa e financeira, à logística, à área de recursos humanos e à contabilidade de empresas;
b) A Requerente encontra-se enquadrada no regime trimestral de IVA;
c) A Requerente detém participações sociais em várias sociedades comerciais (conforme página 11 do relatório de inspeção) e procedeu, no período em análise, à aquisição e alienação de participações sociais (v. pág. 16 do mesmo documento);
d) Em paralelo com a atividade de gestão de participações sociais, a Requerente celebrou, em 31.12.2018, contratos com as suas participadas ou entidades relacionadas para a prestação, entre 01.01.2019 e 31.12.2023, de serviços vários de apoio ao negócio (à gestão, à área administrativa e financeira, à logística, à área de recursos humanos e da contabilidade); diversamente, para os anos de 2014 a 2018 não foram celebrados quaisquer contratos de prestação de serviços;
e) A Requerente começou a facturar os seus serviços às entidades participadas ou relacionadas, nos termos dos contratos celebrados em 31.12.2018, apenas a partir de Julho de 2019 (até essa data, inexistem quaisquer registos de faturação de serviços prestados intra-grupo ou a entidades terceiras);
f) Durante a inspecção, a AT apurou que a Requerente não havia, ainda, recebido qualquer montante pelos serviços faturados desde Julho de 2019 (pág. 26 do relatório);
g) Entre 2014 e 2018 as operações ativas registadas e declaradas pela Requerente foram muito reduzidas, pelo que o IVA liquidado neste período ascendeu (apenas) a € 7.793,26 (de acordo com o relatório de inspecção, estas operações consubstanciam redébitos de gastos suportados por conta das suas participadas – por ex., pág. 14); por sua vez, no mesmo período, a Requerente apurou IVA dedutível no montante de € 472.719,72;
h) A partir de 2019 e até ao primeiro trimestre de 2020, o IVA liquidado pela Requerente nas suas operações activas ascendeu a € 98.694,07, referente, no essencial, aos serviços partilhados de apoio ao negócio facturados às participadas em 2019; por sua vez, o IVA dedutível apurado neste período ascendeu a € 161.513,08, com a aquisição de serviços de consultoria, trabalho temporário e serviços de informática (incluindo aquisição e desenvolvimento de softwares), cujas facturas fazem, em muitos casos, referência às participadas da Requerente (cfr. relatório de inspecção);
i) Na declaração periódica de IVA respeitante ao primeiro trimestre de 2020, a Requerente solicitou um pedido de reembolso de IVA no valor de € 480.175,51, correspondente ao crédito de imposto formado desde o início da sua actividade até à referida data;
j) Na sequência desse pedido, a AT iniciou, em Maio de 2020, uma inspecção interna, de âmbito parcial - IVA de 2020 -, a qual foi entretanto convertida em inspecção externa (OI2020...) e o seu âmbito alargado para IVA e IRC dos exercícios de 2016 a 2019 (OI2020.../.../.../...), após ter sido preliminarmente concluído que “o SP terá deduzido IVA relativo a operações passivas relativas às suas participadas nos anos de 2014 a 2018, não o tendo repercutido às mesmas o que explica o crédito de imposto de IVA. Só a partir de 2019, é que a empresa começou a facturar serviços de apoio às suas participadas. Assim, a fim de dar continuidade à análise externa já efetuada ao pedido de reembolso, e com o objetivo de destrinçar quais as operações passivas e o respetivo IVA dedutível que estão diretamente relacionados com o SP e os que estarão ligados à atividade das participadas e promover as correções devidas, quer em sede de IVA quer em sede de IRC, foi proposto a emissão de Ordens de Serviço externas para os anos de 2016, 2017, 2018 e 2019” [v. Emissão de Ordem de Serviço para o Processo (SPAT n.º ...), de 14.07.2020];
k) Em sede de projecto de relatório de inspecção tributária, foram propostas correcções de IRC e de IVA;
l) No que respeita a IRC, e uma vez que as correcções em causa não são objecto deste Processo Arbitral, resumem-se muito sumariamente as conclusões com interesse directo para a causa:
a. Quanto à aquisição de bens e serviços a terceiros, a AT apurou a existência de encargos suportados pela Requerente até 2018, inclusive, directamente relacionados com a actividade das suas participadas (por exemplo, encargos de publicidade directamente relacionados com as actividades da B..., Lda., que explora os supermercados C..., e com a A..., S.A., detentora da marca C...); em 2019, parte desses encargos já foram facturados às participadas (e, portanto, fiscalmente aceites pela AT);
