Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 8/2012-T
Data da decisão: 2012-11-07  IRC  
Valor do pedido: € 815.712,06
Tema: Aceitação de custo fiscal de encargos com royalties
Versão em PDF

Processo n.º 8/2012


 

RELATÓRIOS

 

  1. PARTES

 

A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua … (Requerente), requereu, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10,º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com intervenção de tribunal coletivo com vista à apreciação de litígio em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA ou Requerida).

 

A Requerente optou por não designar árbitro e, nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o coletivo de árbitros, composto pelo Juiz Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, como presidente, e árbitros adjuntos, Dr. José Coutinho Pires e Dr. José Manuel Pedroso de Melo.


 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 16-03-2012, nos termos do nº8 do artigo 11º do RJAT, para apreciar e decidir as matérias objeto do presente processo, conforme conteúdo da respetiva ata.

 

 

  1. PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL

 

Constitui objeto da presente pronúncia arbitral o pedido de anulação do ato tributário de liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 2001, efetuada à Requerente, na qualidade de sociedade dominante de grupo de sociedades tributada segundo o Regime Especial de Tributação dos Grupos (RETG) de Sociedades, na sequência das correções efetuadas às sociedades dominadas B..., S.A. e C…, S.A. (adiante abreviadamente designadas por B… e C…, respetivamente), e bem assim, a condenação da Requerida no pagamento de uma indemnização pela alegada prestação indevida de garantia bancária para suspensão de processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva dos indicados valores de imposto e juros compensatórios.

 

O mesmo pedido havia sido formulado perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em processo de impugnação judicial, o qual corria termos naquele tribunal sob o n.º … BEPRT, pendente de decisão, há mais de dois anos, antes de ser submetido à apreciação deste Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 20/2011, de 20 de Janeiro.

 

  1. DOS FUNDAMENTOS DA LIQUIDAÇÃO

 

A liquidação adicional de IRC efetuada à Requerente resulta de correções técnicas ao resultado fiscal declarado pelas sociedades dominadas B… e C…, nos montantes de Eur. 296.654,21 e Eur. 739.837,54, resultantes da não aceitação como custo fiscal, ao abrigo do n.º 1 do artigo 59.º do Código do IRC, de encargos com royalties pagos à sociedade D… (adiante abreviadamente designada por D...), com sede em território incluído na lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada aprovada pela Portaria n.º 1272/2001, de 9 de Novembro (concretamente em Jersey, Channel Islands).

 

Tendo presentes as conclusões dos relatórios de inspeção tributária que motivam as referidas correções, são os seguintes os fundamentos que subjazem à emissão do ato de liquidação sindicado:

 

  1. Quanto à B…

 

Que os royalties pagos no exercício, no valor total de Eur. 296.654,21 se revelam de montante exagerado, tendo presente, em especial, a presumível alienação dos registos das marcas para aquela entidade pelo montante de vinte mil escudos, por documento datado de 28/11/1996 (Eur. 99,76), e, bem assim:

- O facto de o sujeito passivo não ter apresentado documentos que demonstrem a transmissão e respetivo valor das marcas “…” à referida entidade;

- O facto de a D... ser, em 2001, detentora (participação indireta) do capital social da B...;

- O facto de existir um contrato de utilização de marcas datado de 1993 entre a B... e a sociedade E...;

- O facto de a marca “...” se encontrar registada no INPI a favor da B..., e as marcas “…” e “….” não terem sido objeto de qualquer registo junto daquela entidade;

- O facto de ser a B... que, ao longo dos anos, tem vido a solicitar junto dos agentes da PI, a renovação, intenção de uso e pagamento das taxas correspondentes à concessão dos títulos de propriedade;

- O facto de a documentação disponibilizada pela B... revelar que o beneficiário das transferências relativas aos royalties pagos consistir numa terceira entidade igualmente com registo em Jersey, com a denominação de F….

