DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
— I —
A..., sociedade não residente de direito estrangeiro e sem estabelecimento estável em Portugal, aqui registada como pessoa coletiva n.º ... (doravante “a requerente”), atualmente sedeada em ..., na Ilha de Jérsia, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTO¬RI¬DADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticionando a declaração da ilegalidade do ato de liquidação de AIMI n.º 2017-..., relativo ao exercício de 2017.
Para tanto alegou, em síntese, que, é uma sociedade não residente em Portugal e com sede na Ilha de Jérsia e constituída ao abrigo da legislação vigente neste território; que, uma vez que se encontrava cadastrada na base de dados da AT como sedeada nas Ilhas do Canal, sem especificação de qual ilha, na sequência da publicação da Portaria n.º 345-A/2016 diligenciou junto da requerida no sentido de clarificar o local da sua sede, mediante a apresentação de uma declaração de alterações de atividade em 6-1-2017; que em 1 de janeiro desse ano a requerente era proprietária de um prédio urbano sito na freguesia de ... do concelho de Loulé, com o valor patrimonial tributário de EUR 192.100,00, tendo sido notificada de um ato de liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) no valor de EUR 14.407,50 resultante da aplicação da taxa de 7,5% ao valor patrimonial do referido imóvel; que deduziu reclamação graciosa contra esse ato (Processo n.º ...) a qual foi deferida, tendo-se procedido a nova liquidação de AIMI pelo montante de EUR 768,40, a cujo pagamento procedeu; que, posteriormente a esse facto, a Direção de Finanças de Faro revogou o precedente despacho e indeferiu a reclamação graciosa; que dessa decisão de indeferimento veio interpor recurso hierárquico, ao qual foi negado provimento; que o referido ato tributário padece de vício de erro nos seus pressupostos de facto, porquanto a requerente sempre esteve sedeada na Ilha de Jérsia e que, uma vez que este território foi excluído da lista dos territórios sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, o seu património imobiliário deveria ter sido tributado à taxa normal de 0,4% e não, como resulta da liquidação impugnada, à taxa especial de 7,5% aplicável às entidades sedeadas em tais territórios; que a tributação assente no domicílio fiscal inscrito no cadastro fiscal, em desconsideração da real localizada da sede da requerida, seria ilegal por violação dos princípios da legalidade e da justiça material que determinariam a prevalência da verdade material sobre a informação constante da base de dados da AT.
Concluiu peticionando a anulação da decisão da AT de indeferimento expresso do recurso hierárquico bem como da Liquidação Impugnada e bem assim a condenação da requerida a não emitir nova liquidação de AIMI para o período tributário em causa.
Juntou documentos e procuração forense e declarou não pretender proceder à designação de árbitro. Atribuiu à causa o valor de EUR 14.407,50 e procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.
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Constituído o Tribunal Arbitral Singular, nos termos legais e regulamentares aplicá¬veis, foi determinada a notificação da administração tributária requerida para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.
Depois de devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta defendendo-se por impugnação, sustentando em síntese que à data em que foi proferida a liquidação impugnada, a requerente encontrava-se registada no cadastro fiscal como domiciliada no território das Ilhas do Canal do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte; que apenas procedeu à alteração da sua residência para o território da Ilha de Jérsia em 6-1-2017; que, nos termos do art. 19.º, n.º 4, da LGT, a mudança de domicílio é ineficaz enquanto não for comunicada à administração tributária; que, assim, a taxa agravada aplicada na liquidação impugnada se deve exclusivamente à conduta omissiva da própria requerente ao não ter declarado tempestivamente a alteração do seu domicílio fiscal e que, por conseguinte, para efeitos do sistema fiscal português, a 1-1-2017, a requerente tinha o seu domicílio fiscal no território das Ilhas do Canal do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte; que, por outro lado, não tem cabimento a invocação da violação dos princípios da legalidade e da justiça material uma vez que ambos apenas têm aplicação quando a administração fiscal atue no exercício de poderes discricionários, circunstância que não se verificaria no caso dos presentes autos.
