SUMÁRIO:
1. Na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional, a norma do artigo 11.º do CISV, na redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, mostra-se incompatível com o Direito da União Europeia, por violação do artigo 110.º do TFUE.
2. Do princípio do primado do Direito da União Europeia resulta que a Requerida tem o dever de recusar a aplicação de normas nacionais contrários ao Direito da União Europeia, pelo que se encontra ferido de ilegalidade um ato tributário praticado ao abrigo da citada norma do CISV, na medida da sua incompatibilidade com o artigo 110.º do TFUE.
3. Estabelecendo o art. 4º, nº 1, al. a) do CISV que quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias o nível de emissão de dióxido de carbono (CO2 ), para efeitos de tributação será determinado ao abrigo do ‘Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado’ (New European Driving Cycle — NEDC) ou ao abrigo do ‘Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros’ (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure — WLTP), consoante o sistema de testes a que o veículo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica, há que concluir que é manifesto que não decorre desta norma tratamento discriminatório de veículos usados adquiridos em outros Estados Membros da União Europeia relativamente a veículos adquiridos em Portugal, violador do artigo 110º, do TJUE, uma vez que o critério legal para determinar o sistema de testes não depende do facto do veículo ter sido adquirido em Portugal ou noutro Estado Membro.
4.Na revisão do ato tributário apresentada pelo contribuinte ao abrigo da 2ª parte, do artigo 78º, da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de revisão, quer a pretensão anulatória do contribuinte seja acolhida na decisão administrativa que tenha por objeto tal pedido, quer a anulação seja determinada em processo impugnatório deduzido contra o seu indeferimento pela AT no procedimento de revisão.
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – Relatório
No dia 25.01.2021, o Requerente, A..., contribuinte ..., residente na rua..., ..., ..., ..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação parcial, no que respeita ao montante de 8219,62 €, do ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos (“ISV”) nº 2019/..., de 08.08.2019, no valor total de €14.153,87, referente à DAV nº 2019/..., apresentada pelo Requerente respeitante ao veiculo automóvel marca ..., modelo ..., a que veio a ser atribuída a matrícula ... .
O Requerente, alegando ter pagado o valor total da liquidação, peticiona ainda a restituição do referido montante de 8219,62 €, acrescido de juros indemnizatórios.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 21 de maio de 2021.
3. O fundamento apresentado pelo Requerente para sustentar a ilegalidade da liquidação e consequente anulação parcial das mesma, diz respeito, por um lado, ao cálculo para efeitos de tributação da componente ambiental ou CO2, porquanto entende que a norma jurídica que esteve na base da liquidação – artigo 11º do CISV – ao não estabelecer, quanto aos veículos usados, uma percentagem de redução pelo tempo de uso, à semelhança do estabelecido para a componente cilindrada, viola o artigo 110º do TFEU (Tratado de Funcionamento da União Europeia).
Por outro lado,
Sustenta o Requerente que a medição de gases CO2 foi efetuada com o método WLTP mas que, tendo em consideração que se tratava duma viatura usada, o método a utilizar deveria ter sido o NEDC, método em vigor na data da 1ª matricula no país de origem, e que tal método determinaria uma emissão de gases CO2 de 170 g/Km, enquanto a utilização do método WLTP determinou uma emissão de gases de 228g/Km, o que implicou uma liquidação de imposto superior em 7.203,75 €.
Segundo o Requerente, a liquidação de ISV com base no método WLTP traduz, também, um tratamento discriminatório relativamente aos veículos nacionais comercializados em Portugal, porquanto o imposto por estes pago teve por base a utilização do método NEDC que era o que estava em vigor à data da 1ª matrícula do veículo introduzido em Portugal, o que significa que a viatura introduzida em Portugal pelo impugnante foi onerada com um pagamento de imposto mais elevado, havendo, assim, também nesta parte, clara violação do art. 110º do TFUE.
4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão do Requerente, defendendo-se por exceção e por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
Por exceção,
O Requerente apresentou, em 25.01.2021, o presente pedido de pronúncia arbitral, na sequência de indeferimento tácito do pedido de revisão, apresentado junto da Alfândega de Aveiro, em 21.7.2021, do ato de liquidação de ISV, nº 2019/..., de 08.08.2019, no valor de €14.153,87, constante da DAV nº 2019/..., através da qual foi efetuada a introdução no consumo do veículo automóvel ligeiro de passageiros em causa.
Por despacho de 09.02.2021 da Diretora da Alfândega de Aveiro, tal pedido de revisão foi rejeitado, por extemporaneidade, nos termos e com os fundamentos expostos na informação da Alfândega de Aveiro, de 05.01.2021.
Ora, o pedido de revisão da liquidação em crise foi efetuado muito depois de ter decorrido o prazo da reclamação administrativa pelo que tal pedido só poderia ser apreciado à luz da 2ª parte do nº 1, do art. 78º, da LGT, ou seja, por erro imputável aos serviços.
Atendendo a que a administração tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sob o espectro do princípio da legalidade, e não tendo a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num julgamento de pretensa desconformidade com o direito comunitário (atribuição reservada aos tribunais) será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de erro que fundamente um procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º da LGT.
Tal é igualmente aplicável à questão do método de quantificação da emissão de gases e, consequentemente, da tabela constante do artigo 7º, do CISV, aplicável.
