Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 444/2021-T
Data da decisão: 2021-12-31  Selo  
Valor do pedido: € 187.456,34
Tema: Imposto do Selo – Isenção: artigo 7º, nº1, alínea e) do CIS.
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Sumário:

I.             Nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

II.            Esta isenção, à semelhança de todas as outras, enquadra-se no conceito de benefício fiscal fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;

III.          Não é possível extrair da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

IV.          A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) dos n.ºs 1 e 7 do artigo 7. ° do CIS.

 

Os Árbitros Guilherme W. d’Oliveira Martins, Mariana Vargas e José Coutinho Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

1. A Requerente A... – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS SA., com o NIPC ... e sede na Rua ..., n.º..., ...-... ... é uma sociedade gestora de participações sociais (doravante SGPS), que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro (certidão de registo comercial consultável através do código de acesso ...) e vem apresentar pedido arbitral:

a.            Com o seguinte conteúdo:

(i)           Seja declarada a ilegalidade dos atos de liquidação efetuados pelas instituições bancárias Banco B... S.A., BANCO C..., S.A., D... S.A., Banco E... S.A., Banco F... S.A., G..., S.A., H... S.A., Banco I... S.A., J...- SUCURSAL EM PORTUGAL e K... S.A. - Sucursal em Portugal entre novembro de 2016 e outubro de 2018 na parte relativa à tributação de imposto de selo sobre as operações de crédito de que a Requerente é beneficiária;

(ii)          Serem os atos de liquidação parcialmente anulados em conformidade com os fundamentos deduzidos;

(iii)         Ser a Administração Tributária e Aduaneira condenada a restituir à Requerente o valor de 187.456,34€ relativo ao imposto do selo que indevidamente lhe foi repercutido;

(iv)         Ser a Administração Tributária e Aduaneira condenada a pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia de 187.456,34€ que se vençam a partir de 15 de dezembro de 2021 até emissão de nota de crédito.

b.            No âmbito da atividade que desenvolve e na prossecução do respetivo objeto, a Requerente recorreu a financiamento junto de diversas das instituições de crédito, ao abrigo de contratos identificados no artigo 16.º deste requerimento.

c.            Tais instituições de crédito, na qualidade de sujeito passivo, liquidaram e entregaram ao Estado Imposto do Selo, nos termos da Verba 17.3 TGIS, o correspondente imposto de selo incidente sobre as operações de crédito decorrentes de tais contratos de financiamento, que fizeram repercutir sobre a Requerente, entre novembro de 2016 e outubro de 2018, no montante global de € 187.456,34, de acordo com o quadro abaixo:

 

d.            A Requerente, enquanto titular do interesse económico suportou, nos termos do artigo 3.º do CIS, o encargo relativo ao imposto do selo que a instituição de crédito sobre ela repercutiu, por alegadamente ser devido, nos termos da verba 17.3 da Tabela Anexa, correspondente a operações efetuadas com instituições de crédito.

e.            Por entender estar preenchida a previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo a Requerente, em 15 de dezembro de 2020 apresentou revisão oficiosa que teve como objeto os atos de liquidação identificados, tendo solicitado a sua anulação e a consequente restituição das quantias por si pagas (Documento n.º 439 que se junta).

f.             A revisão oficiosa não foi decidida até ao presente momento pelo que se presume tacitamente indeferida em 15 de abril de 2021 (artigo 57.º n. º1 da LGT).

g.            Como se verá os atos de liquidação de imposto de selo são ilegais, sendo, consequentemente, também ilegal o ato de indeferimento (tácito) da revisão oficiosa que manteve os atos de liquidação.

h.            Pelo que vem a Requerente apresentar o presente pedido de constituição de tribunal arbitral no prazo de 90 dias contado da presunção de indeferimento tácito (artigo 10.º n.º1 al. a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 e artigo 102.º n.º1 al. d) do CPPT).

i.             Como referido, a Requerente é uma SGPS, que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro

j.             As sociedades participadas pela Requerente entre novembro de 2018 e outubro de 2020 estão melhor identificadas no artigo 11.º do ppa.

k.            As participadas da Requerente desenvolvem atividade no setor dos serviços.

l.             Nenhuma participada da Requerente se dedica exclusivamente ao setor industrial.

m.          A Requerente não tem no seu ativo nem controla ou domina direta ou indiretamente qualquer empresa do sector dos seguros ou resseguros.

n.            No âmbito da sua atividade e na prossecução do respetivo objeto, a Requerente tem vindo a recorrer a financiamentos junto de instituições de crédito.

o.            Concretamente, a Requerente celebrou contratos de financiamento melhor identificados no artigo 17.º do ppa. com as instituições de crédito Banco B... S.A., BANCO C..., S.A., D... S.A., Banco E... S.A., Banco F... S.A., G..., S.A., H... S.A., Banco I... S.A., J... - SUCURSAL EM PORTUGAL e K... S.A. - Sucursal em Portugal.

p.            A questão controvertida consiste em saber se as operações de crédito em causa estão ou não isentas de imposto do selo, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS e, em caso afirmativo, terá de concluir-se que houve erro na liquidação do imposto.

q.            Ora, esta norma faz depender a isenção de Imposto do Selo de dois requisitos cumulativos: um requisito de natureza objetiva e um requisito de natureza subjetiva.

r.             No que respeita ao requisito objetivo, este abrange os juros e comissões cobrados pela concessão de crédito, garantias prestadas na concessão de crédito e utilização de crédito concedido.

s.            Quanto ao requisito subjetivo, a norma de isenção exige que estas operações sejam realizadas por “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras”, tendo como destinatários “sociedades de capital de risco, bem como sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.

t.             No caso, é inequívoco que estão em causa operações de financiamento/utilização de crédito (e respetivos juros, comissões e garantias associadas), pelo que se encontra preenchido o requisito objetivo da norma de isenção.

u.            É igualmente inequívoco que as entidades concedentes de crédito são instituições de crédito.

v.            Entende a Requerente que, por força da sua qualidade de SGPS, se subsume no tipo “instituição financeira”.

w.           O artigo 11.º n.º 2 da LGT dispõe que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.”

x.            Na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS é claramente estatuído que a isenção é aplicável a “utilização de crédito concedido a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.

y.            Pelo que o conceito de instituição financeira a que se deve ater para efeito de verificação do preenchimento da previsão da norma é o resultante da legislação comunitária.

z.            Ora, aquando da entrada em vigor da redação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo - redação introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro – era aplicável o normativo previsto no artigo 1.º, n.º 5, da Diretiva 2000/12/CE, que definia como instituição financeira “uma empresa que não seja uma instituição de crédito, cuja atividade principal consista em tomar participações ou exercer uma ou mais atividades referidas nos pontos 2 a 12 da lista do anexo”.

aa.          A Diretiva 2000/12/CE foi substituída pela Diretiva 2006/48/CE, por sua vez revogada pela Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, que, juntamente com o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, constitui o atual enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade das instituições de crédito e que estabelece o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento.

bb.         A Diretiva 2013/36/EU, no seu artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), declara como sendo uma instituição financeira, para efeitos da diretiva, “uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013”.

cc.          Decorre do artigo 4.º 26) do Regulamento que uma instituição financeira é uma empresa; - que não seja uma “instituição” (ou seja, uma instituição de crédito ou empresa de investimento – artigo 4.º , n.º1, 3), - cuja atividade principal seja a gestão de participações sociais ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU - que não seja uma sociedade gestora de participações no setor dos seguros ou uma sociedade gestora de participações de seguros mistas

dd.         Do preceito não resulta que uma instituição financeira é uma empresa cuja atividade principal seja a gestão de participações sociais em empresas que desenvolvam atividades no setor bancário e financeiro (as atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU),

ee.         Já que o que se extrai da norma é que decisivo para a qualificação como instituição financeira é o desenvolvimento de atividade de gestão de participações sociais ou o desenvolvimento de uma das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU,

ff.           A norma é disjuntiva.

gg.          Não se impondo, para efeitos da segunda parte do preceito, que a gestão de participações sociais seja efetuada em empresas que desenvolvem atividades no setor bancário e financeiro,

hh.         Pelo que a atividade de gestão de participações sociais em qualquer tipo de empresa é bastante para efeito de preenchimento da previsão da norma em causa,

ii.            A norma comunitária em referência apenas exclui do conceito de instituições financeiras as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”

jj.            Concluindo-se que para os efeitos do artigo 4.º 26) do Regulamento na redação vigente previamente à entrada em vigor do Regulamento (UE) n.º 2019/876, uma empresa que desenvolvesse a atividade de gestão de participações sociais em qualquer tipo de empresa (e conquanto que não se tratasse de sociedade gestora de participações no setor dos seguros e sociedade gestora de participações de seguros mistas) é considerada uma instituição financeira.

kk.          O conceito de instituição financeira é utilizado para integrar o conceito de uma das entidades sujeitas a requisitos prudenciais, isto é, as companhias financeiras,

ll.            Mas uma instituição financeira que não preencha os demais requisitos para ser considerada uma companhia financeira não está sujeita a requisitos prudenciais,

mm.      Concluindo-se que uma instituição financeira não está sujeita aos requisitos prudenciais e regime de supervisão fixado no Regulamento.

