Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 78/2021-T
Data da decisão: 2021-12-22  IVA  
Valor do pedido: € 202.179,21
Tema: IVA – Créditos incobráveis. Prazos e requisitos do direito à regularização. Art. 78.º do CIVA.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Acordam os Árbitros Alexandra Coelho Martins (Árbitro Presidente), Raquel Franco e Diogo Feio (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar Tribunal Arbitral Coletivo na seguinte decisão arbitral:

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 4 de abril de 2021, a A..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, doravante designada por Requerente, solicitou a constituição do Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT);

2.            O pedido tem por objeto a declaração de ilegalidade da demonstração de liquidação de IVA n.º 2020..., referente a outubro de 2016, no valor de € 176.055,55, e respetivos juros compensatórios (liquidação n.º 2020...), no valor de € 26.123,66, totalizando o valor de € 202.179,21;

3.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o presente coletivo, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

4.            O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 22 de junho de 2021, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação que se encontra junta aos presentes autos.

5.            A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 7 de setembro de 2021, defendendo-se por impugnação.

6.            Em 9 de setembro de 2021, o Tribunal decidiu que, não existindo prova testemunhal a produzir, nem tendo sido suscitada matéria de exceção, era dispensável a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). 

7.            Por despacho de 24 de setembro de 2021, o Tribunal decidiu determinar o prosseguimento do processo para alegações escritas, tendo ainda fixado o prazo para prolação da decisão arbitral, advertindo a Requerente de que deveria pagar a taxa de arbitragem subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

8.            No dia 08 de outubro de 2021, a Requerente apresentou alegações escritas.

9.            Seguidamente, no dia 14 de outubro de 2021, a Requerida apresentou as suas contra-alegações.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

Segundo a AT, as irregularidades que justificaram as correções respeitam à (i) falta de inserção no RIE – incumprimento do requisito previsto na alínea a) do n.º 7 do art.º 78 do CIVA, ao (ii) incumprimento do prazo de dedução previsto no n.º 2 do art.º 98 e à (iii) comunicação ineficaz ao devedor – incumprimento do requisito previsto no n.º 11 do art.º 78.

 

A Requerente comprovou exaustivamente neste pedido de pronúncia arbitral (i) a incobrabilidade do crédito em causa, (ii) a impossibilidade técnica do agente de execução D... proceder ao respetivo registo no RIE, apesar da conclusão do respetivo processo de execução e (iii) o pedido formal ao tribunal competente para que tal registo fosse oficiado junto do IGFEJ ou da DGAJ. Estando em causa um processo de execução no âmbito do qual o agente de execução / tribunal competente atestaram, comprovadamente, a incobrabilidade do crédito em causa, o direito à regularização do respetivo IVA na esfera da Requerente não pode ser cerceado, pelo que se requer a anulação da correção de IVA, no valor de € 5.595,23, por violação da norma constante da alínea a) do n.º 7 do art.º 78.

 

A AT corrigiu, ainda, a regularização de IVA efetuada pela Requerente respeitante a um crédito considerado incobrável em processo de insolvência intentado contra o cliente B..., LDA., por alegada extemporaneidade. Ora, o direito à regularização deste imposto não nasceu, na esfera da Requerente, na data do trânsito em julgado da sentença de insolvência, mas apenas em momento posterior, aquando da sentença que reconheceu e graduou os créditos desse devedor. Neste sentido, antes dessa sentença, em fevereiro de 2015, não estavam reunidos os pressupostos legais para o exercício do seu direito à regularização de IVA, pelo que não podia a Requerente, em momento anterior, desencadear os procedimentos necessários para proceder à regularização deste imposto, nomeadamente a certificação pelo ROC. Uma vez que o direito da Requerente apenas nasceu nessa data (fevereiro de 2015), o seu exercício ocorreu dentro do prazo legal de 4 anos, pelo que se requer a anulação da correção de IVA, no valor de € 587,94, por violação do disposto nas normas constantes da alínea b) do n.º 7 do art.º 78 e do n.º 2 do art.º 98, ambos do CIVA.

 

Quanto ao terceiro tipo de correções, entende a Requerente que não assiste razão à AT porquanto é inequívoco que o n.º 11 do art.º 78 do CIVA apenas exige a comunicação ao devedor quando este seja sujeito passivo, tendo em vista, nesses casos, a regularização simétrica a efetuar na esfera deste. Nos casos, porém, em que o devedor já não seja sujeito passivo à data da regularização de imposto pelo credor, é entendimento pacífico, na jurisprudência nacional (arbitral) e da União, que a obrigação de comunicação ao devedor não é aplicável, pelo que não se suscita a questão da sua possível ineficácia; Acresce que, para efeitos de confirmação da natureza do devedor, o conceito relevante é o de sujeito passivo de IVA – o qual está intrinsecamente ligado à realização de uma atividade económica – e não o da sua matrícula no registo comercial.

 

Em todo o caso, a alegada violação do cumprimento do requisito da norma constante do n.º 11 do art.º 78 do CIVA não se verifica nos processos de insolvência e execução em análise, porquanto este requisito apenas assume a natureza de requisito “ad substanciam” nos casos em que os devedores sejam sujeitos passivos de IVA à data da regularização de imposto na esfera do credor, o que, comprovadamente, não se verifica neste caso, nem a AT logrou comprovar o contrário.

 

III. Na sua Resposta, a Requerida invocou, em síntese, o seguinte:

No que respeita à correção da regularização de IVA, no valor de € 5.595,23, efetuada pela Requerente em relação a um crédito incobrável do cliente C... LDA., alegou a AT não ter sido feita prova do respetivo registo da execução no RIE, pelo que a mesma foi considerada ilegal.

 

A formalidade imposta como condição da regularização pela alínea a) do n.º 7 do artigo 78º do CIVA, - i.e. exigência do registo com a indicação da extinção da execução por não terem sido encontrados bens penhoráveis - visa garantir a definitividade do não pagamento, estando por isso enquadrada na teleologia e nos limites que a jurisprudência fixou para o alcance da faculdade que aquele 90.º, n.º 2 da Diretiva IVA atribui aos Estados-Membros.

 

O registo no RIE constitui assim uma formalidade constitutiva do direito a regularizar, em termos que têm genericamente sido aceites pela jurisprudência, designadamente atento o reconhecido carácter formalista do IVA.

 

No que respeita às regularizações feitas ao abrigo de alínea b) do n.º 7 do artigo do CIVA, após o prazo previsto no n.º 2 artigo 98.º CIVA, alega a Requerente que o prazo de 4 anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA se iniciaria, no presente caso, com a sentença de verificação e graduação de créditos que data de 16.02.2015, “por não estar em causa uma mera insolvência de caráter limitado”.

 

Mas não lhe assiste razão porque, à data em que a sentença de insolvência transitou em julgado (09/02/2011), a redação em vigor da alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA estabelecia que o sujeito passivo poderia regularizar a seu favor créditos “em processo de insolvência quando a mesma seja decretada”. Significa, portanto, que o prazo de caducidade para regularizar o IVA relativo àquele crédito se iniciou a partir de 09/02/2011.

 

A versão da norma a que a Requerente se socorre na sua argumentação é a que resultou da alteração feita através da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, em que, em vez do direito à regularização se verificar singelamente com a declaração da insolvência, (independentemente do tipo de insolvência), como até então, o regime passou a distinguir as situações de insolvência com carácter limitado, em que a incobrabilidade do crédito se verifica com a sentença que declara a insolvência, ao passo que no caso da insolvência de carácter pleno, a incobrabilidade só se considera a partir do trânsito em julgado sentença de verificação e graduação de créditos (cfr. Ofício-Circulado 30161/2014).

 

Neste particular, refira-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, (cfr. acórdão de 23/02/2005, proferido no processo n.º 0888/03) já havia esclarecido que, na versão anterior da norma (a que vigorava à data), o prazo para o exercício da regularização se contava a partir a partir da data do trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência do devedor. É, assim, forçoso concluir que o crédito já era incobrável antes de 01/01/2013 e que, portanto, o IVA correspondente foi indevidamente considerado no campo 1-C do anexo à declaração periódica, por caducidade do direito à regularização, cujo prazo se iniciou logo após a data de trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência - 09/02/2011 -, devendo manter-se o ato impugnado.

 

Por último, a AT corrigiu, ainda, a regularização de IVA efetuada pela Requerente, no montante de € 169.871,82, respeitantes a vários créditos considerados incobráveis em processos de execução ou insolvência, por entender que a comunicação aos respetivos devedores não produziu efeitos, por ter ocorrido em momento posterior à data do encerramento das suas matrículas comerciais.

 

Com a sua atuação, a AT limitou-se a extrair as consequências legais da inobservância de uma formalidade que o legislador constituiu como condição formal do direito a regularizar IVA de créditos considerados incobráveis. Além da base legal, o Relatório de Inspeção apela a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) para respaldar a sua atuação.

 

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de pronúncia arbitral e alegações da Requerente, Resposta e contra-alegações da Requerida), o processo administrativo instrutor e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.            Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.           A Requerente dedica-se à atividade de armazenamento, manipulação, comércio e distribuição de produtos petrolíferos e derivados, realizando exclusivamente operações que conferem direito à dedução do IVA incorrido no seu âmbito.