 

  1. Quanto à C…

 

Que não ficou demonstrado que as transferências efetuadas através de pagamentos de royalties no indicado montante de Eur. 739.837,54, à D..., com sede num “paraíso fiscal” correspondem a operações efetivamente realizadas, relevando, para o efeito, designadamente:

- Que a D... era, em 2001, detentora (participação indireta) do total do capital social da C...;

- Que o pagamento dos royalties foi efetuado por transferências bancárias para a sociedade A… (N…), Limited – T…, entidade diferente da emitente das faturas que também estaria registada em Jersey;

- Que o sujeito passivo não demonstrou evidência da transmissão da propriedade das marcas para a D...;

- Que muitas das marcas não se encontram registadas no INPI em nome da …&…, Limited, nomeadamente as marcas “C…”, “W…” e “C…”;

- Que a marca “R…” se encontra caducada, por recusa;

- Que as marcas “B…”, “C…”, “S…”, “4…” e “T…” não foram objeto de qualquer registo junto do INPI;

- Que a marca “S…” foi alienada à T… D..., pelo valor de dois mil escudos (eur. 9,98) pela sociedade “S…, Lda.” através de contrato de cessão celebrado em 28/11/1996.

 

Com os indicados fundamentos, e tendo presente o RETG, foi fixado à requerente um lucro tributável de Eur. 971.212,89, em substituição do prejuízo fiscal declarado de Eur. 65.278,86, apurando-se, em consequência, uma coleta adicional de Eur. 310.788,12, tributação autónoma no valor de Eur. 392.269,58, e juros compensatórios no montante de Eur. 105.576,72, o que, considerando o valor do imposto reembolsado na sequência da apresentação da declaração modelo 22, determina o apuramento de um valor a pagar adicionalmente, referente ao exercício, de Eur. 815.712,06.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

Para fundamentar os seus pedidos, alega, em suma, a Requerente:

 

- Que o lucro tributável do Grupo tributado segundo o RETG só pode ser legal e legitimamente alterado se, simultânea ou previamente, a AT tiver alterado os prejuízos fiscais/lucros tributáveis individuais mediante atos tributários definitivos e executórios, o que não sucedeu no caso vertente

 

- Que, não tendo as referidas sociedades sido notificadas das liquidações que serviram de pressuposto à liquidação ao Grupo, a defesa da Requerente se baseia em factos que não lhe dizem respeito, e relativamente aos quais não tem teve conhecimento direto, com prejuízo para si próprias e para a sociedade dominante ora Requerente, violando o direito de defesa previsto no artigo 268.º da CRP bem como o disposto nos artigos 9.º, 96.º e 97.º da Lei Geral Tributária;

 

- Que, tendo a Requerente sido notificada da liquidação em 6 de Abril de 2006, sem que entretanto se tenha verificado qualquer uma das circunstâncias determinantes da suspensão ou interrupção da respetiva contagem, já há muito que havia decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação, o qual é, no caso vertente, de 4 anos;

 

- Que o valor do lucro tributável apurado por uma das sociedades integrantes do Grupo – a sociedade T…(atualmente denominada por Q… and V…, S.A.) -, de Eur. 716.475,46, com base no qual foi corrigido o lucro do Grupo, já foi, ulteriormente, fixado em Eur. 686.991,26, em resultado de procedência de reclamação graciosa de autoliquidação, devendo ser corrigido em conformidade o lucro tributável corrigido da Requerente, enquanto sociedade dominante;

 

- Que o não registo de marcas em nome da D... significa única e simplesmente que esta entidade não pode invocar o direito de usar e explorar essas marcas de forma exclusiva, não impedindo contudo que a transmissão possa ser invocada entre as próprias partes;

 

- Que, ainda que se aceite, por mera hipótese, que o registo junto do INPI constitui condição de “normalidade” ou de “efetividade” dos royalties pagos, tal implica que só poderiam ter sido desconsiderados os royalties relativos às marcas que se concluiu não se encontrarem registadas junto daquele instituto a favor da D..., sendo que nenhuma dessas marcas, não registadas ou caducadas, foram comercializadas em Portugal pela B... e/ou C..., não tendo sido pagos, relativamente às mesmas, quaisquer royalties;

 

- Que a sociedade E… adquiriu as marcas da família …´s, não à B..., mas a uma sociedade denominada G..., em 1992, sendo que esta, por sua vez, as havia adquirido, em 1976, à sociedade “H… SARL (que posteriormente alterou a sua denominação social para I…);

 

- Que essa afirmação é corroborada pelo facto de, em 1993, a sociedade E… ter licenciado as marcas à sociedade I;

 