b. Na rubrica contabilística “Vendas e serviços prestados”, não foi contabilizado qualquer valor em 2016 ou em 2018, e em 2017 foi apenas contabilizado um valor de € 1.200 referente ao redébito de uma despesa suportada pela Requerente por conta de uma participada; diversamente, em 2019 e 2020 foram aqui reconhecidas as facturas de serviços emitidas às participadas / relacionadas;
c. A AT apurou, ainda, que os colaboradores pertencentes aos quadros da Requerente exercem funções para a actividade das participadas (por ex., supervisor de loja ou responsável pela peixaria/padaria/pastelaria, que exercem funções directamente relacionadas com a participada que detém os supermercados); e que a Requerente adquiriu, e desenvolveu, em função das necessidades específicas das suas participadas (e não das suas), programas vários de computador e plataformas informáticas próprias para o comércio de retalho alimentar;
d. A Requerente concedeu, ainda, empréstimos às suas participadas de forma gratuita e, paralelamente, contraiu diversos financiamentos bancários, para os quais suportou elevados encargos financeiros, sem ter rendimentos apropriados para o efeito nem repercutir esse custo nas participadas;
e. Em resumo, a análise dos custos suportados pela Requerente demonstra, pela sua natureza e dimensão, que não respeitaram à sua actividade mas sim à de entidades terceiras, para que estas obtenham os seus rendimentos sujeitos a IRC (acresce que, antes de 2019, a Requerente não obteve qualquer rendimento sujeito a IRC, conforme pág. 28 do relatório de inspeção).
m) Quanto ao IVA, as correcções propostas foram as seguintes:
a. Correcções ao campo 20 das declarações periódicas (IVA dedutível – imobilizado), pela dedução de imposto relativo à aquisição e desenvolvimento de software e outros equipamentos informáticos afectos à actividade das participadas (em particular, destinados ao comércio de retalho alimentar) e que não geraram operações tributáveis em sede de IVA na esfera da Requerente (de acordo com a AT, não foi dado cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 20 do CIVA e, como tal, a Requerente não tinha direito à dedução deste IVA):
Ano Campo 20
2016 35.459,15 €
2017 54.005,88 €
2018 29.470,55 €
2019 28.776,95 €
1º T 2020 6.663,03 €
154.375,56 €
b. Correcções ao campo 24 das declarações periódicas (IVA dedutível – outros bens e serviços), por ter sido entendido pela AT que os bens e serviços adquiridos não foram utilizados para a realização de operações tributáveis da Requerente, nos termos do n.º 1 do art.º 20 do CIVA ; no que respeita a 2017, a AT entendeu, igualmente, ser também de corrigir a dedução de IVA no montante de € 12.499,04, respeitante a viaturas ligeiras de passageiros e de mercadorias, por violação do n.º 1 do art.º 20 e da alínea a) do n.º 1 do art.º 21 do CIVA:
c. Correcções ao campo 41 das declarações periódicas (Regularizações a favor do Estado) – a Requerente havia declarado no campo 41 os valores que resultaram da emissão de notas de crédito que anularam total ou parcialmente o IVA deduzido no campo 40; uma vez que o imposto mencionado no campo 24 foi objecto de correcção em sede de inspecção, a AT procedeu igualmente à correcção do IVA regularizado a favor do Estado associado a facturas para as quais foi emitida nota de crédito e cujo IVA foi corrigido:
d. Correcções derivadas do reporte indevido de IVA (2016 03T) - da análise efectuada aos anos de 2014 e 2015 constatou-se o seguinte:
i. Em 2014, o IVA deduzido totalizou € 1.031,50 e diz respeito a imposto suportado com despesas de carácter geral (que foram aceites);
ii. No ano de 2015, o IVA deduzido atingiu os € 24.289,46 – os documentos enviados pelo sujeito passivo, no valor de € 18.540,94 demonstram que já neste ano foi suportado e deduzido IVA com a aquisição de bens/serviços que não foram utilizados para a realização de operações tributáveis na sua esfera; por outro lado, na linha do que foi fundamentado para os anos de 2016 a 2018, a Requerente suportou encargos e deduziu IVA para a actividade de entidades terceiras (participadas), pelo que, no que respeita ao crédito de IVA reportado no campo 61 da declaração periódica do 1º trimestre de 2016, propõe-se a seguinte correção: € 25.320,96 - € 18.540,94 = € 6.780,02