 

B.            Em outubro de 2016, a Requerente inscreveu no campo 40 da sua declaração de IVA o montante de € 286.823,80, por conta de regularizações de IVA efetuadas no âmbito do regime dos créditos incobráveis.

 

C.            Os créditos em causa venceram-se antes de 2013.

 

D.           A Requerente aplicou a disciplina legal do art.º 78 do CIVA – em particular, as alíneas a) e b) do seu n.º 7 – para efeitos das referidas regularizações de imposto.

 

E.            Em 31.03.2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) iniciou uma ação de inspeção interna, de âmbito parcial, ao IVA declarado pela Requerente em outubro de 2016, tendo por base a alínea d) do n.º 1 do art.º 27 do RCPITA, ou seja, a verificação de eventuais desvios significativos no comportamento fiscal dos sujeitos passivos perante os parâmetros de normalidade que caracterizam a atividade.

 

F.            No âmbito da referida inspeção, a AT corrigiu parte do montante deduzido pela Requerente no campo 40 da Declaração Periódica (“DP”) do mencionado período, tendo alegado as seguintes irregularidades:

a)            Falta de inserção no RIE – incumprimento do requisito previsto na alínea a) do n.º 7 do art.º 78 do CIVA – correção no valor de € 5.595,23;

b)           Não cumprimento do prazo previsto no n.º 2 do art.º 98 do CIVA – correção no valor de € 587,94;

c)            Comunicação ineficaz – incumprimento do requisito previsto no n.º 11 do art.º 78 do CIVA (após a morte jurídica do devedor) – correção no valor de € 169.871,82.

 

G.           Em setembro de 2020, foi a Requerente notificada do relatório da inspeção tributária contendo as conclusões da ação inspetiva, do qual resultaram correções de IVA num total de € 176.054,99, correspondente a imposto alegadamente em falta por irregularidades no processo de regularização de IVA de créditos considerados incobráveis.

 

H.           A AT concluiu que a Requerente não poderia ter regularizado, a seu favor, em outubro de 2016, o montante de IVA de € 176.055,55.

 

I.             Concretamente, relativamente a créditos não constantes da LPE, o ato de liquidação adicional fundamentou-se na não apresentação do registo informático de execuções (“RIE”) relativamente ao crédito cujo devedor é a empresa C..., Lda, no valor de €5.595,23 (cfr. página 19 e anexo 2 do Relatório de Inspeção), em inobservância do requisito previsto na alínea a) do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA.

 

J.             O crédito em causa foi objeto de um processo de execução.

 

K.            No âmbito do referido processo executivo, o respetivo agente de execução concluiu, em julho de 2015, pela inexistência total de bens do devedor e pelo não pagamento da dívida à Requerente.

 

L.            Em 16.11.2015, o mencionado agente de execução promoveu a extinção da ação executiva e o respetivo pedido de registo desta no RIE (cf. o anexo 2 do relatório de inspeção).

 

M.          À data, o registo no RIE não se encontrava disponível aos agentes de execução.

 

N.           O agente de execução solicitou ao tribunal competente em sede de processo de execução que promovesse, junto do IGEF ou da DGAJ, a inserção / atualização das respetivas execuções no RIE (cf. documento dd2j6OJH1nL, de 16.11.2015, constante das págs. 2/4 do anexo 2 do relatório de inspeção), tendo informado o Juiz de Direito da Comarca de Lisboa – Instrução Central – 1ª Secção de Execução – J9 da impossibilidade de promover o respetivo registo no RIE: “(…) cabe ao agente de execução, a obrigação de manter actualizado o registo informático de execuções, no entanto, não consegue proceder em conformidade com o ali inscrito, porquanto, não se mostra disponível no sistema informático de apoio aos agentes de execução a inserção/actualização da presente execução no Registo Informático de Execuções (…). Pelo exposto, Mui Respeitosamente, requer-se a V. Exa. se digne ordenar ao IGFEJ ou DGAJ a inserção/actualização da presente execução no registo informático de execuções, com base na decisão junta aos autos.”

 

O.           Em 21.12.2015, o agente de execução D... notificou a Requerente da extinção da ação executiva por inexistência total de bens e falta total de pagamento, tendo, para o efeito, anexado cópia da certidão de incobrabilidade e do requerimento acima referido, a solicitar ao tribunal competente a inserção desta execução no RIE ((documento L6bRq17Ujk, pág. 1/4 do anexo 2 do relatório de inspeção).

 

P.            O sujeito passivo em causa (C..., LDA.) havia já sido objeto de 3 registos na Lista Pública de Execuções a atestar a inexistência de bens na sua esfera.

 

Q.           A Requerente esclareceu o inspetor da AT sobre a lacuna / limitação do sistema que não permitia o acesso ao RIE pelo agente de execução para sua atualização.

 

R.            A Requerente esclareceu, ainda, o inspetor da AT que tinha, por diversas vezes, questionado o tribunal sobre o assunto, solicitando a intervenção deste, tendo sempre sido informada por este que não tinha, ainda, tido tempo para o efeito.

 

S.            A correção às regularizações feitas ao abrigo da alínea b) do n.º 7 do artigo do CIVA, após o prazo previsto no n.º 2 artigo 98.º CIVA (p. 19 do RI), respeita ao crédito no montante € 587,94, devido pela sociedade B..., Lda.

 

T.            As faturas a que diz respeito aquele crédito foram emitidas, e venceram-se, em 16.06.2004 e em 20.06.2005.

 

U.           A insolvência da B..., Lda., foi decretada por sentença transitada em julgado a 9/02/2011.

 

V.           Já as regularizações efetuadas com inobservância da apresentação da comunicação prevista no n.º 11 do artigo 78.º CIVA, respeitam a créditos identificados na página 33 do Relatório de Inspeção e respetivos anexos n.ºs 4 a 16.

 

W.          A AT considerou que as comunicações realizadas nos termos do n.º 11 do artigo 78.º foram ineficazes em relação às seguintes entidades:

 

 

 

X.            Na sequência do mencionado relatório de inspeção, a AT procedeu à emissão das liquidações que são objeto do presente pedido.

 

Y.            As liquidações foram pagas pela Requerente em 11.11.2020 (cfr. Doc. 8).

 

b.            Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

VI. DO DIREITO

DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR

O caso sub judice centra-se na discussão dos requisitos substantivos e formais das regularizações de IVA respeitantes a créditos considerados incobráveis ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 7 do art.º 78 do CIVA.

 

Antes de se entrar na sua análise individualizada, importa proceder ao enquadramento teórico do tema, o que se fará de seguida em alguns traços breves.

 

Em primeiro lugar, convém notar que, no âmbito do IVA, o paradigma de quantificação da obrigação tributária é a contraprestação efetiva. Este princípio consta do artigo 73.º da Diretiva IVA e é função direta da medida da contrapartida que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva vir a receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

 

Do princípio da contraprestação efetiva deriva a obrigação de corrigir a matéria tributável (e o próprio imposto), quando se constate, depois de efetuada uma transação, que a contraprestação não vai ser recebida, no todo ou em parte, seja porque foi reduzida ou anulada, seja porque se conclui que não vai ser paga pelo adquirente. É por esse motivo que o artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA obriga os Estados-Membros a reduzir o valor tributável em conformidade, nas condições que sejam por si fixadas, por forma a que as autoridades tributárias não cobrem um montante de IVA superior ao recebido pelo sujeito passivo.

O artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA é suficientemente claro e preciso ao estabelecer a obrigação de redução do valor tributável nos casos de anulação, rescisão, resolução, não pagamento ou redução do preço das operações. Embora deixe aos Estados-Membros uma certa margem de apreciação quanto à fixação das respetivas condições de exercício, essa circunstância não afeta o caráter preciso e incondicional daquela obrigação e o direito assim estabelecido, cujos beneficiários estão em condições de conhecer e de invocar, se for o caso, perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

 

Contudo, o n.º 2 da mesma disposição da Diretiva permite aos Estados-Membros derrogar a obrigação de reduzir o valor tributável das operações em caso de não pagamento total ou parcial, circunstância em que o efeito direto do n.º 1 do mesmo artigo não pode ser invocado. O objetivo deste regime de exceção é o de atender ao caráter incerto, não definitivo, do não pagamento de uma fatura, na medida em que subsista a possibilidade de o prestador acabar por ver satisfeito o direito de crédito, por dispor de meios legais para o tentar efetivar.

 

Não obstante, sempre se diga que, em caso de não pagamento total ou parcial, pode vir a concluir-se que o crédito é definitivamente irrecuperável. Nesta situação, o princípio da neutralidade obriga a que seja operada a redução do valor tributável, pois, na qualidade de cobrador de impostos por conta do Estado, o sujeito passivo deve ficar totalmente aliviado do peso do imposto devido ou pago no âmbito das suas atividades sujeitas a IVA.

 

Por outro lado, a probabilidade razoável de uma dívida não ser paga não pode ser enquadrada como uma situação incerta de não pagamento, sendo, por conseguinte, insuscetível de ser abrangida pela faculdade de derrogação prevista no artigo 90.º, n.º 2 da Diretiva IVA. Nesse caso é, portanto, imperativa a redução do valor tributável, dado o caráter de incobrabilidade definitiva.