- Que em 1996 ocorreu um processo de fusão pelo qual os activos das sociedades E… , J… e K foram transmitidos para a sociedade D..., transmitindo-se nessa data também, se não antes, as marcas em causa;

 

- Que ficou demonstrado documentalmente que a sociedade D... era proprietária das marcas da família …´s desde, pelo menos, 1988;

 

- Que ficou demonstrado documentalmente que as marcas “…” já eram da propriedade da sociedade D... em 1982;

 

- Que ficou demonstrado que a D... adquiriu as marcas à sociedade L… , que por sua vez as havia adquirido à sociedade C..., em 1975;

 

- Que ficou demonstrado que a C... se registou, em 1992, como licenciada das marcas …s;

 

- Que ficou demonstrado que a D... é proprietária das marcas “…” desde, pelo menos, 1998.

 

- Que ficou demonstrado que a marca …´s foi registada, em 1976, em nome da sociedade L…, que a transmitiu, em 1982, para a D...;

 

- Que, ao contrário do que entende a AT, não se pretendeu, com o documento de cessão datado de 28/11/1996, efetuar uma verdadeira transmissão das marcas, mas apenas permitir o registo das marcas, em Portugal, em nome da D..., uma vez que, no INPI, as mesmas sempre estiveram registadas em nome dos seus proprietários originais – as empresas I…, J…, K… e M… – apesar de já transmitidas entretanto às sociedades L… , G..., J…, K…;

 

- Que esse documento foi assinado por sugestão do agente da propriedade industrial;

 

- Que a sociedade F…, com sede em Jersey, mais não é que um intermediário financeiro, contratado pela D..., com função de gerir a cobrança das suas faturas, tendo ficado documentalmente demonstrado que o beneficiário efetivo dos Royalties é a D...;

 

- Que os … comercializados com as marcas …´s e … apresentam em média um preço superior em 40% aos preços dos demais concorrentes, resultando tal facto da elevadíssima notoriedade das marcas em causa;

 

- Que, sem as marcas, as sociedades B... e C... não poderiam desenvolver a sua atividade de comercialização, nem seriam capazes de atingir as significativas quantidades vendidas, nem os elevados valores de faturação que efetivamente auferem;

 

- Que, ficando demonstrado que o montante dos royalties pagos respeita o princípio da plena concorrência, fica também comprovado que o mesmo não é de montante exagerado;

 

- Que prestou garantia bancária com o objetivo de suspender o processo executivo instaurado pela Administração Fiscal por não pagamento da liquidação impugnada, devendo ser indemnizada pelos custos com a sua constituição.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

Notificada do pedido de pronúncia arbitral, veio a AT, em resposta, pugnar pela manutenção do ato tributário impugnado, sustentando para o efeito, em síntese:

 

- Que só a Requerente, enquanto sociedade-dominante, poderia ser, como foi, destinatária da liquidação adicional posta em crise e resultante da ação inspetiva, não padecendo aquela, desta forma, dos vícios imputados pela Requerente;

 

- Que a contagem do prazo de caducidade esteve suspensa nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT, desde a data da notificação para o início do procedimento de inspeção externa, em 2005-11-16, à data do termo daquele procedimento, em 2006-02-23, não se verificando, por conseguinte, a alegada ilegalidade por caducidade do direito à liquidação;

 

- Que assiste razão à Requerente no que concerne ao invocado erro de quantificação da matéria coletável;

 

- Que, não sendo as marcas “…", objeto de um direito de propriedade legalmente titulado, mas apenas de um mero uso ao qual a lei confere alguma proteção, as mesmas não podiam ser transmitidas ou licenciadas, não podendo ser aceites os royalties pagos pela Requerente;

 

- Que encontrando-se a marca "...”, registada, segundo o INPI, a favor da Requerente, carece naturalmente de sentido o pagamento de royalties por esta última a favor da D...;

 

- Que o teor do Documento 12 junto à p.i. demonstra que foram comercializadas marcas da família "…", quer em Portugal, quer em países estrangeiros, não tendo por conseguinte correspondência com a realidade a afirmação de que as sociedades-dominadas não pagaram quaisquer royalties relativamente a marcas não registadas no INPI;

 

- Que a Requerente não explica a razão que justifica que aquela empresa sedeada num "paraíso fiscal" seja, como afirma, a titular dos direitos das marcas;