nn.         Mesmo que do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS não resultasse de forma expressa que o conceito de instituição financeira é integrado com recurso à legislação comunitária e não à legislação nacional – o que é evidente que resulta – tal sempre se extrairia do princípio do primado do direito comunitário,

oo.         No artigo 8.º n.º4 da Constituição da República Portuguesa é estabelecido que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”

pp.         Tal normativo constitucional reflete o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional, enquanto princípio estruturante do próprio ordenamento comunitário, tal como tem vindo a ser sustentado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

qq.         Mais se diga que remetendo o artigo 7.º n.º1, alínea e) do CIS para o conceito europeu de instituição financeira, a aplicação do conceito constante da legislação nacional que, como vimos, é mais restritivo que o europeu (que abrange qualquer SGPS desde que se não trate de sociedades gestoras de participações no setor dos seguros ou no setor puramente industrial), e apenas abrange as SGPS sujeitas à supervisão do Banco de Portugal também significaria uma discriminação negativa das empresas nacionais face às demais empresas europeias,

rr.           Porquanto, para efeitos da aplicação do artigo 7.º n.º1 al. e) do CIS, as SGSP domiciliadas em Portugal estariam sujeitas ao conceito da legislação nacional e apenas poderiam ser consideradas instituições financeiras se estivessem sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.

ss.          Ao passo que, para efeitos da aplicação do artigo 7.º n.º1 al. e) do CIS, as SGPS domiciliadas em qualquer outro Estado Membro estariam sujeitas ao conceito da legislação europeia e poderiam ser consideradas instituições financeiras desde que não tratassem de sociedades gestoras de participações no setor dos seguros ou no setor puramente industrial,

tt.           O que violaria o princípio da proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade (artigo 12.º do TFUE).

uu.         Princípio do qual decorre o princípio da não discriminação fiscal, condições essas que não se verificam neste caso.

vv.          Concluindo-se que, face à remissão da norma que estabelece a isenção de imposto de selo para o direito europeu e, especificamente, para as sobreditas disposições da Diretiva 2013/36/EU e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, uma instituição financeira, para o aludido efeito, é, além de outras que exerçam certas atividades enumeradas no anexo, uma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, tem como principal atividade a aquisição de participações, desde que se não trate de sociedades gestoras de participações no setor dos seguros ou no setor puramente industrial

ww.       Ora, a Requerente tem como objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades,

xx.          Como resulta do referido no artigo 11.º deste requerimento, a Requerente não detém participações sociais em sociedades do setor dos seguros ou resseguros.

yy.          Pelo que se impõe a conclusão de que a Requerente se enquadra no conceito de “instituição financeira”, tal como se encontra definido no direito europeu,

zz.          Consequentemente, as operações financeiras em causa, sobre as quais os Bancos liquidaram imposto do selo, preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos da isenção de imposto de selo estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS.

aaa.       Sobre tais operações de crédito não incide imposto de selo pelo que os respetivos atos de liquidação são ilegais por violação do disposto no artigo 7.º n.º1 al. e) do CIS, no artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Diretiva 2013/36/EU, e no artigo 4.º ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013,

bbb.      Os atos de liquidação identificados nos artigos 3.º e 17.º deste requerimento na parte relativa à tributação de imposto de selo sobre as operações de crédito de que a Requerente são, pois, ilegais.

ccc.        E, tendo sido indevidamente liquidado o imposto deve ser anulada a liquidação e devolvido à Requerente que suportou o encargo do imposto. Isto é, deve ser restituída à Requerente a quantia de € 187 456,34

ddd.      E ainda pagos juros indemnizatórios (artigo 24.º n.º5 do Decreto-Lei n.º 10/2011 e artigo 100.º da LGT).

eee.      Concretamente, nos termos do artigo 43.º n.º 3 al. c) da LGT são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste.

fff.         Serão, pois, devidos juros indemnizatórios a partir de 15 de dezembro de 2021.

ggg.       Invoca ainda jurisprudência contraditória do CAAD e a necessidade de ponderação de reenvio prejudicial.

 

2. A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese o seguinte:

Por exceção

a.            Quanto ao envio da revisão oficiosa

a.            Apesar de a Requerente invocar que apresentou tal pedido de revisão oficiosa em 15-12-2020, a verdade é que o mesmo nunca chegou a dar entrada na AT, contrariando, assim, tal alegação.

b.            De facto, a AT não tem registo de entrada de nenhuma revisão oficiosa sobre a matéria aqui controvertida apresentada pela Requerente, nem existe evidência cabal e inequívoca que tal pedido haja alguma vez sido rececionado por algum dos serviços que a compõem, como decorre da comunicação da Direção de Finanças (DF) de Lisboa e da análise dos comprovativos do envio do email e do expediente em causa por correio.

c.            E, da análise do comprovativo automático enviado à Requerente pelo sistema que gere o correio eletrónico da Ordem dos Advogados, às 18:44, de 15 de dezembro de 2020 – cf. a segunda folha do documento que se juntou como documento n.º 1, parte 3.2 –, constata-se que o email enviado pela Requerente, em 15 de dezembro de 2020, às 18:44, para a at@at.gov.pt, contendo o requerimento de revisão oficiosa e documentação anexa ficou EM FILA, nunca chegando a ser rececionado pela AT.

d.            É o que se retira da frase: «The mail system: delivery via 127.0.0.1[127.0.0.1]:10027: 250 2.0.0 Ok: QUEUED as 4CwRwk6mqdz18HPj»

e.            Por outro lado, no que respeita à remessa por correio postal do expediente referente à revisão oficiosa, constata-se após consulta ao sítio do CTT Expresso - in https://www.ctt.pt/particulares...

f.             portugal/encomendas-expresso/index - que a encomenda com a referência “DA...PT” se encontra “EM TRÂNSITO” desde o dia 16- 12-2020, nunca tendo sido até hoje rececionada pela AT – cf. documento n.º 2 que se junta

g.            Decorre assim do exposto que a alegada revisão oficiosa nunca chegou a ser rececionada pela AT, não podendo, por esse motivo, ter sido alguma vez instaurada e apreciada pela administração fiscal, o que afasta a possibilidade de ter ocorrido a formação de indeferimento tácito invocado pela Requerente e torna o presente pedido arbitral intempestivo, como se demostrará de seguida, em sede de direito.

b.            Da inimpugnabilidade do ato e da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral por inexistência de indeferimento tácito

a.            Como resulta da factualidade acima aduzida, para que se remete e se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos, a AT não tem registo de entrada de nenhuma revisão oficiosa sobre a matéria aqui controvertida apresentada pela Requerente, nem existe evidência cabal e inequívoca que tal pedido haja alguma vez sido rececionado por algum dos serviços que a compõem, como decorre da comunicação da Direção de Finanças (DF) de Lisboa e da análise dos comprovativos do envio do email e do expediente em causa por correio (cf. documentos n.º 1 e 2 juntos).

b.            Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, “contado a partir dos factos previstos nos n.º s 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.

c.            O prazo para apresentar o pedido de constituição de tribunal arbitral é um prazo substantivo que se conta nos termos do artigo 279.º do Código Civil (CC), ou seja, conta-se de forma contínua, sem suspensões, designadamente, nos períodos de férias judiciais (cf. n.º 1 do artigo 20.º do CPPT e n.º 3 do artigo 57.º da LGT, ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

d.            Com efeito, não tendo aquele pedido de revisão oficiosa chegado à AT, por razões que a esta não são imputáveis, não é possível iniciar-se a contagem do prazo de 4 meses previsto no artigo 57.º da LGT, uma vez que, como decorre do artigo 329.º do Código Civil, o início de um prazo de caducidade (aqui o de resposta pela AT ao pedido do contribuinte) apenas começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.

e.            Pelo que, consequentemente soçobra o fundamento para a impugnação previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.

f.             Pois o ato que constitui o objeto mediato dos presentes autos não existe na ordem jurídica, pelo que, por maioria de razão não pode ser impugnado no presente pedido de pronúncia arbitral.

g.            Verificando-se assim a exceção dilatória nos termos dos n.ºs 1, 2 e alínea i) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, ex vi alínea c) do n.º do artigo 29.º do RJAT).

c.            Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa

d.            Com efeito, importa ainda aferir sobre a suscetibilidade e tempestividade do recurso ao procedimento de revisão oficiosa como meio de anular os atos de autoliquidação de imposto do selo aqui em causa relativa ao referido período de novembro de 2016 a outubro de 2018.

e.            E, como se demonstra, mesmo que se considerasse que a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa, e na data por si invocada, isto é, a 15-12-2020, sempre tal pedido é intempestivo e isto por três razões distintas e autónomas.

f.             Em primeiro lugar, ao tempo da prática dos atos de autoliquidação em causa, o artigo 78.º da LGT dispunha o seguinte:

«Artigo 78.º Revisão dos actos tributários

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.»

g.            Constata-se assim que à data dos atos de autoliquidação de imposto aqui em causa o artigo 78.º, n.º 2 da LGT se encontrava revogado, não podendo assim aplicar-se já o prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT.

h.            Vem de facto pugnar-se na referida decisão arbitral o seguinte: «Ora, constata-se que só após o decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, é que o Requerente solicitou a revisão oficiosa da autoliquidação do período de 2015, ao abrigo do artigo 78.º da LGT.