Com efeito, desde 1 de janeiro de 2019 que há dois tipos de emissões de CO2, para efeitos de tributação em sede de ISV:
a) As emissões relativas aos testes NEDC (Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado - New European Driving Cycle);
b) As emissões relativas aos testes WLTP (Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros – Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedures).
Assim, o sujeito passivo deve declarar as emissões de CO2 relativas ao sistema NEDC ou WLTP de acordo com o sistema de testes em que o veículo tenha sido homologado.
No presente caso, o tipo de emissões CO2 em ciclo combinado de ensaios relativos ao procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros (WLTP), cujos valores foram tidos em linha de conta, para efeitos da aplicação da Tabela A do nº 1 do artigo 7º do CISV, foram declarados pelo requerente na casa 49 da DAV, como tinham de ser, em conformidade com o certificado de conformidade emitido pela ... em 2018.12.07 e anexo ao ficheiro de homologação que acompanhou a DAV, documentação essa que foi apresentada pelo Requerente.
De referir que, sendo as emissões declaradas relativas aos testes WLTP, a AT procedeu à redução percentual correspondente ao escalão de CO2 correspondente, no caso, 5% (confrontar casa 50ª
e 50B da DAV).
Tudo visto, não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, já que não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade ( cfr. art. 266º, nº 2 da CRP e art. 55º da LGT).
Em conclusão,
Não tendo o Requerente invocado especificamente a primeira ou segunda parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, mas tendo-o referido como um todo, resulta claramente do que atrás se explanou que, à luz do nº 1, 1ª parte, do artigo 78º da LGT, o pedido de revisão oficiosa apresentado era manifestamente intempestivo, pois se encontrava há muito ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISV. Para além de que, estando a AT vinculada ao princípio da legalidade e tendo a AT efetuado a liquidação em estrita observância das normas legais aplicáveis, não poderia a AT proceder por forma diversa daquela como atuou, não podendo deixar de efetuar a liquidação impugnada, não existindo, pois, qualquer erro de direito imputável aos serviços.
Assim, tendo o pedido de revisão sido apresentado depois do prazo previsto na lei, encontra-se igualmente ultrapassado o prazo de 90 dias, contados após o termo do prazo de pagamento do imposto, para apresentação do pedido arbitral.
Consequentemente, tendo o presente pedido arbitral sido deduzido em consequência da rejeição do pedido de revisão por intempestividade, igualmente se mostra a presente impugnação intempestiva, verificando-se a caducidade do direito de ação, que constitui exceção perentória que impede e extingue o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente e, sendo de conhecimento oficioso, leva à absolvição da AT do pedido (cf. artigos 576.º n.ºs 1 e 3 e 579.º, ambos do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Por impugnação,
Estando em causa, nos presentes autos, a admissão de veículo usado, proveniente de outro Estado-membro, deve atender-se, especificamente, ao artigo 11.º do CISV, na redação em vigor à data dos factos, isto é, à data da introdução do veículo no consumo.
Ao fazer incidir sobre os veículos usados, nacionais e comunitários, uma componente ambiental que não é objeto de redução, o Estado Português não teve por objetivo restringir a entrada de veículos usados em Portugal, mas sim orientar a escolha dos consumidores através da aplicação criteriosa das medidas de política ambiental europeia, tanto a veículos nacionais como aos provenientes de outro Estado-Membro.
Não se pode olvidar, igualmente, o estabelecido no artigo 66.º, relativo ao ambiente e qualidade de Vida, da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender (n.º 1), e, especificamente, o disposto na alínea h), do n.º 2, do mesmo artigo, quando se refere a um direito fiscal do ambiente que utilize os impostos, taxas, benefícios fiscais como instrumentos formais que propiciem a proteção do ambiente, configurando a aplicação da interpretação pugnada pela Requerente uma desaplicação do direito da União e do direito internacional - artigo 191.º do TFUE, Protocolo de Quioto e Acordo de Paris - que vinculam o Estado Português, por força do artigo 8.º da CRP, bem como uma violação do disposto no n.º 1, e alíneas a), f) e h), do n.º 2, do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 103.º da CRP.
Na elaboração do CISV foram considerados os referidos princípios constitucionais, estando subjacentes, designadamente, nos artigos 1.º e 11.º do CISV, nos termos explanados, não podendo afastar-se a aplicação deste artigo, quanto à componente ambiental, sem mais, impondo-se que se afira a sua conformidade com os supra identificados comandos constitucionais.
Concluindo-se, assim, que a liquidação de ISV, resultante da aplicação do n.º 1, do artigo 11.º, do CISV, então em vigor, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, conforme o exposto, a invocada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros, não se verificando, consequentemente, a alegada violação do artigo 110.º do TFUE.
Destarte, tendo o ato impugnado sido efetuado de acordo com o direito nacional e comunitário, não enfermam de qualquer vício, devendo, consequentemente, o mesmo ato de liquidação, na parte que vem impugnada, quanto ao cálculo do imposto efetuado nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, e à não aplicação de redução à componente ambiental nos termos deste artigo, considerar-se conforme ao direito constituído então em vigor.