Concluiu pela improcedência do pedido e sua consequente absolvição. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses e protestou juntar um processo administrativo que, após insistência do Tribunal, veio efetivamente juntar aos autos.
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Depois de ouvidas as partes, o Tribunal dispensou a realização da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, determinando a notificação das partes para, querendo, produzirem alegações escritas quanto à matéria de facto e de direito.
Apenas a requerente ofereceu as suas alegações escritas, nestas mantendo no essencial as posições por si já vertidas no pedido de pronúncia arbitral, tendo ainda juntado o comprovativo de pagamento da segunda prestação da taxa de arbitragem.
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Subsequentemente, por despacho do Tribunal foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem quanto à questão prévia da incompetência da jurisdição arbitral tributária para conhecer do pedido de condenação da AT a não emitir nova liquidação do AIMI para o período tributário a que os presentes autos se referem. Nessa sequência, a requerente veio comunicar aos autos a desistência dessa pretensão, tendo a administração fiscal requerida manifestado a sua não oposição.
Assim, por se tratar de pretensão que diz respeito a direitos disponíveis e por o mandatário dispor de poderes forenses especiais para o efeito, homologo a desistência do referido pedido.
— II —
As partes gozam de personalidade judiciária e capacidade judiciária, têm legitimidade ad causam e estão devidamente patrocinadas nos autos.
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Nos termos do art. 97.º-A do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas, quando se impugne um ato de liquidação será o da importância cuja anulação se pretende.
Como resulta da demonstração de liquidação junta como o documento n.º 1 do reque¬ri-mento inicial pronúncia arbitral, da liquidação impugnada nos presentes autos resultou, para a requerente, um montante total a pagar, a título de imposto, de EUR 14.407,50. É, de resto, esse o valor que a requerente atribuiu à presente arbitragem, sem impugnação por parte da requerida.
Fixo assim à presente arbitragem o valor de EUR 14.407,50.
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Fixado que está o valor da causa e uma vez que a requerente optou por não proceder à designação de árbitro, dispõe o presente Tribunal Arbitral Singular de competência funcional e de competência em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 5.º, n.º 2, do RJAT).
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O presente Tribunal Arbitral Singular é competente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade da Liquidação de AIMI n.º 2017-..., e da decisão do recurso hierárquico que a teve por objeto, por força da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da administração tributária requerida conforme resulta da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e, em especial, do disposto no proémio do art. 2.º e no n.º 1 do art. 3.º deste instrumento regulamentar.
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Inexistem quaisquer outras questões prévias ou outras questões prejudiciais que obstem ao conhecimento do objeto da causa. Não se verificam igualmente nulidades processuais de que importe conhecer, quer por terem sido invocadas pelas partes, quer ainda por serem do conhecimento oficioso.