 

O legislador português instituiu um regime de redução a posteriori do valor tributável das operações e de regularização de IVA a favor dos sujeitos passivos fornecedores e prestadores dos bens e serviços, abrangendo os casos designados de “não pagamento” contemplados na regra geral do artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA.

 

A disciplina atualmente consagrada no Código do IVA compreende quer as situações de não pagamento caracterizadas por algum grau de incerteza - os denominados “créditos de cobrança duvidosa” - quer aqueles casos em que existe uma probabilidade (mais do que) razoável de não pagamento - denominados “créditos incobráveis”. No plano da incobrabilidade definitiva, o Código do IVA contém, de igual modo, a permissão de regularização do imposto a favor dos sujeitos passivos, para o que estabelece também determinadas condições.

Recorde-se que, no que diz respeito aos créditos incobráveis, os Estados-Membros não podem afastar a obrigação de reduzir o valor tributável. O valor tributável deve ser reduzido pelos sujeitos passivos e o correspondente IVA regularizado, sob pena de violação do princípio da contraprestação efetiva e do artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA, que constitui seu postulado, bem como dos princípios da neutralidade, da proporcionalidade e do objetivo de harmonização fiscal prosseguido com a Diretiva. O que acaba de se dizer significa, nomeadamente, que, além dos tipos legais contemplados na enumeração do Código do IVA será admissível a recuperação do IVA respeitante a créditos que noutras circunstâncias se manifestem efetivamente incobráveis. O mesmo é dizer que aquela enumeração só pode ser considerada exemplificativa e não taxativa , abrindo-se a norma a todas as situações em que os créditos se qualifiquem como incobráveis, conceito indeterminado que integra e delimita a hipótese da norma de incidência.  

Feito o enquadramento teórico do caso, passemos à análise das situações que, concretamente, são colocadas ao Tribunal. Sendo três os tipos de situações que mereceram censura por parte da AT e que a Requerente contestou através do presente pedido de pronúncia arbitral, analisá-las-emos individualmente.

 

Créditos sobre a C..., LDA

 

Dispõe a al. a) do n.º 7 do art.º 78 do CIVA que os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do art.º 717 do Código de Processo Civil (“CPC”).

 

Este artigo do CPC regula o registo informático de execuções (“RIE”) e o tipo de informação (identificação do processo, identificação do agente de execução, etc.) que este registo deve conter, competindo, em geral, aos agentes de execução a atualização do mesmo.

 

Por sua vez, dispõe a al. b) do n.º 7 do art.º 78 do CIVA que os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de âmbito limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”) ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no art.º 156 desse código.

 

Por último, o n.º 11 do mencionado art.º 78 determina que, nos casos previstos no seu n.º 7, o credor deve comunicar ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do IVA, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo essa comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a regularizar, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada.

 

A AT alega, no que respeita ao cliente C..., LDA., que não foi feita prova do respetivo registo desta execução no RIE, pelo que corrigiu a regularização efetuada pela Requerente no período em análise, no montante de € 5.595,23.

 

Mais sustenta que resulta expressamente da alínea a) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA que a dedutibilidade do IVA de créditos considerados incobráveis ocorre após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código do Processo Civil. Entende a AT que a lei estabelece um requisito formal para o direito a regularizar que não pode ser licitamente desconsiderado pela Administração Tributária. A lei não consagra um “direito material à regularização” nem a AT se pode substituir ao legislador na definição do momento em que nasce o direito à dedução/regularização. O registo no RIE constitui assim uma formalidade constitutiva do direito a regularizar, em termos que têm genericamente sido aceites pela jurisprudência, designadamente atento o reconhecido carácter formalista do IVA. Nestes termos, não se verificando o requisito previsto na alínea a) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, relativamente ao crédito em que é devedor C..., Lda., não era legalmente autorizado à AT outra atuação que não a de corrigir a regularização no montante de € 5.595,23.

 

A Requerente contrapõe que o crédito em causa foi objeto de um processo de execução, no âmbito do qual o respetivo agente de execução concluiu, em julho de 2015, pela inexistência total de bens do devedor e consequente não pagamento da dívida à Requerente. Assim, em 16.11.2015, conforme resulta do anexo 2 do relatório de inspeção, o mencionado agente de execução promoveu a extinção da ação executiva e o respetivo pedido de registo desta no RIE.

 

Sucede, porém, que, à data, o registo no RIE não se encontrava disponível aos agentes de execução, pelo que a única opção para promover esse registo era solicitar ao tribunal competente em sede de processo de execução que promovesse, junto do IGEF ou da DGAJ, a inserção / atualização das respetivas execuções no RIE. Foi, aliás, o que o agente de execução D... fez, no processo .../11...YYLSB, através do documento dd2j6OJH1nL, de 16.11.2015 (pág. 2/4 do anexo 2 do relatório de inspeção), onde informou o Juiz de Direito da Comarca de Lisboa – Instrução Central – 1ª Secção de Execução – J9 da impossibilidade de promover o respetivo registo no RIE e, consequentemente, solicitou que este ordenasse ao IGFEJ ou à DGAJ a sua inserção / atualização: “(…) cabe ao agente de execução, a obrigação de manter actualizado o registo informático de execuções, no entanto, não consegue proceder em conformidade com o ali inscrito, porquanto, não se mostra disponível no sistema informático de apoio aos agentes de execução a inserção/actualização da presente execução no Registo Informático de Execuções (…). Pelo exposto, Mui Respeitosamente, requer-se a V. Exa. se digne ordenar ao IGFEJ ou DGAJ a inserção/actualização da presente execução no registo informático de execuções, com base na decisão junta aos autos.”

 

Nessa sequência, em 21.12.2015, o agente de execução D... notificou a Requerente da extinção da ação executiva (documento L6bRq17Ujk, pág. 1/4 do anexo 2 do relatório de inspeção), por inexistência total de bens e falta total de pagamento, tendo, para o efeito, anexado cópia da certidão de incobrabilidade e do requerimento acima referido, a solicitar ao tribunal competente a inserção desta execução no RIE.

 

Importa ainda referir que resulta do relatório de inspeção que, para além do pedido de inscrição no RIE dirigido pelo agente de execução ao tribunal competente, o sujeito passivo em causa (C..., LDA.) havia já sido objeto de 3 registos na Lista Pública de Execuções a atestar a inexistência de bens na sua esfera. 32. Era, portanto, à data manifesto que o devedor em apreço não dispunha de quaisquer bens para pagamento da dívida à Requerente.

 

 

Resulta, ainda, do mencionado relatório (vide, em particular, a pág. 15) que a Requerente, não só esclareceu devidamente o inspetor da AT sobre a lacuna / limitação do sistema que não permitia o acesso ao RIE pelo agente de execução para sua atualização, como enfatizou que, por diversas vezes, questionou o tribunal sobre o assunto, solicitando a intervenção deste, tendo sempre sido informada por este que não tinha, ainda, tido tempo para o efeito.

 

Face ao exposto, conclui-se que a inexistência de um registo atualizado no RIE neste processo de execução se deveu, exclusivamente, a uma limitação do próprio sistema informático, situação a que o agente de execução (e, bem assim, a Requerente) é totalmente alheio.

 

De igual forma, inexistia (e inexiste) na esfera da Requerente qualquer ação pendente tendo em vista a efetivação deste direito à regularização do IVA incorrido nesta sede. Em falta encontra-se, apenas, uma ação do Juiz de Direito da Comarca de Lisboa – Instrução Central – 1ª Secção de Execução – J9, ou do IGFEJ/DGAJ, que, por falta de tempo, não deu sequência, em tempo útil, ao pedido efetuado pelo agente de execução neste processo.

 

Como esclarece o Tribunal Arbitral no processo n.º 317/2016-T, “o requisito material pressuposto pela al. a) do n.º 7 do artigo 78.º referido, é o de que o processo de execução seja extinto por falta de bens penhoráveis, correspondendo a referência ao «registo a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 806.º do Código do Processo Civil», a uma forma de comprovação da extinção do processo de execução, porventura tida pelo legislador como a mais simples de obter e confirmar, mas sem prejuízo de outras formas de o demonstrar, sendo que, consabidamente, os registos são essencialmente formas de publicitação de factos e actos jurídicos” (pág. 15).

 

Ora, o Tribunal Arbitral aproveitou a oportunidade para esclarecer que “uma coisa é o facto de que depende a legitimidade do exercício do direito, e outra será o meio de prova de tal facto” (pág. 15).

 

Face ao exposto, requer-se a anulação da correção de IVA, promovida pela AT no valor de € 5.595,23, por violação do disposto na norma constante da alínea a) do n.º 7 do art.º 78 do CIVA, ao alegar não estarem reunidos os requisitos legais que justificaram a regularização efetuada pela Requerente em relação a créditos incobráveis em processo de execução intentado contra o cliente C..., LDA.

 

Conclui-se, sem margem para dúvidas, que a Requerente agiu em conformidade com o do disposto na lei, e atempadamente, ao exercer, em outubro de 2016, o seu direito à regularização do imposto constante de créditos sobre o sujeito passivo C..., LDA., os quais haviam sido considerados incobráveis em processo de execução intentado contra este. Perante esta prova inequívoca, que consta do próprio relatório de inspeção, confirma-se não ter existido o (alegado pela AT) incumprimento dos requisitos legais do regime da regularização de IVA de créditos considerados incobráveis em processos de execução.