A interpretação do artigo 11.º do CISV defendida pela Requerente resulta, desde logo, uma violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º (Princípios fundamentais) da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual, além de estabelecer, no n.º 1, que a administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, impõe aos órgãos e agentes administrativos a subordinação à Constituição e à lei, devendo atuar no exercício das suas funções com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (n.º 2).
Por outro lado, defendendo o Requerente, a ilegalidade da liquidação, por entender que existe uma desconformidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º do TFUE, verifica-se, ainda, além da violação, por via de tal interpretação, dos já referidos princípios, consagrados na nossa Lei Fundamental, a violação, por via da desaplicação do artigo 11.º do CISV, do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva.
De facto, a administração encontra-se coartada no seu direito de reação face aos limitados meios de recurso perante a prolação de uma decisão arbitral desfavorável, em geral e, concretamente, quanto ao recurso de decisão que desaplica norma nacional com fundamento em violação de princípio de direito da União Europeia.
Em face do exposto, a interpretação do Requerente, do artigo 11.º do CISV viola os princípios acima mencionados, da legalidade e da legalidade fiscal, da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica, do Estado de direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, impondo-se a apreciação da constitucionalidade de tal entendimento, o qual, desde já, se reputa de inconstitucional, não podendo por isso, ser aplicado no caso concreto.
Por outro lado, quanto ao alegado erro na medição da emissão de gases CO2, o Requerente considera, esteando-se na circunstância de o veículo automóvel sub judice ser usado, que o cálculo da componente ambiental devia ter sido feito com base no método NEDC de medição da emissão de CO2 e não, como foi, com base no método WLTP, pondo em causa a correta aplicação do artigo 7º do CISV, concluindo que, com esse fundamento, o ato tributário está ferido de ilegalidade mas tal posição não pode proceder, já que não assiste qualquer razão ao Requerente.
Ao contrário do que defende o requerente, não corresponde à verdade que aquando da primeira matrícula da viatura na Alemanha vigorava apenas o método de testes NEDC.
O sujeito passivo deve declarar as emissões de CO2 relativas ao sistema NEDC ou WLTP de acordo com o sistema de testes em que o veículo tenha sido homologado.
No presente caso, o tipo de emissões CO2 em ciclo combinado de ensaios relativos ao procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros (WLTP), cujos valores foram tidos em linha de conta, para efeitos da aplicação da Tabela A do nº 1 do artigo 7º do CISV, foram declarados pelo requerente na casa 49 da DAV, como tinham de ser, em conformidade com o certificado de conformidade emitido pela ... em 2018.12.07 e anexo ao ficheiro de homologação que acompanhou a DAV, documentação essa que foi apresentada pelo requerente.
De referir que, sendo as emissões declaradas relativas aos testes WLTP, a AT procedeu à redução percentual correspondente ao escalão de CO2 do veículo, no caso uma redução de 5% (confrontar casa 50ª e 50B da DAV), em conformidade com o estatuído na disposição transitória contida no nº 1 do artigo 285º, da Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro.
Não restam, pois, dúvidas de que o ato de liquidação em crise, também no que se refere ao cálculo da componente ambiental, foi feita ao abrigo do artigo 7º do CISV.
No que concerne ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, ainda que venha a considerar-se que o pedido arbitral deva proceder, o que só por dever de raciocínio se concebe, não poderá aquele obter acolhimento.
É que, efetivamente, a liquidação em causa nos presentes autos decorreu exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo sido efetuada nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto.
E, estando a AT e os seus órgãos, vinculados, na sua atuação, ao princípio da legalidade, a Requerida AT agiu, sempre, em obediência àquele e em conformidade com o direito em vigor, não podendo ter agido de modo diverso, não devendo, consequentemente, ser-lhe atribuído qualquer erro que lhe seja imputável, nos termos do artigo 43.º da LGT.
Tendo a AT agido no cumprimento estrito da lei, não se verifica qualquer erro de que possa resultar o pagamento indevido do imposto, sob pena de se verificar, com tal interpretação, uma violação, também aqui, do invocado princípio constitucional da legalidade e legalidade fiscal, não devendo assistir, por conseguinte, ao Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
5. O Requerente respondeu por escrito à exceção suscitada pela Requerida, em síntese, nos termos seguintes:
Constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que a revisão dos atos tributários pela Administração Tributária pode também ser requerida pelo sujeitos passivos, no prazo de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Sendo também entendimento pacífico da jurisprudência daquele Tribunal que este erro, para além de englobar o lapso, o erro material ou de facto, engloba também o erro de direito, desde que a errada aplicação da lei não decorra de qualquer informação ou declaração do contribuinte.
No caso dos autos, a impugnação da liquidação de ISV tem exclusivamente por base a aplicação de uma norma ilegal por violação de uma disposição do tratado europeu.
Não tendo a Requerente, obviamente, contribuído por qualquer forma para essa liquidação ilegal de imposto.
Assim, sendo indiscutível que a Requerente se pode socorrer do disposto na 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT e que esse pedido pode ter como fundamento a ilegalidade do ato é manifesto que não se verifica a exceção invocada, devendo, em consequência, a mesma ser julgada improcedente.
6.Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.
Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.
7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
8. Cumpre solucionar as seguintes questões:
1) Exceção de caducidade do direito de ação.
2) Ilegalidade da liquidação de ISV.