i.             Pelo que, não obstante à data da apresentação do pedido de revisão, junto da Direcção de Finanças de Lisboa, ainda se encontrar a decorrer o prazo de quatro anos a que se refere a segunda parte, do n.º 1, do artigo 78.° da LGT, não se verifica que a liquidação ora contestada enferme de erro, de facto ou de direito, imputável aos Serviços da Administração Tributária, que possibilite o alargamento do prazo para ser efectuada a sua revisão oficiosa – nem tão pouco a Requerente o alega, tendo-se esta limitado, no âmbito do pedido de revisão oficiosa, a fazer referência ao «erro na autoliquidação» constante do entretanto já revogado n.º 2, do artigo 78.º da LGT, não tendo sequer apresentado alegações neste processo para se defender da invocada excepção de intempestitividade invocada pela AT na sua Resposta. Destarte, concluindo-se que o pedido de revisão em causa só teria enquadramento no prazo da reclamação, com fundamento em qualquer ilegalidade, previsto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e encontrando-se, à data da apresentação do pedido de revisão, em 15 de Maio de 2020, ultrapassado o prazo de reclamação, conclui-se ser extemporâneo.

j.             Sucede que, apenas a consideração deste prazo de 4 anos permitiria que o pedido de revisão oficiosa fosse tempestivo relativamente a todos os atos de autoliquidação que integram o seu objeto.

k.            Mas, todos os atos tributários em questão (recorde-se relativos a imposto do selo dos períodos de novembro de 2016 a outubro de 2018) foram praticados depois de 31 de março de 2016, sendo-lhe, assim, aplicável a lei nova para efeitos de determinação da possibilidade de ser revisto oficiosamente, e consequentemente, não pode ser aplicado o prazo de 4 anos, por força da revogação do n.º 2 que remetia para o n.º 1 do artigo 78.º da LGT onde tal prazo se encontra previsto.

l.             Prosseguindo e em segundo lugar, constata-se que, de facto, a Requerente no pedido de revisão oficiosa não invoca o então já revogado artigo 78.º, n.º 2 da LGT, mas o seu n.º 5, isto é, a existência de injustiça grave e notória – cf. pontos 42 a 44 do pedido de revisão oficiosa junto no pedido de pronúncia arbitral, esquecendo, contudo, de referir que o prazo previsto para apresentação do pedido de revisão oficiosa com base em tal fundamento é de três anos, conforme decorre do n.º 4 do artigo 78.º da LGT que aqui se recorda: «4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.»

m.          Assim, da aplicação do artigo 78.º, n.os 4 e 5 da LGT, motivo invocado pela própria Requerente no seu pedido de revisão oficiosa conforme resulta da petição junta no ppa, resulta que o prazo de 3 anos aí previsto apenas permite a revisão dos atos de autoliquidação de IS referentes aos períodos de janeiro a outubro de 2018, atento o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado a 15-12-2020.

n.            Pelo que, sempre o pedido de revisão oficiosa será parcialmente intempestivo.

o.            Assim, em terceiro lugar, como se explicita na decisão arbitral proferida no processo n.º 617/2020-T, para que se remete e cuja fundamentação se convoca de modo a evitar repetições inúteis: «A revisão oficiosa dos atos tributários, iniciada para além do prazo de reclamação administrativa, exige assim que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: 1) Que o pedido seja formulado no prazo de quatro anos contados a partir do acto cuja revisão se solicita ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago; 2) Que exista «erro imputável aos serviços» e 3) Que a revisão oficiosa seja da iniciativa do particular ou se realize oficiosamente pela AT. Quando seja ultrapassado o prazo para a impugnação judicial ou reclamação graciosa, o artigo 78.º, nrs. 1, 3 e 4, da LGT, estatui assim como um dos requisitos da revisão oficiosa que exista erro imputável aos serviços. Ainda no aresto do STA já citado, escreveu-se que «qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro».

p.            Assim, em suma, para que seja aplicado o fundamento convocado pela Requerente, isto é, a existência de injustiça grave e notória, previsto no artigo 78.º, n.º 4 da LGT, sempre se impõe que exista erro imputável aos serviços

q.            E, tal como na decisão arbitral citada, os atos de autoliquidação de IS em causa nos presentes autos residem exclusivamente em informação pela qual a AT não é responsável, já que a liquidação foi efetuada com base estrita na declaração da Requerente e praticada pelo contribuinte (as referidas entidades bancárias), que praticaram os atos tributários de autoliquidação controvertidos.

r.             Sendo que, mesmo que tal situação não fosse imputável à conduta negligente da Requerente, a verdade é que o artigo 78.°, n.º 5, da Lei Geral Tributária qualifica injustiça notória como aquela que se apresenta ostensiva e inequívoca, e grave aquela que resulta de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou que consubstancia um elevado prejuízo para a Fazenda Nacional

s.            E nenhuma destas circunstâncias se verifica no caso dos autos, por não ter a AT, salvo lapso nosso, que tivesse induzido a Requerente em erro na interpretação da lei nem lhe podendo ser imputado o facto de a Requerente não ter lançado mão dos meios graciosos que estavam ao seu dispor no prazo devido.

t.             Verifica-se assim, que o pedido de revisão oficiosa é totalmente intempestivo não sendo possível à Requerente obter pronúncia da AT, em sede deste procedimento, que seria sempre liminarmente rejeitado, por não estarem reunidos os pressupostos previstos para aplicação do artigo 78.º, n.os 4 e 5 da LGT.

u.            Tal impossibilidade preclude a apreciação da legalidade dos atos de liquidação objeto do pedido de pronuncia arbitral.

v.            Consequentemente, atento todo o exposto, não pode a Requerente justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base num pedido de revisão extemporâneo nos termos acima explicitados

w.           De outro modo, estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação.

x.            Nem pode o tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade do pedido de revisão, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

d.            Do ónus que se encontra acometido à requerente e bem assim da ineptidão de parte do pedido de pronúncia arbitral

a.            Na parte final do pedido de pronúncia arbitral (ppa), a Requerente requer ao tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do artigo 429.º do CPC, a notificação da parte contrária (AT) para que esta junte aos autos as “guias de pagamento emitidas pelas instituições de crédito BANCO C..., S.A., D... S.A., Banco F... S.A., J...- SUCURSAL EM PORTUGAL e K... S.A. - Sucursal em Portugal tal como identificadas nos quadros n.º 1 a 6 constantes do artigo 17.º deste requerimento.”.

b.            Mais requer “que a Entidade Requerida seja notificada para vir aos autos identificar os atos de liquidação (guias de pagamento) emitidos pelas instituições bancárias Banco E... S.A., G..., S.A., H... S.A., Banco I... S.A em cada um dos períodos mencionados nos quadros 7 a 10 do artigo 17.º deste requerimento e juntar cópia dos mesmos.”.

c.            Com a apresentação destas informações e junção destes documentos visa a Requerente demonstrar o estabelecido nos artigos 3.º e 17.º do ppa.

d.            Contudo, pelas razões que de seguida se explicitam, não pode a AT suprir tal falta, sendo ademais a Requerente, como a própria o refere, atento o disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, quem tem de identificar no ppa os atos impugnados.

e.            Atenta a situação descrita, como acima referido, pretende a Requerente que seja a AT a suprir a falta de junção dos atos por si impugnados no ppa, requerendo, recorde-se aqui, o seguinte: (i) “que a Entidade Requerida seja notificada para juntar aos autos as guias de pagamento emitidas pelas instituições de crédito BANCO C..., S.A., D... S.A., Banco F... S.A., J...- SUCURSAL EM PORTUGAL e K... S.A. - Sucursal em Portugal tal como identificadas nos quadros n.º 1 a 6 constantes do artigo 17.º deste requerimento.” (ii) “Mais se requer que a Entidade Requerida seja notificada para vir aos autos identificar os atos de liquidação (guias de pagamento) emitidos pelas instituições bancárias Banco E... S.A., G..., S.A., H... S.A., Banco I... S.A em cada um dos períodos mencionados nos quadros 7 a 10 do artigo 17.º deste requerimento e juntar cópia dos mesmos.” (destaque nosso)

f.             Assim e tendo presente que, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, no pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral.

g.            São duas as situações descritas pela Requerente no ppa, no que a este aspeto concerne:

(i) existência de declarações por parte das instituições bancárias que praticaram os atos de liquidação impugnados, identificando-os, sem que, contudo, seja possível a junção das respetivas guias - quadros n.º 1 a 6 constantes do artigo 17.º do ppa;

(ii) impossibilidade de identificar os atos de liquidação praticados pelas instituições bancárias - quadros 7 a 10 do artigo 17.º do ppa.

h.            Ora, como referido pelas instituições bancárias aquando do pedido da Requerente relativamente ao pedido de cópias das guias de pagamento de imposto do selo, estas guias emitidas por estas entidades (e não pela AT) agregam a totalidade dos montantes de imposto do selo entregues, contendo informação relativa a todos os clientes, pelo que integram informação confidencial, não podendo por isso ser disponibilizadas à Requerente nem a nenhum outro contribuinte.

i.             O que sucede habitualmente é as instituições bancárias emitirem uma declaração onde indicam o número da guia de entrega do imposto, a data do pagamento e o valor liquidado e cobrado ao titular do encargo que quer fazer valer a sua pretensão junto da AT.

j.             Ou seja, como aconteceu nos presentes autos na primeira das situações descritas pela Requerente.

k.            Sendo esta declaração emitida pelos bancos é geralmente aceite pela AT nos procedimentos contenciosos que é chamada a apreciar, mormente nas que têm respeitado à matéria em discussão nos presentes autos.

