Sumário:
1. A autoliquidação de tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores, no montante aqui em causa de € 1.277.615,20, não padece de vício material de violação de lei.
2. Resulta da alínea b) do n.º 13 do art. 88.º do CIRC que mais de 50% do pagamento tem que ter ficado suspenso por um período de 3 anos, por estar condicionado à verificação, no final desse período, do desempenho positivo da sociedade.
3. A condição material para a atribuição de bónus aos administradores está dependente do desempenho positivo da sociedade ao longo do período de três anos, assente na demonstração de resultados.
4. A norma constante da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC é constitucional por não interferir no método destinado a determinar os resultados empresariais.
5. Os créditos gerados por benefícios fiscais não são dedutíveis à colecta produzida pelas tributações autónomas em caso de insuficiência de colecta de IRC.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1.A..., SGPS, S.A., PORTADORA DO NÚMERO DE PESSOA COLECTIVA..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa (doravante, “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 e n.º 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1, requerer, em 22/2/2021, a constituição de Tribunal Arbitral e submeter pedido de pronúncia arbitral sobre: “(i) a legalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico e da precedente reclamação graciosa, na medida em que desatendem o reconhecimento da ilegalidade da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2015 terminado em 30.06.2015, do Grupo Fiscal B..., no segmento relativo a parte das tributações autónomas adicionadas em 26 de Outubro de 2016 (tributação autónoma indevida sobre remunerações variáveis e afastamento indevido da dedução de créditos de IRC à tributação autónoma em IRC), (ii) e bem assim a legalidade dessa parte do segmento das tributações autónomas (adicionadas em 26 de Outubro de 2016) e que ascende ao montante de € 1.277.615,20 (isto é, que ascende ao montante liquidado adicionalmente em 26.10.2016, no qual se inclui já a tributação sobre remunerações variáveis – cfr. contraste entre o campo 365 do quadro 10 dos Docs. n.ºs 1 e 3).”
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida).
2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitros, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os presentes signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21.05.2021.
2.4. Em 30.11.2015, a Requerente apresentou uma autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2015 terminado em 30.06.2015, sem qualquer tributação autónoma sobre remunerações variáveis atribuídas pela A... aos seus administradores, conforme declaração de IRC Modelo 22, mas com uma autoliquidação de tributação autónoma de € 1.859,88 (no campo 365 do quadro 10).
2.5. A Requerente entregou no dia 26.10.2016 uma declaração agregada de substituição do IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2015, com período especial de tributação entre 01-01-2015 e 30.06.2015, do seu Grupo Fiscal, onde procedeu à autoliquidação de tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores, no montante de € 831.976,25 (num total de tributação autónoma de € 1.277.615,20), tendo por base tributável um valor de remunerações variáveis de € 2.377.075,00 (num total de gastos de € 4.610.597,06), (campo 424 do quadro 13 do Modelo 22) sujeito à taxa de 35% (artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC).
2.6. A declaração de substituição de 26.10.2016 apresenta uma autoliquidação de tributações autónomas sobre remunerações variáveis no montante global de € 1.279.475,08 (campo 365 do quadro 10), o que representa um acréscimo de tributação autónoma autoliquidada de € 1.277.615,20 face à autoliquidação de tributação autónoma de € 1.859,88 efetuada em 30-11-2015 – cfr. contraste entre o campo 365 do quadro 10 das declarações de 30.11.2015 e de 26.10.2016).
2.7. Os 25% de remunerações dos Administradores do Grupo Fiscal B... são referentes ao período anual de 2014, a que respeita o bónus, e estão sujeitos à tributação autónoma inscrita no Modelo 22 do Grupo Fiscal B... apresentado em 26.10.2016, para o período especial de tributação entre 01-01-2015 e 30.06.2015.
2.8. Em 26.10.2018, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra este segmento do acto tributário de autoliquidação de IRC do seu Grupo Fiscal referente ao exercício de 2015 terminado em 30.06.2015.
2.9. A Requerente foi notificada em 15 de Fevereiro de 2019 do despacho do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária (DJT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), de 08 de Fevereiro de 2019, do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação de tributação autónoma do seu Grupo Fiscal respeitante ao exercício de 2015 terminado em 30.06.2015.
2.10. Em 12 de Março de 2019, a Requerente apresentou um recurso hierárquico contra o indeferimento da reclamação graciosa. A Requerida indeferiu em 24.11.2020 o recurso hierárquico, por despacho proferido pela Exma. Senhora Subdirectora-Geral, objecto de impugnação nos presentes autos arbitrais. Em 10 de Dezembro de 2020 a Requerente foi notificada do indeferimento deste recurso hierárquico, nos termos previstos no artigo 39.º, n.º 10 do CPPT.
2.11. Em 9 de Dezembro de 2021, a AT apresentou as suas alegações, considerando que “não existem factos novos a acrescentar à tese que havia sido, pela Requerente, desenvolvida no requerimento inicial”, e que “(…) já se pronunciou este centro de arbitragem no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 106/2021 – T CAAD”, nestes termos julga improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos com as legais consequências.