 

Expostas as posições das Partes, cumpre decidir.

 

A questão controvertida quanto a este ponto diz respeito a saber se o registo da execução no RIE é preclusivo do direito a efetuar a regularização, isto é, se deve considerar-se, por interpretação do disposto na alínea a) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, que a única forma de provar a incobrabilidade do crédito para efeitos de regularização é apresentar prova de que esse registo foi efetuado.

 

A AT sustenta a sua posição na formulação da norma contida naquela alínea a), dizendo que a mesma não permite ao aplicador qualquer margem de livre apreciação no caso concreto. Ou seja, a AT interpreta a norma em causa como um comando absoluto e definitivo: em todos os casos de créditos incobráveis assim declarados em processo de execução, ou o sujeito passivo apresenta o registo no RIE e pode deduzir o imposto neles contido ou não apresenta o registo no RIE e não tem direito a efetuar a regularização do IVA correspetivo.

 

A gravidade da consequência alerta-nos, contudo, para o excesso dessa interpretação. Por outro lado, convém não esquecer que o fundamento da regularização de IVA por incobrabilidade de créditos é a devolução ao sujeito passivo de imposto que faturou mas que não lhe foi possível cobrar – um aspeto que não é de somenos importância para o Estado Português, que entendeu criar esse direito (exercendo uma opção, tal como se refere no acórdão proferido no processo 317/2016-T, “porventura justificada pelo peso com que os sujeitos passivos já arcam no mecanismo de liquidação e cobrança do IVA”).

 

Assim, desde logo por um imperativo de justiça material – um princípio que a tributação deve respeitar por mandato expresso do n.º 2 do artigo 5.º da LGT – a alínea a) do n.º 7 do artigo 78.º deve ser interpretada no sentido de a prova da incobrabilidade poder ser feita de outra forma nos casos em que não seja possível proceder ao RIE. Com efeito, embora a AT deva poder ter provas seguras de que o crédito se tornou incobrável para aceitar a regularização, aquele registo pode ser substituído por outros elementos, até porque, como também se refere no acórdão proferido no processo 317/2016-T, “[o RIE é] uma forma de comprovação da extinção do processo de execução, porventura tida pelo legislador como a mais simples de obter e confirmar, mas sem prejuízo de outras forma de o demonstrar, sendo que, consabidamente, os registos são essencialmente formas de publicitação de factos e actos jurídicos.”

 

Assim, e tendo em conta a factualidade que se deu por provada, considera este Tribunal ser de aceitar a argumentação da Requerente quanto a este ponto, pelo que os atos de liquidação deverão, neste segmento, ser anulados.

 

Créditos sobre a B..., LDA

 

A correção de IVA efetuada pela AT no montante de € 587,94, quanto a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência intentado contra a B..., LDA., tem por base uma alegação de extemporaneidade do exercício do direito à regularização deste imposto.

 

Para o efeito, a AT considerou que a Requerente dispunha de um prazo de 4 anos (segundo o disposto no n.º 2 do art.º 98 do CIVA) para deduzir / regularizar este imposto, contado do trânsito em julgado da sentença de insolvência, que ocorreu em 09.02.2011. A AT conclui, assim, que não assiste razão à Requerente porque, à data em que a sentença de insolvência transitou em julgado (09/02/2011), a redação em vigor da alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA estabelecia que o sujeito passivo poderia regularizar a seu favor créditos “em processo de insolvência quando a mesma seja decretada”. Significa, portanto, que o prazo de caducidade para regularizar o IVA relativo àquele crédito se iniciou a partir de 09/02/2011.Acrescenta, ainda, a AT que a versão da norma a que a Requerente se socorre na sua argumentação é a que resultou da alteração feita através da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, em que, em vez do direito à regularização se verificar singelamente com a declaração da insolvência, (independentemente do tipo de insolvência), como até então, o regime passou a distinguir as situações de insolvência com carácter limitado, em que a incobrabilidade do crédito se verifica com a sentença que declara a insolvência, ao passo que no caso da insolvência de carácter pleno, a incobrabilidade só se considera a partir do trânsito em julgado sentença de verificação e graduação de créditos (cfr. Ofício-Circulado 30161/2014). Neste particular, refira-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, (cfr. acórdão de 23/02/2005, proferido no processo n.º 0888/03) já havia esclarecido que, na versão anterior da norma (a que vigorava à data), o prazo para o exercício da regularização se contava a partir a partir da data do trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência do devedor. É, assim, forçoso concluir que o crédito já era incobrável antes de 01/01/2013 e que, portanto, o IVA correspondente foi indevidamente considerado no campo 1-C do anexo à declaração periódica, por caducidade do direito à regularização, cujo prazo se iniciou logo após a data de trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência - 09/02/2011 -, devendo manter-se o ato impugnado.

 

A Requerente contesta que, no caso em apreço, o processo de insolvência foi intentado pela sociedade R... Lda., tendo a Requerente reclamado créditos no âmbito desta insolvência, cuja sentença de verificação e graduação de créditos apenas data de 16.02.2015 (cfr. Doc. 2).

 

Esta, é portanto, a data relevante para efeitos do nascimento do direito à dedução / regularização deste imposto (fevereiro de 2015), por não estar em causa uma mera insolvência de caráter limitado, e não a data de 09.02.2011 considerada pela AT pela junção ao processo de uma certidão da sentença de insolvência.

 

De facto, antes da sentença de graduação de créditos proferida em fevereiro de 2015, o direito da Requerente à regularização do IVA destes créditos incobráveis ainda não havia nascido e, consequentemente, não podia a Requerente desencadear os procedimentos necessários para proceder à regularização deste imposto, nomeadamente a certificação pelo ROC. Ora, uma vez que o direito à regularização deste imposto apenas nasceu, na esfera da Requerente, a partir de fevereiro de 2015, conclui-se que a referida regularização em outubro de 2016 foi efetuada dentro do prazo legal de 4 anos. As correções da AT nesta sede fundam-se, portanto, num pressuposto factual incorreto – a data relevante da incobrabilidade deste crédito não é 2011, mas 2015 – e, como tal, num erro de facto e de direito na aplicação da norma relevante. 81. Neste sentido, requer-se a anulação da correção de IVA, promovida pela AT, no valor de € 587,94, por violação do disposto nas normas constantes da alínea b) do n.º 7 do art.º 78 e do n.º 2 do art.º 98, ambos do CIVA, na medida em que a AT não logrou provar, em sede inspetiva, o exercício extemporâneo do direito à regularização de IVA constante do crédito em causa.

 

Expostas as posições das Partes, cumpre decidir.

 

A questão controvertida neste ponto é a de saber se foi ou não cumprido o prazo de que a Requerente dispunha para proceder à regularização destes créditos cuja incobrabilidade resulta de um processo de insolvência.

 

A primeira questão a resolver prende-se com o enquadramento dos créditos da Requerente no regime de regularizações de IVA. Neste ponto, considerando que estes créditos se venceram antes de 1 de janeiro de 2013, é indiscutível que os mesmos são regidos pelo artigo 78.º do Código do IVA, em consonância com o disposto na norma transitória do artigo 198.º, n.º 6 da LOE2013, segundo a qual: “o disposto nos n.ºs 7 a 12, 16 e 17 do artigo 78.º do Código do IVA aplica-se apenas aos créditos vencidos antes de 1 de janeiro de 2013”.

 

Esta primeira conclusão permite-nos afastar a aplicação dos artigos 78.º-A a 78.º-D do Código do IVA, aditados pela LOE2013 e aplicáveis a créditos vencidos após a entrada em vigor dessa lei, conforme preceituado pela norma transitória constante do n.º 7 do seu artigo 198.º. Importa, agora, determinar qual das várias redações do artigo 78.º do Código do IVA é aplicável ao caso.

 

Até 31 de dezembro de 2012, o artigo 78.º, n.º 7, alínea b) do Código do IVA dispunha:

 

“Artigo 78.º

Regularizações

1 – (…)

7 – Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:

a) (…)

b) Em processo de insolvência quando a mesma seja decretada.”

 

Com a Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro (LOE2013), que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013, este preceito passou a ter a seguinte redação:

 

“Artigo 78.º

Regularizações

1 – (…)

7 – Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:

a) (…)

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou após a homologação da deliberação prevista no artigo 156.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;”

 

Em simultâneo, foram aditados os artigos 78.º-A a 78.º-D do Código do IVA que instituíram uma disciplina inovadora e agilizada de recuperação do IVA relativo a créditos de cobrança duvidosa ou incobráveis, prevendo, designadamente, que o IVA de créditos evidenciados como tal na contabilidade, em mora há mais de 24 meses a contar da data do seu vencimento e certificados por ROC pudesse ser deduzido.

 

Como acima referido, em conformidade com a norma transitória do artigo 198.º da LOE2013, a aplicação dos preceitos aditados ao Código do IVA (artigos 78.º-A a 78.º-D) ficou circunscrita aos créditos vencidos após a entrada em vigor dessa lei, i.e., após 1 de janeiro de 2013, e o disposto no artigo 78.º, n.ºs 7 a 12, 16 e 17 do mesmo Código aos créditos vencidos antes de 1 de janeiro de 2013 (n.ºs 6 e 7 do citado artigo 198.º), sendo nesta última categoria que se enquadram os créditos aqui em discussão.