— III—
FACTOS PROVADOS:
Com relevância para a decisão da presente causa consideram-se provados os seguintes factos:
A. A requerente é uma sociedade de direito estrangeiro inscrita no cadastro fiscal português enquanto sujeito passivo não residente e sem estabelecimento estável, sob o número de identificação fiscal ... (fls 9-15 do PA-1);
B. A requerente é proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana da freguesia de ... com a afetação de “habitação” (admitido por acordo);
C. Em 01-01-2017 a requerente encontrava-se inscrita no cadastro fiscal português como domiciliada no país Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e território das Ilhas do Canal (fls. 36-37 do PA-2);
D. Em 6-1-2017 a requerente, por intermédio da sua representante fiscal em Portugal, deu entrada no Serviço de Finanças de Loulé-... de uma declaração de alterações de atividade de cujo Campo 04 constava o seguinte (doc. n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral]:
E. Em 36-07-2017 a requerida emitiu a Liquidação Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis n.º 2017-...da qual resulta um valor tributável de EUR 192.100,00, uma taxa de imposto de 7,50% sob invocação do art. 135.º-F, n.º 4, do CIMI e um valor apurado de imposto de EUR 14.407,50 (fls. 3 do PA-1);
F. O ato de liquidação referido em E. foi notificado à requerente, na pessoa da sua representante fiscal em Portugal, através de ofício expedido por via postal registada sob o registo n.º RY...PT (fls. 3 do PA-1);
G. Em 22-08-2017 a requerente, por intermédio da sua representante fiscal em Portugal, apresentou no Serviço de Finanças de Loulé-... uma petição de reclamação graciosa tendo por objeto o ato de liquidação referido em E. (fls. 2 do PA-1);
H. Em 23-04-2018 foi elaborada nos serviços da Direção de Finanças de Faro uma informação na qual se concluía: “Consequentemente a liquidação do AIMI n.º 2017 ..., referente ao Ano 2017, com o valor a pagar de € 14.407,50, ora reclamada, padece de erro sobre os seus pressupostos, determinante da sua anulação parcial, pelo que é de deferir a presente reclamação graciosa, devendo ser emitida uma nova liquidação, considerando a taxa de 0,4%, em conformidade com o n.º 1 do art. 135.º-F do CIMI.” (fls. 21-21v.º do PA-1)
I. Em 23-04-2018 a Chefe de Divisão da Justiça Tributária, em regime de substituição, da Direção de Finanças de proferiu sobre a reclamação graciosa referida em H. despacho do seguinte teor: “Concordo. [§] Face à informação prestada, elementos juntos aos autos e legislação aplicável, parece-me de deferir o pedido.” (fls 21-21v.º do PA-1)
J. O despacho referido em I. foi notificado à requerente, na pessoa da sua representante fiscal em Portugal, mediante ofício datado de 24-04-2018 e expedido por via postal registada sob o registo postal n.º RF...PT. (fls 22-23 do PA-1)
K. Em 30-1-2019 a Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Faro elaborou uma informação, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido, e que concluía pela seguinte proposta: “Nos termos do presente Parecer, para cumprimento das instruções da DSIMI, propõe-se a revogação da decisão proferida, em 2018-04-23, devendo a presente reclamação graciosa ser considerada [§] Indeferida.” (fls. 48-49-v.º do PA-2)
L. Sobre a informação referida em K. recaiu, em 31-01-2021, o seguinte despacho da Chefe de Divisão de Justiça Tributária (em regime de substituição): “Concordo. Atenda a informação prestada, elementos juntos aos autos, parecer que antecede e legislação aplicável revogo o despacho, proferido em 2018.04.23, proferindo um novo indeferindo o pedido. (fls. 48 do PA-2).
M. O despacho referido em L. foi notificado à requerente, na pessoa da sua representante fiscal em Portugal, mediante ofício datado de 01-02-2019 e expedido por via postal registada sob o registo postal n.º RF...PT, tendo sido recebido em 04-02-2019. (fls. 55-56 do PA-1).
N. Mediante requerimento entrado em 25-02-2019 sob o n.º 2019..., a requerente deduziu recurso hierárquico contra o despacho referido em M. (fls. 1-10 do PA-3).
O. Em 27-10-2020 a Direção de Serviços de Imposto Municipal sobre Imóveis elaborou a informação P2019000691, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido, e que concluía pela seguinte proposta: “De todo o exposto, resulta que, no caso concreto, em sede de tributação do AIMI, o prédio supra identificado foi tributado em conformidade com a legislação vigente não tendo ocorrido qualquer erro imputável aos serviços, devendo o ato de liquidação do AIMI do ano de 2017 manter-se na ordem jurídica com todas as consequências legais.” (fls. 1-5 do PA-6).
P. Sobre a informação referida em O. recaiu, em 29-10-2020, o seguinte despacho da Diretora de Serviços: “Concordo, pelo que, com os fundamentos constantes da informação e Parecer do Sr. Chefe de Divisão que antecedem, indefiro o presente recurso hierárquico nos termos propostos.” (fls. 1 do PA-6).
