DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
A. AS PARTES. CONSTITUIÇÂO DO TRIBUNAL. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO.
1. No dia 22 de Março de 2021, A...; contribuinte fiscal nº..., residente na ..., ..., ...-... ... ..., (doravante, abreviadamente, designado por Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), visando a anulação da liquidação de IRS nº 2020..., com referência ao ano de 2016, da demonstração da liquidação de juros e respectiva nota de cobrança, de que resultou imposto a pagar no valor de 51.540,28 euros, efectuadas pela Autoridade Tributária (doravante, designada, abreviadamente, por Requerida)
2. Para justificar o seu pedido alegou o Requerente:
- O Requerente foi notificado para pagar a quantia de 51.540,28 euros, respeitante à liquidação de IRS nº 2020..., do ano de 2016, sendo a data limite de pagamento 20/12/2020.
- No dia 20/12/2020, o Requerente procedeu ao pagamento do montante correspondente a esta liquidação,
- O Requerente, por não concordar com a liquidação, apresentou em 22/03/2021 o presente pedido de pronúncia arbitral, pedindo a sua anulação e consequente restituição do referido montante de 51.540,28 euros, acrescido de juros indemnizatórios desde a data de pagamento.
3 - No dia 23/03/2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT, tendo o Requerente nesta data requerido a junção de documentos e, em 26/03/2021, juntado procuração.
4 – Em 27/04/2021, a Requerida comunicou a designação dos juristas que a representam.
5 - O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular em 12/05/2021, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
6 - Em 12/05/2021, as Partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar.
7 – Em 25/05/2021, a AT requereu a junção de um requerimento a informar ter revogado parcialmente o acto objecto do pedido em 24/05/2021, mantendo-se a qualidade e qualificação de residente na totalidade do ano de 2016, mas reduzindo o valor dos rendimentos obtidos no estrangeiro de 110.158,31 euros para 81.443,41 euros.
8 – Em 25/05/2021, a Requerida solicitou ao Presidente do CAAD a notificação da Requerente para este declarar se pretendia a extinção da instância por ver satisfeito o seu pedido.
9 – Em 25/05/2021, o CAAD notificou o Requerente, na sequência desta comunicação da Requerida, do despacho da mesma data do Presidente do CAAD, para este se pronunciar, querendo, sobre o prosseguimento do processo, face ao circunstancialismo previsto no art. 13º, nº 2 do RJAT, do que foi dado conhecimento à Requerida nessa data.
10 – O Requerente não se pronunciou, prosseguindo, assim, o processo os seus termos.
11- Em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 01/06/2021.
12 - No dia 05/07/2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
13 - No dia 09/07/2021, foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, concedendo um prazo de quinze dias para a apresentação de alegações escritas, sucessivas e facultativas, indicando o termo do prazo para a prolação da decisão arbitral.
14 – Em 25/08/2021, a Requerida juntou o Processo Administrativo (PA).
15 - A Requerente e a Requerida não apresentaram alegações escritas.
16 – Em 29/11/2021, o Tribunal Arbitral prorrogou por dois meses o prazo para a decisão arbitral e sua notificação
17 - Em 18/01/2022 foi proferida a decisão arbitral.
B. PRETENSÃO DO REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS.
- A 19 de junho de 2015, o Requerente celebrou um contrato de trabalho, válido por dois anos, com a empresa B... Ltd (também designada por B...)
- Pelo que, desde 13 de julho de 2015, o Requerente trabalhou na qualidade de “Senior Resident Engineer / Project Manager”, no Projeto “...”, na Libéria.
- Por lapso, o Requerente não atualizou o seu cadastro fiscal para que fosse registado como residente fiscal na Libéria.
- O Requerente residiu na Libéria desde 13 de julho de 2015, em conformidade com o visto de trabalho e, bem assim, com a autorização de residência que lhe foram concedidos pelas autoridades da República da Libéria.
- No período em questão, o Requerente não era residente civil nem fiscal em Portugal.
- Apenas voltando a adquirir a qualidade de residente fiscal em Portugal em julho de 2016.
- No dia 4 de abril de 2017, no cumprimento das suas obrigações fiscais, o Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2016, identificada com o número ....
- Contudo, o Requerente não declarou os rendimentos de trabalho dependente, no montante de € 81. 181,66, pagos pela entidade empregadora do Reino Unido no ano de 2016, pelo trabalho prestado na Libéria.
- Pelo que, na sequência da entrega da referida declaração modelo 3 de IRS, foi o Requerente notificado, através do Ofício n.º ..., de 7 de agosto de 2020, de que “A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tomou conhecimento, através da troca automática de informações fiscais internacionais prevista na Diretiva 2011/16/EU, transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei 61/2013 que, para o ano de 2016, obteve rendimentos de trabalho dependente em REINO UNIDO.”
- E, bem assim, de que “Nos termos do artigo 57º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), está obrigado(a) a apresentar uma declaração Modelo 3 com todos os rendimentos auferidos nesse ano. Muito embora tenha apresentado uma declaração para este ano, não incluiu o anexo J com os rendimentos obtidos no estrangeiro. Sendo residente em Portugal, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 15º do CIRS, está obrigado(a) a declarar todos os rendimentos obtidos no nosso país assim como os obtidos no estrangeiro.”
- Pelo que “Assim, fica notificado(a) para, nos termos do art. 60º da Lei Geral Tributária e no prazo de 15 dias, exercer por escrito o seu direito de audição prévia à efetivação de liquidação adicional de IRS que inclua os rendimentos antes mencionados.”
- Concluindo que “Findo este prazo, caso não exerça o seu direito de participação e a situação não esteja regularizada, a AT vai proceder à alteração dos elementos declarados, com base nos elementos conhecidos, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do art. 65º do CIRS e apurando o imposto em falta.”
- O Requerente exerceu tempestivamente o respetivo direito de audição.
- No âmbito do exercício do seu direito de audição, o Requerente partilhou, em suma, a sua discordância com o montante de € 110.158,31 indicado pela Administração tributária a título de rendimentos de trabalho dependente obtidos no Reino Unido, alegando que o valor que deveria ter sido reportado, caso tivesse sido residente em Portugal, no anexo J da Declaração Modelo 3 de IRS referente a 2016 ascenderia a € 81. 181,66, ao invés daquele montante de € 110.158,31, uma vez que apenas o valor de € 81. 181,66 excluiria as quantias recebidas pelo Requerente relativas a “Overseas Per Diem” na medida em que estas quantias não configurariam um rendimento de trabalho dependente nos termos da legislação fiscal.