 

De notar que o novo regime aplicável (somente) a créditos vencidos após 1 de janeiro de 2013, também manteve a possibilidade de regularização do IVA em créditos sobre (devedores) insolventes se, antes de decorrido o período de 24 meses de mora, fosse decretada a insolvência de caráter limitado ou após a “homologação da deliberação prevista no artigo 156.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março” (artigo 78.º-A, n.º 4, alínea b) do Código do IVA), em condições similares às que vigoravam para os créditos vencidos antes de 1 de janeiro de 2013 e, portanto, regidos pelo artigo 78.º, n.º 7, alínea b) do mesmo Código.

 

Desta forma, com a LOE2013, a regularização do IVA nas insolvências de caráter pleno passou a ter lugar, seja pelo artigo 78.º, n.º 7, alínea b), seja pelo artigo 78.º-A, n.º 4, alínea b), ambos do Código do IVA, por remissão para um momento específico: “após” a homologação da deliberação prevista no artigo 156.º do CIRE.

 

Sucede, porém, que, como a própria AT reconheceu no Ofício Circulado n.º 30161/2014, de 8 de julho de 2014, o CIRE não prevê tal deliberação, pelo que o enunciado legal contemplava um pressuposto que, levado à letra, nunca se verificaria, tendo a AT estabelecido nesse âmbito que, sem prejuízo da necessidade de “clarificação por parte do legislador”, o momento relevante para o início do prazo de regularização por parte dos credores, no âmbito do artigo 78.º-A, n.º 4, alíneas a) a d) do Código do IVA, seria o do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos.

 

Por fim, o artigo 194.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (LOE2015) procedeu a uma nova alteração ao texto do artigo 78.º, n.º 7, alínea b) do Código do IVA, do qual passou a constar:

 

“Artigo 78.º

Regularizações

1 – (…)

7 – Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:

a) (…)

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código;”.

 

Assente que está a aplicação ao caso concreto do artigo 78.º, n.º 7, alínea b) do Código do IVA, resta saber qual das suas três redações deve ser convocada, atendendo a que cada uma delas prevê condições e momentos diferentes de regularização do IVA:

 

a.            se aquela em vigor ao momento em que os créditos se venceram (antes de 1 de janeiro de 2013), que dispunha como facto-índice de incobrabilidade o decretamento da insolvência;

b.            se a respeitante ao momento em que se verificou a incobrabilidade relevante, seja o trânsito em julgado da sentença declarativa da insolvência, ou, na versão da LOE2013, “após” a assembleia de credores prevista no artigo 156.º do CIRE; ou, por fim,

c.            se a vigente à data em que o sujeito passivo reportou a regularização do IVA a seu favor (outubro de 2016) e que exige como pressuposto constitutivo da regularização do imposto o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos.

 

Afigura-se, desde logo, ser de afastar da hipótese da alínea c) supra, referente ao momento em que o sujeito passivo reportou a regularização do IVA. Este momento corresponde tão-só ao cumprimento de uma obrigação declarativa insuscetível de condicionar a incidência temporal e a determinar a lei aplicável à relação tributária substantiva, a ser aferida com base nos pressupostos materiais da previsão da norma de incidência.

 

A incobrabilidade do crédito vencido constitui o facto regulado pelo regime das regularizações em IVA, pelo que, nesta matéria, se anteveem duas soluções possíveis: a lei aplicável ao tempo ser aquela em vigor à data em que os créditos se venceram, no caso, entre junho de 2004 e junho de 2005; ou aquela em vigor no momento em que se constatou a incobrabilidade dos créditos, o que indubitavelmente ocorreu com o trânsito em julgado da sentença de insolvência do devedor, em 9 de fevereiro de 2011.

 

Em qualquer dos casos, fica, em definitivo, afastada a aplicação da LOE2015, diploma que só foi publicado em 31 de dezembro de 2014 e que não estava em vigor em nenhum dos dois pontos temporais correspondentes aos factos tributários relevantes, tendo o seu início de vigência ocorrido em 1 de janeiro de 2015.

 

 

Não tem, assim, razão a Requerente quando argumenta que não reunia as condições indispensáveis à regularização do IVA antes da sentença de graduação e verificação de créditos porquanto o referido requisito não se encontrava legalmente previsto à data dos factos, e no nosso sistema jurídico, seria necessário que o fosse à face do princípio da legalidade e tipicidade tributárias (cf. artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).

 

Assim, tem razão neste ponto a Requerida ao dizer que, em outubro de 2016, o prazo para o exercício do direito à regularização se encontrava ultrapassado, sendo, por isso, de aceitar a correção efetuada, no valor de € 587,94.

 

 

Correções efetuadas em sede de inspeção ao abrigo do n.º 11 do art.º 78 do CIVA

 

A propósito destas correções, entende a Requerida que as regularizações não foram antecedidas de comunicação eficaz aos respetivos adquirentes, porque feitas após a extinção jurídica daqueles. Com efeito, à data em que foram efetuadas as comunicações, as sociedades comerciais devedoras estavam já extintas, por via do encerramento da sua liquidação e, consequente, encerramento da matrícula.

 

O relatório de inspeção começa por referir, mormente na sua pág. 20, que a comunicação ao devedor de créditos incobráveis que se encontra prevista no n.º 11 do art.º 78 do Código do IVA constitui um requisito imprescindível para o credor proceder à regularização do imposto a seu favor. Para o efeito, cita os acórdãos do STA proferidos nos processos 0939/12.OBEBRG, de 05.06.2019, e 0288/14, de 25.06.2015, concluindo que esse Tribunal se tem pronunciado no sentido de afirmar que (i) a comunicação ao devedor de créditos incobráveis a ser efetuada pelo credor ao abrigo do n.º 11 do art.º 78 constitui um requisito “ad substanciam” e, (ii) na ausência de uma comunicação validamente 20 efetuada ao representante legal do devedor ou ao respetivo administrador da insolvência (consoante os casos), a regularização do IVA na esfera do credor não pode ser efetuada.

 

No caso em apreço, a AT não coloca em crise, em nenhum dos processos objeto de correção, a existência de comunicações efetuadas pela Requerente aos devedores insolventes (ou aos seus administradores de insolvência) ou aos devedores objeto de processos de execução. Tal como não contesta que tais comunicações tenham ocorrido em momento anterior à regularização de imposto efetuada pela Requerente na declaração periódica de IVA de outubro de 2016 (veja-se, a este propósito, as respetivas cópias disponibilizadas pela Requerente durante a inspeção e anexadas ao respetivo relatório – anexos 4 a 16 do relatório de inspeção). O que resulta do relatório de inspeção é uma mera alegação de ineficácia destas comunicações, no que respeita aos processos de insolvência e de execução identificados na pág. 32 do relatório de inspeção, por terem ocorrido após a extinção jurídica dos devedores.

 

Assim, no que respeita a estes processos, conclui a AT que quanto às “comunicações efetuadas, [o] requisito previsto no nº 11 do artigo 78º do CIVA (de verificação cumulativa com os demais requisitos legalmente previstos), não se encontra cumprido, pois, embora tenha sido realizado, o mesmo é ineficaz (não permitindo a regularização inversa por parte do devedor), uma vez [que] ocorreu em data posterior à morte jurídica do devedor (“Data de dissolução, Publicações, MJ”, de acordo com as informações constantes das respectivas certidões permanentes)”.

 

A Requerente recorda a jurisprudência do TJUE no sentido de que o art.º 90 da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de impedir que um Estado-Membro possa recusar a retificação, pelo credor, do valor tributável do IVA em caso de não pagamento total ou parcial, pelo devedor, pelo mero facto de este já não ser sujeito passivo de IVA à data dessa retificação.

 

O entendimento do TJUE no processo C-127/18 foi o de que a circunstância de o devedor insolvente perder a sua natureza de sujeito passivo em momento posterior ao da realização de uma operação sujeita a IVA, mas anterior à regularização de IVA pelo credor, não pode precludir o direito do credor a regularizar a seu favor o respetivo imposto, em caso de se comprovar o não pagamento total ou parcial dessa dívida.

 

Mais recentemente, em outubro de 2020, o TJUE voltou a debruçar-se, no processo C-335/19, sobre este tema. Nesse caso, estava em causa a regularização de IVA operada por uma sociedade polaca que havia prestado serviços de consultoria fiscal a um cliente que, em momento posterior à realização dos serviços e emissão da respetiva fatura com IVA, entrou em processo de liquidação, sem ter procedido ao pagamento desses mesmos serviços ao seu credor. No essencial, o órgão jurisdicional de reenvio perguntou se o art.º 90 da Diretiva IVA se opõe a que uma legislação nacional possa, entre outros requisitos, subordinar a redução do valor tributável do IVA à condição de o credor e o devedor (ainda) serem sujeitos passivos de IVA nessa data (da regularização desse imposto na esfera do credor). Na análise desse caso, o TJUE começou por recordar a disciplina dos artigos 90.º n.º 1 e 273.º da Diretiva IVA, a qual, como vimos, confere alguma margem de apreciação aos Estados-Membros quanto às formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades tributárias para efeitos de proceder a uma redução do valor tributável. Não obstante, reiterou o TJUE que as medidas adotadas para evitar fraudes ou evasões fiscais só podem, em princípio, derrogar o cumprimento das regras relativas ao valor tributável dentro dos limites estritamente necessários à prossecução desse objetivo específico, devendo afetar o menos possível os objetivos e os princípios da Diretiva IVA e não podendo, por isso, ser usadas de forma a pôr em causa a neutralidade do imposto. Importa, portanto, conforme referiu o TJUE, que “as formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades tributárias, para o exercício do direito a uma redução do valor tributável do IVA, se limitem às que permitem justificar que, depois de efetuada a transação, não receberão, definitivamente, uma parte ou a totalidade da contraprestação”.