n) As correcções propostas pela AT em sede de projecto de relatório de inspecção tributária foram, portanto, as seguintes, no valor total de € 531.199,66 :
o) Atendendo a que a Requerente solicitou um reembolso de IVA no montante de
€ 480.175,71 e as correcções apuradas em sede de IVA ascenderam a € 531.199,66, a AT propôs, igualmente, o indeferimento total do mencionado pedido de reembolso;
p) Tendo sido notificado das correcções propostas, a Requerente exerceu, em 03.12.2020, o respectivo direito de audição, através do qual, em termos muito similares aos usados posteriormente em sede de Pedido de Pronúncia Arbitral, expôs o seguinte:
a. A Requerente tem por objeto social a aquisição e gestão de participações sociais e a prestação de serviços de apoio à gestão, à área administrativa e financeira, à logística, à área de recursos humanos e à contabilidade de empresas, desenvolvendo, de forma efectiva, estes serviços e, portanto, não sendo uma sociedade reconduzível à figura de mera gestora de participações sociais (como pretende fazer crer a AT);
b. Para a prestação destes serviços, a Requerente teve e tem despesas reais, efectivas, suportadas para o exercício da sua actividade, pelo que, não sendo uma mera gestora de participações sociais, não podem ser desconsideradas as despesas por esta incorridas;
c. Desde a sua génese (em 2014) que a Requerente foi destinada à prestação de serviços, em especial no âmbito do desenvolvimento do negócio da “C...” em Portugal – nesse sentido, foi, e continua a ser, responsável pela prestação de serviços às suas participadas com o intuito de criar uma cadeia de valor num sector de actividade profundamente competitivo e com um contexto concorrencial muito amadurecido, desempenhando um importante papel aglutinador de um conjunto de sociedades, complementares na cadeia de valor da distribuição alimentar e que, per se, não teriam possibilidade de se estabelecer com hipóteses de sucesso a longo prazo;
d. A Requerente sempre prestou serviços de apoio às suas participadas, mas foi concedido um período de carência inicial (por razões económicas e financeiras) para arranque, estabilização e consolidação dos negócios das participadas;
e. O objectivo da Requerente sempre foi a rentabilização progressiva da estrutura prestadora de serviços de que dispõe, incrementando gradualmente a facturação às suas participadas e procurando angariar outros potenciais clientes;
f. Findo o período de carência concedido (em 31.12.2018), a Requerente iniciou a facturação às suas participadas numa lógica de continuidade, com a revisão de valores a facturar em função do negócio destas; de igual modo, a Requerente cobrará a terceiros o preço a acordar em função do equilíbrio que venha a ser acordado com esses clientes quanto ao valor;
g. Atendendo ao melhor desempenho económico do Grupo em 2019, previa-se estarem criadas condições para rever em alta os valores facturados pela Requerente às participadas em 2020; essas previsões não se concretizaram, no entanto, devido ao contexto pandémico de 2020, o que condicionou fortemente a trajetória de incremento prevista para a facturação da Requerente às suas participadas – ainda assim, o valor dos serviços facturados em 2020 manteve-se a par do facturado em 2019;
h. Tendo prestado serviços de apoio à gestão das empresas, e suportado os custos necessários para prestar esses serviços, e tendo um crédito significativo de IVA a seu favor em 31.03.2020, a Requerente solicitou o reembolso deste imposto, desde logo em virtude de uma necessidade premente de liquidez;
i. As conclusões preliminares da inspecção provocam uma interrupção abrupta da cadeia de transmissão do IVA, uma vez que este imposto deixa de poder ser recuperado – apesar de ter sido suportado pela Requerente para poder prestar serviços às suas participadas, o negócio “C...” deixa de poder deduzir o IVA resultante dos serviços necessários à sua atividade (nem a Requerente o pode fazer, nem as suas participadas), distorcendo profundamente a concorrência;