l.             Pelo que, no respeita à primeira situação, onde existem declaração prestadas pelas entidades bancárias nas quais se identificam os atos impugnados no ppa (quadros n.º 1 a 6 constantes do artigo 17.º do ppa), a Requerida nada tem a apontar quanto ao cumprimento do exigido no artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT. Contudo,

m.          A segunda situação descrita pela Requerente, isto é, a solicitação da identificação das guias de pagamento emitidas pelo Banco E... S.A., G..., S.A., H... S.A. e Banco I... S.A., em cada um dos períodos mencionados nos quadros 7 a 10 do artigo 17.º do ppa, é diferente.

n.            Desde logo importa fazer notar que, estando-se perante um imposto autoliquidado pelos sujeitos passivos, isto é, as referidas instituições bancárias, o mesmo assenta em informação coberta pelo sigilo bancário cuja identificação pessoal dos clientes é omitida na contabilidade, pelo que a AT não consegue confirmar quais as guias de imposto que a Requerente pretende impugnar.

o.            Com efeito, como referido, as guias de imposto agregam por rubrica o total de imposto liquidado e cobrado durante um determinado período a todos os clientes por determinado sujeito passivo, in casu, instituições bancárias, tendo esta identificação de ser efetuada pela própria instituição bancária que autoliquidou o imposto, a pedido do cliente ou de uma autoridade judicial, para que reconheça se no período em causa foi englobado imposto referente a este cliente em concreto e por referência a determinada situação, por ser a entidade que se encontra na posse desta informação.

p.            Como de resto sucedeu na primeira das duas situações descritas pela Requerente. Assim, estando o ónus de identificação dos atos impugnados legalmente imputado à Requerente, nos termos do referido artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, a sua falta é causa de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

q.            Também nos termos do artigo 79.º, n.º 3, alínea a) do CPTA, quando seja deduzida pretensão impugnatória, a petição inicial deve ser instruída, com documento comprovativo da emissão da norma ou do ato impugnados.

r.             Determinando-se no artigo 87.º, n.º 7 do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, que a falta de suprimento de exceções dilatórias ou de correção, dentro do prazo estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial determina a absolvição da instância.

s.            Estamos assim perante uma irregularidade geradora da nulidade de todo o processo, nos termos do artigo 186.º, n.º 1 do CPC, cuja previsão legal, enquanto exceção dilatória, consta do artigo 89.º, n.º 4, b) do CPTA.

t.             E, representa, por outro lado, nulidade insanável, como decorre do estipulado no artigo 98.º, n.º 1, a), do CPPT, determinando, consequentemente, a absolvição da Requerida da instância (cf. art. 576º, n.º 2 do CPC).

Por impugnação

a.            As operações subjacentes à parte das liquidações contestadas no presente ppa estão sujeitas ao imposto do selo, por força do art.º 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo e Verbas 17.1 e 17.3.

b.            Sustenta a Requerente que atenta a qualidade dos intervenientes nos financiamentos (utilização de crédito) a que respeita o Imposto do Selo em causa, a liquidação deste é indevida, e, por conseguinte, padece de ilegalidade.

c.            Com efeito, a Requerente defende que estão preenchidas as condições para beneficiar da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo.

d.            Está em causa, portanto, neste ponto saber se a Requerente, na qualidade de sociedade gestora de participações sociais (SGPS) e contraparte nas operações de concessão de crédito e de cobrança de juros e comissões integram, ou não, o elemento subjetivo da norma de isenção, onde cabem, no que aqui tem relevo, “sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchem os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.

e.            Como resulta bem explicitado na decisão arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T e mais recentemente, na proferida no processo n.º 559/2020-T, a Requerente não pode ser qualificada como instituição financeira, de crédito ou sociedade financeira para efeitos da referida norma de isenção.

f.             No ppa interpreta-se aquela expressão, salvo lapso nosso, no sentido de que a remissão para a legislação comunitária, quanto à qualificação das entidades a quem são cobrados juros e comissões, concedido crédito ou prestadas garantias, levaria a aplicar a isenção a todas entidades que correspondem aos tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária,

g.            incluindo instituições que nada têm que ver com a concessão de crédito, onde cabem entidades e sociedades financeiras, previstas nos artigos 4.º-A e 6.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).

h.            Assim sendo, importa, então, começar por aqui se recordar a legislação comunitária pertinente, para este efeito, em ordem a averiguar, de seguida, se qualquer sociedade gestora de participações sociais (SGPS) como as do tipo da Requerente, é qualificada como instituição financeira ao abrigo dessa legislação comunitária, pois é pacífico que a Requerente não é uma instituição de crédito nem sociedade financeira.

i.             E como já concluído em sede administrativa pela Requerida, assim como nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.os 37/2020-T e 559/2020-T, a resposta a esta questão é negativa.

j.             Ou seja, no processo de identificação há que atender à “forma e objeto” das entidades em causa, in casu, das SGPS em geral.

k.            Traçadas estas coordenadas, impõe-se ainda recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do STA (cf. entre outros, acórdão de 08/11/2017, processo n.º 0174/17; de 04/10/2017, processo n.º 01450/16, de 13/09/2017, processo n.º 01246/16, de 22/02/2017, processo n.º 01245/16): “As normas que regulam a isenção de imposto, na medida em que contrariam os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa.”. 87.º Pois bem, o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, entende por «“Instituição financeira": uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.o 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.o 575/2013».

l.             Por seu lado, o artigo 4.º, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n. ° 648/2012 define “Instituição financeira” como: «uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Directiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na acepção da Directiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212. n.º 1, ponto g) da Directiva 2009/138 /CE».

m.          Faz-se notar que o texto da definição expressamente inclui como “Instituição Financeira” uma “Companhia financeira” 1 e uma “Companhia financeira mista” 2 , mas não integra uma “Companhia mista” 3 que surge, porém, abrangida pelo conceito “Entidades do sector financeiro” (art. 4.º, ponto 27 do Regulamento), sendo que a diferente categorização destes três tipos de companhias projeta-se nomeadamente na sujeição a regras diferenciadas no domínio da supervisão em base consolidada (cf. artigos 119.º a 125.º da Diretiva).

n.            À luz das definições constantes dos atos legislativos da União Europeia citados, no ppa entende-se que qualquer sociedade gestora de participações sociais sujeita ao regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, é subsumível no conceito de “instituição financeira”, e, consequentemente, como tal deve ser considerada para efeitos do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

o.            Contudo, não tem razão, sendo importante distinguir entre as SGPS referidas, pois não basta ser SGPS para ser qualificada como instituição financeira.

p.            Porém, a análise desta matéria exige maior precisão e rigor, imposto desde logo pela determinação do artigo 3.º, n.º 1 da Diretiva e do artigo 4.º do Regulamento de que as definições dos termos e expressões servem os efeitos previstos em cada um destes atos legislativos. 95.º Pelo que urge responder à questão crucial de saber se toda qualquer SGPS serve os efeitos daquele quadro regulatório. 96.º E a resposta só pode ser negativa

q.            Como está patente, o legislador nacional interpretou a definição da legislação europeia, em linha com o entendimento que acima foi exposto, ao considerar que a generalidade das SGPS não encontra correspondência nos específicos tipos das empresas compreendidas na definição de “Instituição financeira” constante do artigo 4.º, ponto 26), do Regulamento. 134.º Deste modo, o legislador integrou nessa qualificação apenas as SGPS que, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro10 e no artigo 117.º do RGICSF, estão sujeitas à supervisão do Banco de Portugal 11.

r.             A título complementar, a Requerente invoca a Diretiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho de 2006, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e ao seu exercício (revogada pela Diretiva 2013/36) que definia, no seu artigo 4.º ponto 5), uma “Instituição financeira” como «uma empresa que não seja uma instituição de crédito cuia atividade principal consista em tomar participações ou em exercer uma ou mais das atividades referidas nos pontos 2 a 12 da lista do Anexo I».

s.            Pois bem, evitando repetições inúteis, sempre se dirá que o erro básico de interpretação em que incorre a Requerente reside em considerar que aquela definição deve ser lida em termos gerais e abstratos, ou seja, descontextualizada do quadro normativo em que se insere e para cujos efeitos foi gizada.

t.             Adicionalmente, a Requerente chama ainda a atenção para a Proposta de Diretiva do Conselho que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras (Documento COM/2013/071 final - 2013/0045).

u.            Na verdade, a exposição de motivos da Proposta de Diretiva alude a “uma definição de instituição financeira vasta”, tendo em vista assegurar de forma eficaz a consecução dos objetivos da proposta, desiderato que exigia uma definição, cujo âmbito pudesse abarcar a generalidade dos operadores nos mercados de instrumentos financeiros relevantes.

v.            E, nesse sentido, o artigo 2.º, (8), da Proposta de Diretiva inclui no conceito amplo de “instituições financeiras” um conjunto diversificado de estruturas e operadores nos mercados financeiros, remetendo, relativamente a cada um, sempre que possível, para as definições consagradas na legislação pertinente da UE, adotada para fins de regulação, como é o caso das “empresas de investimento”, “mercado regulamentado”, “instituição de crédito”, “empresa de seguros e resseguros”, “organismo de investimento coletivo em valores mobiliários e sociedade gestora”, “fundo de pensões ou uma instituição de realização de planos de pensões profissionais e respetivos gestores”, “fundo de investimento alternativo e gestor de fundos de investimento alternativos”, “entidade de titularização com objeto específico” e “entidade instrumental”.

w.           A par daqueles operadores são ainda contemplados no artigo 2.º, (8), alínea j) “Qualquer outra empresa, instituição, organismo ou pessoa que desenvolva uma ou mais das seguintes atividades, no caso de o valor anual médio das suas transações financeiras constituir mais de cinquenta por cento do montante líquido anual médio global das suas vendas e prestações de serviços”,

x.            sendo, nesta alínea, que poderiam caber as sociedades gestoras de participações sociais por desenvolverem a atividade prevista na subalínea (iii) “aquisição de participações em empresas”, mas, subordinadas ao preenchimento do requisito quantitativo referente ao valor anual médio das suas transações financeiras.

y.            Posto isto, e sem mais delongas, a convocação daquela Proposta de Diretiva para reforçar a qualificação das SGPS em geral como “instituições financeiras” para efeitos da aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, não tem qualquer efeito útil, porquanto, esta Proposta encontra-se ainda em fase de discussão, logo, não sequer integra ainda o acervo da “legislação comunitária”.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 15-07-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 15-07-2021. Em 05-08-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 09-09-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 28-09-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em 28-09-2021 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 30-10-2021.