 

Em especial, referiu o TJUE que, quando um Estado-Membro prevê, em aplicação do art.º 90 n.º 1 da Diretiva IVA, que, em determinadas condições, um sujeito passivo possa reduzir o valor tributável depois de efetuada uma transação, deve aplicar, a fim de garantir o princípio da neutralidade fiscal, o art.º 185 n.º 2, para que a outra parte nessa mesma transação corrija, por sua vez, o montante de IVA dedutível. No entanto, conforme se referiu no acórdão proferido no âmbito do processo C-335/19, “a garantia de uma redução simétrica do valor tributável do IVA devido e do montante de IVA dedutível não depende da sujeição das duas partes ao IVA. Com efeito, nem o direito de o credor reduzir o valor tributável nem a obrigação de o devedor reduzir o montante de IVA dedutível dependem da manutenção da qualidade de sujeito passivo” (ponto 39).

 

Resulta, assim, de forma muito clara da jurisprudência do TJUE que os Estados-Membros não podem subordinar a redução do valor tributável do IVA, em caso de créditos comprovadamente incobráveis – como sejam os créditos reconhecidos em processos de insolvência e de execução – à circunstância de o devedor estar registado como sujeito passivo do IVA à data da regularização do imposto na esfera do credor.

 

Donde se infere, igualmente, por maioria de razão, que os Estados-Membros também não podem subordinar a redução do valor tributável do IVA, em créditos comprovadamente incobráveis, à circunstância de o devedor estar registado como sujeito passivo de IVA à data da comunicação ao devedor nos termos do n.º 11 do art.º 78 do CIVA.

 

Analisando decisões arbitrais sobre esta matéria, conclui a Requerente que, à semelhança da jurisprudência da União aplicável, os tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD têm defendido que a legitimidade do exercício do direito à regularização de IVA pelo credor não depende de o devedor (ainda) ser sujeito passivo de imposto nesse momento, sendo tal regularização possível mesmo nos casos em que o devedor já não seja sujeito passivo nessa data.

 

Quanto à jurisprudência do STA em que a AT fundamenta as suas correções – em concreto, acórdãos proferidos nos processos 0288/14 e 0939/12 - a Requerente não contesta, aliás, acompanha, o entendimento do STA de a comunicação ao devedor prevista no n.º 11 do art.º 78 do Código do IVA revestir uma natureza “ad substanciam”.

 

Não só a Requerente concorda com este entendimento (para os casos previstos no n.º 11 do art.º 78, i.e., quando o devedor é sujeito passivo), como adota procedimentos internos nesse sentido, enviando comunicação a todos os seus devedores, bem como aos respetivos administradores de insolvência (quando aplicável), como ficou demonstrado em sede de inspeção7 (vide as cópias das comunicações juntas nos anexos 4 a 16 do relatório de inspeção).

 

O que se discute nesta sede não é a inexistência de comunicação aos devedores insolventes ou executados (que, de facto, existiu e não é um facto contestado pela AT) mas, sim, a alegação pela administração fiscal de tais comunicações serem, igualmente, obrigatórias fora dos casos expressamente previstos no n.º 11 do art.º 78, i.e., quando os devedores (já) não são sujeitos passivos e, consequentemente, ineficazes após esse momento.

 

A este respeito, diga-se, desde já, que no acórdão do STA proferido no processo 0288/14 não está em causa uma situação similar à dos presentes autos, porquanto aí apenas se discute a validade de uma comunicação que foi diretamente efetuada ao próprio devedor (entretanto devolvida pelos correios por inexistência de destinatário), em vez de ter sido dirigida ao seu administrador de insolvência, conforme se afigura devida por lei. Inexiste qualquer evidência de estar em causa nesse processo um devedor que, à data dos factos, já não fosse sujeito passivo.

 

Tal significa que a análise do STA nesse processo se centrou na questão de confirmar se uma comunicação ao devedor insolvente tem o mesmo efeito legal que uma comunicação ao administrador de insolvência, que após a abertura da insolvência se assume como o representante legal da insolvente no âmbito desse processo. 173. Ora, no caso em apreço neste pedido de pronúncia arbitral, e sem prejuízo de se entender inexistir uma obrigação de comunicação aos devedores insolventes cujas regularizações de IVA foram aqui objeto de correções, é indiscutível que todos os processos de insolvência foram objeto de comunicações quer ao devedor, quer ao respetivo administrador de insolvência, pelo que a atuação da Requerente neste campo não merece qualquer reparo face ao entendimento do STA versado neste acórdão.

 

Sobre este ponto, contesta a Requerida que, na realidade, a parte da fundamentação do processo n.º 0288/14 aí utilizada respeita à valoração jurídica que resulta do não cumprimento da formalidade da comunicação exigida no n.º 11 do artigo 78.º - circunstância que se verifica em ambos os processos. Saber se o destinatário da comunicação de regularização de IVA, em caso de insolvência, deve ser o administrador judicial ou os gerentes da insolvente, não foi certamente o elemento de comparação a que o STA alicerçou a sua fundamentação no processo n.º 0939/12. Na parte coincidente nos dois processos, qual seja a inobservância da comunicação de regularização do IVA, o paralelo é evidente e perfeitamente legítimo.

 

Por sua vez, no acórdão do STA proferido no processo 0939/12, de 5 de junho de 2019, estava em causa a validade jurídica de uma comunicação efetuada pelo credor ao devedor após a extinção jurídica deste, tendo sido concluído, sumariamente, pela irrelevância jurídica dessa comunicação, o que, entendeu esse Tribunal, obstava à legalidade da regularização do IVA efetuada pelo credor. Entende a Requerente que a análise por este efetuada no mencionado processo não se afigura completa, o que motivou uma conclusão precipitada desse Tribunal e, portanto, incorreta do ponto de vista das normas e dos princípios do sistema do IVA.

 

O STA fundamentou deste modo o seu raciocínio: “No caso dos autos, a impugnante, ora recorrida, não cumpriu o pressuposto, estabelecido no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, da comunicação à devedora insolvente da intenção de proceder à anulação do IVA, em tempo oportuno, pelo contrário, fê-lo em data posterior à extinção da devedora o que torna tal comunicação juridicamente irrelevante, conforme refere a Exma. Magistrada do MP. Acompanha-se ainda o MP quando afirma que «face às vicissitudes do processo de insolvência que… não poderia ignorar, impunha-se que, independentemente da data da regularização do IVA, procedesse à comunicação à devedora insolvente da intenção de proceder à anulação do IVA contido no crédito incobrável em processos de insolvência, pelo menos em data anterior à do encerramento da liquidação, ou seja anteriormente à morte jurídica da devedora, … o que não o fez» sendo caso «para dizer que, se não o fez, no momento próprio e juridicamente relevante, sibi imputet”.

 

Sustenta a Requerente que o STA não enquadrou devidamente, nem de forma completa, a questão suscitada, o que impacta diretamente os fundamentos da AT no caso sub judice, por manifesto erro nos pressupostos: i. O STA estabeleceu um paralelo entre a situação factual do acórdão do processo 0939/12 e a do acórdão do processo 0288/14, não obstante, conforme ficou demonstrado supra, neste último aresto não estar em causa a validade jurídica de uma comunicação efetuada a um devedor que já não era sujeito passivo de IVA, mas, sim, confirmar se esta poderia substituir a comunicação legalmente devida ao administrador de insolvência; ii. Nem o STA, nem a AT incidiram a sua análise sobre o conceito de sujeito passivo de IVA, apesar de a norma constante do n.º 11 do art.º 78 apenas ser exigível, conforme interpretação literal deste preceito, nos casos em que o devedor é (ainda) sujeito passivo; iii. Tanto o STA como a AT assumiram como facto relevante para a sua análise da legalidade das correções efetuadas a data do cancelamento da matrícula do devedor (facto manifestamente irrelevante no âmbito do sistema do IVA), em vez de atender ao momento em que este terá cessado a sua atividade junto da AT; iv. Tanto o STA como a AT entendem que o credor tem controlo sobre o processo de insolvência e, como tal, deveria ter procedido à comunicação ao devedor insolvente, pelo menos, em data anterior à do encerramento da liquidação; v. Tanto o STA como a AT concluíram – também aqui, erradamente – que, não sendo o devedor sujeito passivo à data da regularização, a consequência de tal facto seria a impossibilidade de o credor regularizar o imposto a seu favor, ao invés de ter concluído que, nesse caso, a obrigação constante da norma do n.º 11 do art.º 78 não seria aplicável e, portanto, essa comunicação não seria devida.

 

Conclui a Requerente que é somente ao conceito de sujeito passivo que se deve cingir a análise da AT em sede de regularização de IVA de créditos incobráveis.