2.12. Em 2 Dezembro de 2021, a Requerente apresentou as suas alegações, reiterando a ilegalidade total e, subsidiariamente, parcial, da tributação autónoma sobre remunerações variáveis constante do Modelo 22 da A... do exercício terminado em 30.06.2015, reafirmando a inconstitucionalidade da norma de tributação autónoma sobre remunerações variáveis, bem como contestando a AT relativamente à tributação autónoma sobre remunerações variáveis na parte correspondente ao limiar até ao qual considera não haver lugar a essa tributação.
2.13. O valor desta liquidação adicional de tributação autónoma, incluindo a tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores, encontra-se pago, conforme comprovativo de pagamento comunicado à AT de 20-12-2016.
2.14. No exercício fiscal aqui em causa estavam disponíveis para dedução à colecta do IRC (incluindo a parte dessa colecta gerada pelas tributações autónomas), € 5.918.585,12 em créditos de IRC decorrentes do regime fiscal contratual de incentivos ao investimento produtivo (grandes projectos de investimento), € 5.719.040,89 em créditos de IRC decorrentes do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”), € 496.652,86 em créditos de IRC decorrentes do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), e €360.635,80 em créditos de IRC decorrentes do regime do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), tudo num total de € 12.494.914,67 (cfr. quadro 7 do Anexo D).
2.15. Atenta à insuficiência de colecta de IRC, os créditos de IRC decorrentes do regime contratual dos grandes projectos de investimento, do SIFIDE, do RFAI e do CFEI, que ascendem a € 12.494.914,67 não foram dedutíveis à colecta de IRC de 2015 das tributações autónomas.
2.16. Considerando que: (i) se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais, (ii) não se antevê, pelo menos por ora, utilidade/necessidade da produção de prova testemunhal e (iii) não estão preenchidos os demais fundamentos para a marcação, com efeito útil, dessas diligências, o presente Tribunal Arbitral, através de despacho de 16/11/2021, dispensou a inquirição de testemunhas e a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo do disposto no artigo 16.º, al. c), do RJAT, e do princípio da proibição da prática de actos inúteis. Encerrada, assim, a fase instrutória do processo, determinou-se, ainda, que ambas as partes apresentariam, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias (artigo 29.º do RJAT, artigos 91.º, n.º 5 e 91.º-A, do CPTA, versão republicada em anexo ao DL n.º 214-G/2015, de 2/10), alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito. Por último, foi também determinada a prorrogação do prazo previsto no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT, por 2 meses a partir do seu termo, no uso da faculdade prevista no item 2., do citado artigo 21.º do RJAT. Pelo referido despacho foi, ainda, fixado o dia 19/1/2022 para a prolação da decisão arbitral.
II. Saneamento
3. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
3.1. A AT encontra-se vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais nos termos do artigo 1.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
3.2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi apresentado dentro do prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos previstos no artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, contados da notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico.
3.3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
3.4. Pelo supra exposto, e não se verificando nulidades, impõe-se o conhecimento, em seguida, do mérito do pedido.
III. Questões a decidir
4. Na petição arbitral, a Requerente alega que a “liquidação de tributação autónoma em IRC no exercício de 2015 terminado em 30.06.2015, no montante total aqui em causa de € 1.277.615,20 [...] é indevida pelos seguintes motivos [...]: a) A parcela da tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores, no montante de € 831.976,25, é indevida por inverificação de lesão alguma do bem jurídico tutelado pela mesma [; b)] a parcela de € 415.988,12 da tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores é indevida por constituir tributação autónoma sobre a parcela da remuneração variável (50%) que à luz da salvaguarda que a própria lei instituiu (alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC) se pode manter sem qualquer tributação por pior que tenham sido os resultados da empresa nos três anos seguintes [; c)] [e]m qualquer caso, a tributação autónoma ainda assim subsistente é indevida por afastamento indevido da dedução de créditos de IRC, que ascendem a € 12.494.914,67, à tributação autónoma em IRC”.
5. Por seu lado, a Requerida considera que “a norma aqui em causa [do art. 88.º do CIRC] constitui uma norma de incidência objectiva de tributação, cujos pressupostos se encontram todos verificados para a sua aplicação”, que “a lei é geral e abstracta cumpridos que estejam os critérios de incidência objectiva e subjectiva”, e que, “caso o legislador tivesse pretendido que a tributação incidisse somente sobre o excesso do valor de €27.500 ou do limite de 25% da remuneração anual, tê-lo-iam refletido na redação da norma legal, o que, manifestamente, não aconteceu. Está implícita a intenção do legislador de que deverão ser consideradas, para efeitos de aplicação da taxa única de 35%, os bónus ou as remunerações variáveis reconhecidas, na sua totalidade, como gasto de determinado período.”