 

- Que, se a Requerente pretende justificar os pagamentos que vem fazendo desde a década de oitenta a favor da D..., teria necessariamente de possuir e disponibilizar os documentos que suportam esses pagamentos, ainda que para além do prazo legalmente fixado para a conservação dos documentos de suporte à contabilidade previstos no Código do IRC;

 

- Que os documentos apresentados pela Requerente apenas demonstram que a referida C… é aparentemente a titular de certas marcas de … registadas num pequeno número de países, designadamente na Irlanda, nos Estados Unidos da América, na Alemanha, no Canadá e no Reino Unido, não se podendo extrapolar um direito de propriedade industrial "universal" para o resto do mundo.

 

- Que para contrariar os "factos-índices" apurados pela Requerida era necessário que a Requerente tivesse ido mais além, demonstrando a titularidade em todos os países;

 

- Não estando demonstrado que as marcas em causa se encontram registadas em todos os países constantes da relação do documento 12 junto à p.i., não poderá ser reconhecido um direito de propriedade legalmente titulado pela D…, pelo que necessariamente terão de ser desconsiderados, enquanto custo, os royalties pagos por ambas as sociedades-dominadas em países onde as marcas não se encontrem registadas, dada a ausência de título por parte da identificada sociedade sedeada em "paraíso fiscal";

 

- Que os documentos juntos à p.i. pela Requerente sob os n.os 36 e 37 não são aptos a demonstrar o alegado papel intermediário desempenhado pela sociedade F…;

 

- Que, não tendo o indicado documento junto à p.i. pela Requerente sob o n.º 36 sido objeto de apostilha, nos termos da Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Actos Públicos Estrangeiros, se levantam dúvidas quanto à sua genuinidade, razão pela qual é o mesmo impugnado para todos os efeitos legais;

 

  1. PROVA TESTEMUNHAL

 

Foram inquiridas em audiência contraditória as testemunhas arroladas pelas partes.

 

  1. ALEGAÇÕES ORAIS

 

Não havendo outra prova a produzir em audiência, foram apresentadas pelas partes as suas alegações orais, nos termos do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, nas quais ambas reafirmaram as posições expressas nas peças processuais apresentadas.

 

***

  1. FUNDAMENTAÇÃO

 

O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. A Requerente apresentou, em 9 de Abril de 2012, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pedido de extinção do processo de impugnação que ali corria termos sob o n.º …BEPRT. As partes gozam de capacidade judiciária e são legítimas. O processo não enferma de nulidades que o invalidem.

 

Não existindo, por conseguinte, qualquer razão que obste ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

 

  1. Matéria de facto

 

Com base nos documentos juntos aos autos pelas partes, são os seguintes os factos considerados como provados, com relevo para a boa decisão do pleito:

 

  1. A B... e a C... foram notificadas, em 14 de Junho e em 18 de Julho de 2005, respetivamente, de despachos para início de procedimentos internos de inspeção tributária referentes ao IRC de 2001.

 

  1. No termo dos referidos procedimentos inspetivos foram emitidos, em 15 de Dezembro de 2005 e 30 de Dezembro de 2005, de que resultaram correções técnicas ao resultado fiscal declarado pelas sociedades dominadas B... e C..., nos montantes de Eur. 296.654,21 e Eur. 739.837,54, resultantes da não aceitação como custo fiscal, ao abrigo do n.º 1 do artigo 59.º do Código do IRC, de encargos com royalties pagos à sociedade D… .

 

  1. Em 16 de Novembro de 2005, a Requerida assinou uma ordem de serviço para ação externa de inspeção, de âmbito parcial, ao IRC de 2001 da Requerente.


 

  1. No entanto, não se verificaram quaisquer atos de inspeção no decurso deste procedimento.


 

  1. No termo do prazo para o procedimento inspetivo foi emitido, em 20 de Fevereiro de 2006, relatório de inspeção de que constavam correções resultantes da repercussão, no resultado fiscal do Grupo, das correções técnicas efetuadas ao resultado fiscal declarado, no exercício, pela B... e C....