Q. O despacho referido em P. foi notificado à requerente, na pessoa da sua representante fiscal em Portugal, mediante ofício datado de 29-10-2020 e expedido por via postal registada sob o registo postal n.º RC...PT, (fls. 1-2 do PA-7).
R. Em 31-01-2019 a requerente, por intermédio da sua representante fiscal em Portugal, deu entrada no Serviço de Finanças de Loulé-... de uma declaração de alterações de atividade de cujo Campo 04 constava o seguinte (doc. n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral):
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FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevo para a decisão da presente causa considera-se como não provado o seguinte facto:
— Que a requerente, desde a sua constituição e até pelo menos 01-01-2017, estivesse sedeada no território da Ilha de Jérsia do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Os factos dados como provados consideram-se estabelecidos pelos documentos para que se remete em cada um dos pontos do probatório, tendo-se optado por manter a nomenclatura da requerida na identificação dos diversos fascículos que compõem o Processo Administrativo junto aos presentes autos. Já o facto B. do probatório considera-se probatoriamente estabelecido pelo acordo de ambas as partes, resultando além disso demonstrado à saciedade dos vários documentos constantes do Processo Administrativo.
O facto dado como não provado resultou da circunstância de não ter sido feita prova bastante da realidade a que o mesmo se refere. Com efeito, para prova desse facto, por si alegado, a requerente ofereceu quatro documentos: (i) um documento denominado “certificate of incumbency” (doc. n.º 3 junto com o p.p.a.); (ii) uma ata de uma reunião do “board of directors” da própria requerente (doc. n.º 5 junto com o p.p.a.); (iii) um documento intitulado “In the Royal Court of Jersey” (doc. n.º 2 junto com o p.p.a.); e (iv) um documento denominando “Certificate of Good Standing” (que se encontra apenso ao doc. n.º 4 junto com o p.p.a.).
Ora, os dois primeiros destes referidos documento serão, como os próprios revelam (e isto sem cuidar da circunstância de não terem sequer sido oferecidas as respetivas traduções para a língua portuguesa, a qual se releva atenta a facilidade de compreensão do idioma inglês), documentos particulares emitidos pela própria requerente. No primeiro caso trata-se de uma certidão emitida por alguém que se arroga a posição de secretário da sociedade (“Secretary to A...”) não oferecendo qualquer garantia de fiabilidade e fidedignidade seja em relação ao seu conteúdo, seja ainda em relação à qualidade da pessoa que o subscreve (além do mais, o referido documento está datado de 30-10-2017, não sendo por isso particularmente útil para estabelecer a residência fiscal da requerente a 1 de janeiro desse ano). No caso do segundo documento, trata-se igualmente de uma suposta ata de uma reunião de um órgão interno da própria requerente, não se lhe podendo reconhecer, por isso mesmo, qualquer especial valor probatório.
Já quanto aos restantes dois, tratar-se-á de documentos emitidos pelas autoridades governamentais do território da Ilha de Jérsia. Porém, não obstante essa sua pretensa proveniência, não poderão cobrar qualquer valor probatório enquanto documentos autênticos. Na verdade, trata-se de documentos que, a serem realmente autênticos e provenientes das autoridades governamentais competentes, não foram apostilados nos termos previstos na Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros, aprovada para ratificação pelo Dec.-Lei n.º 48.450, de 24 de junho de 1968. A falta de apostilha impede que estes documentos possam ser reconhecidos na ordem jurídica portuguesa como documentos autênticos e, assim, cobrar a força probatória que é própria desta categoria documental. À mesma conclusão se chegará também por força da circunstância de tais documentos não estarem igualmente legalizados pela via diplomática ou consular, conforme se exige na lei de processo (art. 440.º do CPC).