 

Sobre este ponto, contrapõe a Requerida que quando o legislador impõe uma formalidade “ad substantiam” - o chamado “documento substancial” -, como elemento essencial de um direito ou como condição de validade de determinado ato ou negócio jurídico, o legislador desautoriza deliberadamente o aplicador da lei de arbitrar, com apelo a circunstancialismos, sobre se é curial ou não a apresentação daquela formalidade. No caso concreto, os argumentos avançados pela Requerente, designadamente sobre o estatuto que o adquirente tem em determinada altura ou o facto de o parecer do ROC2 poder não ser disponibilizado em tempo, não relevam perante a exigência de uma formalidade “ad substantiam”, que assim é por determinação legal, o que a Requerente nem sequer rejeita (parágrafo 166.º). 49. No caso das regularizações, remeter a imperatividade de uma formalidade para as contingências da situação do devedor, que nem é expectável que credor conheça a cada passo, poria em causa a mecânica e administrabilidade do imposto, justificando assim a utilização recorrente que o legislador faz deste instituto no âmbito do IVA, em que os procedimentos são massificados e, para mais, com relações em cadeia, ao qual, de resto, é sobejamente reconhecida uma natureza formalista. Na verdade, a vingar a tese da Requerente de que a comunicação de regularização de IVA não é exigível nestas situações, o n.º 11 do artigo 78.º ficaria verdadeiramente esvaziado de sentido útil nos casos de insolvência porque os sujeitos passivos não teriam qualquer incentivo em comunicar a regularização podendo efetuá-la em momento em que a sociedade já se teria extinguido, o que se apresentaria como uma insanável contradição sistemática. De resto, nem se diga que a interpretação que os SIT fizeram do n.º 11 do artigo 78.º do CIVA tornou excessivamente difícil ou impossível à Requerente regularizar o IVA daqueles créditos a seu favor. Como ressalta do quadro a pp. 20 do RIT (e anexos aí referenciados), em todos os créditos, vários meses separam a data em que os créditos passaram a poder qualificar-se como incobráveis para efeitos de IVA e a data das malogradas comunicações às entidades entretanto extintas. Enfim, mais uma coincidência com o citado processo n.º 0939/12 do STA, em cuja pronúncia o Ministério Público observa: «Com efeito, por razões não apuradas e que não importa agora dissecar, a Impugnante ficou a aguardar a extinção da sociedade “B…………., S.A.” para só então proceder à comunicação da regularização do IVA». 56. É neste conspecto que se enquadra o argumento final do acórdão do STA proferido naquele processo n.º 0939/12, quando escreve: «Acompanha-se ainda o MP quando afirma que “face às vicissitudes do processo de insolvência que … não poderia ignorar, impunha-se que, independentemente da data da regularização do IVA, procedesse à comunicação à devedora insolvente da intenção de proceder à anulação do IVA contido no crédito incobrável em processo de insolvência, pelo menos em data anterior à do encerramento da liquidação, ou seja anteriormente à morte jurídica da devedora, … o que não o fez” sendo caso “para dizer que, se não o fez, no momento próprio e juridicamente relevante, sibi imputet”».

 

Conforme resulta do art.º 2 do Código do IVA, são sujeitos passivos deste imposto as pessoas singulares ou coletivas que (i) exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, de modo independente e habitual, ou quando (ii) pratiquem uma só operação tributável (vulgarmente designada por “ato isolado”), sempre que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades ou preencha os pressupostos de incidência real em sede de IRS ou IRC e, bem assim, as que (iii) realizem determinadas operações (importações de bens, operações intracomunitárias, etc.) descritas nas várias alíneas deste artigo. 193. Neste sentido, e regra geral, para uma pessoa singular ou coletiva ser qualificada como sujeito passivo do IVA, é necessário que, simultaneamente, se verifiquem os seguintes requisitos: i. Exercício de uma atividade económica; ii. De forma independente; iii. Com caráter de habitualidade.

 

É o critério de exercício de uma atividade económica, por regra devidamente enquadrada pela entrega de uma declaração de início de atividade – que serve, regra geral, para atestar se determinada pessoa singular ou coletiva cumpre os critérios de incidência subjetiva em sede de IVA, ou seja, se assume, ou não, a natureza de sujeito passivo para efeitos deste imposto.

 

Conclui-se, assim, que o conceito de sujeito passivo de IVA se encontra balizado pelas datas de início e de fim do exercício de uma determinada atividade, e não pelas datas do registo comercial dessa entidade.

 

Neste sentido, a AT, para efeitos da sua análise às regularizações de IVA efetuadas pela Requerente, deveria ter atendido ao início e cessação de atividade dos devedores em causa, ao invés de relevar a data de cancelamento da matrícula destes no registo comercial, a qual, regra geral, conforme já exposto, não assume relevância no sistema do IVA e, muitas vezes, não é coincidente com o momento em que determinado sujeito passivo deixa de estar abrangido pelas regras de incidência subjetiva do IVA.

 

Ou seja, quer se atente à data da cessação de atividade dos devedores, quer à data em que a matrícula comercial destes foi oficialmente encerrada, conclui-se, em todos os processos de insolvência e execução, que tais datas (todas elas) são anteriores a outubro de 2016, data em que a comunicação e a regularização de imposto ocorreram. Tal significa que, em outubro de 2016, quando as regularizações de imposto se efetivaram, os devedores já não eram sujeitos passivos de IVA, nem, sequer, existiam, juridicamente no registo comercial.

 

Face ao exposto, entende a Requerente que a conclusão aferida pela AT – de a comunicação ser devida a devedores insolventes, mas extemporânea e, como tal, ineficaz quando efetuada a um devedor com matrícula cancelada (depreendendo-se, aqui, já não ser sujeito passivo de IVA nesta data) – não encontra respaldo na lei.

 

Chama, ainda, a atenção deste Tribunal Arbitral para o parecer proferido pelo Ministério Público no processo 0939/12 do STA, aos quais a sentença aderiu integralmente e aos quais a AT dá plena relevância no seu relatório de conclusões da inspeção, na pág. 20 deste (i.e., logo no início da sua argumentação): “Destarte, face às vicissitudes do processo de insolvência que, por isso, [o credor] não poderia ignorar, impunha-se que, independentemente da data da regularização do IVA, procedesse à comunicação à devedora insolvente da intenção de proceder à anulação do IVA contido no crédito incobrável em processo de insolvência, pelo menos em data anterior à do encerramento da liquidação, ou seja anteriormente à morte jurídica da devedora” (sublinhado da Requerente).

 

Da análise destes comentários infere-se que o Ministério Público e o STA – e, por maioria de razão, a AT no caso sub judice – consideraram que (i) o credor tem total controlo e visibilidade sobre o processo de insolvência, pelo que (ii) deve certificar-se do cumprimento do requisito do n.º 11 do art.º 78 em qualquer momento do processo de insolvência, desde que em momento anterior à morte jurídica dos devedores.

 

Em suma, sustenta a Requerente que, em outubro de 2016, aquando da regularização de IVA efetuada pela Requerente, nenhum dos devedores nos processos de insolvência ou de execução objeto de correção pela AT (e acima listados) tinha, nessa data, a natureza de sujeito passivo de IVA (assinalado pela Requerente).

 

Nesse sentido, resta concluir que a norma constante do n.º 11 do art.º 78 do CIVA, que determina a obrigatoriedade de comunicação da regularização de IVA ao devedor insolvente / executado, que seja sujeito passivo, não tem aplicação ao caso concreto, não sendo tal facto impeditivo da referida regularização de imposto na esfera do credor nos casos em que os devedores já não sejam sujeitos passivos de IVA nessa data.

 

Pelo que as correções de imposto efetuadas pela AT nestes processos têm subjacente um erro de direito, ao aplicarem a norma constante do n.º 11 do art.º 78 do Código do IVA a factos não subsumíveis nessa norma (regularização de IVA de créditos comprovadamente incobráveis de devedores não sujeitos passivos).

 

E, em conformidade, devem ser anuladas, com as necessárias consequências legais, designadamente a restituição do imposto indevidamente pago, ao qual acrescem os correspondentes juros indemnizatórios, calculados à taxa legal desde o momento do pagamento indevido até à sua restituição – o que desde já se requer.

 

Expostas as posições das Partes, cumpre decidir.

A questão controvertida neste terceiro ponto é a de saber se a comunicação prevista no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA é pressuposto da regularização do imposto quando o adquirente da operação tributável que foi sujeita a IVA, à data da regularização, já não fosse sujeito passivo.

 

No caso concreto, verifica-se que, quando foram efetuadas as comunicações, as sociedades comerciais devedoras estavam já extintas, por via do encerramento da sua liquidação e consequente encerramento da matrícula.

  

A AT entende, por esse motivo, que as comunicações efetuadas são ineficazes e que essa ineficácia preclude o direito à regularização do IVA em causa.

 

Ora, se é verdade que o TJUE tem entendido que o artigo 4.º, n.ºs 1 a 3, da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa que tenha cessado uma atividade comercial mas continue a exercer alguma forma de atividade é considerada um sujeito passivo na aceção daquele artigo, o certo é que, no caso, não há prova de que tal tenha sucedido.