j. Em momento algum a Requerente retirou qualquer benefício fiscal com este modelo de negócio, tendo, pelo contrário, atrasado no tempo o momento de recuperação do IVA legitimamente deduzido;
k. Todas as operações passivas de IVA incorridas pela Requerente nesta actividade são, por isso, legítimas e conferem direito à dedução do respetivo imposto ;
l. No que respeita ao direito à dedução de IVA, a alínea a) do n.º 1 do art.º 20 do CIVA não condiciona este direito à imediata prestação do serviço sujeito e não isento, não estando a dedução do IVA dependente da efectiva prestação e cobrança do serviço mas, apenas, da existência de uma estrutura pronta e adequada para prestar serviços tributáveis – existindo essa estrutura, o direito à dedução não pode ser afastado, nem sequer retardado, para o momento posterior da realização da operação tributável;
m. Tendo a Requerente por actividade efectiva a prestação de serviços a terceiros, o IVA suportado nos atos que preparam esses serviços é integralmente dedutível, não estando condicionado, nem retardado, pela existência de um eventual período de carência concedido às suas participadas;
n. São, por isso, totalmente desprovidas de fundamento as conclusões da AT de que (i) a Requerente assumiu os encargos necessários para que as suas participadas pudessem exercer as suas actividades próprias, que (ii) as funções dos seus trabalhadores e os gastos por si suportados são consentâneos com as actividades de grossista, retalhista e comércio desenvolvidas pelas participadas, que (iii) os seus trabalhadores executaram tarefas necessárias à actividade de entidades terceiras (e não para a actividade da Requerente), e que (iv) os serviços contratados pela Requerente e os ativos intangíveis comprados e outros gastos suportados por este são, a final, gastos necessários à actividade de entidades terceiras, para que estas obtivessem os seus rendimentos;
o. Sem conceder, a Requerente relembrou, ainda, que os serviços de apoio às suas participadas se encontram a ser facturados e pagos desde 2019 (após o fim do período de carência), mostrando disponibilidade para proceder à facturação, ainda em 2020 (i.e., durante o decurso do processo inspectivo), dos serviços prestados até 2018, se tal procedimento permitisse o reconhecimento de que esses serviços foram efectivamente prestados e de que as suas participadas podiam deduzir o respetivo IVA, e sem que daí resultasse qualquer alteração dos impostos (IVA e IRC) liquidados com base nas declarações da Requerente.
q) Em 18.12.2020 a AT concluiu o processo inspectivo e emitiu o respectivo relatório de inspecção, que confirmou as correcções de IVA e IRC propostas em sede de projecto de relatório, bem como o indeferimento total do pedido de reembolso de IVA no valor de € 480.175,51;
r) No mencionado relatório de inspecção, a AT analisou e respondeu ao direito de audição exercido, nos seguintes termos:
a. Foi possível concluir, em sede de inspecção, que a Requerente, de facto, adquiriu e alienou participações sociais; quanto à prestação de serviços às participadas, constatou-se que apenas a partir de julho de 2019 a Requerente começou a emitir facturas por conta de tais serviços – não obstante, pelo menos desde 2015 que esta tem vindo a reconhecer gastos (e a deduzir o respectivo IVA) claramente relacionados com a actividade exercida não por si, mas pelas suas participadas, gastos esses que seriam facilmente alocáveis a estas, sem necessidade de serem suportados pela Requerente;
b. O art.º 23 do CIRC pressupõe a existência de uma relação directa entre os gastos suportados com a actividade empresarial associada à obtenção ou garantia de rendimentos sujeitos a imposto; ora, nos anos de 2015 a 2018, a Requerente não reconheceu qualquer rendimento decorrente de uma actividade de prestação de serviços, pelo que não obteve rendimentos sujeitos a IRC; por sua vez, o n.º 1 do art.º 20 do CIVA apenas reconhece como dedutível o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços utilizados para a realização de operações tributáveis – atendendo a que, até julho de 2019, a Requerente não efetuou qualquer operação tributável, o IVA por si suportado não é dedutível;