3)Direito do Requerente à restituição do imposto pago indevidamente.
4) Direito do Requerente a juros indemnizatórios.
II – A matéria de facto relevante
9. Consideram-se provados os seguintes factos:
9.1. Em 09.08.2019, o Requerente introduziu em Portugal, proveniente da Alemanha, o veículo ligeiro de passageiros usado marca ..., modelo ..., matriculado pela primeira vez no país de origem em 9.01.2019, tendo o Requerente apresentado como proprietário, através de representante, a Declaração Aduaneira de Veículo (“DAV”) nº 2019/..., na Alfândega de Aveiro, por transmissão eletrónica de dados, para introdução no consumo do referido veículo, a que veio a ser atribuída a matrícula ... .
9.2. Nesta sequência foi efetuada a liquidação do ISV, com o nº 2019/..., no valor de 14.153,87 € datada de 08.08.2019 e com termo do prazo de pagamento em 23.08.2019.
9.3. No cálculo do imposto foi aplicado o valor de 4.439,04 € à componente cilindrada 1984 e o valor de 10.158,73 € à componente ambiental, do que resultou o valor total de 14.597,77 €.
9.4. Por aplicação da tabela D, do 1, do artigo 11º, do Código de Imposto sobre veículo, o valor da componente cilindrada foi objeto de redução em 10%, em função do tempo de uso, correspondente a 443,90 €, donde resultou um valor a pagar de 14.153,87 €, não tendo a componente ambiental sido de qualquer redução.
9.5. Pela aplicação da percentagem de redução sobre a componente ambiental, em função do tempo de uso do veículo, em conformidade com o critério de desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional estabelecidos no artigo 11º, nº 1, do CISV, a liquidação seria inferior no montante de 1015,87 €.
9.6. Na DAV referida no ponto 9.1. deste probatório consta como “Características do Veículo”, além do mais, o seguinte:
“49a. Tipo de testes CO2: 1 - CO2 combinado, ciclo WLTP”
“50. Emissão gases CO2: 228 g/km”
“50a. Red. aplicar ao C02 WLTP: 5 %”
“ 50b. CO2 WLTP após redução: 217 g/km”.
9.7. Em 21.07.2020, a Requerente apresentou junto da Alfândega de Aveiro, ao abrigo do artigo 78º da Lei Geral Tributária, pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de imposto em causa.
9.8. No dia 25.01.2021, data até à qual não havia sido proferida decisão do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de imposto, o Requerente apresentou o presente pedido de pronuncia arbitral, contra o indeferimento tácito daquela petição.
9.9. O pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de imposto foi indeferido expressamente, por despacho de 09.02.2021, que teve como fundamento a seguinte informação da Chefe da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, com base em proposta do técnico responsável:
9.10. O Requerente pagou o valor da liquidação em 9.08.2019.
9.11. O tipo de emissões CO2 em ciclo combinado de ensaios relativos ao procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros (WLTP), cujos valores foram tidos em consideração na liquidação foram declarados pelo requerente na casa 49 da DAV, em conformidade com o certificado de conformidade emitido pela ... em 2018.12.07 e anexo ao ficheiro de homologação que acompanhou a DAV, documentação essa que foi apresentada pelo Requerente.
Factos não provados
Não se provou que da aplicação do método NEDC ao veículo adquirido pelo Requerente resultasse o apuramento de emissão de gases CO2 de 170 g/Km.
10. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto considerada provada alicerçou-se nos documentos constantes do processo, juntos pelo Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e integrantes do processo administrativo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes.
Relativamente ao facto não provado a decisão decorre da ausência de prova relativamente a tal matéria.
-III- O Direito aplicável
DA EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
11. Como supra se referiu, sustenta a Requerida a intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado, por inexistência de erro imputável aos serviços e por, aquando da sua apresentação, há muito ter sido ultrapassado o prazo de revisão previsto na 1ª parte, do nº 1, do artigo 78º, da LGT, com a consequente caducidade do direito de ação, por se encontrar igualmente ultrapassado o prazo de 90 dias, contados após o termo do prazo de pagamento do imposto, para apresentação do pedido arbitral.
A Requerente, ao invés, considera estar verificada a ocorrência de erro imputável aos serviços, no caso, um erro de direito, por violação do artigo 110º do TFUE, sustentando a improcedência da exceção.
Vejamos.
Antes de mais, há que ponderar a circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter sido apresentado contra ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
Refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária , o seguinte:
“O indeferimento tácito não é um acto, mas uma ficção destinada a possibilitar o uso dos meios de impugnação administrativos e contenciosos, como decorre do preceituado no nº 5 do art. 57º da LGT.
Apesar de o artigo 2º, nº 1, do RJAT fazer referência apenas a declaração de ilegalidade de actos, é inequívoco que nela se abrange a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos, pois o nº 1 do seu artigo 10º do RJAT faz referência aos «factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do Código de Procedimento e Processo Tributário» e a «formação da presunção de indeferimento tácito» vem indicada na alínea d) do nº 1 deste artigo 102º.”
Como nos diz, ainda, o mesmo autor:
“O indeferimento tácito presume-se que se baseia em razões de mérito e não em obstáculos processuais. Ao deixar de se pronunciar sobre a pretensão do contribuinte em que imputa ilegalidades ao acto impugnado, a administração tributária indeferiu-a, presumindo-se que não reconheceu nesse acto as ilegalidades que lhe foram imputadas.”