 

Por outro lado, o argumento da AT de que a qualidade de sujeito passivo referida no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA deve reportar-se ao momento em que é realizada a operação e em que, por conseguinte, surge no adquirente o direito a deduzir o IVA correspondente, porque o que leva o legislador a referir, no n.º 11 do artigo 78.º CIVA, que a regularização deve ser comunicada aos adquirentes sujeitos passivos é a expectativa de que, em tais operações, haverá dedução do IVA, não faz, salvo melhor opinião, qualquer sentido. Com efeito, essa “expectativa” do legislador, ainda que fosse relevante, já estaria frustrada pela circunstância de o adquirente ter deixado de ser sujeito passivo de IVA – sendo que não parece fazer sentido ignorar que tal aconteceu para acautelar uma “expectativa” criada no momento em que teve lugar a operação tributável. Porque é que se deveria onerar o sujeito passivo que vê reunidas as condições para proceder à regularização com essa obrigação de comunicação se dela já nada vai resultar de útil?

 

Parece-nos, em concordância com a Requerente, que, nos casos sobre os quais incidiram as liquidações adicionais aqui impugnadas, não era obrigatória a comunicação prevista no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, pelo que a data em que as mesmas foram enviadas não preclude o exercício do direito à regularização.

Recorde-se, a este propósito, que, conforme se referiu supra no enquadramento teórico inicial da decisão, a enumeração do artigo 78.º, n.º 7, do Código do IVA não pode senão ser considerada exemplificativa e não taxativa, pelo que naquela disciplina legal devem considerar-se integradas todas as situações em que se verifique uma probabilidade razoável de não pagamento.

 

Assim, partindo do conceito de incobrabilidade definitiva densificado pelo Tribunal de Justiça, afigura-se que um dos casos que tem nele pleno cabimento é o das pessoas coletivas devedoras que tenham cessado a sua atividade e sido dissolvidas.

 

O Código do IVA considera que se verifica a cessação de atividade exercida pelo sujeito passivo, no momento em que ocorra qualquer dos seguintes factos :

(a)          Deixem de praticar-se atos relacionados com atividades determinantes da tributação durante um período de dois anos consecutivos, caso em que se presumem transmitidos os bens a essa data existentes no ativo da empresa;

(b)          Se esgote o ativo da empresa, pela venda dos bens que o constituem ou pela sua afetação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como pela sua transmissão gratuita;

(c)          Seja partilhada a herança indivisa de que façam parte o estabelecimento ou os bens afetos ao exercício da atividade;

(d)          Se dê a transferência, a qualquer outro título, da propriedade do estabelecimento.

 

Para além dos factos elencados, a AT pode declarar oficiosamente a cessação de atividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há a intenção de a continuar a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma atividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial suscetível de a exercer . Como se verá adiante, nestas circunstâncias, é a própria AT que promove a dissolução e extinção das sociedades, mediante comunicação aos serviços de registo competentes.

 

Com pertinência para o caso concreto, Afonso Arnaldo coloca a questão de saber como recuperar o imposto liquidado nas situações em que o credor emitiu faturas a um devedor que era um sujeito passivo de IVA quando iniciou a sua relação comercial mas que, entretanto, cessou a sua atividade e deixou de o ser, sem informar o credor desse facto e sem que tenha pago as faturas . Interrogação que é motivada pela omissão deste tipo de casos no artigo 78.º-A do Código do IVA e que o autor resolve no sentido de dever ser admissível a retificação do IVA a favor do credor.

 

Tratando-se de uma sociedade, quando a cessação de atividade é acompanhada da sua dissolução e extinção (concomitante ou subsequente), o caráter definitivo da incobrabilidade é ainda mais flagrante, pois a sociedade devedora, por essa razão, deixa de existir, desaparecendo um dos sujeitos da relação jurídico tributária. 

 

Por outro lado, afigura-se que a comunicação ao adquirente prevista no artigo 78.º, n.º 11 e no artigo 78.º-A, n.º 9 do Código do IVA, “para efeitos de retificação inicialmente efetuada”, não pode ser aplicada aos casos de sociedades dissolvidas e extintas. O requisito formal de comunicação ao adquirente é, em abstrato, enquadrável “nas condições [que podem ser] fixadas pelos Estados-Membros” e a sua admissibilidade face ao direito europeu foi objeto de confirmação expressa pelo Tribunal de Justiça , pelo que a sua validade não é posta em crise em relação à generalidade das situações. Assim o tem, da mesma forma, entendido o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente em relação a devedores decretados insolventes, pronunciando-se no sentido de que “[a] comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo de IVA da intenção do credor de proceder à anulação do IVA, contido no crédito incobrável em processo de insolvência, constitui requisito legal do qual depende a legalidade da «regularização» pelo credor” .

 

Não obstante, como se afigura evidente, a aplicação desta formalidade a sociedades que já não existem no momento em que o sujeito passivo credor toma conhecimento da respetiva dissolução é impraticável, não sendo possível proceder à comunicação mencionada no artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA por ausência de contraparte. Estamos perante um caso radical de incobrabilidade, dado que a sociedade devedora terminou a sua atividade e é extinta, em regra, por impulso ou promoção da própria AT, pelo que o risco de fraude é inexistente.

 

Convém, ainda, relembrar que, na interpretação do Tribunal de Justiça, os requisitos formais determinados no âmbito dos artigos 90.º, n.º 1 e 273.º da Diretiva IVA têm de limitar-se aos necessários para provar que, depois de efetuada uma transação, os sujeitos passivos credores não irão, com probabilidade razoável, receber uma parte ou a totalidade da contrapartida pelos serviços prestados, e para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude, não podendo prejudicar a neutralidade do imposto. Ora, um enunciado que impusesse ao sujeito passivo uma condição, à partida impossível de concretizar, por inexistência do seu destinatário, não lograria satisfazer estes critérios, violando os princípios da neutralidade e da proporcionalidade. Deste modo, na situação em que o adquirente se encontra extinto no momento da regularização, não deve considerar-se aplicável a referida obrigação de comunicar ao devedor a intenção de regularizar o IVA, como condição de retificação do imposto.

 

Dos juros compensatórios

 

Conforme referido, a AT apurou, ainda, um montante de € 26.123,66 alegadamente devido a título de juros compensatórios. Dispõe o art.º 35 n.º 1 da LGT, que “ (...) são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

No caso concreto, em face do que se expos supra, este Tribunal só considerou que a Requerente não tinha direito à regularização no caso do crédito contra a B..., LDA., relativamente ao qual foi efetuada uma correção de IVA no valor de € 587,94. Assim, deverá a liquidação de juros compensatórios em crise ser anulada na parte correspondente ao restante, sendo devidos apenas os juros respeitantes ao valor de imposto que não foi (indevidamente) pago.

 

 

Dos juros indemnizatórios

 

A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IVA e juros compensatórios, no valor total de € 202.179,21, em 11.11.2020, dentro do prazo para pagamento voluntário.

 

Determina o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT que “É devido o pagamento de juros indemnizatórios, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

A LGT estipula como regra no artigo 43.º que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (n.º 1) e que “A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios” (n.º 4).

 

O pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte que pagou indevidamente uma prestação tributária está compreendido no dever de reconstituição do status quo que nasce para a Administração Tributária em resultado de uma decisão administrativa, judicial ou arbitral anulatória do ato tributário de liquidação.

 

O artigo 100.º da LGT, em moldes semelhantes ao artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, dispõe que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

 

No caso concreto, está demonstrado que houve lugar ao pagamento de uma prestação tributária em parte indevida. Por outro lado, o pagamento indevido dessa prestação resulta de facto imputável à AT, pois que foi esta a responsável pela errada interpretação das normas vigentes, da qual resultou a emissão de atos de liquidação de imposto indevidos.

 

Assim, deverá a AT pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre os montantes de imposto indevidamente pagos, calculados à taxa legal até à data de processamento da nota de crédito (cfr. artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, ex vi artigo 24.º, n.º 5 do RJAT).

 

VII. Decisão

 

Tendo em conta o supra exposto, o Tribunal decide:

(i) Declarar parcialmente ilegal a liquidação de IVA n.º 2020..., referente a outubro de 2016, com a consequente anulação parcial no valor de € 175.467,61, mantendo-se válida no valor remanescente, de € 587,94;

(ii) Declarar parcialmente ilegal e determinar a anulação parcial da liquidação de juros compensatórios (liquidação n.º 2020...), na parte em que incide sobre a liquidação de IVA que vai anulada nos termos da alínea (i) que antecede;

(iii) Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante de imposto indevidamente pago, calculados à taxa legal até à data de processamento da nota de crédito;

(iv) Condenar nas custas do processo a Requerida na proporção de 99,67% e a Requerente na proporção de 0,33%, face ao decaimento.

 

VIII. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, aplicáveis por força das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 202.179,21 (duzentos e dois mil, cento e setenta e nove euros e vinte e um cêntimos).

 

IX. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 5 do RCPAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do mencionado RCPAT, sendo a mesma devida pela Requerente, no valor de € 4.269,86 (99,67%), e pela Requerida, na importância de € 14,14 (0,33%), na proporção do decaimento, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de dezembro de 2021

 

Os Árbitros

 

Alexandra Coelho Martins

(Árbitra Presidente)

 

Diogo Feio

(Árbitro Adjunto)

 

Raquel Franco

(Árbitra Adjunta, Relatora)