DECISÃO ARBITRAL
I - Relatório
1. A... Lda., titular do número de identificação de pessoa coletiva..., com sede na ..., ..., KM..., ......, (doravante designado por “Requerente”) apresentou, em 16-04-2021, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial de dois atos de liquidação do Imposto sobre Veículos (ISV) ordenando-se o reembolso da quantia indevidamente paga no valor total de € 4.280,22 (quatro mil duzentos e oitenta euros e vinte e dois cêntimos) acrescida ainda de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até à data do efetivo reembolso.
3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (adiante designada por “Requerida”).
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 19-04-2021.
5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exma. Senhora Dr.ª Raquel Carvalho e Cunha que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
6. A Requerente foi notificada, em 09-06-2021, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
7. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 29-06-2021.
8. A Requerida foi notificada através do despacho arbitral, de 30-06-2021, para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.
9. Por despacho, de 08-09-2021, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD determinou a substituição, como árbitro no presente processo, da Exma. Dra. Raquel Carvalho e Cunha pelo Exmo. Dr. Olívio Mota Amador. O referido despacho foi notificado, em 06-10-2021, à Requerente e à AT e o novo árbitro foi nomeado em 28-10-2021.
10. O Tribunal Arbitral por despacho, de 16-12-2021, determinou: (i) apesar da AT não ter apresentado Resposta deve remeter a este Tribunal o Processo Administrativo; (ii) considerar-se habilitado a decidir a matéria de facto com os elementos que já constam dos autos sem necessidade de produção de prova testemunhal; (iii) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade processuais, de acordo com o disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, tendo em conta que não foi invocada matéria de excepção, requeridas outras diligências probatórias adicionais, nem existem questões que obstem ao conhecimento do pedido; (iv) notificar as partes para proferirem alegações escritas, caso queiram, no prazo de 10 dias, com caracter sucessivo, a partir da notificação do presente despacho; (v) prorrogar, nos termos do disposto do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, o prazo para a prolação da decisão arbitral; (vi) notificar a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até à data indicada na alínea anterior.
11. O Tribunal por despacho, de 30-12-2021, notificou a AT para remeter com urgência o Processo Administrativo.
12. A Requerida remeteu, em 04-01-2021, o Processo Administrativo e apresentou, em 07-01-2021, as alegações.
13. A Requerente não apresentou as alegações.
14. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral é, em síntese, a seguinte:
14.1. A Requerente introduziu em Portugal, em 31-08-2018, o veículo automóvel de passageiros, usado, marca ..., proveniente da Alemanha a que foi atribuída a matrícula ... .
14.2. A Requerente introduziu em Portugal, em 22-07-2020, o veículo automóvel de passageiros, usado, marca ..., proveniente da Alemanha a que foi atribuída a matrícula ... .
14.3. Quanto aos dois veículos, identificados nas alíneas anteriores, a Requerente procedeu à liquidação do ISV no valor total de € 14.102,45 (€4.857,36+€9.245,09), desse montante € 7.002,72 corresponde ao valor da componente cilindrada e € 8.414,49 corresponde ao valor da componente ambiental.
14.4. Relativamente à componente cilindrada aquele valor foi deduzido da redução resultante do número de anos de uso dos veículos no valor de € 6.952,84.
14.5. Apesar da Requerente ter procedido ao pagamento do ISV, sem o que não poderia legalizar os veículos para poder circular em Portugal, considera que as liquidações efetuadas do ISV estão feridas de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2.
14.6. Efetivamente, a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos (a seguir abreviadamente designado por “CISV”) – viola o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).
14.7. À data da criação do ISV, em 2007, o legislador nacional considerou que os veículos usados admitidos em Portugal, provenientes de outros Estados-membros, apenas se desvalorizavam, relativamente aos veículos novos, após 1 ano de uso e que a partir do 5 ano não sofriam mais nenhuma desvalorização.