Poder-se-ia colocar a hipótese destes dois documentos serem, ainda assim, livremente valorados enquanto prova documental não autêntica. Sucede que este Tribunal Arbitral não tem condições nem meios para aferir da fidedignidade desses documentos ou da sua proveniência, da real existência daquelas entidades ou autoridades governamentais ou da suficiência dos poderes, ou sequer da identidade, das pessoas que se apresentam a subscrever esses documentos. Dito de outro modo, avaliados ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova não podem os referidos documentos deixar de merecer deste Tribunal Arbitral muito pouco, ou nenhum, crédito, atendendo a que se trata de meras fotocópias de documentos pretensamente emitidos no estrangeiro por entidades que não são partes na presente arbitragem e cuja autenticidade, fidedignidade e genuinidade não se vislumbra possível aquilatar com o mínimo grau de rigor ou de certeza.
Ora, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74.º, n.º 1, da LGT), sendo além do mais certo que “[a] dúvida sobre a realidade de um facto […] resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita” (art. 414.º do CPC).
Assim, os referidos documentos juntos pela requerente não se afiguram, para a finalidade probatória a que se dirigiam, como fiáveis e credíveis e, por conseguinte, na ausência de qualquer outro meio de prova que indicie a domiciliação da requerente em 01-01-2017 no território da Ilha de Jérsia, não se poderá considerar tal facto como provado, não obstante ter sido alegado no pedido de pronúncia arbitral.
— IV—
QUESTÃO DECIDENDA:
A única questão que importa decidir na presente arbitragem prende-se com a determinação da taxa de AIMI aplicável à requerente no exercício de 2017: se a taxa normal ou se a taxa agravada estabelecida para as entidades residentes em territórios sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável.
Tendo presente que “[a] qualidade de sujeito passivo de AIMI é determinada […] tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita,” a resposta a esta questão passa, então, pela determinação do território de domiciliação da requerente a 1-01-2017.
E, conforme resulta da factualidade dada como provada, essa resposta é simples.
Com efeito, tendo em conta o facto C. do probatório e, bem assim, o facto dado como não provado, não poderá deixar de se concluir que, a 1-01-2017, a requerente se encontrava sedeada no território das Ilhas do Canal do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
Na verdade, dispõe-se no art. 19.º, n.º 4, da LGT que “[é] ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária”, sendo certo que já no n.º 3 do mesmo preceito legal se dispõe que “[é] obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.” Ambas estas normas impõem assim, aos sujeitos passivos, uma obrigação de comunicar e manter atualizado, junto da administração fiscal, os respetivos dados de domiciliação, a qual por seu turno se projeta numa concomitante presunção de que o domicílio fiscal dos sujeitos passivos é aquele que, em cada momento, se encontrar registado no cadastro fiscal.
Assim, o domicílio fiscal dos sujeitos passivos — “enquanto lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres fiscais” [Ac. STA 04-12-2012 (Proc.º 0331/11)] e elemento em torno do qual emerge o “feixe de relações com a administração tributária [e] se consumam determinados actos jurídico- tributários” [JOSÉ MARIA PIRES (coord.), Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, 2015, pp. 163-164] — presume-se como sendo aquele que se encontra registado no cadastro fiscal. Esta presunção, porém, não é absoluta: pode ser ilidida mediante a prova de que o domicílio fiscal é outro que não aquele registado junto da administração fiscal. Porém, como se deixou dito, o ónus da prova dessa demonstração, destinada a ilidir a presunção resultante do cadastro fiscal, impende sobre o sujeito passivo, quer na fase administrativa, quer subsequentemente em sede de impugnação jurisdicional de atos tributários que tenham tido o domicílio resultante de tal presunção como pressuposto factual. Por fim, fracassando essa demonstração, terá de prevalecer o domicílio fiscal tal qual ele resulta dos registos oficiais.
E, como se deixou já referido a propósito da decisão da matéria de facto e sua fundamentação, a prova documental junta pela requerente não logrou demonstrar que, à data relevante, o seu domicílio fiscal se situasse no território da Ilha de Jérsia. Isto é, não logrou afastar a presunção de que, tal qual resulta do seu cadastro fiscal (facto C. do probatório), a requerente se encontra domiciliada no território das Ilhas do Canal.