Nesta medida, tendo o Requerente imputado ilegalidades ao ato que consubstanciam invocação de erro de direito que, como conforme jurisprudência e doutrina que adiante se mencionarão, se subsume no conceito de “erro imputável aos serviços”, o meio de reação do contribuinte contra o ato tácito em causa era a impugnação judicial ou o pedido de pronúncia arbitral e não outro, e foi apresentado no prazo de noventa dias a contar da formação da presunção de indeferimento tácito , nos termos previstos no art. 10º, nº 1, al. a) do RJAT e 102º, nº 1, al. d) do CPPT.
Não pode, pois, deixar de se concluir que, à data da apresentação do pedido de pronuncia arbitral, estava em curso o prazo para o exercício do direito de ação. Assim sendo, não pode um posterior ato da Requerida ter como consequência retroativa a caducidade do direito. Por outras palavras, os factos jurídicos relevantes na aferição da tempestividade do exercício do direito de ação, para efeitos de apreciação da caducidade, não podem deixar de ser, apenas, os ocorridos à data da propositura da ação.
Improcede, pois, a exceção em causa.
Ainda que assim não fosse, acresce ainda que, consta do acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no proc. 01019/14 , em linha com jurisprudência constante do mesmo Tribunal o seguinte:
“Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (Vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).”
Por outro lado, pode ler-se no acórdão do TJUE de 4 de dezembro de 2018, no processo C 378/17 , em linha com a jurisprudência do mesmo Tribunal aí referida, que:
38 Como diversas vezes afirmou o Tribunal de Justiça, a referida obrigação de não aplicar uma legislação nacional contrária ao direito da União incumbe não só aos órgãos jurisdicionais nacionais mas também a todos os órgãos do Estado, incluindo as autoridades administrativas, encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, o direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.o 31; de 9 de setembro de 2003, CIF, C 198/01, EU:C:2003:430, n.o 49; de 12 de janeiro de 2010, Petersen, C 341/08, EU:C:2010:4, n.o 80; e de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme, C 628/15, EU:C:2017:687, n.o 54).
39 Daqui resulta que o princípio do primado do direito da União impõe não só aos órgãos jurisdicionais mas a todas as instâncias do Estado Membro que confiram plena eficácia às normas da União.”
Na decisão do TJUE no processo The Trustees of the BT Pension Scheme, C 628/15, pode ainda ler-se:
“há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto as autoridades administrativas como os órgãos jurisdicionais nacionais encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, as disposições do direito da União têm a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária, sem pedir nem aguardar pela eliminação prévia dessa disposição nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, relativamente às autoridades administrativas, acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.o 31, e de 29 de abril de 1999, Ciola, C 224/97, EU:C:1999:212, n.os 26 e 30, e, relativamente aos órgãos jurisdicionais, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.o 24, e de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C 614/14, EU:C:2016:514, n.o 34).
Na doutrina nacional, refere Fausto de Quadros que: “(…) temos a obrigação para a Administração Pública de recusar a aplicação de normas ou actos nacionais contrários ao Direito Comunitário, e de aplicar este mesmo contra Direito nacional de sentido contrário, conforme doutrina acolhida, de forma modelar no caso Factortame, já referido neste livro por diversas vezes. A Administração Pública vai ter, ainda mais do que o legislador, a necessidade de levar essa doutrina em conta no desempenho da sua missão de aplicar o Direito”. E no mesmo sentido, vai Miguel Gorjão-Henriques, escrevendo sobre o princípio do primado do direito comunitário:“(…) indubitavelmente, a dimensão clássica do princípio é aquela que, com clareza, nos enuncia Rostane MEHDII, ao salientar que o juiz e a administração têm a obrigação de «excluir as regras internas adoptadas em violação da legalidade comunitária”
Nesta conformidade, estando a Requerida obrigada a desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União, a não observância de tal dever consubstancia de erro de direito imputável aos serviços.
Assim também tem concluído, pacificamente, a jurisprudência nacional, conforme consta da decisão arbitral de 1 de Abril de 2021, proferida no proc. 457/2020-T, de 1 de Abril de 2021, onde se pode ler o seguinte:
“Importa assim, determinar se se verifica, in casu, erro imputável aos serviços. Não podendo imputar-se aos serviços qualquer erro de facto, importa averiguar se lhes poderá ser imputado erro de direito. A este propósito já decidiu o STA, ao estabelecer no acórdão proferido em 19.11.2014, no processo 0886/14 que «(…) tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que “existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada.»
O mesmo resulta do acórdão do TCAS n.º 1058/10.0BELRS, de 31.01.2019, onde se decidiu, mais recentemente no sentido de que «(…) o erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, no âmbito do qual se enquadra a violação das normas de direito da UE.»”
Nesta medida, e com tal fundamento, poderia a Requerente apresentar, como apresentou, o pedido de revisão no prazo de quatro anos após a liquidação.