14.8. Considerar que um veículo proveniente de um Estado-membro só sofria uma desvalorização ao fim de um ano, não respeitava a realidade do mercado automóvel e penalizava injustificadamente os veículos usados importados. O mesmo se diga relativamente aos veículos com mais de cinco anos de uso, porque um veículo com mais de cinco anos continua a desvalorizar-se nos anos seguintes.
14.9. Acresce ainda que na redação inicial o artigo 11.º do CISV esta redução apenas se aplicava à componente cilindrada dos veículos e não à componente ambiental (CO2) provocando, por este motivo, um critério desigual no cálculo do ISV relativamente a veículos usados matriculados em Portugal e aos veículos admitidos em Portugal, matriculados noutros Estados-membros. Já que, relativamente aos veículos originariamente matriculados em Portugal, a desvalorização incidia sobre as duas componentes. Daí resultava que um veículo usado proveniente de outro Estado-membro pagasse mais ISV, relativamente aos veículos idênticos matriculados em Portugal.
14.10. Na sequência da instauração pela Comissão Europeia de um processo por infração com o n.º 2009/2296 contra a República Portuguesa, o legislador português antecipando a instauração de uma ação de incumprimento pela Comissão Europeia aprovou uma alteração ao Código do ISV e pôs termo à ilegalidade que esteve na origem deste processo por infração.
14.11. Com esta alteração ficou resolvida uma parte da ilegalidade não ficando, contudo, sanada a ilegalidade que dizia respeito à desvalorização dos veículos até final do 1.º ano de uso e após os 5 anos de uso. A manutenção desta divergência levou à instauração pela Comissão Europeia de uma ação por incumprimento contra a República Portuguesa, que correu termos sob o n.º C-200/15.
14.12. O Acórdão do Tribunal de Justiça, em 16-06-2016, declarou o incumprimento pela República Portuguesa do artigo 110.º do TFUE, tendo o legislador nacional introduzido nova alteração no CISV, através da Lei do Orçamento do Estado para 2017, alargando as percentagens de redução ao 1 º ano de uso do veículo e prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso. Só que foi introduzida uma outra alteração bem mais gravosa para o cálculo do ISV.
14.13. Assim, com a nova redação dada ao artigo 11.º do CISV, que esteve na base da liquidação do ISV pago pelo Requerente, voltou-se a limitar a aplicação das percentagens de redução para calculo de ISV apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2) o que viola frontalmente o artigo 110.º do TFUE, porque permite que o Fisco cobre um imposto sobre os veículos importados, com base num valor superior ao valor real dos veículos, onerando-os com uma tributação fiscal superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.
14.14. Esta ilegalidade foi objeto de queixa apresentada, em 20-07-2017 junto da Comissão Europeia e deu origem à instauração de um processo de infração contra Portugal, sob o n.º CHAP (2017) 2326, no qual foi emitido um parecer fundamentado pela CE, na sequência do qual foi interposta, em 23-04-2020, contra Portugal uma nova ação no Tribunal de Justiça da União Europeia, que corre os termos com o n.º C-169/20.
14.15. O reconhecimento desta ilegalidade levou o legislador nacional através da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a alterar o artigo 11.º do CISV mediante a qual reintroduziu nesta nova redação uma tabela de desvalorização pelo número de anos de uso dos veículos também relativamente à componente CO2.
14.16. Esta alteração não repõe a legalidade na sua plenitude, já que a percentagem de desvalorização desta componente é menor, relativamente à componente cilindrada, mantendo uma discriminação negativa dos veículos usados introduzidos em Portugal. Só que existe claramente um reconhecimento da ilegalidade da anterior redação daquela norma legal, reconhecimento esse em clara contradição com a posição que a AT tem mantido nas liquidações do ISV.