- Na sequência do exercício do direito de audição, o Requerente, através do Ofício n.º..., de 5 de novembro de 2020, foi notificado da resposta por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira.).
- Ora, do referido Ofício n.º ..., de 5 de novembro de 2020 resulta que “Fica V. Exa. por este meio notificado que, ao abrigo do n.º 4 do art.º 65º do Código do IRS, que se vai proceder à alteração dos elementos declarados para efeitos de IRS, relativamente aos anos de 2016, conforme fundamentação já remetida para efeitos de audição prévia, enviada pelo ofício nº ... em 07/08/2020.
Veio, em resposta à notificação para audição prévia, apresentar exposição acompanhada de documentos a contestar o montante de € 110.158,31, proveniente de trabalho dependente, auferido em 2016 no Reino Unido. No entanto, concorda que não apresentou o anexo J a declarar o montante de € 81.181,86, alegando que é este valor a ser tributado.”
- E, continua a Administração tributária que “Após análise dos referidos documentos e do alegado na exposição, verifica-se que não foram enviados documentos passíveis de contrariarem os valores comunicados pela Autoridade Fiscal do país onde foram obtidos os rendimentos.”
- Concluindo que “Deste modo, e tendo em conta a informação remetida pelas Autoridades Fiscais do Reino Unido, conclui-se que os elementos enviados, não têm força probatória para efeitos de comprovação inequívoca de que o montante sujeito a tributação em 2016 foi somente de € 81.181,86, tal como é por si sustentado.”
- Acrescenta, ainda, que “Ademais, atendendo ao preceituado nos n.ºs 1 e 4, do artigo 76.º, da LGT, de acordo com os quais as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, fazem fé nos termos da lei, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado, bem como ao facto de este não ter vindo apresentar prova suficiente e cabal em sentido contrário ao informado, só podemos considerar que a informação facultada se encontra correta. Em resultado da alteração acima referida, irá proceder-se à liquidação adicional de Imposto, cuja nota de cobrança lhe será oportunamente remetida pelos Serviços Centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, com a indicação do prazo para o respectivo pagamento, bem como, dos respectivos meios legais de defesa.”
- Nesta sequência, foi o Requerente notificado do ato de liquidação adicional de IRS n.º 2020..., demonstração de liquidação de juros compensatórios, e da respetiva nota de cobrança referente, no valor total de € 51.540,28.
- Não obstante não se conformar com a legalidade da aludida liquidação, pelas razões que adiante melhor se circunstanciarão, em 20 de dezembro de 2020, o ora Requerente procedeu ao pagamento do imposto alegadamente em dívida, no montante de € 51.540,28, regularizando, por conseguinte, a sua situação tributária em Portugal.
- Por não se conformar com o entendimento subjacente à emissão do aludido ato, por o mesmo ser manifestamente ilegal, como adiante melhor se circunstanciará, o ora Requerente apresenta o presente Pedido de Pronúncia Arbitral, para que seja determinada a anulação do mesmo, com as necessárias consequências legais, designadamente a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, calculados à taxa legal, contados desde o dia 20 de dezembro de 2020, data do pagamento indevido do imposto, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, o que desde já se requer.
- De seguida, o Requerente fez uma análise da figura da residência fiscal – em particular da residência fiscal parcial –, em sede de IRS.
- Nos termos do n.º 1, do artigo 13.º do Código de IRS (“CIRS”), ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.
- Por seu turno, dispõe o n.º 1 do artigo 15 do CIRS que “Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.”
- Em sentido complementar, o n.º 2 do mesmo artigo 15.º do CIRS prevê que “Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.”
- E, ainda, o n.º 3 do artigo 15.º do CIRS determina que “O disposto nos números anteriores aplica-se aos casos de residência parcial previstos nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte, relativamente a cada um dos estatutos de residência.”
- A propósito dos critérios para determinação da residência fiscal em território português, o artigo 16.º, n.º 1 do CIRS estabelece que: “1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.”
- A residência é o elemento determinante para sujeitar um cidadão-contribuinte ao poder tributário do Estado, na medida em que se entende que revela uma ligação estável com o território.
- Com efeito, a residência fiscal, a nível internacional, é o elemento de conexão subjetivo por excelência nos ordenamentos fiscais modernos.
- Dendo as pessoas, singulares ou coletivas, titulares de rendimentos de diversas naturezas, obtidos em variados pontos do mundo, e podendo ser residentes em diversos Estados no decurso de um ano, daí poderão surgir conflitos de repartição das competências de tributação entre os Estados.
- Conflitos, estes, que são fruto da plurilocalização dos factos tributários e, bem assim, da pluralidade das residências dos contribuintes.
- No contexto atual de globalização, estes conflitos são cada vez mais comuns, na medida em que tal proporciona uma rede de relações quer profissionais quer pessoais e familiares cada vez mais complexas e dispersas no espaço global.
- Com efeito, a mobilidade das pessoas singulares entre os vários países e jurisdições do globo é cada vez mais frequente.
- Naturalmente, estas novas dinâmicas revelam-se bastante propícias ao surgimento dos designados conflitos “residência-residência”.
- A pensar nestas situações, a Lei n.º 84-E/2014, de 31 de dezembro – que procedeu a uma reforma da tributação das pessoas singulares –, introduziu a figura da residência fiscal parcial, a qual é o resultado da alteração do modo de contagem do período fiscal e dos limites temporais do período relevante para a alteração do estatuto de residente para não residente e vice-versa.
- Com efeito, até à entrada em vigor da referida Lei n.º 84-E/2014, de 31 de dezembro, o estatuto de residente e de não residente era aferido numa base unitária anual.
- Pelo que, com as alterações introduzidas, passou a existir a figura de “residente fiscal parcial”, a qual corresponde a uma pessoa singular a quem se aplicam as regras dos estatutos de residente e de não residente num mesmo ano fiscal.
- Permitindo-se, assim, a atribuição do estatuto de residente e de não residente no mesmo ano.
- A figura da residência fiscal parcial permite excecionar a aplicação a um mesmo sujeito passivo de um único estatuto de residência, aplicável a todo o período de tributação, uma vez que permite fracionar o período de tributação em dois períodos inferiores ao ano civil, fazendo corresponder um estatuto (de residente ou não residente, consoante o caso) a cada fração de tempo do ano fiscal.
- A denominada residência fiscal parcial surge, assim, como uma tentativa para distribuir, no mesmo período fiscal, por mais do que um Estado, o poder ilimitado de tributar o rendimento pessoal.