 

  1. A requerente foi notificada da liquidação impugnada em 6 de Abril de 2006.

 

  1. A Requerente apresentou garantia bancária com vista à suspensão do processo de execução fiscal da dívida resultante do não pagamento da liquidação impugnada, tendo suportado encargos com a manutenção da mesma.


 

Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

  1. O Direito

 

De acordo com o preceituado no artigo 124.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário, na sentença, o tribunal deverá apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação, sendo a apreciação dos vícios em cada um daqueles grupos feita pela ordem prevista nas respetivas alíneas a) e b), como segue:

 

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

 

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”

 

Ora, no caso vertente, a requerente imputa ao ato impugnado vários vícios, uns de ordem formal – ilegitimidade e caducidade do direito à liquidação – e outros atinentes à substância do ato, todos geradores de anulabilidade.

 

Não sendo entre os vícios de ordem formal estabelecida qualquer relação de subsidiariedade, contrariamente ao que sucede entre estes e os demais vícios de violação de lei imputados ao ato impugnado, deve a apreciação daqueles primeiros ser feita, de acordo com o disposto no referido preceito, pela ordem cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

À luz do indicado critério, a apreciação da caducidade do direito á liquidação deve, segundo se julga, preceder a de todos os demais, por ser aquele que, a proceder, dispensa de forma definitiva, por desnecessária, a apreciação de todos os demais, impedindo a renovação do ato impugnado.

 

  1. Da caducidade do direito a liquidação

 

Ora, no caso vertente, e como se referiu, a Requerente imputa ao ato tributário o vício de ilegalidade por violação do disposto no artigo 45.º da Lei Geral Tributária, em virtude de, à data da sua notificação já ter decorrido o prazo de caducidade do exercício do respetivo direito por parte da Administração Tributária.

 

Contra o peticionado pela Requerente vem a AT, ora Requerida, sustentar que o prazo de caducidade não se teria esgotado, uma vez que teria ficado suspenso nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT, desde a data da notificação para o início do procedimento de inspeção externa, em 16 de Novembro de 2005, até à data do termo daquele procedimento, em 23 de Fevereiro de 2006.

 

Vejamos quem tem razão.

 

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

 

Dispõe, no entanto, o n.º 1 do artigo 46.º do mesmo diploma que o prazo de caducidade se suspende com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito e contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.

 

Tal como decorre expressamente da previsão normativa do artigo 46.º do CPPT, só o procedimento de inspeção externa possui a virtude de suspender a contagem do prazo de caducidade.

 

E compreende-se que assim seja. Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), “o procedimento de inspecção visa a observação das realidades tributárias e a prevenção das infracções tributárias”, sendo o procedimento classificável como de interno, de acordo com o artigo 13.º do mesmo diploma, sempre que os actos de inspecção tenham lugar exclusivamente nos serviços da Administração fiscal “através da análise formal e da coerência dos documentos”, e de externo, “quando os actos de inspecção se efectuem total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos.”

 

As diferenças entre um e outro tipo de procedimento refletem-se nas vantagens e desvantagens de cada um para a Administração Tributária, apresentando-se o procedimento interno como mais célere e menos exigente do ponto de vista formal e das garantias do contribuinte, dispensando designadamente a emissão de ordem de serviço, nos termos do artigo 46.º do RCPIT, mas insuscetível de garantir a suspensão da contagem do prazo de caducidade.

 

Ora, no caso vertente, como resulta expressamente do Relatório de Inspeção Tributária subjacente ao ato de liquidação impugnado, que constitui o Documento 6 anexo à petição inicial, as correções ao resultado fiscal das sociedades dominadas B... e C… resultaram de procedimentos internos de inspecção levados a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, e determinados, designadamente, pelo Despacho n.º …, emitido (cit)“com Referência Interna de 14 de Junho de 2005, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do Art.º 46.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT)”, e pelo Despacho Interno n.º … .

 

Os procedimentos internos de inspeção tiveram início em 14 de Junho e 18 de Julho de 2005, tendo os relatórios, em que as correções resultantes do procedimento se viriam a materializar, sido emitidos em 15 de Dezembro de 2005 e 30 de Dezembro de 2005, respetivamente.

 

Tais relatórios e correspondentes documentos de correção (“DC-22”) foram de seguida remetidos aos “serviços competentes no sentido de serem efectuadas, em sede de IRC, e na esfera da sociedade “C…”., as respectivas correcções fiscais”.