14.17. Todavia se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no artigo 110.º do TFUE deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado nos seguintes termos: a norma constante do artigo 11.º do CISV, viola ou não o disposto no referido artigo do Tratado, porquanto discrimina negativamente os veículos usados admitidos no espaço português, provenientes de um outro Estado membro, relativamente aos que são matriculados e comercializados em Portugal.
14.18. Em suma, os cálculos do ISV constantes das DAVs relativas aos dois veículos, quanto à componente cilindrada demonstram que o ISV foi liquidado pelo valor € 7.002,72 enquanto na componente ambiental foi liquidado por € 8.414,49, sem qualquer redução. Ora, deveria ter sido também aplicada à componente ambiental a redução aplicada à componente cilindrada, que totalizaria € 4.280,22. Dessa forma baixaria o valor relativo desta componente ambiental para o valor de € 4.134,27 e o respetivo ISV global baixaria para o valor de € 9.822,23. Assim, deve ser restituído à Requerente o montante de € 4.280,22 acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da LGT.
15. A posição da Requerida expressa nas alegações pode ser sintetizada no seguinte:
15.1. Entende a Requerida que ainda que o pedido de anulação parcial das liquidações impugnadas venha a ser por esse douto tribunal julgado procedente, o que se prevê que venha a acontecer visto que, por despacho de 30-12-2021 do Diretor da Alfândega de Peniche, foram revogados os atos tributários em crise entende a Requerida que não poderá o pedido de juros indemnizatórios, também peticionados, proceder nos termos invocados pela Requerente.
15.2. Efetivamente peticionando-se o pagamento de juros indemnizatórios “desde o pagamento indevido até que ocorra o reembolso”, ao abrigo do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, há que considerar o facto de o pedido arbitral ter sido efetuado na sequência de um pedido de revisão oficiosa que a Requerente apresentou junto da Alfândega de liquidação.
15.3. Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributaria em montante superior ao legalmente devido. O mesmo artigo dispõe na alínea c) do n.º 3 que são igualmente devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.
15.4. Deste modo, e seguindo jurisprudência assente do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente a constante dos Acórdãos de 11-12-2019, no Processo n.º 058/19.9BALSB, e de 20-05-2020, no Processo 05/19.8BALSB, entende-se que os juros indemnizatórios só seriam devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto.
15.5. No mesmo sentido já se pronunciou o tribunal arbitral, designadamente na decisão proferida no processo n.º 296/2020-T.
15.6. Nestes termos, atendendo a que o pedido de revisão foi apresentado junto da alfândega competente em 21-12-2020, no caso concreto só há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios a partir de 21-12-2021, data em que, face ao estabelecido na lei, o contribuinte adquire o direito ao seu recebimento.
II – Saneamento
16. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O pedido de pronuncia arbitral é tempestivo.
Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer.
Não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
III - Matéria de facto
17. Factos dados como provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A) A Requerente apresentou a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) 2018/..., de 31/08/2018, na qual declarou o veículo da marca ..., movido a gasolina, n.º de motor ..., cilindrada 1984 cc e com emissão de gases CO2 de 160 g/km e de emissão de partículas 0.0006 g/km.
B) O veículo, identificado na alínea anterior, é proveniente da Alemanha (data da 1ª matrícula: 11-07-2016) entrou no território nacional, em 07-08-2018, com 18371 kms percorridos, tendo sido emitida, em 31-08-2018, a matrícula ... pelo Instituto de Mobilidade dos Transportes – Direção Regional Lisboa Vale Tejo.
C) No Quadro R da DAV, identificada na alínea A) supra, foi efetuado o cálculo do ISV, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), tendo sido apurado um valor total de € 4.857,36.
D) O montante respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente cilindrada é de € 4.439,04 ao qual foi deduzida a quantia correspondente a 28% do seu montante, ou seja, € 1.242,93, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D, prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, aplicável aos veículos usados.
E) O montante respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental é de € 2.401,48, ao qual não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.