- Isto significa que, por um lado, as regras de tributação como residente são aplicadas apenas aos rendimentos auferidos no período tributário em que a pessoa singular tenha permanência efetiva em Portugal, aferida pelos critérios do tempo de permanência ou a detenção de habitação que faça supor a intenção de a utilizar como residência habitual.
- E que, por outro lado, as regras de tributação como não residente são aplicadas no período tributário em que a pessoa singular, sujeito passivo de IRS, vem a sair de Portugal, com a particularidade de só haver lugar a tributação em Portugal caso a pessoa singular aufira rendimentos que possam ser considerados localizados em Portugal, nos termos do disposto no artigo 18.º do CIRS.
- Cumpre, ainda, referir que o estatuto de não residente em sede de IRS afere-se com base nas regras de determinação do estatuto de residente, i.e., é não residente uma pessoa singular que não possa ser considerada residente de acordo com as disposições previstas no artigo 16.º do CIRS.
- A propósito do regime da residência fiscal parcial, poder-se-á ler no Ofício Circulado n.º 20176, de 2 de abril de 2015, que “A residência parcial permite que o contribuinte seja considerado residente em território nacional apenas durante uma parte do ano, desde que nele permaneça mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses. O contribuinte também será considerado residente caso, tendo permanecido por um período de tempo inferior a 183 dias, disponha de habitação neste território em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual.”
- E, bem assim, que “Preenchendo estas condições, o contribuinte passa a ser considerado residente em Portugal a partir do 1.º dia de permanência, entendendo-se por dia de presença qualquer dia completo ou parcial que inclua dormida, cessando a residência no último dia de permanência em território nacional.”
- E, ainda, que “O contribuinte deve declarar os rendimentos obtidos em Portugal, bem como os obtidos no estrangeiro, que tenham sido auferidos no decurso do período em que foi considerado residente fiscal em Portugal. Até o primeiro dia de permanência (no ano da chegada a Portugal, ou a partir do último dia de permanência (no ano em que cessa a residência fiscal), apenas deve declarar os rendimentos que, para efeitos de IRS, sejam considerados obtidos em território nacional e para os quais há obrigatoriedade de apresentação de declaração enquanto não residente.”
- Prosseguindo, em termos declarativos, a Declaração de Rendimentos de IRS (“Modelo 3”) foi adaptada no sentido de poder ser indicada a situação de residente parcial e ser efetuada a tributação da pessoa singular em conformidade com esta situação.
- Assim o determina o n.º 6 do artigo 57.º do CIRS, o qual dispõe que “Sempre que, no mesmo ano, o sujeito passivo tenha, em Portugal, dois estatutos de residência, deve proceder à entrega de uma declaração de rendimentos relativa a cada um deles, sem prejuízo da possibilidade de dispensa, nos termos gerais.”
- Feito este breve périplo pelo quadro regulador da matéria controvertida, importa, agora, analisar o caso em apreço, em especial a (i)legalidade do ato de liquidação objeto do presente Pedido.
- Pronunciando-se sobre a alegada ilegalidade do acto de liquidação de IRS em apreço, o Requerente alega que em 19 de junho de 2015, celebrou um contrato de trabalho com a empresa B... Ltd.
- Pelo que, nomeadamente no período compreendido entre 1 de janeiro de 2016 e junho de 2016 inclusive, trabalhou na qualidade de “Senior Resident Engineer / Project Manager”, no Projeto “...”, na Libéria.
- Tendo o Requerente, por conseguinte, residido na Libéria durante aquele período, i.e., entre 1 de janeiro de 2016 e até junho desse mesmo ano de 2016 inclusive, em conformidade com o visto de trabalho e, bem assim, com a autorização de residência que lhe foram concedidos pelas autoridades da República da Libéria.
- Assim, no período em questão, o Requerente não era residente civil nem fiscal em Portugal.
- Apenas voltando a adquirir a qualidade de residente fiscal em Portugal em julho de 2016.
- No dia 4 de abril de 2017, no cumprimento das suas obrigações fiscais, o Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2016, identificada com o número ... .
- O Requerente não declarou os rendimentos de trabalho dependente, no montante de € 81. 181,66, auferidos no Reino Unido no ano de 2016.
- O Requerente não era residente – nem civil nem fiscal – em Portugal no período a que os rendimentos respeitam.
- Não era, aliás, sequer residente no Reino Unido, mas sim na Libéria.
- Tal significa que, enquanto não residente em Portugal, os rendimentos que auferiu no estrangeiro, nessa qualidade, não são tributáveis em Portugal.
- Relembre-se a este respeito, o disposto no n.º 2 do mesmo artigo 15.º do CIRS, o qual prevê que “Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.”
- Pelo que, tendo o Requerente residindo materialmente na Libéria no período compreendido entre 1 de janeiro de 2016 e junho de 2016 inclusive, e, por conseguinte, sendo não residente em Portugal, apenas seriam tributáveis os rendimentos auferidos naquele período caso os mesmos fossem ou tivessem sido obtidos em território português.
- O que, sublinhe-se, não aconteceu, uma vez que os rendimentos foram pagos por uma entidade localizada no Reino Unido, i.e., a B... Ltd, ao ora Requerente residente na Libéria, por trabalho prestado na Libéria.
- Daqui resulta que não existia qualquer elemento de conexão com o território português.
- Pelo que o lapso que o Requerente cometeu foi tão-só o de não indicar – aquando da entrega da Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2016 – no quadro 8C – “Residência Fiscal Parcial”, que a declaração apenas respeitava ao período compreendido entre julho e dezembro de 2016.
- Facto que não pode impedir em obediência ao princípio da legalidade, que seja aplicável o n.º 2 do artigo 15.º do CIRS por remissão do n.º 3 do mesmo artigo, aos rendimentos obtidos fora do território português, rendimentos que a AT pretende agora tributar com a liquidação em crise.
- Cumpre, ainda, sublinhar que a situação do ora Requerente não se enquadra no disposto no artigo 16.º, n.º 6 do CIRS, o qual prevê que “São ainda havidos como residentes em território português as pessoas de nacionalidade portuguesa que deslocalizem a sua residência fiscal para país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, no ano em que se verifique aquela mudança e nos quatro anos subsequentes, salvo se o interessado provar que a mudança se deve a razões atendíveis, designadamente exercício naquele território de atividade temporária por conta de entidade patronal domiciliada em território português.”
- Pois, não obstante o Requerente ter passado a residir efetivamente na Libéria, país que consta da lista de paraísos fiscais aprovada pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, alterada pela Portaria n.º 309-A/2020, de 31 de dezembro, fê-lo por razões atendíveis/válidas.