Perante estes dois factos, provado e não provado, a conclusão a que se terá de chegar é a de que a 1-1-2017 a requerente se encontrava domiciliada no território das Ilhas do Canal do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, território que, também nessa mesma data, estava classificado pela Portaria n.º 150/2004 (na redação dada pela Portaria n.º 345-A/2016) como sendo um território sujeito a um regime fiscal privilegiado. Esta circunstância, por seu turno, legitima a que, como se fez no ato impugnado, se proceda à tributação da requerente, em sede de AIMI, nos termos previstos no art. 135.º-F, n.º 4, do CIMI através da aplicação da taxa de 7,5%.
Improcedem assim os vícios de errónea quantificação da obrigação tributária e erro nos pressupostos de facto assacados ao referido ato de liquidação.
Por outro lado, quanto ao assacado vício de violação do princípio da boa-fé, do princípio da verdade material e do princípio da colaboração, também terá de improceder. Com efeito, a alegação da requerente assenta essencialmente na circunstância da administração tributária requerida não ter procedido, oficiosamente e nos termos do art. 19.º, n.º 11, da LGT, à retificação do domicílio fiscal da requerente na sequência dos procedimentos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico por esta deduzidos. Aceitando como válida essa premissa — isto é, que referido preceito legal na verdade faz impender sobre a administração fiscal um verdadeiro poder-dever, e não uma mera faculdade, de retificação do domicílio fiscal inscrito no cadastro administrativo —, a verdade é que tal conduta apenas pode ter lugar se a necessidade dessa retificação “decorrer dos elementos ao [...] dispor” da administração fiscal.
Ora, como já se teve a oportunidade de referir, a prova documental junta pela requerente nesses dois procedimentos tributários não se afigura como suficientemente fiável e credível para estabelecer, com segurança, a real domiciliação da requerente na Ilha de Jérsia. Repetindo e sintetizando: os documentos apresentados — de resto, meras fotocópias — não podem cobrar qualquer valor probatório enquanto documentos autênticos por não estarem legalizados nem apostilados e, apreciados livremente, na opinião deste Tribunal Arbitral Singular não oferecem garantias mínimas para o estabelecimento probatório do facto a cuja prova o seu oferecimento se destinava.
E se é certo, como refere a requerente, que a Ilha de Jérsia é, também ela, uma das Ilhas do Canal, não é menos certo que essa circunstância não poderia ser suficiente para levar a administração fiscal a concluir que, de entre todas as Ilhas do Canal, a requerente estivesse necessariamente sedeada na de Jérsia, conclusão a que apenas se poderia chegar através da demonstração probatória desse facto.
Improcede também este segundo vício assacado ao ato de liquidação impugnado.
DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS DA ARBITRAGEM,
Tendo em conta o valor já atribuído à causa em sede de saneamento, por aplicação da l. 3 da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD (doravante “o Regulamento”) há que fixar a taxa de arbitragem do presente processo em EUR
918,00.
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Tendo a requerente decaído totalmente no presente processo arbitral, é ela a responsável pelas custas da arbitragem — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al.
a), do Regulamento.
— V—
Assim, pelos fundamentos expostos, julgo a presente arbitragem totalmente improce-den¬te e em consequência:
a) Homologo a desistência do pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira à não emissão de nova liquidação do AIMI com referência ao período tributário a que os presentes autos dizem respeito;
b) Absolvo da requerida Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de declaração de ilegalidade e anulação a Liquidação de AIMI n.º 2017-..., bem como da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que a tinha por objeto;
c) Condeno a requerente A... nas custas do presente processo arbitral tributário, fixando o valor global da taxa de arbitragem em EUR 918,00.
Notifiquem-se as partes.
Registe-se e deposite-se.
CAAD, 30/12/2021,
O Árbitro,
(Gustavo Gramaxo Rozeira)