 

Em 24-11-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

«Notifique-se o Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida.

Tendo sido requerida prova testemunhal pelo Requerente, pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito. Notifique-se as partes para se pronunciarem, querendo, sobre a dispensa da reunião.

Prazo: 5 (cinco) dias.»

 

A Requerente e a Requerida pronunciaram-se em 07-12-2021.

 

A Requerida ainda se pronunciou sobre a resposta às exceções em 16-12-2021 e a Requerida veio em 23-12-2021 requerer o desentranhamento da referida peça processual.

 

Em 24-12-2021 foi proferido o seguinte despacho:

«1.      Através do requerimento de 16 de dezembro de 2021 veio a Requerida pronunciar-se sobre os documentos juntos pela Requerente na resposta às exceções e sobre o próprio teor de tal resposta.

2.      Na sequência deste pedido, a Requerente veio em 23-12-2021, informar e requerer o seguinte:

a.      Não está previsto no RJAT qualquer resposta a documentos ou à resposta às exceções;

b.     Não sendo este o momento próprio para a AT exercer o direito ao contraditório que, eventualmente, possa existir (o que a própria AT ao referir no introito do seu requerimento de 16 de dezembro de 2021 que “não obstante não ser o momento processual para exercício do contraditório”;

c.      Pelo que o requerimento de 16 de dezembro de 2021 deve ser desentranhado.

 

 Cumpre, assim, decidir:

 

1.      Em processo arbitral, o princípio do inquisitório atribui ao Tribunal um poder-dever de condução do processo, designadamente, de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias para a descoberta da verdade material.

2.      O mencionado princípio do inquisitório é tradicionalmente contraposto ao princípio do dispositivo que coloca na disponibilidade das partes a condução do processo e o ónus de alegar a factualidade que servirá de base à decisão, bem como de tomar a iniciativa na prova dos factos controvertidos.

3.      Assim e no presente caso, deve entender-se que se aplica tout court o inquisitório, cujo poder-dever resulta da consagração do princípio da livre determinação das diligências de produção de prova necessárias (artigo 16.º, alínea e), do RJAT) e, em qualquer caso, é resultado da aplicação subsidiária do artigo 114.º do CPPT ou do artigo 411.º do CPC por força do disposto no artigo 29.º do RJAT.

4.      Deste modo, está na total disponibilidade dos árbitros do processo a requisição de elementos que se reputem essenciais para a construção da convicção e prova dos factos, só lhe sendo lícito concluir pela falta de prova de um determinado elemento ou facto se, após a requisição dos aludidos documentos, não decorrer evidência ou prova desses elementos ou factos.

5.      Este princípio do inquisitório é reforçado pelo princípio da cooperação e boa-fé processuais previstos no artigo 16.º do RJAT e bem assim pelo princípio da livre condução do processo previsto no artigo 19.º também do RJAT.

6.      Assim, estre Tribunal entende que os elementos juntos pela Requerida são pertinentes para a decisão da causa, pelo que se indefere o presente pedido de desentranhamento.

Notifique-se.»

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

 

III. DECISÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

a.            A Requerente A...– SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS SA., com o NIPC ... e sede na Rua ..., n.º..., ...-... ... é uma sociedade gestora de participações sociais, que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro (certidão de registo comercial consultável através do código de acesso ...);

b.            No âmbito da atividade que desenvolve e na prossecução do respetivo objeto, a Requerente recorreu a financiamento junto de diversas das instituições de crédito, ao abrigo de contratos identificados no ppa.

c.            Tais instituições de crédito, na qualidade de sujeito passivo, liquidaram e entregaram ao Estado Imposto do Selo, nos termos da Verba 17.3 TGIS, o correspondente imposto do selo incidente sobre as operações de crédito decorrentes de tais contratos de financiamento, que fizeram repercutir sobre a Requerente, entre novembro de 2016 e outubro de 2018, no montante global de € 187.456,34.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

 

B. DO DIREITO

 

B.1. Questões prévias

 

Vem a Requerida invocar quatro exceções, sobre as quais a Requerente se pronunciou, e que interessa decidir. São elas:

a)            Quanto ao envio da revisão oficiosa;

b)           Da inimpugnabilidade do ato e da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral por inexistência de indeferimento tácito;

c)            Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa;

d)           Do ónus que se encontra acometido à requerente e bem assim da ineptidão de parte do pedido de pronúncia arbitral.

 

Quanto à primeira e segunda exceção invocada, respeitante ao envio da revisão oficiosa e consequente inimpugnabilidade do ato e da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral por inexistência de indeferimento tácito, está provado que a Requerente às 18:44, de 15 de dezembro de 2020 – cf. a segunda folha do documento que se juntou como documento n.º 1, parte 3.2.

Na verdade, e como a Requerente invoca há convergência da jurisprudência no sentido de se estabelecer que os requerimentos, nos termos do artigo 26.º do CPPT, se considerarem apresentados na data em que foram enviados (mediante correio registado, correio eletrónico ou telefax) e não na data em que foram recebidos pela AT.

Veja-se, conforme referido pela Requerente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 23 de junho de 2016, proferido no processo 00072/13.8BEMDL, disponível em www.dgsi.pt:

«1. Para a prática de atos no procedimento tributário o art.º26.º n.º2 do CPPT, afasta-se do regime do CPA, considerando relevante como momento de apresentação dos requerimentos e outros escritos o do registo nos postos dos correios e não a data de recebimento nos serviços, que é aquela que conta no caso de envio pelo correio de requerimentos dirigidos a entidades administrativas, nos termos do art.º79.º do CPA. 2. Assim, sendo juridicamente relevante no procedimento tributário, como data de apresentação do requerimento, a da expedição, independentemente do seu recebimento nos serviços, no caso de remessa do requerimento por via postal registada, também no caso da transmissão eletrónica de dados a que foi equiparada pela AT a transmissão por telecópia, tem de prevalecer, por identidade de razões, a data da transmissão sobre a do recebimento.»

Sendo assim esta duas exceções decaem, havendo inclusivamente reconhecimento da Requerida do mesmo recebimento, sendo a Requerente obviamente alheia a questões informáticas do lado da AT.

 

Quanto à terceira exceção, respeitante à intempestividade do pedido de revisão oficiosa, o tema requer uma análise mais delicada, dadas as imprecisões graves que a Requerida comete na elaboração da sua resposta, causando alguma perplexidade perante o julgador.

Na verdade, previa o artigo 78.º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe «Revisão de atos tributários”, à data dos factos em causa nos presentes autos (todos os atos tributários em questão – recorde-se relativos a imposto do selo dos períodos de novembro de 2016 a outubro de 2018 – foram praticados depois de 31 de março de 2016) que:

«1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.»

 

A este propósito, esclarece o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0476/12, de 12 de setembro de 2012, quanto às formas de recorrer à revisão de ato tributário previstas no artigo 78.º da LGT, o seguinte:

«I- O art. 78.º da LGT prevê a revisão do ato tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.»

II – De acordo com o disposto no art. 78.º, n.º 2 da LGT considera-se imputável aos serviços para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação, pelo que, não obstante o disposto no artigo 131.º do CPPT, o contribuinte pode suscitar a apreciação oficiosa da ilegalidade cometida na autoliquidação.

III – Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade – artigo 266.º, n.º 2 da CRP.

 IV – Face a tais princípios, não pode a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que «o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo art.º 9.º do CPA no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no artº. 2° do mesmo código.

V - Sendo assim, e sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa efectuado no prazo de quatro anos após a autoliquidação, deverá ser apreciado o respectivo pedido de revisão.» (sublinhado nosso).

 Há assim diversas formas de proceder ao pedido de revisão de ato tributário:

a) por iniciativa do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa (2 anos), fundamento: ilegalidade;

b) por iniciativa da AT, no prazo de 4 anos ou a todo o tempo se o tributo não estiver pago; fundamento: erro imputável aos serviços;

c) por iniciativa da AT, no prazo 3 anos, fundamento: injustiça grave e notória;

d) a pedido do contribuinte e iniciativa da AT, no prazo de 4 anos, fundamento: erro imputável aos serviços.

 Ora, no caso dos autos, menciona a Requerida que, o n.º 2 do artigo 78.º da LGT foi revogado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, alguns meses antes da prática dos factos tributários em causa nos presentes autos.

 Revogação essa que operou e produziu os seus efeitos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 12.º da LGT (norma que prevê a aplicação da lei tributária no tempo), de imediato – com entrada em vigor daquela Lei de Orçamento do Estado, ou seja, a 31.03.2016, como consabidamente refere a Requerida.