- Com efeito, o Requerente celebrou um contrato de trabalho com a B... Ltd, uma empresa que pertence ao grupo internacional C..., um grupo líder no setor da engenharia e projetos, e cuja credibilidade, referência e solidez são já reconhecidas no mercado internacional há largos anos.
Acresce que, através da leitura dos Relatórios de Contas apresentados pelo Grupo C..., poderá facilmente comprovar-se, mais uma vez, a substância e veracidade do projeto no âmbito do qual o Requerente teve de transferir a sua residência para a Libéria, i.e., o ..., os quais se encontram igualmente disponíveis nos endereços infra:
https://www... – Relatório de Contas de 2016.
- Pelo que, quanto a este ponto, dúvidas não restam quanto à atendibilidade e validade das razões que levaram o ora Requerente a transferir a sua residência para a Libéria, pelo que tal limitação jamais poderia ser aplicável no presente caso.
- Acresce, ainda, que o n.º 16 do artigo 16.º do CIRS determina que “Um sujeito passivo considera-se, ainda, residente em território português durante a totalidade do ano sempre que volte a adquirir a qualidade de residente durante o ano subsequente àquele em que, nos termos do n.º 4, perdeu aquela mesma qualidade.”
- Citando doutrina, alude a HELENA GOMES MAGNO que diz que, “Não obstante se tenha adotado o paradigma da tributação fracionada, continua a ser feita a extrapolação do estatuto de residente a todo o ano fiscal, por aplicação de cláusulas especiais antiabuso, inseridas no artigo 16.º, n.º 6 e 7, 14 e 16, do CIRS. (…) Estas cláusulas determinam existir residência, durante todo o ano (…) C) Se a pessoa singular sair de Portugal no X e voltar a adquirir a qualidade de residente no ano X+1, ainda dentro do período de 12 meses.” (HELENA GOMES MAGNO, in A Residência Fiscal das Pessoas Singulares (Em particular a residência parcial), 2019, p. 88 e ss.).
- A este propósito, em primeiro lugar, cumpre desde logo referir que o artigo 73.º da LGT estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”
- Neste âmbito, entendem SERENA CABRITA NETO e CARLA CASTELO TRINDADE que “(…) devem estar previstas em normas de “incidência tributária”. Estas normas, segundo Lopes de Sousa, são aquelas que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária – normas de incidência subjectiva – e que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais – normas de incidência objectiva. Ora, de acordo com o artigo 73.º da LGT, as presunções legais consagradas em normas de incidência tributária são sempre ilidíveis, isto é, admitem sempre prova em contrário. Dito de outro modo, o legislador afasta expressamente nesta norma a possibilidade de existência de presunções inilidíveis no domínio das normas de incidência, como não podia deixar de ser para os efeitos do princípio da legalidade.” E, bem assim, que “(…) entendemos que, pese embora o artigo 73.º da LGT apenas se refira às presunções consagradas em normas de incidência, determinando que estas admitem sempre prova em contrário, trata-se de um princípio geral aplicável a todas as presunções legais, “uma vez que os princípios constitucionais que presidem à tributação não parecem ser conformes com a existência de ficções jurídicas”, designadamente o princípio da legalidade tributária.” (SERENA CABRITA NETO E CARLA CASTELO TRINDADE, in Contencioso Tributário, Volume I, 2017, p. 360 e ss.).
- As normas especiais antiabuso preveem situações de facto que, embora formalmente lícitas, devem ser desconsideradas com vista à sua tributação, por poderem configurar mecanismos abusivos.
- Com efeito, estas normas específicas visam combater a elisão fiscal em comportamentos específicos, os quais, embora lícitos, o legislador entende como de risco, prevendo, assim, especificamente, distintas formas de os combater.
- Em concreto, a norma específica de antiabuso vertida no n.º 16 do artigo 16.º do CIRS terá, por objetivo último, evitar deslocações artificiais de pessoas, de forma situações em que o sujeito passivo, com o intuito de evitar uma tributação pessoal em conformidade com a sua capacidade contributiva, se aproveite das normas relativas à residência fiscal parcial.
- Presumindo, para efeitos da sua aplicação, que ocorreu uma deslocação artificial.
- Ora, é patente, tendo em conta toda a documentação junta à presente petição que nem o Requerente se deslocou artificialmente de Portugal.
- Nem com tal deslocação pretendeu evitar ser tributado de acordo com a sua capacidade contributiva.
- De facto, o Requerente saiu de Portugal por motivos laborais.
- E o Requerente foi tributado em sede de imposto sobre o rendimento no Reino Unido (razão pela qual, em consequência de troca de informações entre as autoridades fiscais do Reino Unido e de Portugal, esta última veio a ter conhecimento dos rendimentos obtidos pelo mencionado trabalho ao serviço de uma entidade patronal domiciliada no Reino Unido.
- Tendo em consideração a coerência legislativa, sistemática e funcional subjacente ao próprio CIRS, nos termos da qual:
1) Os residentes em território português são tributados em sede de IRS pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora de Portugal;
2) Os não residentes apenas são tributados em IRS pelos rendimentos obtidos em território português;
3) O regime da residência parcial visa, precisamente, evitar que se considere que determinado sujeito residente fiscal em Portugal durante todo o ano quando, na realidade, apenas o foi durante parte desse ano.
- Qualificar uma pessoa que residiu materialmente no estrangeiro durante parte de determinado ano (in casu, 2016) como residente fiscal em Portugal durante todo esse ano, desconsiderando, por completo, a realidade material, consubstancia uma situação verdadeiramente aberrante, que não se coaduna com a referida coerência fiscal, em particular, do CIRS.
- Razão pela qual a mesma deve ser interpretada restritivamente, no sentido de apenas ser aplicável quando à deslocação de determinado sujeito passivo não assistiram razões válidas, o que, conforme nesta sede já demonstrado, não foi o caso.
- E diga-se, ainda, que, entendimento diverso teria por efeito prático esvaziar e desvirtuar por completo o regime fiscal da residência parcial, o qual, conforme já vimos, visou, precisamente, dar oportunidade de, num mesmo ano fiscal, determinado sujeito poder ter – em parcelas distintas do ano – dois estatutos, o de residente e o de não residente, aproximando a lei fiscal da realidade substantiva.