6. A Requerida considera ainda que “as inconstitucionalidades invocadas não têm qualquer cabimento”, atendendo ao disposto no Acórdão do Tribunal Constitucional no processo n.º 197/2016 [“Acórdão [...] proferido na sequência da decisão arbitral do já aqui aludido processo n.º 465/2015-T, o qual julgou improcedente o pedido da Autora A..., SGPS, (a aqui ora Requerente), por referência ao exercício de 2011, em situação idêntica à dos presentes autos”], dado que o referido Aresto “não julgou inconstitucionais diversas interpretações normativas, relativas à tributação autónoma, retiradas das alíneas a) e b) do n.º 13 e do n.º 14 do art.º 88.º do CIRC” e “a aqui Requerente [veio] novamente suscitar a constitucionalidade das mesmas normas utilizando uma ‘nova roupagem’ aos argumentos já aduzidos e suscitados junto do Tribunal Constitucional, que em nada alteram a ratio e o espírito das normas”.
7. Acrescenta a Requerida que, quanto à “pretensão [da Requerente] na dedução dos créditos fiscais gerados por benefícios fiscais, in casu, SIFIDE, RFAI e CFEI, à colecta produzida pelas tributações autónomas”, também a mesma “necessariamente falecerá, porquanto, a mesma já foi decidida pelo processo n.º 10/20.1BALSB, de 08/07/2020, proferido pelo pleno da secção de contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA), o qual veio a uniformizar a jurisprudência no tocante a esta temática [...] [em] sentido contrário ao preconizado pela Requerente.”
8. Por último, a Requerida discorda do pagamento dos peticionados juros indemnizatórios e, mesmo que fossem admitidos, alega que “o seu cômputo teria como termo inicial as datas em que ocorreu a notificação da decisão que indeferiu o procedimento de reclamação graciosa e, nunca, o momento indicado pela Requerente no seu pedido [20.12.2016].”
9. Pelo exposto, conclui-se que as questões essenciais a decidir nestes autos dizem respeito: i) à avaliação da invocada ilegalidade da tributação autónoma de IRC sobre remunerações variáveis de administradores; ii) à avaliação dos argumentos de alegada inconstitucionalidade que foram invocados pela Requerente; iii) à avaliação do pedido subsidiário da Requerente, relativo a alegada ilegalidade da liquidação de tributação autónoma de IRC por a colecta líquida apurada não ter tido em conta os créditos de IRC disponíveis para dedução à mesma. Da resposta que vier a ser dada às questões anteriores dependerá a resposta a dar iv) ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
IV. Mérito
IV.1. Matéria de facto
10. Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), que exerce a sua actividade económica essencialmente de forma indirecta através da actividade exercida pelas sociedades por si participadas, entregou, a 26.10.2016, uma declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2015 terminado em 30.06.2015, do seu Grupo Fiscal, onde procedeu à autoliquidação de tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores, no montante de € 831.976,25 (base tributável de € 2.377.075,00 (artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC).
B. Juntamente com outros acrescentos ao nível da tributação autónoma, o acrescer do total autoliquidado da mesma, por referência à anterior autoliquidação, de € 1.859,88, para € 1.279.475,08, num total de tributação autónoma acrescida, isto é, autoliquidada pela primeira vez em 26.10.2016, de € 1.277.615,20.
C. O valor da referida liquidação adicional de tributação autónoma, incluindo tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores, encontra-se pago, conforme comprovativo de pagamento comunicado à AT de € 1.301.812,45, onde se computa, a subtrair, as diminuições de imposto aí referenciadas, resultantes desta declaração de substituição.
D. Constata-se que, quer no exercício de 2015 que termina em 30.06.2015, quer nos exercícios dos 5 anos anteriores a 2015 (2010-2014), quer nos 5 exercícios posteriores (2016-2020), os resultados/lucro consolidado do exercício da A... foram sempre na ordem das dezenas ou centenas de milhões de euros.
E. A condição que determina que o pagamento de bónus aos administradores da Requerente teria de ser diferido para momento posterior segundo o disposto na alínea b) do n.º 13 do art. 88.º do CIRC não se verificou, conforme se pode comprovar pela leitura do Doc. 33 apenso aos autos, relativo aos bónus atribuídos a administradores no exercício de 2015.
F. No exercício fiscal aqui em causa observam-se € 5.918.585,12 em créditos de IRC decorrentes do regime fiscal contratual de incentivos ao investimento produtivo (grandes projectos de investimento), € 5.719.040,89 em créditos de IRC decorrentes do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), € 496.652,86 em créditos de IRC decorrentes do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), e € 360.635,80 em créditos de IRC decorrentes do regime do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), num total de € 12.494.914,67 (quadro 7 do Anexo D).
G. A Requerente, na sua qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal B..., procedeu à autoliquidação do IRC (relativo ao exercício de 2015 terminado a 30/6/2015) em 30/11/2015, mas, não conformada com a mesma, decidiu interpor reclamação graciosa (Processo n.º...2018...) contra a referida autoliquidação (n.º 2016...), e, do seu indeferimento (que foi notificado à Requerente em 13/2/2019, por Ofício n.º..., de 12/2/2019), recorreu hierarquicamente, sem sucesso.
H. Tendo sido notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico e não se conformando com a mesma, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 22/2/2021.
IV.2. Factos não provados
11. Inexistem factos não provados com relevo para a apreciação do mérito da causa.
IV.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
12. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
13. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
14. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.