 

Ora, a verdade  é que o n.º 2 do artigo 78.º da LGT tinha uma especial relevância no caso de autoliquidações, uma vez que, para efeitos de revisão oficiosa de ato tributário, ficcionava o erro imputável aos serviços.

Esta ficção era como que “uma rampa de lançamento segura” para que o contribuinte, em caso de erro na autoliquidação de imposto, pudesse lançar mão da revisão oficiosa do ato tributário, sem qualquer dificuldade.

Na verdade, aquele n.º 2 do artigo 78.º da LGT, previa uma especialidade: «ficciona[va], para efeitos de revisão oficiosa do ato de liquidação, o erro na autoliquidação como erro imputável aos serviços. Esta solução legal compreende-se à luz de dois pressupostos: por um lado, a imputação do erro dos serviços é entendida objetivamente, não relevando aqui a apreciação de elementos de culpa dos serviços ( que dificilmente se verificariam nos casos de autoliquidação, com exceção das situações em que o erro resulta de instruções da Fazenda Pública); por outro lado, o legislador entendeu que as diferenças técnicas no apuramento do imposto não eram motivo racional suficiente para justificar um tratamento diferenciado, para efeitos de revisão do ato, entre os vários tributos. O erro imputável aos serviços, ficcionado no caso das autoliquidações, atento o disposto no citado art.º 78, n.º 2 da LGT abarca também os erros de direito, enquanto fundamento de revisão do acto tributários».

Ficção esta que ao “desaparecer” com a revogação da supramencionada norma legal levada a cabo pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, acarretou como consequência, a necessidade de, nos casos de autoliquidação – cuja liquidação é efetuada pelo próprio contribuinte, normalmente, sem a intervenção da AT - , o sujeito passivo passar a ter que comprovar que o erro é imputável aos serviços, no caso de pretender fazer uso da revisão oficiosa.

 

 

Ora, à parte da revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, o regime de revisão do ato tributário previsto no artigo 78.º da LGT, segundo elucida o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 1349/10.0BELRS, de 23.03.2017:

«(…) consubstancia uma das quatro possibilidades de reação que ao sujeito passivo de imposto é assegurada pela lei, sendo as outras a reclamação graciosa, a impugnação judicial e o pedido de constituição de Tribunal arbitral (cfr. artºs.70 e 102, do C.P.P.T.; Decreto-Lei 10/2011, de 20/1).

3. Para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do artº.78, nº.1, da L.G.T., o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do ato, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efetuar, previstos no artº.78, da L.G.T. Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efetuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas o erro imputável aos serviços (cfr. parte final do nº.1, do artº.78), a injustiça grave ou notória (cfr.nº.4, do artº.78) ou a duplicação de coleta (cfr.nº.6, do artº.78, da L.G.T.).

4. Recorde-se que nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão, podem os contribuintes provocar a revisão a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a revisão como um poder-dever, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua atividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., artº.55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.

5. O conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer "vício" (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só "erros", estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetada pelo erro. Por outras palavras, o dito "erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efetivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial.»

 

Na verdade, a doutrina e a jurisprudência têm sido firmes quanto à possibilidade de os contribuintes poderem provocar a revisão oficiosa de um ato tributário, com a qual o presente Tribunal Arbitral concorda e acompanha na íntegra.

Possibilidade essa que decorre da obrigação prevista no artigo 55.º da LGT, de a Administração Tributária pautar a sua atuação no sentido da descoberta da verdade material, a qual deve exercer «(…) as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.»

 

Com efeito, o princípio da descoberta da verdade resulta, necessariamente, do princípio da cooperação (cf. art. 59.º, n.ºs 1 e 2 da LGT), segundo o qual, Administração Tributária e sujeito passivo estão obrigados a deveres de colaboração recíproca. A verdade material implica, igualmente, o meticuloso cumprimento dos princípios da igualdade e da justiça na tributação.

É neste campo que surge a revisão de ato tributário, como um mecanismo legal ao dispor dos contribuintes, que tem por objetivo último garantir o cumprimento destes princípios.

Contudo, há que ter em atenção que tal pedido de revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte terá de respeitar uma condição, tal como anunciado supra:  que haja erro imputável aos serviços .

Condição esta que, aliás, encontra previsão no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IVA, o qual prevê que: «[q]uando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária».

Conforme explica PAULO MARQUES, “…o legislador tributário não estabelece «qualquer ilegalidade», imputável ou não aos serviços, mas a existência necessariamente de «erro imputável aos serviços» (revisão oficiosa) como requisito indispensável para operar a revisão normal (ou ordinária), seja erro material (artigo 174.º, n.º 1, do NCPA) ou de direito, como veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, abrangendo então igualmente o erro na autoliquidação. (…) O “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade desde que relevante, mas não imputável ao contribuinte por conduta negligente…”

Este é também o entendimento generalizado na jurisprudência, bem patente no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 23 de Março de 2017 no âmbito do processo 1349/10.0BELRS, onde se lê que “[o] conceito de “erro imputável aos serviços” a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetada pelo erro. Por outras palavras, o dito “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente…”.

 

Assim, no caso concreto, bastaria que a Requerente demonstrasse a existência de um erro de facto ou de direito imputável à Requerida, para que pudesse lançar mão ao mecanismo de revisão oficiosa e assim, ser legítima a convolação, ao abrigo do disposto no artigo 52.º do CPPT da reclamação graciosa apresentada ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT, naquele meio, nos termos e prazo aduzidos.

 

Ao contrário do que a Requerida alega, foi o que a Requerente fez:

a)            Primeiro, nos artigos 38.º a 41.º do pedido de revisão oficiosa a Requerente, conclui que: «38.º Consequentemente, as operações financeiras em causa, sobre as quais os Bancos liquidaram imposto do selo, preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos da isenção de imposto de selo. 39.º As liquidações efetuadas são, pois, ilegais. 40.º Verificando-se erro imputável aos serviços. 41.º E, tendo sido indevidamente liquidado o imposto deve ser anulada a liquidação e devolvido à Requerente que suportou o encargo do imposto».;

b)           Segundo, nos artigos 42.º a 44.º da revisão, a Requerente mais referiu que: «42.º Nos termos do n.º 5 do artigo 78.º da LGT, considera-se notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade. 43.º Ora, a Requerente está isenta de imposto do selo e, não obstante as instituições de crédito liquidaram e exigiram-lhe um imposto que manifestamente não é devido, o que consubstancia uma injustiça notória. 44.º Sendo uma entidade isenta de imposto a tributação que sofreu é manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade, causando elevado prejuízo à Requerente.»

 

Refira-se, aliás, conforme a Requerente menciona, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05 de novembro de 2020, proferido no processo 328/05.3BEALM, disponível em www.dgsi.pt:

«I- Existindo uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº2, da CRP e bem assim no artigo 55.° da LGT, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração.

II - Mais tem vindo a ser frisado que, ainda que a liquidação se baseie em declaração do contribuinte, dentro das suas atribuições, a AT está vinculada a corrigir erros ou omissões praticados nas declarações apresentadas pelos sujeitos passivos, tendo em conta o princípio da legalidade tributária a que está sujeita, por forma, a que possa emitir atos tributários em conformidade com o legalmente estipulado.»

Por isto, e por não estar em causa somente o artigo 78.º, n.º 2 da LGT, revogado conforme explicado, improcede a exceção invocada pela Requerida.

 

Quanto à quarta exceção, relacionada com o ónus que se encontra acometido à Requerente e bem assim da ineptidão de parte do pedido de pronúncia arbitral, por alegada falta de remissão de documentos bancários, entendemos que é um incidente desnecessário, pelo que é de improceder totalmente a exceção invocada, uma vez que há liberdade de conformação de prova, ao abrigo do princípio do inquisitório que é aplicado por este Tribunal e que é tradicionalmente contraposto ao princípio do dispositivo que coloca na disponibilidade das partes a condução do processo e o ónus de alegar a factualidade que servirá de base à decisão, bem como de tomar a iniciativa na prova dos factos controvertidos.

 

B.2. Do Mérito

 

Considerando tudo o que vem exposto no pedido arbitral constata-se que a única questão de direito a decidir é a de saber se a Requerente beneficia ou não da aplicação do disposto no artigo 7º do CIS, ou seja, da isenção de imposto prevista neste normativo legal .

No caso em apreço, está em causa da aplicação da isenção constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que prevê que são isentos do respetivo imposto:

«e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;»

A interpretação dada pela Requerente é que enquanto sociedade gestora de participações sociais subsume-se como uma instituição financeira ao abrigo da legislação europeia e enquadra-se, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013.

A Requerente fundamenta esta pretensão na circunstância de entender que lhe deve ser atribuída a qualificação de “instituição financeira”, designadamente à luz da Diretiva (UE) 2013/361/UE, de 26 de junho de 2013; do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, datado de 26 de junho de 2013 bem como da proposta de Diretiva "COM (2013) 71 final, de 14 de fevereiro de 2013.

Em sentido diverso, a Requerida AT considera que a Requerente não se enquadra no conceito de entidades financeiras ou instituições financeiras pelo que não pode beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS relativo às operações de financiamento, juros e comissões sub judice.

Cumpre decidir.

 

A)           Da isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e)

 

A alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS, já identificado, visa isentar as operações financeiras strictu sensu promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira entre instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

Estão em causa situações contempladas nas verbas 17 e 10 da Tabela Geral de Imposto do Selo, conforme decorre do n.° 1 do artigo 1.° do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadores do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado.