c. Apurou-se, em sede de inspecção, que a Requerente celebrou, em 31.12.2018, contratos de prestação de serviços de apoio (à gestão, à área administrativa e financeira, à logística, à área de recursos humanos e da contabilidade) com as suas participadas e com duas entidades relacionadas, pelo período de 5 anos (de 01.01.2019 a 31.12.2023), pelo que as alegações da Requerente de que presta serviços às suas participadas e entidades relacionadas desde 2014 não colhem – apenas a partir de 2019 ficou demonstrada a prestação efectiva destes serviços e, mesmo após esta data, a Requerente continuou a suportar IVA e gastos em benefício da atividade dessas entidades;
d. Nada é referido nos contratos disponibilizados, ou em outro qualquer documento, sobre o período de carência alegadamente concedido pela Requerente; e a celebração de contratos de serviços com início (apenas) em 01.01.2019 demonstra que até essa data não foi prestado qualquer serviço;
e. Os contratos celebrados não continham qualquer cláusula que previsse a revisão em alta dos valores a facturar no ano de 2020, nem no decurso dos 5 anos de contrato;
f. Em sede de IRC os resultados operacionais da Requerente no ano de 2019 são manifestamente negativos (os valores facturados a título de prestação de serviços totalizam apenas € 329.447,16 e os gastos operacionais ascendem a quase € 2 milhões); em sede de IVA, o crédito de imposto da Requerente aumentou de € 440.396,22 no final de 2018 para € 478.552,17 no final de 2019 – a conjugação destes dois factos demonstra que, no ano de 2019, a Requerente continuou a suportar gastos, e a deduzir IVA, referente à actividade das suas participadas;
g. Ao contrário do alegado pela Requerente, o direito à dedução de IVA depende da existência de operações tributáveis a jusante, ou seja, a realização de prestações de serviços e respectiva faturação, sob pena de se poder deduzir IVA indefinidamente sem que se tivesse de praticar qualquer operação tributável em nenhum momento;
h. Se, de facto, a Requerente tivesse prestado serviços às suas participadas desde 2014, então teria de ter cumprido com o estipulado nos arts. 7º e 8º do CIVA quanto à regra da exigibilidade do imposto e prazo para facturação; no entanto, tal não aconteceu, na medida em que a Requerente só começou a emitir facturas em 2019, e por serviços prestados nesse ano, e não em anos anteriores;
i. Mesmo assim, em 2019 continuou a suportar gastos, investimentos e encargos diversos, que respeitam ao desenvolvimento da actividade das suas participadas e não da sua própria actividade, pelo que tais investimentos deveriam ter sido suportados directamente por essas entidades;
j. O facto de a Requerente ter, erradamente, suportado gastos e deduzido o IVA incorrido com a aquisição de bens e serviços directamente relacionados com a actividade das participadas, interrompeu o circuito económico do imposto;
k. Os serviços às participadas entre 2014 e 2018, a terem acontecido, teriam de ter sido objecto de facturação nos respectivos anos (dentro do prazo legal) e não em 2020, como sugere a Requerente; também no que respeita a IRC, o reconhecimento, em 2020, de rendimentos de anos anteriores é inviabilizado pelo art. 18º n.º 1 do CIRC.
s) Os actos de liquidação de IVA emitidos na sequência desta inspecção totalizam
€ 531.199,25 e são os seguintes:
N.º liquidações IVA Período Valor
2016 Liquidação Adicional ... 1603T 32.109,37 €
Liquidação Adicional ... 1606T 29.577,15 €
Liquidação Adicional ... 1609T 17.528,68 €
Liquidação Adicional ... 1612T 35.199,57 €
2017 Liquidação Adicional ... 1703T 35.843,29 €
Liquidação Adicional ... 1706T 55.187,64 €
Liquidação Adicional ... 1709T 28.255,65 €
Liquidação Adicional ... 1712T 57.606,12 €
2018 Liquidação Adicional ... 1803T 34.172,45 €
Liquidação Adicional ... 1806T 23.524,35 €
Liquidação Adicional ... 1809T 27.120,61 €
Liquidação Adicional ... 1812T 23.532,73 €
2019 Liquidação Adicional ... 1903T 32.492,44 €
Liquidação Adicional ... 1906T 17.265,70 €
Liquidação Adicional ... 1909T 38.942,01 €
Liquidação Adicional ... 1912T 19.911,86 €
2020 Liquidação Adicional ... 2003T 22.929,63 €
531.199,25 €
t) Em 14.05.2021 a Requerente, não concordando com as liquidações adicionais supra identificadas, nem com o indeferimento do pedido de reembolso de IVA, apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral, contestando a legalidade de ambas as decisões.