F) A liquidação do ISV, conforme consta do Quadro T da DAV, sob o n.º 2018/...foi efetuada, em 31-08-2018, devendo o montante de € 4.857,36 ser pago até 14-09-2018.
G) A Requerente apresentou a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) 2020/..., de 22/07/2020, na qual declarou o veículo da marca ..., movido a gasolina, n.º de motor ..., cilindrada 2979 cc, com emissão de gases CO2 de 194 g/km. e de emissão de partículas 0.0004 g/km.
H) O veículo, identificado na alínea anterior, é proveniente da Alemanha (data da 1ª matrícula: 24-07-2014) entrou no território nacional, em 20-07-2020, com 45944 kms percorridos, tendo sido emitida, em 22-07-2020, a matrícula ... pelo Instituto de Mobilidade dos Transportes – Direção Regional Lisboa Vale Tejo.
I) No Quadro R da DAV, identificada na alínea G) supra, foi efetuado o cálculo do ISV, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), tendo sido apurado um valor total de € 9.245,09.
J) O montante respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente cilindrada é de € 9.516,52 ao qual foi deduzida a quantia correspondente a 60% do seu montante, ou seja, € 5.709,91, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D, prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, aplicável aos veículos usados.
K) O montante respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental é de € 6.013,01, ao qual não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.
L) A liquidação do ISV, conforme consta do Quadro T da DAV, sob o n.º 2020/... foi efetuada, em 22-07-2020, devendo o montante de € 9.245,09 ser pago até 05-08-2020.
M) A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de ISV, identificadas nas alíneas F) e L) supra.
N) A Requerente, em 21-12-2020, apresentou, junto da Alfândega de Peniche, um pedido de revisão oficiosa dos dois atos de liquidação do ISV, identificados nas alíneas F) e L) supra, que recebeu o n.º ...2020... .
O) Através dos ofícios n.º AP/.../2021 e n.º AP/.../2021, a Requerente foi notificada do projeto de decisão relativo ao pedido de revisão oficiosa dos dois atos de liquidação do ISV para efeitos do direito de audição, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT.
P) A Requerente, em 22-01-2021, exerceu o seu direito de audição.
Q) O Diretor da Alfândega de Peniche, em 18-02-2021, proferiu despacho de indeferimento, no procedimento referido na alínea N), que foi notificado à Requerente através do ofício da Alfândega de Peniche com n.º ..., de 07-04-2021.
R) A Requerente apresentou, em 16-04-2021, o pedido de pronúncia arbitral.
S) O despacho de indeferimento, identificado na alínea Q), foi revogado, em 30-12-2021, por despacho do Diretor da Alfândega de Peniche, com o seguinte teor: “Concordo com a informação. Considerando as recentes Instruções de Serviço n.º 35.158, Série II, de 2021/10/14 e n.º 35.159, Série II, de 2021/11/08, emanadas na sequência do Acórdão de 2.09.2021, do Proc. C-169/20, do TJUE, revogo o despacho de indeferimento que foi proferido bem como a(s) liquidação(ões) em apreço. Ao Setor Automóvel para proceder à subsequente liquidação de substituição da(s) liquidações em causa considerando a desvalorização ambiental no cálculo de ISV e a fim de ser efetuado o reembolso dos montantes pagos em excesso.”
(vd., Despacho exarado na Informação da Alfândega de Peniche, de 30-12-2021, constante do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais, documento que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
T) A Informação na qual o Diretor da Alfândega de Peniche exarou o despacho, identificado na alínea anterior, apresentou as conclusões seguintes:
“Face ao exposto, e caso a presente informação mereça a anuência por parte de V. Exa, sou de parecer de que se deve:
• Reabrir o procedimento de revisão oficiosa n.º ...2020... em consonância com as referidas instruções de Serviço, nomeadamente a Instrução de Serviço n.º 35.158/2021-Série II.