- Veja-se, neste conexto, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28 de fevereiro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 356/10.7BELRS, no qual poder-se-á ler que “Ora, a consagração destas normas ou cláusulas anti-abuso específicas suscitam, como está bem de ver, questões fundamentais porque susceptíveis de conduzir à violação de princípios fundamentais, como o princípio da igualdade da tributação segundo o lucro real, da igualdade no ordenamento jurídico-tributário, ambos com raiz constitucional e do princípio da justiça, estruturante do Estado de Direito Democrático.”
- E, bem assim, que “Por essa razão a doutrina vem defendendo que as normas específicas anti-abuso, quando não absorvem “meras inversões do ónus da prova e se tornam presunções inilidíveis”, constituem regras “que podem constituir uma violação frontal do princípio da igualdade entre os onerados tributários”, violação que “pode ser detectada não por meio de uma mera exegese do texto da norma, que poderá servir apenas para nos revelar um indício sobre a sua possível inconstitucionalidade, mas mediante os resultados de uma aplicação concreta da norma.”
E, ainda, “Em suma, sempre que “O excessivo alcance da norma criado pela intenção anti-abusiva do legislador gera (…) um excesso de aplicação” cabe à Administração e muito especialmente aos tribunais proceder a uma interpretação restritiva como forma de impedir o excesso que constitui a aplicação da norma a todas as situações. (...) essa presunção não pode ser entendida como absoluta ou jure et de jure, (artigo 350.º, nº 2 do Código Civil), mas, sim, entendida como passível de prova em contrário, sob pena de, através de um regime geral de tributação objectivamente centrado no combate à evasão e fraude fiscal, se atingir, como já dissemos, e ora repetimos, de forma ilegítima princípios estruturais do sistema fiscal e constitucionalmente consagrados, designadamente, e desde logo, o princípio da legalidade da capacidade contributiva, da igualdade tributária, da legalidade e da justiça que o ordenamento jurídico-tributário não pode postergar por repugnar ao conceito de Estado de Direito.”
- E, continua o douto Tribunal “Note-se, aliás, que é por demais conhecida a posição que a doutrina e a jurisprudência – nacional, do Tribunal Constitucional, e do Tribunal de Justiça da União Europeia – têm (após uma inicial posição de auto-contenção) em matéria de consagração de presunções inilidíveis em Direito Fiscal.
O Tribunal Constitucional, propendendo para a inconstitucionalidade desse tipo de normas e para a inaceitabilidade de presunções inilidíveis no Direito Fiscal, aponta ao legislador fiscal como limite a consagração de presunções ilidíveis com o consequente direito (e ónus) do sujeito passivo de provar a falta de fundamento, no seu caso, da presunção.
O Tribunal de Justiça da União Europeia, sobretudo após o caso Leur-Bloem, firmando o entendimento de que o combate à fraude ou à evasão fiscal não pode ser combatido através de normas que à partida excluam uma ponderação ou totalmente excludentes de um mínimo de fundamentação por parte da Administração ao caso concreto, que o individualizam e nos quais se deve buscar a distinção, que a norma não pode prescindir, entre interesses legítimos e comportamentos abusivos por parte do sujeito passivo, tendo, muito recentemente, sido defendido, em conclusões apresentadas pela Advogada Geral, de forma muito ampla, que “a constatação da existência de uma prática abusiva depende de uma apreciação global de todas as circunstâncias do respetivo caso, a qual incumbe ao órgão jurisdicional nacional” e que “No direito fiscal, pode entender-se que existe uma situação abusiva nas situações em que se vislumbram montagens puramente artificiais, desprovidas de realidade económica ou cujo objetivo essencial é o de eludir o imposto que, de acordo com o seu espírito, seria normalmente devido. Para este efeito, cabe à Administração Fiscal demonstrar que o respetivo imposto seria exigível, se a montagem fosse adequada, ao passo que cabe ao sujeito passivo demonstrar a existência de motivos relevantes alheios ao direito fiscal, subjacentes à escolha da montagem.”
- Por último, não pode, ainda, o Requerente deixar de fazer uma breve nota no que respeita à quantificação do montante auferido a título de rendimentos de trabalho dependente obtidos no estrangeiro no ano de 2016, no montante de € 81.181,66.
Em primeiro lugar, e tal como foi explanado no exercício do direito de audição apresentado pelo Exponente, o rendimento auferido em função do trabalho exercido durante o ano de 2016 foi de £ 69.434,09, o que, ao câmbio Libra / Euro a 31.12.2016 de 1,17296 equivale a € 81.443,41.
- E não o montante de € 110.158,31, que foi aquele usado pela Autoridade Tributária na liquidação em crise.
- Provavelmente tal terá sucedido, tal como explicou o Requerente sem qualquer sucesso no direito de audição, porque o Reino Unido tributa o rendimento pessoal com base num período diferente do ano civil, tendo sido provavelmente comunicados à Autoridade Tributária de Portugal rendimentos do ano de 2015.
- Pelo que, por esta razão. a presente liquidação se encontra ferida do vício de errónea quantificação, devendo ser anulada em conformidade.
- Por outro lado, e também como foi explicado pelo Requerente em sede de direito de audição, existe outro vício de errónea quantificação de que a liquidação se encontra ferida.
- Com efeito, e em conformidade com os recibos de vencimento referentes ao período compreendido entre 1 de janeiro de 20216 a 30 de junho de 2016, do valor de € 81.181,66 devem ser excluídos os montantes recebidos por referência a “Overseas Per Diem”, uma vez que estes não configuram um rendimento de trabalho dependente, nos termos do artigo 2.º do CIRS.
- Neste sentido, na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS poder-se-á ler que se consideram rendimentos do trabalho dependente “As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício.”
- De facto, conforme resulta dos recibos de vencimento, é inequívoco que os valores indicados a título de “Overseas Per Diem” no período temporal supra mencionado, que se devem a deslocações efetuadas pelo ora Requerente por conta da respetiva entidade patronal na Libéria, não excedem os limites definidos na Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, após Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, e Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, para a sua tributação em Portugal em sede de IRS, pelo que, em qualquer caso, os mesmos nunca poderiam ser qualificados como rendimentos tributáveis daquele período.
- Assim sendo, o ato de liquidação de imposto, que constitui o objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral deve ser anulado, por ser manifestamente ilegal, com as necessárias consequências legais, designadamente a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, calculados à taxa legal, contados desde o dia 20 de dezembro de 2020, data do pagamento indevido do imposto, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, o que desde já se requer.
- Nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
- O artigo 61.º, n.º 2 do CPPT consagra, igualmente, que "Em caso de anulação judicial do acto tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar."