Em linha com a jurisprudência afirmada no processo n.º 348/2016-T, do CAAD, pode concluir-se que a alínea e), do n.° 1, do artigo 7. ° do CIS divide-se em duas partes, com a subdivisão de uma delas:

a)            uma primeira, de natureza objetiva, onde se enunciam taxativamente "os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido";

b)           a segunda, de natureza subjetiva, que se subdivide em duas secções:

a.            "instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras";

b.            “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças";

O n.° 7 do artigo 7.° do CIS dispõe ainda que a isenção prevista na alínea e) do n.° 1 "apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”

Assim, nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, nas seguintes operações:

- utilização do crédito concedido;

- garantia prestada na concessão do crédito;

- juros cobrados pela concessão do crédito;

- comissões cobradas "diretamente destinadas" à concessão do crédito.

 

Da leitura das disposições ficamos a compreender que esta isenção, à semelhança de todas as outras, tem uma delimitação fechada. Por este modo, os benefícios fiscais como tal, saem da indisponibilidade própria do quadro normativo tributário e entram no campo da disponibilidade, fora daquilo que constitui o núcleo essencial da tributação.

Não obstante afastarem as normas de incidência, os benefícios fiscais também estão submetidos à reserva de lei, por via do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade os motivos que justificam a integração dos benefícios fiscais no âmbito da exigência constitucional de reserva de lei, apesar do seu carácter desonerador, tem que ver com a excecionalidade que caracteriza os benefícios fiscais , mas também com a necessidade de uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, quando se discriminam positivamente contribuintes, sem perder de vista o princípio da coerência sistemática que necessariamente rege o sistema fiscal.

Ademais, esta excecionalidade evidenciada resulta de uma opção política de fundo centrada no incentivo individual, de natureza económica, social e cultural, do comportamento dos sujeitos passivos.

Em concreto no caso sub judice, e não obstante a inexistência de uma norma geral de incidência percebe-se que o selo visa tributar manifestações da capacidade contributiva. Deste modo, a extrafiscalidade associada aos benefícios fiscais deste imposto derroga necessariamente aquela capacidade contributiva identificada. É de assinalar, nesse sentido, que os benefícios fiscais no imposto do selo inserem-se em dois grupos:

a)            o primeiro que chamamos benefícios fiscais acessórios, e que por razões de uniformidade tributária, associa a extrafiscalidade dos benefícios criados, à extrafiscalidade criada para outros impostos estaduais, como sejam o IRC e IRS.

Esta extrafiscalidade por associação não retira o valor atribuído nos outros tributos. Apenas uniformiza o tratamento dos sujeitos passivos ou contribuintes, cujo comportamento é desagravado por razões extrafiscais. Isto vem demonstrar que não é o carácter eclético do legislador no imposto do selo que impede uma determinada uniformidade no tratamento das matérias que merecem relevância extrafiscal, dado o acolhimento constitucional devido, que legitima a cedência da capacidade contributiva.

b)           o segundo grupo, que abrange os benefícios fiscais exclusivos do imposto. Estes são, porém em menor número, e visam objetivos muitos concretos.

São de apontar dois exemplos: o dos benefícios respeitantes aos contratos de futuros e opções (previstos no artº 7º/1, alíneas c) e d) do CIS e os respeitantes aos contratos de reporte de valores mobiliários realizados em bolsa (previstos no artigo artº 7º/1, alínea m) do CIS). Estão aqui em causa, como legitimadores da derrogação à capacidade contributiva, os artigos 61.º e 87.º, ambos da CRP. O legislador cria, assim, condições para propiciar à celebração de determinados contratos relativos a valores mobiliários, pela remoção de barreiras, tendo em vista o financiamento de entidades públicas e privadas, atraindo o investimento interno e externo, potenciando os interesses dos adquirentes.

 

Com relevância para o caso concreto, o núcleo essencial do imposto, no que respeita às operações financeiras identificadas na verba 17 da Tabela Geral, é desta forma recortado pelo artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do mesmo CIS, derrogando a igualdade, pelo revestimento de um benefício ao investimento e à desoneração do crédito. E esse recorte do núcleo essencial, pelo referido benefício, determina que os elementos objetivos e subjetivos nele constantes não possam sofrer qualquer ampliação ou derrogação para além do previsto.

Por isso, desde logo, nos parece que encontrar argumentos que extravasem esta delimitação fechada de um benefício fiscal exclusivo do IS serão abusivos e desprovidos de qualquer fundamento.

 

B)           Não se encontra preenchido o requisito subjetivo previsto no texto legal, delimitado que é por remissão para todos os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária

 

Ora vejamos sobre a admissibilidade e limites da remissão para todos os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

Na lei portuguesa não encontramos uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o

o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/92, de 31/12, a proceder à enumeração de entidades que qualifica casuisticamente como “Instituições de crédito” (artigo 3.º), “Empresas de investimento” (artigo 4.º-A) e “Sociedades financeiras” (artigo 6.º), e, no artigo 6.º n.º1, alínea b) refere que são instituições financeiras  as referidas nas subalíneas ii) e iv da alínea z) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem: i)As sociedades  financeiras de crédito; ii) As sociedades de investimento; iii) As sociedades de locação financeira; iv) As sociedades de factoring; v) As sociedades de garantia mútua; vi) As sociedades gestoras de fundos de investimento; vii) As sociedades de desenvolvimento regional; viii) As agências de câmbio; ix) As sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos; x) As sociedades financeiras de microcrédito.”    

Esta opção do legislador nacional vai, aliás, no mesmo sentido do Direito das União.

Nos termos e para os efeitos do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”: “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE , incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE.”     

1.            No ponto 27) do artigo 4.º Regulamento (UE) n.º 575/2013, uma “Entidade do setor financeiro” compreende:

a)            Uma instituição;

b)           Uma instituição financeira;

c)            Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição;

d)           Uma empresa de seguros;

e)           Uma empresa de seguros de um país terceiro;

f)            Uma empresa de resseguros;

g)            Uma empresa de resseguros de um país terceiro;

h)           Uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros;

i)             (…)”.

 

Do legislador da União retira-se que uma instituição financeira é uma empresa que não seja uma “instituição” (ou seja, uma instituição de crédito ou empresa de investimento – artigo 4.º , n.º1,  3), e cuja atividade principal seja a gestão de participações sociais em empresas que desenvolvam atividades no setor bancário e financeiro ( as atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE).

Elemento não menos importante reside no facto de tais entidades ficarem sujeitas ao regime jurídico desta Diretiva e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, a seguir tão só “Regulamento”.

Com efeito, o que o intérprete não pode deixar de ter em vista, na interpretação de qualquer conceito ou definição, é o objeto dos diplomas mencionados. Ora, o “Regulamento” é muito claro ao estatuir que o mesmo visa estabelecer” regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais que as instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Diretiva 2014/36/UE cumprem…(…)”   (artigo 1.º do “Regulamento), bem como a estabelecer que “Para efeitos do cumprimento do presente regulamento, as autoridades competentes dispõem dos poderes e respeitam os procedimentos estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.”

Por sua vez, no Considerando (5) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, podemos ler:

“Conjuntamente, o presente regulamento e a Diretiva 2013/36/UE deverão constituir o enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento (a seguir conjuntamente designadas por “instituições”. Por conseguinte, o presente regulamento deverá ser interpretado em conjunto com a referida diretiva.”

Por sua vez, no Considerando (6), lê-se:

“A Diretiva 2013/36/UE, baseada no artigo 53.º, n.º1, do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE), deverá, nomeadamente, conter as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, tais como as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, aos poderes das autoridades competentes do Estados -Membros de origem e de acolhimento nesta matéria e as disposições que regem o capital inicial e a supervisão das instituições.” 

Destaca-se, ainda, o Considerando (7) que refere:”

“O presente regulamento deverá, nomeadamente, conter os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionadas com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes. O presente regulamento visa contribuir de forma determinada para o bom funcionamento do mercado interno (…)”.

Mais impressivo são, ainda, como vimos, os preceitos referentes ao estabelecimento de regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais, bem como os poderes de supervisão estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.

Do exposto resulta que as entidades abrangidas pelos diplomas comunitários mencionados se encontram sujeitas a um regime especial, com vista a prevenir, atenta a natureza da sua atividade, com potencial gerador de risco sistémico, para garantir a estabilidade financeira do mercado bancário e do mercados dos serviços financeiros, assim como proteger os investidores  e depositantes.

 

Aplicando o exposto ao caso em análise, alega a Requerente que, para financiar as suas participadas, recorre a financiamentos designadamente através da celebração de contratos de mútuo junto de instituições de crédito (C..., H..., D..., etc.).

Não oferece dúvida que, se tivermos por referência os sujeitos passivos mutuantes em causa, os mesmos preenchem o conceito de instituição de crédito sendo que, no caso das instituições de crédito portuguesas, são qualificadas como bancos. Conforme resulta da alínea w), do artigo 2.° A, e artigo 4.°, do RGICSF, são definidas como instituições de crédito, os bancos, as caixas económicas, a L... e as M..., as instituições financeiras de crédito, as instituições de crédito hipotecário e outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior, como tal sejam qualificadas pela lei.

Diferentemente se passam as coisas em relação à Requerente.

Aqui chegados importa, assim, qualificar a Requerente, enquanto Sociedade Gestora de Participações Sociais, entidade sobre a qual recai o encargo do imposto liquidado pelas operações de financiamento em causa, conforme alíneas e), f) e g) do n.° 3 do artigo 3.° do CIS, a fim de determinar se estas podem beneficiar da isenção consagrada na alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS.