IV.4. Matéria de direito
15. A legitimidade e tempestividade do pedido de constituição de Tribunal Arbitral
15.1. O Tribunal Arbitral em matéria tributária tem competência, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar pretensões atinentes à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, incluindo de autoliquidação.
15.2. Neste sentido, o tribunal arbitral é competente para apreciar a legalidade da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2015 terminado em 30.06.2015, do Grupo Fiscal B..., no segmento relativo a parte das tributações autónomas adicionadas em 26 de Outubro de 2016 (tributação autónoma sobre remunerações variáveis e dedução de créditos de IRC à tributação autónoma em IRC).
15.3. É assim competente para decidir da legalidade das tributações autónomas que ascende a € 1.277.615,20 (montante liquidado adicionalmente em 26.10.2016, no qual se inclui já a tributação sobre remunerações variáveis), quanto à previsão e estatuição da norma de incidência objectiva de tributação da tributação autónoma, cujos pressupostos importa verificar com vista à sua concreta aplicação.
16. O pagamento subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% e por um período mínimo de três anos.
16.1. A questão em apreço prende-se com a interpretação a dar à 2.ª parte da alínea b) do n.º 13, do artigo 88.º do CIRC, no sentido de se determinar se é aplicável a exclusão de tributação autónoma aí prevista aos bónus atribuídos aos representantes ou gestores do estabelecimento estável do Requerente, quando não efectuado o “diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos”.
16.2. A jurisprudência arbitral tem apresentado argumentos no sentido de melhor interpretar a expressão “diferimento (…) por um período mínimo de três anos”. No Processo n.º 235/2019-T, é entendimento do tribunal que o pagamento da parte diferida apenas pode ocorrer após o decurso de um período mínimo de 3 anos. A expressão diferimento deve ser interpretada no sentido de o pagamento dever ser efectuado ao longo de um período mínimo de 3 anos.
16.3. A norma fiscal aqui em debate tem por base normas de natureza não fiscal, mais concretamente normas de direito bancário e, de modo particular, a Diretiva n.º 2013/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, designada de Capital Requirements Directive (“CRD IV”), a qual contém normas relativas aos requisitos em matéria de governo societário, prevendo um sistema de pagamento diferido dos bónus e outras remunerações variáveis ao longo de um período mínimo de tempo condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.
16.4. A tributação autónoma apenas será afastada se verificados cumulativamente os dois requisitos constantes da segunda parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, a saber: se uma parte não inferior a 50% do pagamento for diferido por um período mínimo de três anos e se o pagamento estiver condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.
16.5. A expressão “diferimento (…) por um período mínimo de três anos” deve ser interpretada no sentido de o pagamento da parte diferida apenas poder ocorrer após o decurso de um período mínimo de 3 anos e não pode dissociar-se do desempenho positivo da sociedade nesse período.
Tal questão já foi objecto de apreciação na decisão arbitral n.º 545/2016-T que entendeu que os dois requisitos cumulativos para exclusão da tributação autónoma em análise devem ser analisados tendo em conta a relação que estabelecem entre si. Sem a verificação destas duas condições não há exclusão tributária. Só no final do período de três anos de desempenho positivo e do diferimento por um período mínimo de 3 anos é que se pode concluir se está verificada a condição de exclusão de tributação autónoma.
16.6. Esta delimitação negativa está assim dependente da verificação de desempenho positivo e do diferimento do pagamento da totalidade e não das prestações desse pagamento no final desse período. Ou seja, a norma sub judice exige que o pagamento de pelo menos metade dos bónus seja diferido no seu todo por um período mínimo de três anos e não que seja diferido por um período de três anos apenas o pagamento de uma parte ou proporção daquele montante.
16.7. Em conclusão, resulta da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC que mais de 50% do pagamento tem que ter ficado suspenso por um período de 3 anos, por estar condicionado à verificação, no final desse período, do desempenho positivo da sociedade. É também entendimento deste Tribunal que o pagamento da dita remuneração deve ser feito posteriormente em regime diferido, sendo que tal condição não se verificou, conforme resulta do Doc. 33 apenso, relativo aos bónus atribuídos a administradores no exercício de 2015.