Acresce que, muito embora a Requerida tenha referido, na decisão expressa que incidiu sobre o pedido de revisão da liquidação, indeferir a mesma com fundamento na sua extemporaneidade, o certo é em tal decisão não deixou de sustentar a legalidade do ato de liquidação ao referir que “a AT se limitou a fazer a aplicação das normas aos factos, em respeito do princípio da legalidade”.É certo que a Requerida de imediato acrescenta “e não tendo a prerrogativa de desaplicar normas com base num “julgamento” de pretensa desconformidade com o direito comunitário (…)” .Mas, mesmo que se considerasse que a Requerida não apreciou a legalidade do ato de liquidação entendemos que, no caso concreto, à luz do princípio da tutela judicial efetiva e do seu subprincípio do “pro actione”, sempre haveria que admitir o conhecimento do mérito da ação.
Na verdade, como escrevem Serena Cabrita Neto - Carla Castelo Trindade:
“ (…) não é evidente a linha que separa um indeferimento por razões formais -por não verificação de erro imputável aos serviços, de injustiça grave ou notória- de um indeferimento por razões materiais. Assim, cremos ser de admitir que se o contribuinte porventura fundamentar a sua ação judicial (de impugnação ou de pedido de constituição de tribunal arbitral) com um segundo grupo de argumentos e um subsequente pedido, isto é, com o conhecimento do próprio mérito do pedido de revisão, com a consequente anulação do acto tributário, não haverá como não admitir o “alargamento” do objecto da acção ao mérito.É que a tutela judicial efectiva obriga a que o contribuinte possa, nos momentos processuais próprios, levar ao conhecimento do tribunal todas as questões não resolvidas administrativamente. E sendo o acto tributário o objecto “mediato” desta acção, a impugnação ou o pedido de constituição do tribunal arbitral sempre se mostram ser os meios mais adequados para tutelar o contribuinte”
Ora, no caso concreto, da petição constam os fundamentos pertinentes à apreciação do mérito do pedido, bem como da resposta da Requerida constam os argumentos pelas quais esta entende que aqueles fundamentos sobre o mérito, alegados pelo Requerente, não devem proceder.
Nestas circunstâncias, entender que o tribunal não deve conhecer do mérito, implicaria a imposição ao Requerente de interposição duma ação administrativa especial para o tribunal administrativo e fiscal conhecer da existência de erro imputável aos serviços, para o que o tribunal não poderia deixar de apreciar a juridicidade da liquidação (mas sem que o meio processual em causa permitisse a anulação da mesma) e cuja decisão, em caso de procedência, iria determinar que a AT seria obrigada a conhecer do mérito da revisão e da consequente juridicidade do ato. Tal solução, seria não só atentatório do princípio da tutela judicial efetiva, mas também, como é evidente, da economia processual e do princípio eficiência da administração pública e da inerente racionalização de meios (Cfr. Art. 267º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa). A que acresce que, tendo-se o Tribunal já pronunciado sobre a existência de erro imputável aos serviços, com o inerente juízo de ilegalidade da liquidação, não se vislumbra como poderia a AT deixar de respeitar o sentido da decisão judicial.
Não pode, pois, deixar de se concluir, mesmo face à decisão expressa de indeferimento que não estava ao Requerente vedado a contestação da decisão que indeferiu o pedido de revisão oficiosa através de impugnação judicial ou arbitral, tendo como objeto mediato o ato de liquidação. Assim sendo, sempre improcederia a argumentação da Requerida.
Reafirma-se, assim, a tempestividade da ação arbitral e a consequente improcedência da suscitada exceção de caducidade do direito de ação.
12.DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE ISV COM FUNDAMENTO NA DESCONFORMIDADE DO ART. 11º DO CISV COM O ART. 110º DO TFUE.
Escreveu-se na decisão arbitral proferida no processo 572/2018-T , designadamente, o seguinte:
“6.47. Em sede de ISV, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados.
6.48. Com efeito, essa legalidade foi muito cedo questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, porquanto esta entendia que as normas portuguesas então vigentes não observavam o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma e, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter protecionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos.
(…).
6.66. Não obstante as disposições internas, e como já vimos, o artigo 110º do TFUE (na esteira do artigo 90º do Tratado de Roma), preceitua que “nenhum EM fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares”.
6.67. Sobre a interpretação deste artigo face aos direitos nacionais já o TJUE se pronunciou por diversas vezes precisando o seu alcance dado que a admissão nos mercados nacionais de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da UE.
6.68. Por isso, dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além da opinião da Comissão Europeia, enquanto entidade a quem cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que se vai produzindo.
6.69. E tanto assim é que em conformidade com o documento anexado pela Requerida com as suas alegações escritas se percebe que o Estado Português, interpelado pela Comissão Europeia em 2009/2010, quanto à forma como eram tributados os veículos usados admitidos em Portugal provenientes da UE (porque contrária ao previsto no referido e citado artigo 110º do TFUE), se viu forçado a alterar a legislação em vigor em matéria de ISV, em concreto o artigo 11º, nº 1 do Código do ISV (naquela data vigente), através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2011), no sentido de:
“O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental:
6.70. Contudo, como não foi comtemplada, com a referida alteração legislativa, a questão da desvalorização dos veículos usados, oriundos de outro EM, com menos de um anos e mais de cinco, surge então o já citado Acórdão do TJUE nº C–200/15, de 16 de Junho de 2016 (referido e citado pelo Requerente), visando directamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11º do Código do ISV (na redacção em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que “a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE” (sublinhado nosso).