III - Factos não provados
11. Por não haver prova adequada nos autos não se consideraram provados os seguintes factos:
a) Que a Requerente tenha prestado serviços a entidades terceiras (fora do Grupo) entre janeiro de 2014 e o 1º trimestre de 2020;
b) Que a Requerente tenha prestado serviços a sociedades participadas até 31.12.2018 (i.e., nos anos de 2014 a 2018).
IV - Fundamentação da decisão de facto:
12. A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Colectivo e a convicção sobre a mesma foi formada com base em prova documental, i.e., nas peças processuais apresentadas pelas partes no âmbito deste processo arbitral, bem como pelos documentos juntos em sede de processo administrativo.
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada pelas partes, devendo, por isso, seleccionar a matéria factual com relevância directa para a decisão.
O Tribunal Colectivo apreciou livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
A Requerente solicitou, ainda, no âmbito deste processo arbitral, a inquirição de testemunhas para produção de prova testemunhal sobre os factos por si alegados. Não obstante, estando em causa, essencialmente, a demonstração da realização de serviços a entidades participadas ou entidades terceiras, entendeu o Tribunal Colectivo que tal prova deveria ser prima facie efetuada por via documental, não podendo essa prova ser substituída por prova testemunhal ou depoimento de parte. Como tal, perante a prova documental produzida em juízo (em particular, face à inexistência de contratos de serviços ou de facturas por serviços prestados ou, em geral, de qualquer documento comprovativo de actividade desenvolvida entre 2014 e 2018), entendeu o Tribunal Arbitral que a respectiva omissão ou deficiência da prova documental não poderia ser suprida apenas pela prova testemunhal, razão pela qual se considerou que a inquirição das testemunhas arroladas para esse efeito se afiguraria processualmente inútil, tendo, consequentemente, sido recusada.
V - Do Direito
13. São as seguintes as questões a examinar no presente processo.
- Da excepção de incompetência do tribunal arbitral
- Da excepção de falta de causa de pedir
- Da ilegalidade das liquidações de IVA e juros compensatórios e do indeferimento do pedido de reembolso
- Do direito a juros indemnizatórios.
Examinar-se-ão assim essas questões:
— DA EXCEPÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL.
14. Invocou a Requerida, em sede de excepção, que o presente Tribunal Arbitral seria incompetente, uma vez que a Requerente solicita a anulação do indeferimento do pedido de reembolso de IVA, matéria que não se encontra incluída no art. 2º do RJAT.
Seguindo neste ponto a doutrina expressa nas decisões do CAAD emitida nos processos 660/2017-T e 543/2018-T, entendemos que decorre da estrutura do próprio CIVA estarmos perante uma noção ampla de liquidação, a qual abrange as deduções e as regularizações de imposto (artigos 19.º a 26.º do CIVA), bem como liquidações administrativas decorrentes de actos de fiscalização e determinação oficiosa do imposto. É assim o caso das liquidações adicionais reguladas pelo art.º 87.º do CIVA, relativo ao "momento e modalidades do exercício do direito à dedução".
Nestes termos, e uma vez que estão em causa liquidações adicionais de IVA praticadas pela AT, sendo a questão do indeferimento do reembolso meramente consequencial das mesmas, considera-se o presente Tribunal Arbitral competente para julgar o presente processo.
— DA EXCEPÇÃO DA FALTA DE CAUSA DE PEDIR.
15. Considera a Requerida verificar-se a falta de causa de pedir no pedido de pronúncia arbitral, por falta de alegação concreta dos serviços prestados pela Requerente às outras sociedades do grupo.
Se é um facto que essa situação se verifica, tal não leva a que falte a causa de pedir, uma vez que a Requerente invoca precisamente ter direito à dedução de IVA, mesmo sem ter prestado os referidos serviços.
Nestes termos, julga-se improcedente a excepção relativa à falta de causa de pedir.
— DA ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES DE IVA E JUROS COMPENSATÓRIOS.
16. Sustenta ainda a Requerente existir ilegalidade das liquidações de IVA e juros compensatórios, uma vez que teria sempre direito a deduzir o IVA suportado nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º do CIVA, dado que o legislador não estabeleceu qualquer requisito adicional para o afastamento da exclusão do direito à dedução estabelecido, seja pela existência de relações de grupo, relações especiais ou outras evidenciáveis, seja, pela “exploração” ocorrer ao abrigo de um qualquer modelo de gestão empresarial.