- Ou seja, para que ao Requerente seja reconhecido o direito a receber juros indemnizatórios terão que se verificar os seguintes pressupostos:
a) erro imputável aos serviços no apuramento do imposto devido;
b) que do referido erro resulte o pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido;
c) que o erro dos serviços seja analisado em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
- Ora, relativamente ao pressuposto descrito na alínea a) do parágrafo antecedente, verificamos que o ato de liquidação de IRS, referente ao exercício de 2016, em face das ilegalidades supra referidas, de que padece, apenas a erro dos serviços pode ser imputado, conforme decorre dos fundamentos avançados no presente Pedido de Pronúncia Arbitral.
- Por outro lado, em face do pagamento efetuado pelo Requerente, em 20 de dezembro de 2020, do imposto alegadamente devido, referente ao IRS de 2016, no montante de € 51.540,28, também não restam dúvidas de que dos referidos erros imputáveis à Administração Tributária resultou este pagamento indevido do imposto, em valor, portanto, superior ao legalmente devido.
- Por fim, atenta a natureza dos presentes autos, também se verifica o último dos requisitos – a análise do erro imputável aos serviços em sede de Pedido de Pronúncia Arbitral, que se mantém pendente.
- Destarte, da contestação e consequente anulação, que requer, do ato de liquidação de IRS, deverá resultar o reembolso ao Requerente do valor indevidamente pago em 20 dezembro de 2020, nos termos do artigo 100.º da LGT, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, contados desde o dia 20 dezembro de 2020, data do pagamento indevido do imposto, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, que requer.
C. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS
A Requerida, após ter comunicado a revogação parcial do acto objecto do pedido, em 24/05/2021, mantendo-se a qualidade e qualificação de residente na totalidade do ano de 2016, mas reduzindo o valor dos rendimentos obtidos no estrangeiro de 110.158,31 euros para 81.443,41 euros, veio na Resposta apresentada em 05/07/2021, dizer o seguinte:
- No introito do pedido de pronúncia arbitral (adiante também designado por ppa) refere-se que este tem por objeto a “ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2020..., com referência ao ano de 2016, da demonstração de liquidação de juros, e respetiva nota de cobrança, tendo resultado imposto a pagar no valor total de € 51.540,28…”
- A final, vem o Requerente peticionar «anulando-se o ato de liquidação de IRS nº 2020..., com as necessárias consequências legais»
- Desde já informamos que relativamente ao processo em apreço não ocorreu um processo administrativo “strictu sensu”, no sentido em que não origem a qualquer reclamação graciosa ou procedimento de revisão oficiosa.
- O processo em crise teve origem num procedimento de análise de “falta de declaração de rendimentos de trabalho dependente”, importando, assim, antes de mais, remeter para a factualidade subjacente a esse procedimento.
- Em 2016 o Requerente estava registado como residente fiscal em Portugal.
- No âmbito do procedimento de troca automática de informações fiscais internacionais prevista na Diretiva 2011/16/EU, transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-lei 61/2013, a AT foi informada pelas autoridades fiscais do Reino Unido que o Requerente obteve rendimentos de trabalho dependente nesse Estado no ano de 2016, no montante de € 110.158,31, não tendo suportado qualquer imposto.
- Quanto à residência fiscal do requerente, consultada o respetivo cadastro fiscal, constata-se que o mesmo se encontrava, à data dos factos, registado como residente em território português.
- O Requerente entregou a sua declaração de rendimentos em Portugal referente ao ano de 2016, na qualidade de residente.
- A AT, notificada do presente PPA, procedeu à revogação parcial do ato tributário em litígio, nos seguintes termos:
«17. No tocante aos rendimentos auferidos pelo requerente, pagos pela entidade B... UK Ltd, os valores comunicados pelas autoridades fiscais inglesas ao abrigo dos mecanismos de troca de informação, em concreto € 110.158,31, integram quantias referentes a 2015 e a 2016, uma vez que o ano fiscal inglês (06/04 a 05/04) difere do português (01/01 a 31/12),e a informação enviada constante na aplicação “SITI (Sistema Integrado de Troca de Informação) refere como inicio do período ao qual se reportam os rendimentos a data de 13/07/2015 (a mesma que consta no contrato de trabalho apresentado como sendo a do inicio do trabalho na Libéria).
18. Deste modo, afigura-se aceitável considerar como valor tributável o somatório dos rendimentos indicados nos recibos de ordenado de Janeiro a Junho de 2016, que perfazem £69.434,09/ €81.443,41, conforme mencionado pelo requerente.»
- Em face da revogação parcial por parte da AT dentro do período previsto no artigo 13.º do RJAT, deve o valor da ação ser reduzido em conformidade com o montante revogado, de € 110.158,31 para € 81.443,41.
- Da leitura dos argumentos apresentados, verifica-se que o Requerente pretende o reconhecimento dos seguintes factos:
- Que residiu na Libéria entre 01/01/2016 e junho de 2016, e que, nesse mesmo ano de 2016, deve ser considerado como residente (parcial) em território português, somente no período de julho a dezembro.
- Que os rendimentos auferidos no estrangeiro em 2016 (pelo trabalho prestado na Libéria, mas pagos por entidade sedeada no Reino Unido, B... Ltd,), não ascenderam aos comunicados pelas autoridades fiscais inglesas ao abrigo dos mecanismos de troca de informação, no valor de € 110.158,31, mas sim ao montante de € 81.443,41.
- Quanto à residência fiscal do Requerente, consultada o respetivo cadastro fiscal, constata-se que o mesmo se encontrava, à data dos factos, registado como residente em território português.
- Ora, nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 19º da Lei Geral Tributária (LGT) é obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto tal comunicação não for efetuada.
- Para além disso, acrescente-se que tal situação jurídica deveria ter sido autonomamente requerida à Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, no sentido de retificar retroativamente o registo de contribuintes.
- Assim, estabelece o nº 11 da mesma norma, que a administração tributária poderá retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.
- Todavia, no presente caso, não existem quaisquer elementos que permitam tal retificação.
- O Requerente entregou a sua declaração de rendimentos em Portugal na qualidade de residente,
- Nos recibos de vencimento apresentados consta uma morada portuguesa, a mesma que consta no cadastro fiscal da AT ( ..., ..., ...-... Sintra, Portugal),
- E as autoridades fiscais do Reino Unido (Estado onde se encontra sedeada a entidade pagadora dos rendimentos aqui em causa) comunicaram os ditos rendimentos à AT, o que significa que o consideraram residente em Portugal - o nº1 do artº8º da Diretiva 2011/16/EU, de 15/02, do Conselho, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, estabelece que “A autoridade competente de cada Estado-Membro comunica à autoridade competente de qualquer outro Estado-Membro, mediante troca automática, as informações disponíveis sobre os períodos de tributação a partir de 1 de Janeiro de 2014 relativas a residentes nesse outro Estado-Membro, no que se refere às seguintes categorias específicas de rendimento(…)”
- Com referência à pretendida consideração da residência parcial, tal não é legalmente possível, conforme se passa a demonstrar.