• Deferir o pedido no que respeita a efetuar a liquidação com aplicação dos anos de uso à componente ambiental, considerando assim a desvalorização ambiental no cálculo de ISV, nos termos e em conformidade com o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 2021/09/02, Processo C-169/20.
• Nesta delimitação do procedimento de revisão oficiosa, indeferir o pedido no segmento que respeita ao pagamento de juros nos termos do art.º 43.º da LGT de acordo com as instruções de serviço n.º 35.158- Série II ponto 13, onde se entende que:
“ No âmbito do procedimento de revisão oficiosa do acto tributário previsto no art.º 78.º n.º 1 da LGT não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, salvo se se verificar a circunstância estabelecida na aln. c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, que estabelece que, são devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.".
• No que concerne à concretização, enviar a presente informação, caso mereça a anuência de V.Exa., ao sector Automóvel para proceder às diligências necessárias para o seu cumprimento - anulação parcial das liquidações;
• No que respeita à notificação do Requerente, tendo por referência que o mesmo deduziu pedido de constituição de Tribunal Arbitral, proceder ao envio do respectivo processo administrativo à competente DSCJC, incluindo cópia das DAV’s já corrigdas com o montante do imposto que será processado e reembolsado pelo SFA2.”
18. Factos dados como não provados
Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
19. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.
Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e a prova documental, junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Na formação da convicção do Tribunal quanto à prova foram ainda relevantes o processo administrativo instrutor bem como os demais documentos juntos aos autos e que o Tribunal analisou criticamente em conjugação com a posição do Requerente expressa no pedido de pronuncia arbitral e a posição da Requerida constante das alegações e do processo administrativo instrutor.
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou, em qualquer caso, cuja apreciação seria inútil (vd., artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
20. Cumulação de pedidos
O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a duas liquidações de ISV.
Considerando o disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT e atendendo à identidade dos factos tributários, e aos idênticos fundamentos de facto e de direito invocados, o Tribunal considera que nada obsta à cumulação dos presentes pedidos.
IV. Matéria de Direito
21. A principal questão decidenda nos presentes autos arbitrais diz respeito a saber se o disposto no artigo 11.º do CISV, mais precisamente as percentagens de redução constantes da Tabela D do n.º 1 que apenas incidem sobre a componente cilindrada excluindo a componente ambiental (emissão de CO2), ao contrário do que sucede com os veículos usados já matriculados no território nacional, viola ou não o direito da União Europeia, e, consequentemente, se a liquidação impugnada se encontra, ou não, ferida de ilegalidade.
22. Conforme resulta da matéria provada (vd., alíneas S) e T) do n.º 17 supra) a AT revogou o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e, em consequência, deferiu o referido pedido no sentido de considerar a desvalorização ambiental no cálculo do ISV, nos termos e em conformidade com o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 2021-09-02, Processo C-169/20. Este facto, que ocorreu na pendência do processo arbitral, torna inútil o prosseguimento da lide relativamente ao mérito das pretensões formuladas pela Requerente.
A prática posterior do ato expresso de revogação das liquidações impugnadas, nos termos previstos no artigo 79.º, n.º 1, da LGT, implica que a instância relativamente à apreciação da legalidade dessas liquidações se extingue por inutilidade superveniente da lide. Efetivamente, dado que foram eliminados os efeitos dos atos de liquidação de ISV pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação a tais liquidações, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objeto a pretensão impugnatória contra elas deduzida nos presentes autos arbitrais.
A inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC. Sendo o CPC de aplicação subsidiária em relação ao processo arbitral tributário, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Nestes termos, este Tribunal julga verificar-se a inutilidade superveniente da lide no que respeita ao pedido de anulação dos atos tributários objeto do presente processo, o que implica a extinção da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
23. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações em causa nos presentes autos arbitrais (vd., alínea M) do n.º 17 supra) e solicita que lhe seja restituído o montante pago e que também que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
Ocorrendo inutilidade superveniente da lide, como se verifica nos presentes autos, e tendo, de acordo com a matéria de facto provada (vd., alíneas S) e T) do n.º 17 supra), o ato anulatório se pronunciado sobre os juros indemnizatórios o presente Tribunal não pode conhecer do pedido de juros indemnizatórios que haja sido oportunamente deduzido sobre esta matéria.