A Requerente invoca como fundamento da sua posição, quer a jurisprudência do então denominado Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia (TJCE), no acórdão de 29.2.1996, processo C-110/94, do TJCE e Acórdão do mesmo tribunal de 21.3.2000, Processos apensos C-110/98 a C-147/98, e ainda a decisão deste CAAD no processo 751/2019-T.
Não vemos, porém, que nenhuma destas decisões tenha relevância para este caso.
Na verdade, o acórdão de 29.2.1996 emitido pelo TJCE no processo C-110/94, limitou-se a aceitar a dedutibilidade do IVA suportado por uma sociedade que, tendo declarado a intenção de iniciar uma actividade económica que daria origem a operações tributáveis (e, por esse facto, adquirido a natureza de sujeito passivo de IVA), e elaborando, para o efeito, um estudo de rentabilidade para a actividade projectada (cuja encomenda do estudo foi, em si mesma, entendida por esse Tribunal como uma manifestação da actividade pretendida), decidiu encerrar a actividade logo a seguir, face aos numerosos problemas de rentabilidade encontrados. O TJCE considerou, assim, que a qualidade de sujeito passivo de IVA que tinha sido ab initio atribuída à sociedade em causa não poderia ser retirada com efeitos retroactivos (excepto em caso de fraude). Ora, não estava, aqui, em causa, um sujeito passivo (misto) com limitações ao direito à dedução, (como o é a Requerente, face ao tipo de actividades que desempenha ), na medida em que a actividade económica projectada pelo sujeito passivo deste caso europeu (apenas) daria origem a operações tributáveis permitindo, portanto, ab initio o pleno exercício do direito à dedução do sistema do IVA na esfera desse sujeito passivo.
Por sua vez, o acórdão de 21.3.2000, emitido nos processos apensos C-110/98 a C-147/98, limita-se a estabelecer que o artigo 17º da Sexta Directiva 77/388, opõe-se a uma regulamentação nacional que subordina o exercício do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago por um sujeito passivo antes do início da realização habitual das operações tributáveis a determinadas condições, tais como a apresentação de um pedido expresso nesse sentido antes de o imposto se ter tornado exigível e o acatamento do prazo de um ano entre essa apresentação e o início efectivo das operações tributáveis, e que pune o desrespeito destas condições pela perda do direito à dedução ou pelo diferimento do exercício desse direito até ao início efectivo da realização habitual das operações tributáveis. É manifesto que tais condições são excessivamente onerosas para os sujeitos passivos e, como tal, não podem ser aceites pelo regime do IVA. Não obstante, esta situação não é transponível para a factualidade in casu, na medida em que a legislação nacional não impõe condições equiparáveis.
Por último, o acórdão do CAAD emitido no processo 751/2019-T, limita-se a decidir que, tendo sido celebrado entre uma sociedade holding e uma empresa sua participada um contrato de prestação de serviços intragrupo (o que, in casu, apenas se verificou uns anos após o alegado início da realização das operações tributáveis), segundo o qual a entidade beneficiária da prestação poderia ficar isenta de qualquer pagamento quando a sua situação económica-financeira o justificasse, e tendo sido aplicada essa estipulação contratual num certo período de tributação, ocorreria uma prestação de serviços a título gratuito. Não está, por isso, em causa a não aceitação do direito à dedução do imposto em caso de ausência de qualquer prestação de serviço, como resulta dos autos.
Questão semelhante à decidida nos presentes autos, como bem salienta a Requerida, ocorre antes no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de Novembro de 2017, Proc. nº 1081/09.7BELRS, em que está de facto em causa um pedido de reembolso de IVA por dedução em caso de falta de relação das deduções com operações tributáveis.
Ora, como bem se escreveu nesse acórdão:
" Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos actuais artºs. 19 a 26, do C.I.V.A. (cfr. anteriores artºs. 19 a 25). Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº .19, nº. 2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no actual artº.36, nº.5, do C.I.V.A. (cfr.anterior artº .35, nº.5, do C.I.V.A.). Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro locupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços".