- Desde logo, inexistindo qualquer CDT celebrada entre Portugal e Libéria (Estado onde o Requerente alega ter sido residente durante parte do ano de 2016), é aplicável a lei interna portuguesa.
- Assim, dispõe o nº 1 do artigo 16º do Código do IRS (CIRS):
«São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual (…)»
- E a verdade é que o requerente se enquadra em qualquer uma daquelas situações (esteve mais de 183 dias em Portugal, não só de acordo com o seu cadastro, como com as suas alegações – alega ter residido na Libéria entre 01/01 e no limite até 30/06 de 2016, isto é, um máximo de 182 dias, e possui habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual, sita em ..., ..., ...-... Sintra, Portugal, da qual é proprietário desde 2004).
- Acresce ainda o nº 3 do mesmo artigo que as pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1,
- Mesmo fazendo fé nas alegações, não comprovadas, de que o requerente residiu na Libéria entre janeiro e junho de 2016, e que tal permanência se iniciou em julho de 2015, verifica-se que este residiu em Portugal mais de metade do ano anterior (2015), pelo que ao abrigo do referido nº 3 do artigo 16º do CIRS, deve ser considerado residente em Portugal tanto em 2015, como em 2016.
- Relativamente à pretendida consideração de parte dos valores declarados pelo Requerente como tratando-se de ajudas de custo, não se afigura que tal possa colher.
- Do ponto de vista fiscal, de acordo com a alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS, consideram-se rendimentos do trabalho dependente as ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício.
- Os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado encontram-se previstos no DL 106/98, de 24/04, ali constando, no nº 1 do seu artigo 1º, que têm direito ao abono de ajudas de custo, os funcionários e agentes da administração central, regional e local e dos institutos públicos, nas modalidades de serviços públicos personalizados e de fundos públicos, quando deslocados do seu domicílio necessário por motivo de serviço público.
- Acrescentando o nº 2, que se considera domicílio necessário, para efeitos de abono de ajudas de custo:
a) A localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço;
b) A localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior;
c) A localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções.
- Por outro lado, estabelece o artigo 6º daquele diploma, que só há direito ao abono de ajudas de custo nas deslocações diárias que se realizem para além de 5 km do domicílio necessário e nas deslocações por dias sucessivos que se realizem para além de 20 km do mesmo domicílio.
- Ora, não tendo sido apresentados quaisquer elementos que permitam perceber se os rendimentos em questão podem ou não ser enquadrados como ajudas de custo, não se afigura possível, sem mais, aceitar a qualificação pretendida, uma vez que o ónus da prova recai sobre quem invoca os factos (aqui o Requerente), nos termos do nº 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT).
-Assim sendo, a AT requer que seja proferida decisão que julgue o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida.
D. QUESTÕES A DECIDIR
Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados são, no fundo, as seguintes questões, que cabe apreciar e decidir:
a) Questão prévia relativa ao valor da acção.
b) Uma vez que a Requerida comunicou ter revogado parcialmente, em prazo, a liquidação sub judice, reduzindo o valor dos rendimentos auferidos no estrangeiro, no ano de 2016, de 110.158,31 euros para 81.443,41 euros, conforme era peticionado, não se coloca esta questão.
c) Residência fiscal do Requerente no ano de 2016.
d) Consideração nos rendimentos declarados como auferidos no Reino Unido de valores relativos a ajudas de custo.
e) E, complementarmente, no caso do Tribunal Arbitral condenar a Requerida, se haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
E. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
- O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1, do RJAT.
- As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
- O processo não enferma de nulidades.
- Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:
1. O Requerente A..., contribuinte fiscal nº ..., reside na ..., ..., ...-......, ..., Sintra, Portugal.
2. Em 19.06.2015, o Requerente celebrou um contrato de trabalho, válido por dois anos, com a empresa B... LDT, cuja execução teve início em 13/07/2015 e termo em data indeterminada do mês de Junho de 2016.
3. No cadastro fiscal do Requerente consta estar registado como residente em Portugal, nesse período.
4. Em 04.04.2017, o Requerente fez entrega da declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2016, não declarando os rendimentos de trabalho dependente pagos nesse ano pela entidade empregadora do Reino Unido,
5. Em 07.08.2020, a AT, informada pelas autoridades tributárias do Reino Unido, da existência dos rendimentos auferidos ao abrigo referido contrato de trabalho, notificou o Requerente para apresentar uma declaração que incluisse o anexo J com os rendimentos auferidos no estrangeiro, dispondo de um prazo de 15 dias para exercer o direito de audição prévia à liquidação adicional de IRS que incluiria os mencionados rendimentos.
6. O Requerente exerceu tempestivamente o direito de audição prévia, tendo manifestado discordância com o montante de 110.158,31 euros indicado a título de rendimentos do trabalho obtidos no Reino Unido e que o valor reportado deveria ser de 81.181,66 euros.
7. Em resposta, a AT depois de informar que iria proceder à liquidação nos termos previstos, notificou o Requerente do acto de liquidação adicional de IRS nº 2020..., demonstração de liquidação de juros compensatórios e da respectiva nota de cobrança no valor de 51.540,28 euros.
8. Em 20.12.2020, o Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado no montante de 51.540,28 euros.
9. O Requerente apresentou o presente Pedido de Pronúncia Arbitral em 22.03.2021.
10. Em 25.05.2021, a Requerida comunicou ter, em 24.05.2021, revogado parcialmente o acto objecto do pedido, reduzindo o valor dos rendimentos auferidos no estrangeiro de 110.158,31 euros para 61.443,41 euros.
A.2. Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, no processo administrativo e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada
A.3. Factos dados como não provados e sua fundamentação
1. Que parte dos rendimentos de trabalho que foram tributados em IRS tinham a natureza de ajudas de custo, não tributáveis.
- O Requerente não apresentou elementos que demonstrassem a existência de ajudas de custo capazes de satisfazerem os critérios legais exigidos para aqueles efeitos, quando recaía sobre o mesmo o ónus da prova, nos termos do nº 1 do art. 74º da LGT.