 

De forma não surpreendente, a referida sociedade, ora Requerente, viria a ser confrontada, em 16 de Novembro de 2005, pelos mesmos exatos serviços de inspeção da Direção de Finanças do Porto, com uma ordem de serviço para ação externa de inspeção de âmbito parcial, ao IRC de 2001.

 

Sendo certo porém que, a atentar no relatório de inspeção emitido no termo deste procedimento, em 20 de Fevereiro de 2006, as correções ali determinadas ao resultado fiscal do grupo mais não são que o resultado “da repercussão na sociedade “A...”, NIPC …, de correcções efectuadas aos resultados fiscais das empresas dominadas, “B…” NIPC …e “ C…. no âmbito da tributação pelo “Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades” previsto no artigo 63.º do código do IRC.”

 

Ora, como resulta à evidência, não parecem restar dúvidas de que as correções ao resultado fiscal do Grupo determinantes da liquidação sindicada resultam, em exclusivo, das correções efetuadas ao resultado individual de cada uma das sociedades consideradas, ao abrigo dos procedimentos internos de inspeção desencadeados contra as mesmas.

 

E se assim é, como parece resultar inequivocamente dos documentos em que o Tribunal fundou a sua convicção, não poderá deixar de se concluir, em conformidade, pela não aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 46.º da LGT.

 

E nem se argumente, contra esta conclusão, que o referido preceito encontraria aplicação pelo facto de a inspeção desencadeada à sociedade dominante, ora Requente, possuir natureza externa, sendo esta a única relevante para as correções subjacentes à liquidação impugnada.

 

E isto desde logo porque, como a própria Requerida sustenta na sua resposta, a circunstância de existir, no âmbito do regime de tributação dos grupos de sociedades, um único ato tributário corretivo definitivo e executório, não significa que o mesmo não seja resultado de duas “liquidações não liquidáveis”, sendo uno e incindível o procedimento de liquidação que culmina naquele ato tributário.

 

Depois, e mais relevante ainda, porque, como se afigura evidente à luz dos mais elementares princípios de hermenêutica jurídica, não é o simples facto de se designar o procedimento por externo, sem que sejam realizados quaisquer atos materiais de inspeção após a assinatura da ordem de serviço, que lhe confere a aptidão de suspender a contagem do prazo de caducidade.

 

Como bem sintetizam NUNO DE OLIVEIRA GARCIA e RITA CARVALHO NUNES1, “a vigência deste princípios (da proporcionalidade, adequação e cooperação), bem como dos próprios princípios da verdade material (previsto no artigo 6.º do RCPIT) e da imparcialidade (constante do n.º 2 do artigo 266.º da CRP), impõem que o procedimento de inspecção seja utilizado tão só como meio de apurar a realidade tributária (subjacente por exemplo aos actos de autoliquidação) – sendo por isso um instrumento fundamental da actuação administrativa – e não como modo de prolongar, temporal e artificialmente, o direito à liquidação e cobrança de imposto, o que constitui uma das razões pelas quais, como já se mencionou, a própria Lei fiscal, nos n.ºs 2 e 3 do artigo 36.º do RCPIT, estabelece como limite temporal à duração da inspecção o prazo de seis meses, sujeitando ainda a suspensão do prazo de caducidade estabelecido no artigo 46.º da LGT ao mesmo prazo, independentemente de qualquer prorrogação legalmente decretada.”

 

Fixa assim o artigo 46.º da LGT, no seu n.º 1, o seguinte: “o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.”

Deve assim entender-se, e na senda da melhor doutrina, que o supra citado preceito: 1 - “vem alargar o prazo de caducidade previsto no artigo anterior ao estabelecer períodos de suspensão, durante os quais o prazo não se conta. 2 - Inspecção externa é a efectuada pelos serviços competentes, fora das instalações destes, nas instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso (…). 3 – O período de seis meses previsto no n.º 1 não se conta no início da inspecção, mas o que decorre desde a notificação. Se, na sequência da notificação, a inspecção externa não está concluída no prazo de seis meses ou não vem a realizar-se, então não se suspenderá no prazo de caducidade, contando-se o prazo como se contaria se tal notificação não tivesse sido efectuada. 4 – No artigo 36.º do RCPIT prevê-se a possibilidade de prorrogação do prazo para realização da acção de inspecção, por mais dois períodos de três meses, nas circunstâncias aí indicadas. Se assim suceder, aplica-se o n.º 1 do artigo 46.º, cessando a suspensão do prazo de caducidade, não tendo as prorrogações qualquer efeito para obstar à cessação.”2