E mais adiante acrescenta-se:
" Revertendo ao caso dos autos, é manifesto que não estão reunidos os requisitos do direito à dedução de imposto (I.V.A.) por parte da sociedade impugnante/recorrida, dado que os serviços adquiridos pela mesma e objecto do pedido de reembolso (custos de natureza “Outros Bens e Serviços” identificados acima), não estão directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto, não têm qualquer ligação directa e imediata com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo e, por último, embora não menos importante, não foram utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante. Portanto, face à aquisição de tais serviços a sociedade impugnante/recorrida comportou-se como um consumidor final, pelo que não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto que, alegadamente, suportou a montante (e, por consequência, pedir o reembolso do mesmo).
Sendo certo que o direito à dedução do IVA é um elemento fundamental do funcionamento deste imposto, e que apenas pode ser restringido em situações excecionais, importa, todavia, atentar ao facto, conforme ajuizadamente se refere neste acórdão, que as regras comunitárias e nacionais aplicáveis (em particular, o art.º 20 do Código do IVA) exigem a existência de uma relação directa entre os bens ou serviços adquiridos e a realização de operações tributáveis (que, in casu, não resultou provado terem existido) ou, pelo menos, entre aqueles e o exercício do conjunto da actividade económica do sujeito passivo de imposto, pressupondo, nesse caso, a incorporação do seu custo nos preços dos bens e serviços fornecidos pelo sujeito passivo no âmbito das suas atividades económicas (o que também não se considerou provado).
É assim manifesto que, não tendo a Requerente realizado operações sujeitas a IVA (outputs), nem possuindo qualquer factura das mesmas, não tem manifestamente direito a deduzir o IVA suportado nas aquisições (inputs), uma vez que em relação às mesmas não se comportou como sujeito passivo de IVA, não fazendo qualquer sentido defender que suportou aquisições para efectuar operações tributáveis muitos anos depois.
E não se pode censurar a Requerida por ter efectuado uma inspecção tributária para apurar a justificação do pedido de reembolso de IVA, uma vez que é esse manifestamente o seu dever perante um pedido de reembolso que pode representar um locupletamento indevido à custa do Estado.
Também não se verifica qualquer falta de fundamentação dos actos administrativos, uma vez que os mesmos, pela motivação aduzida, mostram-se aptos a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesão, o que foi, aliás, o que a Requerente fez, instaurando o presente pedido de pronúncia arbitral.
Não se verifica, assim, qualquer ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios impugnadas, não tendo razão a Requerente na sua pretensão de obter a anulação do indeferimento do pedido de reembolso de IVA.
— DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
17. A Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43º da LGT.
Decorre do número 1 desse artigo que são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".
Podemos entender ainda que, como decorre do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral. Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.
Como já se referiu, não há qualquer ilegalidade a apontar na actuação da Requerida neste processo, pelo que improcede igualmente o pedido de condenação em juros indemnizatórios.
VI – Decisão
Nestes termos, julga-se improcedente o pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios ... 1603T, no valor de € 32 109,37, ... 1606T, no valor de € 29 577,15, ... 1609T, no valor de € 17 528,68, ... 1612T, no valor de € 35 199,57, ...1703T, no valor de € 35 843,29, ... 1706T, no valor de € 55 187,64, ...1709T, no valor de € 28 255,65, ... 1712T, no valor de € 57 606,12, ... 1803T, no valor de € 34 172,45 €, ... 1806T, no valor de € 23 524,35, ... 1809T, no valor de € 27 120,61, ... 1812T, no valor de € 23 532,73, ... 1903T, no valor de € 32 492,44, ... 1906T no valor de € 17 265,70, ... 1909T, no valor de € 38 942,01, ... 1912T, no valor de € 19 911,86 e ... 2003T, no valor de € 22 929,63, e do indeferimento do pedido de reembolso de IVA apresentado pelo Requerente, relativo ao período de 2020 03T, no montante de € 480.175,71, acto notificado ao SP através do Ofício DSR/DRR, N.º..., datado de 29/12/2020, em virtude dessas liquidações adicionais.
Julga-se igualmente improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
Fixa-se ao processo o valor de € 467.676,87 (valor indicado e não contestado) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 7.344,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, condenando-se a Requerente nas custas do processo.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2022
Os Árbitros
(José Poças Falcão)
(Luís Menezes Leitão)
(Raquel Montes Fernandes)