6.71. E assim, o legislador nacional foi forçado a alterar o referido artigo 11º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização referida no ponto anterior, através da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, mas excluindo de novo da redação do artigo a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental do ISV.
6.72. Assim, os actuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11º, nº 1 Tabela D, o previsto no artigo 110º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90 do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.
6.73. A situação descrita levou (de novo) a Comissão Europeia, na sua busca de justiça comunitária, a dar início a um procedimento contra Portugal por este EM não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados “importados” de outros EM, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional.
6.74. Com efeito, a Comissão volta a entender que a legislação nacional não é compatível com o disposto no artigo 110º do TFUE, na medida em que os veículos usados “importados” de outros EM são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado nacional. “
(…)
6.85. Não obstante a Requerida referir que “(…) o conteúdo do artigo 110º deste tratado proveio do artigo 90º do tratado CE, ao qual ainda não estavam subjacentes as preocupações ambientais, com a acuidade que hoje se colocam”, tal afirmação não será de todo correcta porquanto o artigo 191º do TFUE teve origem no artigo 174º daquele Tratado e também a jurisprudência do TJUE se referiu em diversos momentos às questões ambientais na interpretação do referido artigo 90º, nomeadamente, no já citado processo C-290/05.
6.86. E, recorde-se, em conformidade com o que é defendido pelo Requerente, o Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, refere que “este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)”.
(…)
6.87. Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que, o que deverá aqui relevar é que o artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE porquanto aquele artigo não pode, em conformidade com o que este artigo dispõe, calcular o imposto sobre veículos usados oriundos de outro EM sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais.”
Esta posição, tem vindo a ser perfilhada em sucessivas decisões arbitrais proferidas, designadamente, nos processos n.º 346/2019-T, 348/2019-T, 350/2019-T, 459/2019-T, 498/2019-T e 660/2019-T, 13/2020-T e 293/2020-T, entre outras. Também este tribunal arbitral acompanha o entendimento da douta decisão arbitral citada, pelas razões nela expostas.
13. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 11.º DO CISV EFETUADA PELO REQUERENTE
Quanto a esta questão, acompanha-se o decidido da decisão arbitral proferida no processo 293/2020-T, onde se pode ler:
“12. Veio ainda a Requerida alegar que a desaplicação do artigo 11.º do CISV resulta numa violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º da CRP e do disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4, 66º, e 266.º, todos da CRP, i.e. violação dos princípios do Estado de Direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
É manifesto que tal não sucede, sendo de salientar que, nos termos do art. 8º, nº4 da Constituição, "as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático". Não é assim possível aos tribunais, salvo em caso de violação dos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, que in casu não se verificam, recusar a aplicação de normas do Direito da União Europeia invocando disposições do Direito Interno Português.
Relativamente à invocação da limitação dos recursos em sede da arbitragem tributária, tal resulta da vinculação da Administração Tributária à jurisdição do CAAD resultante da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, com as alterações resultantes da Portaria 287/2019, de 3 de Outubro, e ao regime instituído no RJAT que este Tribunal tem que observar. É por isso que tem o dever de apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação de ISV aqui em causa, limitado e no âmbito da competência que lhe é conferida pelo artigo 2.º n.º s 1 e 2 do RJAT, não se verificando qualquer inconstitucionalidade nessa sua competência. Na verdade, a existência de tribunais arbitrais é reconhecida pelo art. 209º, nº2, da Constituição.”
14. Assim, o ato de liquidação em causa, desconsiderando a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV é, nesta medida, ilegal, devendo ser parcialmente anulado, no que respeita valor de 1.015,87 €.
15. DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE ISV COM FUNDAMENTO NA MEDIÇÃO DE GASES PELO MÉTODO WLTP E NÃO PELO MÉTODO NEDC.
Dispõe o art. 4º, nº 1, al. a), do Código de Imposto Sobre Veículos, na redação conferida pelo art. 284º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro:
“1 – O imposto sobre veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respetivo certificado de conformidade:
a) Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de partículas, quando aplicável, e o nível de emissão de dióxido de carbono (CO2 ) relativo ao ciclo combinado de ensaios resultante dos testes realizados ao abrigo do ‘Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado’ (New European Driving Cycle — NEDC) ou ao abrigo do ‘Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros’ (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure — WLTP), consoante o sistema de testes a que o veículo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica;”
Por sua vez, o artigo 285.º (com a epigrafe “disposições transitórias em matéria de imposto sobre veículos”) da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, tem o seguinte teor:
“1 - Durante o ano de 2019, para efeitos do apuramento do imposto da componente ambiental da Tabela A constante do artigo 7.º do Código do ISV, bem como para a aferição dos limites de CO(índice 2) fixados nos regimes de benefício, as emissões de dióxido de carbono relativas ao «Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros» (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP), referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Código do ISV, constantes do certificado de conformidade e mencionadas na declaração aduaneira de veículo, são reduzidas de forma automática pelo sistema de fiscalidade automóvel, nas percentagens constantes da tabela seguinte”.
Resulta dos elementos apresentados pelo sujeito passivo que o sistema de testes a que o veículo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica foi o denominado “Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure — WLTP)”.