16.8. Por último, deve notar-se que, embora Acórdãos recentes do STA, como o Acórdão de 9/12/2020 (Proc. 02/20.0BALSB) ou o Acórdão de 20/1/2021 (Proc. 05/20.5BALSB) (ambos com votos de vencido), tenham fixado o entendimento de que o “requisito previsto na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC para a exclusão da Tributação Autónoma sobre bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes e relativo ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % do pagamento daquelas remunerações por um período mínimo de três anos deve considerar-se cumprido numa situação [...] em que o pagamento de uma parcela correspondente a 50% daquelas remunerações foi diferido de forma proporcional ao longo de um período de três anos”, fazem-no não porque não considerem ser válida a interpretação alternativa (do diferimento para o termo de três anos) mas antes porque, como a Recorrente era, em ambos os casos presentes ao STA, uma instituição bancária, se considerou que a interpretação do requisito “que se revela[ria] actualmente obrigatória”, nesse contexto, seria a supra indicada atendendo ao disposto no art. 115.º-E do RGICSF. Com efeito, leia-se o seguinte excerto de um dos arestos mencionados: «nenhuma crítica se pode apontar à decisão arbitral recorrida quando esta afirma que qualquer uma das interpretações veiculadas a respeito da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC (v.g., diferimento durante três anos e diferimento para o termo de três anos) “cumpre com o sentido e objectivos” da norma [...]. [...] neste particular contexto [de Direito Bancário] [...] cumpre ainda chamar à colação a regulamentação específica a que foi sujeita a política de remunerações aplicável ao sector bancário, com alterações introduzidas ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) por força da transposição da Directiva n.º 2013/36/EU [...] para o ordenamento jurídico nacional (através do Decreto-lei n.º 157/2014, de 24 de Outubro). E isto porque o n.º 7 do artigo 115.º-E daquele Regime Geral [...] [refere que] dev[e] ser respeitado o seguinte: [...] “O direito ao pagamento da componente variável da remuneração sujeita a diferimento deve ser atribuído numa base proporcional ao longo do período de diferimento” [Sublinhado no texto original] [...]. [...] sendo a interpretação do disposto na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC realizada pelo Tribunal Arbitral na decisão recorrida admitida pela letra da lei, a mais conforme com as boas práticas defendidas para o governo das sociedades e, por fim, estando em causa uma instituição bancária e a interpretação que se revela actualmente obrigatória ao abrigo do disposto no artigo 115.º-E do RGICSF, não é merecedora de censura a decisão arbitral que julgou que a remuneração variável atribuída no caso sub judice deveria estar excluída de Tributação Autónoma em virtude de o pagamento de uma parcela correspondente a 50% do respectivo montante ter sido diferida de forma proporcional ao longo de um período de 3 anos.» (Acórdão de 20/1/2021, Proc. 05/20.5BALSB) (Sublinhados nossos.)
17. A condição de «desempenho positivo da sociedade ao longo do período de três anos»
17.1. A condição material para a atribuição de bónus aos administradores está dependente do desempenho positivo da sociedade ao longo do período de três anos. Sem a verificação desta condição não há qualquer exclusão tributária, seja qual for a forma e o momento em que se efectua o respectivo pagamento. Portanto, é só no final do período de três anos que se pode concluir se está verificada a condição de exclusão de tributação autónoma traduzida naquele desempenho positivo (cfr. processo n.º 545/2016-T).
17.2. A condição de desempenho de uma sociedade é vista em função dos seus resultados. Esses resultados têm por base o resultado líquido do período previsto na “classe 8 – resultados” do Quadro de Contas do SNC. Este resultado líquido é também a medida que serve de base para a determinação do lucro tributável das sociedades, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do CIRC.
17.3. A intenção é de tributar os bónus que não tenham uma correspondência com os resultados da sociedade e assim desincentivar o pagamento de remunerações variáveis que não geram na empresa a riqueza que os justifique.
17.4. Tal como esclarece o Acórdão n.º 197/2016 do Tribunal Constitucional, «(…) No caso da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º, a intenção da lei parece ser a de sujeitar a tributação autónoma as remunerações variáveis que se não encontrem associadas a critérios de produtividade».
17.5. Esta ligação das remunerações variáveis aos lucros das sociedades encontra-se também prevista no artigo 399.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), que dispõe que aquelas remunerações consistem «numa percentagem dos lucros de exercício», as quais estão dependentes da situação económica da sociedade e do equilíbrio entre os interesses dos accionistas e dos administradores.
17.6. Este conceito de «desempenho positivo da sociedade» assenta na demonstração de resultados, em concreto no resultado líquido do período.
17.7. Não obstante a sociedade ora Requerente apresentar resultados económicos positivos ao longo de anos, tem apurado prejuízo fiscal ano após ano, com excepção do exercício fiscal aqui em causa.
17.8. De acordo com a Requerente, quer no exercício de 2015 que termina em 30.06.2015, quer nos exercícios posteriores até à data, incluindo os três exercícios subsequentes ao exercício de 2015 que termina em 30.06.2015, os resultados/lucro consolidado do exercício da A... “foram sempre altamente positivos, numa escala ou ordem de grandeza superior à centena de milhão de euros”.
17.9. Com efeito, não obstante esta sociedade, segundo a Requerente, ter resultados económicos “excelentes, ao longo de muitos e ininterruptos anos, porque por razões legais ligadas ao modo como tecnicamente se apura a sua base tributável - onde se excluem, por exemplo, os dividendos recebidos das suas participadas para evitar uma dupla tributação, e onde se exclui igualmente a imputação contabilística dos resultados das suas participadas -, tem apurado prejuízos fiscais (o exercício aqui em causa foi a excepção)”. Apesar de uma “óptima saúde económica e financeira, sempre teve uma actividade altamente bem-sucedida, mas tecnicamente computa normalmente um prejuízo fiscal ano após ano (com a excepção do exercício fiscal aqui em causa)”.
17.10. Em consequência, foi-lhe aplicado um agravamento de 10 pontos percentuais à taxa de 35% da tributação autónoma sobre remunerações variáveis suportada pela Requerente (passando assim para 45%), bem como a todas as outras taxas de tributação autónoma (com a excepção do exercício fiscal aqui em causa).
