Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 257/2014-T
Data da decisão: 2014-11-11  IRC  
Valor do pedido: € 669.043,36
Tema: IRC - SIFIDE; Transmissibilidade em caso de fusão por incorporação.
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Acordam os Árbitros Jorge Lopes de Sousa, em substituição de Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (Árbitro Presidente), Amândio Silva e José Pedro Carvalho, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A, pessoa colectiva n.º ..., com sede em …, doravante designados por Requerentes, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º n.º 1 a) e 10.º n.º 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2013 ..., de 14 de Janeiro de 2013, referente ao ano de 2009, e correspondentes liquidações adicionais de juros compensatórios, no montante global de EUR 669.043,36.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17-03-2014.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 02-05-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 19-05-2013.

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ao requerimento inicial apresentado, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

 

  1. Atenta a circunstância de, no caso, não se verificar qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada.

 

  1. As partes apresentaram alegações, reafirmando e desenvolvendo as posições anteriormente sustentadas.

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

  1. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

  1. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

 

1-A Requerente - anteriormente denominada B – é uma sociedade comercial anónima, com sede e direção efectiva em território nacional, enquadrada no regime geral para efeitos de IRC, cujo objecto social abrange a indústria de produtos alimentares e a respectiva comercialização, bem como o desenvolvimento de actividades agrícolas e de quaisquer actividades similares, conexas ou afins.

 

2-No contexto de uma operação de fusão por incorporação, nos termos do artigo 97.º, n.º 4, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, concluída a 28 de Abril de 2009, a Requerente incorporou a sociedade C, que desenvolvia a mesma actividade económica da Requerente.

 

3-No dia 15 de Junho de 2012, a Requerente apresentou uma Declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 2009, no âmbito da qual deduziu, no respectivo campo 355, do quadro 10, o montante total de €1.130.225,72 a título de benefícios fiscais.

 

4-Nessa sede, a Requerente, entre outros benefícios fiscais, deduziu o benefício fiscal atribuído, ao abrigo do SIFIDE, à sociedade que havia incorporado na referida fusão concluída em 28 de Abril de 2009, no montante total de EUR 617.014,66, conforme infra se discrimina:

                                                              i.      €393. 729,07, relativo ao montante do benefício fiscal atribuído à sociedade C, no âmbito do SIFIDE, relativo ao ano de 2007 e não deduzido à colecta de IRC daquela sociedade;

                                                            ii.      € 223.285,59, relativo ao montante do benefício fiscal atribuído à sociedade C, no âmbito do SIFIDE, relativo ao ano de 2008 e não deduzido à colecta de IRC daquela sociedade;

 

5-No dia 13 de Setembro de 2012, em cumprimento da ordem de serviço n.º OI..., de 10 de Abril de 2012, os Serviços da Divisão de Inspeção Tributária II da Direcção de Finanças de ... iniciaram uma acção de inspeção tributária à Requerente, de âmbito geral, respeitante ao exercício de 2009.

 

6-A referida acção de inspeção tributária foi instaurada em razão da fusão no âmbito da qual a Requente incorporou a C

 

7-Pelo Ofício n.º ..., de 27 de Novembro de 2012, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direcção de Finanças de ..., a Requerente tomou conhecimento do projecto de correcções do relatório final de inspeção tributária, relativo ao exercício de 2009, de cujo conteúdo resultava a alegada dedução indevida de benefícios fiscais atribuídos no âmbito SIFIDE, com fundamento na intransmissibilidade dos referidos benefícios fiscais, face ao disposto no artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

8-Do teor do projecto de correcções do relatório final de inspecção tributária, e resultavam, assim, correcções à matéria colectável de IRC no montante global de €617.014,66.

 

9-Para sustentar a sua posição, a Administração Tributária, sem contestar a qualificação da operação societária supra descrita como uma fusão por incorporação, nem a elegibilidade das despesas em causa para o SIFIDE, considerou que, sem prejuízo de ter ocorrido a transferência global do património da C para a Requerente no âmbito da referida fusão, a Requerente não poderia gozar dos benefícios fiscais de que a C era titular, uma vez que não se encontravam preenchidos os pressupostos da transmissibilidade inter vivos de benefícios fiscais constantes do artigo 15.º, n.ºs 2 e 3, do EBF.

 

10-  No dia 12 de Dezembro de 2012, a Requerente exerceu o respectivo direito de audição prévia, contestando a posição sufragada pela Administração Tributária.

 

11-  Finda a acção de inspecção tributária, a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º …, de 8 de Janeiro de 2013, dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..., do respectivo relatório final, de cujo teor resultava a conversão em definitivo do entendimento sufragado no referido projecto de correcções, nos seguintes termos:

       «A referida lei [Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto] tem por objecto o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), encontrando-se o âmbito da dedução previsto no seu artigo 4.º da Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto.

       Nos termos daquele artigo, a dedução é efectuada ao montante apurado nos termos do artigo 83.º, n.º 2, al. d) [atual art. 90.º , n.º 2/c)] do CIRC, ou seja, trata-se de uma dedução à colecta de IRC até à sua concorrência.

[ ... ]

No caso em concreto, em relação ao SIFIDE de 2007 e 2008 [... ] a A tem no seu dossier fiscal mapa com o cálculo do valor deduzido em 2009, no âmbito do SIFIDE, no montante de€ 635.581,85 [ ... ].