Nestas circunstâncias não se vislumbra como, face ao artigo 4º, nº 1, al. a), do Código de Imposto Sobre Veículos, poderia a liquidação ser efetuada com base no sistema “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado’ (New European Driving Cycle — NEDC)”, como pretende o Requerente.
Por outro lado, o Requerente, embora invoque que a liquidação em causa viola o artigo 110º do TFUE, por alegado tratamento discriminatório, não imputa ao 4º, nº 1, al. a), do Código de Imposto Sobre Veículo, qualquer desconformidade com o artigo 110º do TFUE. E, na verdade, é manifesto que não resulta da norma tratamento discriminatório, dado que, o critério da lei não é o da proveniência do veículo, mas sim o sistema de testes a que o veículo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica.
Nesta medida, quer porque o Requerente não imputa ao 4º, nº 1, al. a), do Código de Imposto Sobre Veículo qualquer desconformidade com o artigo 110º do TFUE, quer porque, da norma em causa não emerge qualquer tratamento discriminatório dos veículos adquiridos noutros Estados-Membros da União Europeia face aos veículos adquiridos em Portugal falece, desde logo, neste segmento, a pretensão anulatória do Requerente, que sempre improcederia porquanto o Requerente também não provou que da utilização do sistema de testes “NEDC” resultaria o apuramento de uma emissão de gases CO2 de apenas 170 g/Km.
Termos em que, improcede o pedido de anulação da liquidação nesta parte.
16. Veio, ainda, o Requerente pedir a condenação da Requerida ao reembolso da quantia indevidamente arrecadada, bem como o pagamento de juros indemnizatórios que se mostrarem devidos, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, é procedente a pretensão do Requerente à restituição do valor de 1.015,87 €, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada.
17.No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Por sua vez dispõe o nº 3 do mesmo artigo:
“3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(…)
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23-05-2018, processo 1201/17:
“3.8. Importa, por isso, afrontar a questão de saber se os juros indemnizatórios são devidos desde a data em que o pagamento do tributo foi efetuado ou a partir de um ano após o pedido de revisão formulado pelo contribuinte.
Já vimos que o acórdão fundamento entendeu que os juros indemnizatórios a que as impugnantes têm direito neste processo são apenas devidos a partir de um ano após o pedido de revisão por elas formulado.
O acórdão de 15-02-2007, processo 01041/06, deste STA tem o seguinte sumário:
“I - A revisão oficiosa dos actos de liquidação é susceptível de ser provocada pelo interessado, dentro do respectivo prazo, com fundamento em qualquer erro, de facto ou de direito, imputável à Administração.
II - Pedida a revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado, mesmo que só na impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada.”.
Neste acórdão são referidos os diversos acórdãos que neste mesmo sentido se pronunciaram.
E o acórdão fundamento acompanhou esta corrente jurisprudencial afirmando no seu sumário o seguinte:
“I - O art.º 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, sem definir o momento a partir do qual são os mesmos devidos.
II - O nº 3, c) do mesmo preceito consagra que também são devidos juros indemnizatórios, «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária».
III - O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.”.
Do artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária resulta que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Não resulta desta norma qual o momento a partir do qual são os juros indemnizatórios devidos.
O n.º 3, c) do mesmo preceito estabelece, contudo, que são devidos juros indemnizatórios, “quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária”.
À situação em apreciação é aplicável o nº 3, al. c) do artigo 43º da Lei Geral Tributária pois que podendo a recorrida ter questionado a liquidação optou por nada fazer até ao momento em que apresentou um pedido de revisão oficiosa do ato tributário.
Como se escreveu no acórdão fundamento entre a data da liquidação e a data do pedido de revisão decorreu um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não impulsionou, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte, suscita a questão da ilegalidade do ato de liquidação imediatamente após o pagamento da quantia em questão pois que entendeu o legislador que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respetiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Daí que se possa concluir que esta norma do artigo 43.º, n.º 3 c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão, como é o caso dos presentes autos e não perante a situação normal típica em que a impugnação da liquidação se inicia após o pagamento.”
Em conformidade com este aresto, que também se acompanha, o Requerente apenas terá direito a juros indemnizatórios a partir do fim do prazo de um ano após a apresentação do pedido de revisão formulado, ou seja, a partir de 21.07.2021.
-IV- Decisão
Assim, nos termos e com os fundamentos supra expostos decide o Tribunal arbitral:
a) Julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação suscitada pela Requerida.
b) julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se a anulação parcial da liquidação no que respeita ao valor de 1.015,87 €, condenando-se a Requerida a restituir tal valor, acrescido de juros indemnizatórios contados a partir de 21.07.2021, absolvendo-se a Requerida na restante parte do pedido.
Valor da ação: 8.219,62 € (oito mil duzentos e dezanove euros e sessenta e dois cêntimos) nos termos do disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas no valor de 918.00 €, a cargo de Requerente e Requerida, na proporção de 87,7 % e 12,3%, respetivamente, nos termos do nº 4 do artigo 22º do RJAT.
Notifique-se as partes.
Nos termos e para efeitos do art. 17º, nº 3 do RJAT, notifique-se, ainda, o Representante do Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual.
Lisboa, CAAD, 11.01.2022
O Árbitro
Marcolino Pisão Pedreiro