17.11. Sobre esta questão do desempenho positivo, importa recordar a recomendação da CMVM de que a remuneração dos membros dos órgãos sociais da sociedade deve ficar dependente do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período (cfr. Recomendação III.4 do Código de Governo das Sociedades da CMVM). Esta remuneração variável deve ser determinada de acordo com “critérios mensuráveis prédeterminados” e estar associada ao real crescimento da empresa, bem como à “riqueza efectivamente criada para os accionistas” (cfr. Acórdão do STA de 9/12/2020, Proc. 02/20.0BALSB). Como esclarece Nuno Miguel Morujão [“Comentário ao Acórdão 545/2016-T do Tribunal Arbitral do CAAD (sobre a tributação autónoma incidente em remunerações variáveis de gestores)” in Revista de Arbitragem Tributária, n.º 9, Junho de 2018, pp. 16 a 23], o pagamento da remuneração variável está dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade e da criação de valor de forma sustentada.
17.12. Aponta neste sentido o citado Acórdão do STA de 9/12/2020, ao referir que o objectivo do legislador fiscal aquando da adopção do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC foi «“a sujeição parcial das remunerações variáveis a critérios de produtividade [...]”, utilizando-se “a política fiscal para pressionar (ao tributar de forma agravada) as sociedades a adotar as melhores práticas de governação das sociedades”. No mesmo sentido já se tinha, aliás, pronunciado o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 197/2016, proferido no Processo n.º 465/2015, ao afirmar que “no caso da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º, a intenção da lei parece ser a de sujeitar a tributação autónoma as remunerações variáveis que se não encontrem associadas a critérios de produtividade, isso porque se excecionam da tributação aquelas situações em que o pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.”»
17.13. Cabe destacar, ainda, a parte em que, no referido Acórdão do STA, se refere que, para lá dos requisitos específicos definidos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do art. 115.º-E do RGICSF, esse número estabelece que uma parte substancial da componente variável da remuneração e a duração do período de diferimento “devem ser fixados em função do ciclo económico, da natureza da atividade da instituição de crédito, dos seus riscos e da atividade do colaborador em questão [...]”. I.e.: as componentes variáveis da remuneração devem depender de critérios de desempenho objectivo pré-definidos e mensuráveis, indexados à avaliação de desempenho.
17.14. No caso em apreço, como já se mencionou, a Requerente apurou na declaração periódica um prejuízo fiscal (quadro 07 do Modelo 22), que foi transportado para o apuramento da matéria coletável (quadro 09). Os prejuízos fiscais relevam para a aplicação do critério de elevação das taxas de tributação autónoma. Não há dúvidas de que o preceito em apreço deve ser interpretado no sentido de “prejuízo fiscal” e não outro (vd. Decisão Arbitral de 24 de abril de 2015 – Proc. n.º 659/2014-T). Releva ainda o facto de a Requerente apresentar-se como se tratando de uma entidade sujeita ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo esta última exclusivamente responsável pelo resultado apurado – após a soma algébrica dos lucros e dos prejuízos das empresas pertencentes àquele perímetro fiscal –, precisamente prejuízo fiscal.
18. Quanto à inconstitucionalidade da norma constante da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC
18.1. Entende a ora Requerente que a liquidação de tributação autónoma de IRC sobre remunerações variáveis de administradores (€ 831.976,25) é indevida por “inverificação de lesão do bem jurídico racionalmente fundado e constitucionalmente legítimo objecto de tutela pela norma em causa”.
18.2. Acrescenta ainda que a norma constante da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC é inconstitucional por violação do direito de propriedade privada previsto no artigo 62.º da Constituição, da liberdade constitucional de iniciativa privada e gestão privada das empresas (art. 80.º, alínea c), da Constituição), e da proibição de intervenção por parte do Estado na gestão das empresas privadas (art. 86.º, n.º 2, da Constituição). E que é também inconstitucional por violação dos artigos 2.º (Estado de direito) e 18.º, n.º 2, da Constituição.
18.3. Não pode a ora Requerente desconhecer (até porque o invoca) o Acórdão do Tribunal Constitucional no processo n.º 197/2016 publicada no Diário da República n.º 99/2016, Série II de 23-05-2016, proferido na sequência da decisão arbitral do já aqui aludido processo n.º 465/2015-T, que julgou improcedente o pedido da Autora A..., SGPS, (a aqui ora Requerente), por referência ao exercício de 2011, em situação idêntica à dos presentes autos.
18.4. Os argumentos apresentados pela Requerente em nada alteram a ratio e o espírito das normas, pelo que não se vislumbra qualquer motivo para o Tribunal Constitucional alterar o entendimento já vertido.
18.5. Caso o legislador tivesse pretendido que a tributação incidisse somente sobre o excesso do valor de € 27.500,00 ou do limite de 25% da remuneração anual, tê-lo-ia reflectido na redacção da norma legal, o que, manifestamente, não aconteceu.