 

Pelo exposto, uma vez que o procedimento de inspeção utilizado não revestiu a natureza de procedimento externo, e não se tendo verificado na situação sub iudice qualquer circunstância determinante da suspensão do prazo de caducidade, o direito à liquidação do IRC respeitante ao exercício de 2001 terá caducado em 31 de Dezembro de 2005, razão pela qual é ilegal, por violação daquele preceito, a liquidação impugnada, notificada à Requerente muito para além daquele prazo, em 6 de Abril de 2006.

 

  1. Da indemnização por garantia indevida

 

 

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º da LGT, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

 

Dispõe, por seu turno, o n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, que a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada prevista no referido preceito será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, devendo no mesmo ser solicitada, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, se o fundamento for superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.

 

Na determinação, pelo Tribunal, se a Requerente tem ou não direito a ser indemnizada pela prestação indevida de garantia bancária, para suspender a execução fiscal, importa dizer o seguinte:

 

Apesar da Requerente não ter alegado qual o prejuízo relativo à prestação daquela garantia, in fine, qual a comissão cobrada pelo Banco para prestação da garantia bancária sobre a liquidação impugnada, sempre o Tribunal pode pressupor, “com recurso às regras da normalidade e da experiência comum, a existência real de um prejuízo pela prestação de garantia bancária” – nesse sentido vide o recente acórdão proferido no âmbito do processo arbitral n.º 10/2012-T.

 

Recorde-se para este efeito que o artigo 53.º, n.º 1 da LGT dispõe que “o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida”. Acrescentando o n.º 3 do mesmo artigo que “a indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”

 

Temos assim, e em suma, naquela formulação legal, que o devedor que ofereça garantia bancária indevida será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos da sua prestação, sendo que a indemnização tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios.

 

Não obstante o tribunal arbitral não poder quantificar o valor da indemnização, por desconhecer o valor da comissão paga, sendo assim impossível apurar se o mesmo se situa acima ou abaixo do limite máximo estabelecido no artigo 53.º, n.º 3 da LGT, tal não põe em causa o direito à indemnização da Requerente – neste sentido, vide, novamente, Acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo n.º 10/2012-T.

 

Sendo de proceder o pedido de anulação do ato tributário impugnado a que respeita a dívida garantida, e verificando-se que a mesma foi mantida por prazo muito superior a três anos, deverá proceder igualmente o pedido de indemnização pela respetiva prestação.

 

Nestes termos, devem ser ressarcidos os custos suportados pela Requerente com a prestação da garantia, remetendo-se o seu apuramento para o momento em que a Requerida liberte aquela garantia, sempre dentro dos limites do artigo 53.º, n.º 3 da LGT, e a liquidar em execução de sentença.

 

Julga-se, assim, procedente o pedido de indemnização formulado pela

Requerente.

 

 

 


 

  1. Decisão


 

Termos em que se decide:


 

  1. Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRC impugnada, e correspondentes tributações autónomas e juros compensatórios;

 

  1. Condenar a Requerida no pagamento de uma indemnização pelos custos suportados com a prestação e manutenção, pela Requerente, da garantia indevida, a liquidar em execução de sentença, sempre tendo como limite máximo o previsto no n.º 3 do art.º 53.º da LGT.


 

Fixa-se o valor da ação em € 815.712,06


 

Custas do processo arbitral a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no artigos 12º nº 2 e 22.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e artigo 4º nº 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.


 

Notifique-se.


 

Lisboa, 7 de Novembro de 2012

 

 

Manuel Luís Macaísta Malheiros 
José Coutinho Pires
José Manuel Pedroso de Melo

 

1Inspecção Tributária Externa e a Relevância dos Actos Materiais de Inspecção, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal do Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito de Lisboa, Edições almedina, Ano IV, n.º 1, pág. 256.

2 LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Anotada e comentada, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, 4.ª Edição 2012, encontro da escrita editora.