B. DO DIREITO
Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas:
Questão Prévia
A Requerida veio, no art. 10º da sua Resposta, requerer que, em face da revogação parcial da liquidação de IRS em apreço, em prazo, fosse o valor da acção reduzido em conformidade com o montante revogado de 110.156,31 euros para 81.443,41 euros.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 299º do Código do Processo Civil, na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, pelo que a sua fixação reporta-se ao pedido tal como foi concretamente formulado pelo autor, face às suas implicações na competência do tribunal, na forma do processo e na relação da causa com a alçada do tribunal, preceituadas no art. 296º deste Código.
O mesmo ocorre nos tribunais arbitrais em que o valor da causa fixado no Pedido de Pronúncia Arbitral é determinante para constituição de tribunal singular ou colectivo.
Assim sendo, o tribunal fixa o valor do processo no montante indicada no Pedido de Pronúncia Arbitral.
De seguida, o tribunal arbitral passa a apreciar a questão relativa à residência fiscal do Requerente durante o ano de 2016.
Como é sabido a residência fiscal é factor determinante em termos de sujeição dum contribuinte à tributação em IRS.
Com efeito, o art. 13º, nº 1 do CIRS sujeita a IRS as pessoas singulares que residam em território português, mais dispondo o art. 15º, nº 1 do CIRS que “Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”.
A questão que se coloca na situação em apreço é saber se o Requerente durante o período de tempo do ano de 2016, em que auferiu rendimentos pagos no Reino Unido, ao abrigo do contrato de trabalho celebrado com uma empresa deste País, era, ou não, residente em Portugal.
Ora, conforme foi dado como provado, no cadastro fiscal do Requerente consta que o mesmo se encontrava registado como residente em território português durante este período.
Sendo que, nos recibos de vencimento apresentados consta a morada em Portugal – ..., ..., ...-... Sintra.
E, o Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos para efeitos de IRS na qualidade de residente em Portugal.
Ora, nos termos do disposto nos nºs 3 e 4 do art. 19º da LGT, é obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto tal mudança não for comunicada.
Estabelece, ainda, o nº 11 do referido art. 19º da LGT que, oficiosamente, a administração tributária poderá proceder à rectificação do domicílio fiscal se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.
A Requerida administração fiscal alega não dispor de elementos para esse efeito, dizendo que, para além dos factos atrás mencionados, a situação vertente é enquadrável nas que estão previstas nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 16º do CIRS.
Dispõe, com efeito, o nº 1 do art. 16º do CIRS que são residentes em território português, as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção actual de a manter e ocupar como residência habitual (…)
E tem razão a Requerida. Com efeito, o Requerente alega que o seu trabalho teve o seu termo no mês de Junho de 2016, pelo que, no máximo, teria estado fora do País até 30 de Junho, perfazendo 182 dias, período inferior, portanto, aos 183 previstos na norma, e possui habitação em condições que fazem supor intenção de a manter e ocupar como residência habitual, a sempre referida, na ..., ..., na ..., ... .
O mesmo se dizendo relativamente ao estabelecido no nº 3 do atrás referido artigo 16º do CIRS, em que, à luz dos referidos critérios, deve ser considerado residente em Portugal em 2016 e, também, em 2015.
Assim sendo, conclui este tribunal arbitral que, sendo o Requerente considerado residente em Portugal para efeitos fiscais, a liquidação, na parte restante à que foi revogada parcialmente pela Requerida, é legal, não havendo lugar à apreciação da matéria relativa às alegadas ajudas de custo, por as mesmas não terem sido provadas.
Assim sendo, o tribunal arbitral julga improcedente o pedido de anulação da liquidação nº 2020..., na parte que não foi revogada pela AT em 24/05/2021.
No que concerne aos juros indemnizatórios, esta matéria está regulada no art. 24º do RJAT, o qual expressamente determina no seu nº 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a Administração Tributária, nos casos aí consignados a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, e preceitua, no seu nº 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”
Também o art. 100º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29º, nº 1, alínea) do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.
Por seu lado, o art. 43º, nº 1 da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Nesta conformidade coloca-se a questão de saber se se pode considerar ter havido, ou não, um erro imputável aos serviços na situação vertente.
No caso, dúvidas não há que tal ocorre. Com efeito, a própria AT veio reconhecer o seu erro ao revogar parcialmente a liquidação, no ponto em que reduziu o valor tributável para o somatório dos rendimentos indicados nos recibos de ordenado de Janeiro a Junho de 2016, retirando, assim, do cálculo, os montante dos rendimentos relativos ao ano de 2015, que as autoridades tributárias do Reino Unido tinham indicado, em consequência do ano fiscal inglês (06/04 a 05/04) diferir do português (01/01 a 31/12), para o que tinha sido alertada pelo Requerente em sede de audição prévia.
Estando, como está, preenchido o requisito estabelecido no art. 43º, nº 1 da LGT, tem, assim, o Requerente direito a receber juros indemnizatórios, calculados à taxa legal, sobre o montante do imposto que tinha pago e que foi eliminado em consequência da revogação parcial da liquidação, desde a data do pagamento – 20/12/2020 -, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, conforme o seu pedido, nos termos das disposições combinadas dos arts. 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, 100º e 43º, nº 1, ambos da LGT.
C. DECISÃO
Termos em que decide este Tribunal Arbitral, atenta a revogação parcial da liquidação de IRS em apreço, julgar, na parte restante, improcedente o pedido arbitral formulado.
E, tudo visto, e, em consequência:
a) Condenar a Requerida a restituir ao Requerente o valor do imposto indevidamente pago, isto é, o que resulta da revogação parcial da liquidação, determinada pela redução dos rendimentos obtidos no estrangeiro de 110.156,31 euros para 81.443,41 euros, conforme foi reconhecido e decidido pela Requerida, acrescido de juros indemnizatórios, contados a partir da data em que foi efectuado o pagamento – 20 de Dezembro de 2020 - até à data do processamento da respectiva nota de crédito, absolvendo-a da parte restante do pedido.
b) Uma vez que não existem no processo elementos para fixar com precisão o valor das custas a suportar por cada uma das Partes, fixa-se em percentagem o valor das mesmas, devendo a Requerente suportar 70% e a Requerida 30%.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 51.540,28 euros, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, a), do Código de Procedimentos e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar 70% pelo Requerente e 30% pela Requerida, nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do citado Regulamento.
Notifique-se
(Esta decisão foi redigida pela ortografia antiga)
Lisboa, 18 de Janeiro de 2022
O Árbitro
(José Nunes Barata)