18.6. Está implícita a intenção do legislador de que devem ser consideradas, para efeitos de aplicação da taxa única de 35%, os bónus ou as remunerações variáveis reconhecidas, na sua totalidade, como gasto de determinado período.
18.7. A liquidação de tributação autónoma em IRC sobre remunerações variáveis de administradores não é ilegal. A tributação deve incidir sobre os bónus ou as remunerações variáveis pagas na sua totalidade, aos administradores e gerentes em causa, cujo gasto foi reconhecido contabilisticamente.
18.8. Também não resulta da ratio e do espírito das normas que apenas deve ser tributado o diferencial que excede o valor de € 27.500,00, em que somente o excedente devia ser alvo de tributação.
18.9. A intenção do legislador é a de que devem ser considerados, para efeitos de aplicação da taxa única de 35%, os bónus ou as remunerações variáveis reconhecidas, na sua totalidade, como gasto de determinado período. Tal entendimento encontra-se sancionado pela Decisão Arbitral de 24-04-2015, no Proc. n.º 659/2014-T, que reconhece que, de acordo com os princípios consagrados no art. 11.º da LGT, o legislador consagrou as soluções mais acertadas para evitar comportamentos abusivos.
18.10. Estes limites (25% da remuneração anual do beneficiário e o limite absoluto de € 27.500) determinam, tal como já foi referido, um patamar abaixo do qual não se encontra preenchida a previsão da norma tributária, mas acima do qual já se pode tributar.
18.11. É na sua totalidade que se pretende desincentivar certos comportamentos abusivos e não a partir de certo montante. O objectivo aqui é “evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respectivos beneficiários” (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 407). Faz pouco sentido um regime de tributação autónoma “apenas pela diferença” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016, Processo n.º 465/2015). O intérprete deve presumir que o “legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados” e “que consagrou as soluções mais acertadas.”
18.12. Neste mesmo sentido aponta o já referido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016, proferido no Processo n.º 465/2015, que afirma que a tributação autónoma não põe em causa o princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e o princípio da capacidade contributiva e que as normas dos n.os 13 e 14 do artigo 88.º do CIRC não violam o princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição.
18.13. De referir, também, que a tributação autónoma não interfere no método destinado a determinar os resultados empresariais, nem implica que a matéria colectável que serve de base à tributação em IRC passe a incluir lucros ou rendimentos que a empresa não tenha efectivamente auferido. A tributação autónoma incide sobre certas despesas que tenham sido efectuadas pela empresa e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respectivo exercício económico.
18.14. A taxa aplicável às despesas abrangidas pelo disposto no artigo 88.º, n.º 13, não se adiciona nem se deduz à taxa prevista para a tributação em IRC, pela razão de que estamos aí perante factos tributários distintos e que são objecto de um tratamento fiscal diferenciado. A tributação autónoma não tem um qualquer efeito cumulativo ou dedutível em relação ao IRC e só incide sobre as despesas concretamente efectuadas e não sobre os rendimentos empresariais sujeitos a imposto, e, por conseguinte, ela não tem a consequência de ampliar ou deduzir a tributação autónoma aos rendimentos da empresa.
18.15. O objectivo do legislador é desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa.
18.16. Não existe uma qualquer discriminação em relação a outras classes de profissionais. A medida visa desincentivar as empresas a realizar despesas relativas a remunerações variáveis que, sendo excessivas e não justificadas do ponto de vista empresarial, têm efeitos desfavoráveis na medida em que afetam o lucro tributável das empresas.
19. Sobre a dedução de crédito de IRC à colecta da tributação autónoma em IRC
19.1. Considera a Requerente que a “liquidação de tributação autónoma de IRC é indevida na medida em que a colecta líquida apurada não teve em conta os créditos de IRC disponíveis para dedução à mesma, pretendendo, mais concretamente a dedução dos créditos fiscais gerados por benefícios fiscais, in casu, SIFIDE, RFAI e CFEI, à colecta produzida pelas tributações autónomas”, sendo o valor total de benefícios fiscais na modalidade de dedução à colecta de IRC de € 12.494.914,67 (quadro 7 do Anexo D).
19.2. Não pode ser anulada a autoliquidação da tributação autónoma de IRC ocorrida em 26 de Outubro de 2016, pelo facto de não ser possível os créditos de IRC decorrentes do regime contratual dos grandes projectos de investimento, do SIFIDE, do RFAI e do CFEI serem dedutíveis à colecta em IRC das tributações autónomas. Com efeito, não resulta das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC que os créditos de IRC decorrentes do regime contratual dos grandes projectos de investimento, do SIFIDE, do RFAI e do CFEI sejam dedutíveis à colecta em IRC das tributações autónomas.
19.3. A liquidação das tributações autónomas é feita ao abrigo do art. 88.º do CIRC, sendo apurada de forma autónoma e distinta do apuramento processado nos termos do artigo 90.º do CIRC. A este respeito, ver a Decisão Arbitral de 19/2/2019, proferida no Processo n.º 402/2018-T: “Os sentidos das respectivas normas - desagravamento via BFs / agravamento via TAs - são pois antagónicos. Pelas primeiras o legislador visa incentivar comportamentos do SP, pelas segundas visa desincentivar comportamentos do SP. Pelas razões subjacentes que já ficaram expostas. E sendo que a lógica que atravessa todas as situações de sujeição a TAs é a de o legislador querer tributar mais gravosamente a realização dessas despesas pelo SP sempre que o mesmo esteja isento ou apresente prejuízos”.