Trata-se, por outras palavras, de perceber se o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) e n.º 7 do CIS se aplica à Requerente.

As Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) são reguladas pelo disposto no Decreto-Lei n° 495/88, de 30 de dezembro. Este DL define o regime jurídico das SGPS’s, que devem conter a menção «sociedade gestora de participações sociais» ou a abreviatura SGPS, considerando-se uma ou outra dessas formas indicação suficiente do objeto social.

As sociedades gestoras de participações sociais têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.

Não se identifica no regime jurídico das SGPS’s, que as mesmas tenham uma atividade económica direta.

Assim, e como decorre do artigo 1.°, as SGPS’s "têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas", não se verificando nenhuma atividade bancária e financeira que as qualifique como instituições financeiras.

Quanto à forma de constituição das SGPS’s, refira-se que não há dependência de qualquer autorização prévia, embora se estabeleça o dever de comunicação, enquanto a forma de fiscalização fica limitada à verificação da manutenção dos requisitos que a lei exige para a definição do seu tipo e para a atribuição dos benefícios de natureza fiscal, sendo a Inspeção-geral de Finanças, a entidade a quem compete a supervisão das SGPS’s, nos termos dos artigos 9.° e 10.° do Regime Jurídico das SGPS.

Assim, a criação de SGPS’s não obedece às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é, na sequência do Direito Europeu mencionado, que o RGICSF estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.

O exercício da atividade financeira em Portugal encontra-se reservado às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal, no quadro do regime do Mecanismo Único de Supervisão (cfr. Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito e Regulamento (UE) n.º 468/2014 do Banco Central Europeu de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS).

Significa isto que o exercício desta atividade é apenas permitido a entidades que foram objeto de um processo de autorização ou habilitação (este, no caso de instituições financeiras autorizadas noutros Estados Membros da União Europeia), realizado junto do Banco de Portugal, no quadro do MUS.

No âmbito deste processo, é assegurada a observância de uma série de requisitos que asseguram a solvabilidade e a capacidade da entidade e dos membros dos principais órgãos sociais para prosseguirem a atividade financeira.

Neste quadro, o RGICSF prevê que o exercício de atividade financeira por entidade não autorizada ou habilitada pode constituir crime, sendo uma contraordenação grave, punível, entre outras sanções, com coima, de acordo com aquele regime.

 

No quadro exposto, a Requerente não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade.

Realce-se que a Requerente não cabe sequer no artigo 117.º do RGICSF, nos termos do qual “só ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras”. Além de se tratar de uma norma de direito nacional, com finalidade de natureza estritamente prudencial, a Requerente, atento o seu objeto, não se subsume sequer no seu âmbito.

Invoca a Requerente jurisprudência do CAAD, a saber, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 911/2019-T e a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 819/2019-T, como contendo argumentos válidos para considerar esta isenção como sendo aplicável a esta entidade.

No entanto os argumentos neles contidos interpretam grosseiramente o ordenamento jurídico no sentido de que a norma do artigo 7.º, n. º1, alínea e) do CIS remete para um conceito europeu de instituição financeira, que não encontra guarida nos normativos europeus aplicáveis. Na realidade, como ficou demonstrado, a remissão do conceito que é feita naquelas decisões arbitrais à Diretiva 2013/36/UE e ao Regulamento UE 575/2013, desconsidera por completo que os instrumentos financeiros têm como objeto o sector bancário e as entidades sujeitas à supervisão bancária, pelo que tais instrumentos não podem abranger (nem abrangem) simples SGPS.

No mesmo sentido, na interpretação de qualquer definição, incluindo a de “participação” (constante do artigo 4.º, do “Regulamento”) não nos podemos alhear que as mesmas são instrumentais à aplicação deste normativo, ou seja, tornar efetivo o seu âmbito e regime jurídico artigo 4.º, n.º1, do “Regulamento”. A definição de participação, sobretudo relevante para efeitos de supervisão prudencial, não pode, assim, deixar de referir-se às que são detidas pelas entidades que atuam no mercado bancário e financeiro, nos termos e para os efeitos dos diplomas acima mencionados.

Argumenta a  Requerente que: “Por referência justamente às sociedades gestoras de participações, a norma comunitária em referência apenas exclui do conceito de instituições financeiras as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”[ ver artigo 4.º , 26) do “Regulamento”] .

Ou seja, na ótica da Requerente, se a norma comunitária se limita a excluir expressamente estas entidades do conceito de instituição financeira, então é porque todas as outras integram o conceito de instituição financeira. Ora, esta interpretação não tem o mínimo apoio literal, sistemático nem teleológico dos preceitos em causa. Repete-se, a interpretação da norma tem de ter em conta que estamos a tratar de entidades que, pela sua atividade, estão sujeitas aos requisitos prudenciais e regime de supervisão a que se refere o “Regulamento”, no domínio do setor bancário e financeiro, como ficou dito.    

Finalmente, também não tem qualquer paralelo o “papel de intermediação do financiamento da participada”, que a Requerente alega, confrontado com aquele que é exclusivamente desempenhado pelas instituições de crédito – “atividade de receção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria” (artigo 8.º do RGICSF).

Em síntese, podemos concluir que a Requerente, enquanto entidade meramente gestora de participações sociais, não preenche os requisitos que levam a classificar uma entidade como instituição financeira, a saber: i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional); e ii) O material, uma vez que a sua atividade não releva do mercado bancário e financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013 e o RGICSF.

Assim sendo, tal como se conclui na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 586/2019-T, não é possível extrair do regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.

Assim, não ocorre, por tudo isto, a violação de lei invocada pela Requerente:

a)            Não só porque o conceito de benefício fiscal (no qual se enquadra o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS) é fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;

b)           Mas também porque que não é possível extrair de todo do regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

 

B.3. Quanto ao reenvio prejudicial

 

No ppa a Requerente suscita, sem contudo solicitar diretamente, a título principal ou subsidiário, o recurso ao mecanismo do reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, caso o tribunal arbitral se confronte com dúvidas sobre a interpretação do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013.

 

No entanto, o que está em discussão no presente processo é a questão de saber se o conceito de instituição financeira, para efeito do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo deve ser preenchido por remissão para a referida disposição do direito da União Europeia ou por remissão para o artigo 2.º-A, alínea z), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, sendo que não é de assinalada qualquer dúvida quanto à interpretação a dar ao conceito de instituição financeira vertido quer na Diretiva 2013/36/UE, quer no Regulamento (UE) n.º 575/2013.

 

Pelo que não há motivo para efetuar ou apreciar sequer o pretendido reenvio prejudicial.

 

B.4. Quanto às questões de inconstitucionalidade

 

Nas alegações veio a Requerente suscitar que a orientação da Requerida ao pretender corrigir qualquer putativa deficiência em norma que brigue com o quantum do imposto devido, é indevida, porquanto só o legislador pode corrigi-la, alterando para o efeito a lei.

E não é qualquer legislador, porquanto as leis nestas matérias de impostos e benefícios fiscais estão abrangidas pela reserva de lei da Assembleia da República.

Seria, pois, inconstitucional a norma que permitisse tal correção por quem tem mera função de intérprete e aplicador da lei. A incidência e o afastamento da incidência dos impostos via benefícios fiscais são, constitucionalmente falando, reserva de lei da Assembleia da República, como tal insuscetíveis de serem modificadas casuisticamente por via administrativa ou outra, a pretexto de que, no critério do aplicador da lei a Assembleia da República devia ter legislado assim, ou assado, e não o fez.

E mais ainda, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, na redação em vigor à data dos factos (2017 e 2018), é inconstitucional quando interpretado (conforme pretendido pela AT) no sentido de excluir da lista de mutuárias suscetíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de instituições financeiras, as sociedades gestoras de participações sociais, num contexto em que é interpretado como incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc., por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias, (artigos 2.º - Estado de direito – e 13.º, da Constituição).

Não assiste à Requerente qualquer razão quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas.

Como ficou demonstrado, o resultado interpretativo a que se chegou é o que resulta da conjugação dos elementos interpretativos de ordem literal, sistemático e teleológico e não viola quaisquer normas ou princípios constitucionais. Pelo contrário, a acolher-se a tese da Requerente, no sentido de poder ser classificada como uma instituição financeira, é que conduziria o Tribunal a criar verdadeiramente uma norma que não existe nem na nossa ordem jurídica nem na comunitária, com violação do princípio da separação de poderes.

Também não colhe qualquer violação do princípio da igualdade. Repare-se no absurdo da Requerente ao pretender colocar-se em pé de igualdade, na aplicação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, tal como acontece com os seus mutuários, quando a mesma, pela sua natureza e  atividade, não está sujeita aos requisitos e regime jurídico especialmente exigente em matéria de preenchimento de regras prudenciais, a que estão sujeitas as entidades submetidas à Diretiva e ao “Regulamento”. Entre essas regras, temos as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, e, ainda, as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, etc. Regime este que, como vimos, se encontra justificado, na valoração feita pelos legisladores, quer da União, quer nacional, a garantir a estabilidade do mercado bancário e financeiro. 

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

a)            Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €187.456,34, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi julgado totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 31 de dezembro de 2021

 

O Árbitro - Presidente,

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

O Árbitro-Vogal,

(Mariana Vargas)

 

O Árbitro-Vogal,

(José Coutinho Pires)