Como ficou consignado na Decisão arbitral, proferida no âmbito do processo n.º 412/2017-T, cuja posição adotamos, as consequências da revogação “ (…) hão-de ser retiradas pela própria Administração; ou, não o fazendo, ou fazendo-o em desconformidade com o entendimento do sujeito passivo, hão-de ser retiradas por decisão dos tribunais. Mas sempre noutra sede que não o processo impugnatório, que se dirige contra um acto, o que pressupõe a existência contemporânea, e não apenas pregressa, desse acto. Face ao RJAT, e dado que estamos no âmbito geral de um contencioso de anulação de actos, é inequívoco que um acto de um dos tipos previstos no artigo 2.º é imprescindível como objecto do processo arbitral, já que neste se visa apurar da sua legalidade ou ilegalidade. Sem um desses actos, falta objecto ao processo, gera-se uma impossibilidade da lide. Não quer isto dizer, todavia, que a Requerente perca o direito a exigir da Requerida os juros de que se acha credora. Este Tribunal é que não pode apreciá-lo no âmbito de uma lide que insubsiste. Não se trata, pois, de um caso de incompetência do Tribunal, porque ele detém competência para anular actos tributários de liquidação e para impor à AT, no respectivo processo, o pagamento de juros indemnizatórios – quando tais actos subsistam e haja lugar a esses juros. Mas tal não é possível porque, nesta acepção, o pedido relativo aos juros indemnizatórios assumiria o papel de pedido principal, independente, e para um tal pedido o artigo 2º do RJAT não atribui competência aos tribunais arbitrais. Efectivamente, nem todos os actos são “susceptíveis de impugnação autónoma” (para usarmos a expressão do art. 10º, 1, a) do RJAT) perante os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo o âmbito dos processos arbitrais mais restrito do que o âmbito dos processos de impugnação judicial que correm perante os tribunais tributários, como resulta do confronto do art. 2º do RJAT com o art. 97º do CPPT.”
24. Importa, por fim, analisar a questão da responsabilidade pelas custas do presente processo arbitral.
24.1. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
24.2. Nos termos do artigo 536.º, n.º 3, do CPC, de aplicação subsidiária em relação ao processo arbitral tributário nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, no caso de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, “(…) a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”. De acordo com o disposto no n.º 4 do mesmo artigo “Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente (…)”.
24.3. Dos presentes autos arbitrais resulta que as liquidações de ISV objeto do presente pedido de pronúncia arbitral só foram revogadas pela Requerida, através do despacho de 30-12-2021, ou seja, após a entrada no CAAD do pedido de constituição do tribunal arbitral, que ocorreu em 16-04-2021. Assim, o presente pedido de pronuncia arbitral foi, de forma causalmente adequada, consequência dos atos de liquidação que constituem o seu objeto, atos esses revogados pela própria AT, que, ao fazê-lo, deu igualmente causa à extinção da lide. Em consequência, entende-se que é a Requerida quem deve ser responsabilizada pelas correspondentes custas, nos termos do artigo 536.º, n.ºs 3 e 4 do CPC.
24.4. Atendendo ao exposto, deve ser imputada à Requerida a responsabilidade pelas custas, na sua totalidade, para efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
V – Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, absolvendo a Requerida da instância;
b) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo no montante abaixo indicado.
VI - Valor do Processo
Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 4.280,22 (quatro mil duzentos e oitenta euros e vinte e dois cêntimos).
VII - Custas
O montante das custas é fixado em € 612,00 (seiscentos e doze euros) a cargo da Requerida, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 19 de janeiro de 2022
O Árbitro
(Olívio Mota Amador)