19.4. Esta questão da dedução dos créditos gerados por benefícios fiscais, em caso de insuficiência de colecta de IRC, à colecta produzida por tributações autónomas, foi objecto de um Recurso para Uniformização de Jurisprudência nos termos do n.º 1 do art. 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do n.º 2 do art. 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro).
19.5. O Supremo Tribunal Administrativo veio uniformizar a jurisprudência no que respeita à seguinte questão fundamental de direito decorrente do artigo 88.º do CIRC, no Acórdão de 8/7/2020 (Processo n.º 10/20.1BALSB), proferido pelo pleno da secção de contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo, o qual veio uniformizar a jurisprudência no que respeita à questão fundamental de direito da dedução à colecta dos créditos gerados por benefícios fiscais, “no sentido de que não são admitidas deduções à colecta das tributações autónomas relativas aos montantes apurados a título do benefício fiscal.”
19.6. Não podem os créditos gerados por benefícios fiscais (in casu, SIFIDE, CFEI, RFAI) ser deduzidos à colecta produzida pelas tributações autónomas em caso de insuficiência de colecta de IRC, no sentido de que não são admitidas deduções à colecta produzida por tributações autónomas de créditos gerados por benefícios fiscais.
19.7. Ainda sobre esta matéria, concluiu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão supra citado, que: “I – As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste. II – Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei, designadamente, está excluída a possibilidade de dedução dos montantes apurados a título do benefício fiscal SIFIDE II, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010. III – Esta interpretação normativo-legal dos preceitos tributários do CIRC e do Regime legal do SIFIDE II não foi alterada com a introdução do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC por efeito da aprovação da Lei n.º 7-A/2016.”
19.8. Analisando a questão da tributação autónoma à luz do princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e do princípio da capacidade contributiva, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 197/2016, subscreveu o entendimento (que estava presente, por ex., no Ac. do STA de 12/4/2012, Proc. 077/12) de que “a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente”.
19.9. As taxas de tributação autónoma têm natureza de normas anti-abuso e destinam-se a desencorajar “uma diminuição da carga fiscal mediante a dedução de custos que se presume não serem determinados por uma causa empresarial”. Por isso, e tal como afirmado na Decisão Arbitral de 25/11/2020, proferida no Processo n.º 275/2020-T, “admitir que os créditos fiscais resultantes de situações de incentivo ou benefício fiscal pudessem neutralizar o efeito sancionatório da tributação autónoma seria desvirtuar o próprio conceito de benefício fiscal e os princípios da capacidade contributiva e da justa repartição da carga fiscal”.
19.10. Em face do exposto, não se vislumbra qualquer motivo para alterar o entendimento vertido nas várias decisões judiciais e arbitrais supra referidas.
20. Do direito a juros indemnizatórios
20.1. Tendo o apuramento do imposto sido efectuado pela própria Requerente, só deverá ser reconhecido à Requerente o direito a indemnização pelos prejuízos resultantes do pagamento pela Requerente de imposto se o erro for imputável aos Serviços.
20.2. O erro é imputável à AT após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que a AT toma uma decisão sobre a situação do contribuinte.
20.3. Ora, não havendo nenhum erro imputável aos Serviços, não deverá ser reconhecido à Requerente o direito a indemnização pelos prejuízos resultantes do pagamento pela Requerente de imposto devido.
20.4. Sobre esta questão, Jorge Lopes de Sousa declara que, «Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos» (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 52).
20.5. A Requerente não suportou imposto em montante superior ao legalmente devido, pelo que, declarada a legalidade da autoliquidação de IRC referente às taxas de tributação autónoma, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT. Com efeito, não se considerando verificado que o montante de imposto (tributação autónoma em sede de IRC) foi indevidamente pago, não devem, consequentemente, ser pagos os peticionados juros indemnizatórios.
20.6. Em conclusão, não sendo anulada ou declarada a ilegalidade da autoliquidação de IRC referente às taxas de tributação autónoma, não se considera verificado o erro imputável aos Serviços para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios, dada a não existência de prejuízos resultantes do pagamento de imposto devido.
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, absolver a Requerida de todos os pedidos (de declaração de ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico e da precedente reclamação graciosa, bem como da autoliquidação de IRC, incluindo as taxas de tributação autónoma em IRC de € 1.277.615,20, de reembolso da quantia referida e de pagamento de juros indemnizatórios).
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 1.277.615,20 (um milhão duzentos e setenta e sete mil seiscentos e quinze euros e vinte cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do RCPAT.
VII. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 17.136,00 (dezassete mil cento e trinta e seis euros), a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
• Notifique-se.
Lisboa, 29 de Dezembro de 2021.
Os Árbitros,
(José Poças Falcão)
(José Campos Amorim)
(Miguel Patrício)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.