Deste crédito fiscal deduzido à colecta de IRC de 2009, no montante de €635.581,85, parte desse valor, mais concretamente o montante de €617.014,66 são referentes a crédito fiscal atribuído à sociedade “C, SA” NIPC … (sociedade incorporada) e os restantes €18.567,19 foram atribuídos à A conforme se pode constatar nas declarações emitidas pelo … (Anexo II). Ou seja, foi deduzido à colecta de IRC da A um crédito referente ao SIFIDE, que tinha sido atribuído à C (sociedade incorporada), a qual se extinguiu na data da fusão, 2009/04/28.

[ ... ]

No caso em análise ocorreu uma fusão por incorporação, ficando dissolvida a sociedade incorporada (C) e ocorrendo a transferência global do património desta para a sociedade incorporante (A).

Cabe-nos então averiguar sobre essa possibilidade ou não, de transmissão de benefícios fiscais em caso de fusão por incorporação.

Estabelece o n.º 1 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) [ ... ] que "o direito aos benefícios fiscais, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é intransmissível inter vivos [ ... ].

No n.º 3 do mesmo diploma legal, é admitida uma excepção à regra contemplada no n.º 1, referindo que "é transmissível inter vivos, mediante autorização do Ministro das Finanças, o direito aos benefícios fiscais concedidos, por acto ou contrato fiscal, a pessoas singulares ou colectivas, desde que no transmissário se verifiquem os pressupostos do benefício e fique assegurada a tutela dos interesses públicos com ele prosseguidos"[ ... ].

Sobre este assunto foi proferido o despacho n.º 184/2010-XVIII, do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, do qual consta o seguinte "(. . .) indefiro o pedido de transmissibilidade dos benefícios fiscais concedidos ao abrigo do programa SIFIDE, regulamentado pela Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto (. .. ) por contrariar expressamente o disposto no n.º 1 do art. 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e não caber em nenhuma excepção legalmente admissível"[ ... ].

A este respeito refere também o Acórdão do TCAS, proc. N.º 04172/10 de 2012/04/12, in www.dgsi.pt, o seguinte:

[ ... ]

• O SIFIDE classifica-se como um benefício fiscal misto e tem carácter automático, uma vez que a sua concessão não depende de uma apreciação casuística prévia com vista ao correspondente reconhecimento da DGCI e traduz-se numa dedução à colecta das despesas de investigação e desenvolvimento suportadas que não tinham sido objecto de comparticipação financeira do Estado [ ... ].

• Nada na Lei referida [Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto] obriga a qualquer apreciação casuística prévia, nem a nenhuma acto de reconhecimento do benefício pela DGCI pelo que, não dependendo o benefício usufruído, de qualquer autorização expressa do Sr. Ministro das Finanças, é indiscutivelmente um benefício automático, não cabendo na excepção ao princípio da intransmissibilidade contemplada no n.º 3 do art. 15 do EBF [ ... ].

• Dada a natureza mista e automática do benefício fiscal em causa, as excepções consagradas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 15.º do EBF ao princípio da intransmissibilidade inter vivos não lhe são directamente aplicáveis, daí resultando que o direito a efectuar a dedução prevista no artigo 4.º da Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, não é transmissível da sociedade incorporada para a sociedade incorporante, no âmbito de uma fusão[ ... ].

• Consequentemente é forçoso concluir que quanto aos benefícios consagrados no SIFIDE, se aplica a regra da intransmissibilidade, dado que não se enquadram nas excepções do n.º 2 e n.º 3 do artigo 15.º do EBF.

Face ao exposto, e relativamente ao exercício de 2009, propõe-se uma correcção ao imposto no montante de €617.014,66».

 

12-  Face às correcções decorrentes do referido relatório final de inspecção tributária, foi liquidado adicionalmente o montante total de IRC e juros compensatórios de €669.043,36, nos termos da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n.º..., de 14 de Janeiro de 2013, e da compensação n.º 2013 ..., de 16 de Outubro de 2013, cujo prazo de pagamento voluntário terminou no dia 13 de Dezembro de 2013.

 

13-  Não se conformando com o acto tributário referido, e pretendendo impugnar a legalidade do mesmo, a Requerente optou por não efectuar o respectivo pagamento voluntário, tendo em consequência sido instaurado o processo de execução fiscal n.º ..., tendente à cobrança coerciva da referida dívida tributária.

 

14-  A 17 de Janeiro de 2014, a Requerente prestou a garantia bancária n.º …, emitida pelo BANCO …, a 16 de Janeiro de 2014, no montante de EUR 841.423,61, tendo em vista a suspensão do referido processo de execução fiscal.

 

A.2. Fatos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem fatos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os fatos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

B. DO DIREITO

 

É, em síntese, colocada pela Requerente a questão de saber se o benefício fiscal do SIFIDE, criado pela Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, é transmitido para a sociedade incorporante ou se, como alega a Requerida, é aplicável o princípio de intransmissibilidade dos benefícios fiscais previsto no artigo 15.º do EBF.

 

B1. Natureza e regime do SIFIDE

 

O Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) foi criado pela Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, e permite que os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável deduzam à colecta, e até à sua ocorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado, numa dupla percentagem: a) taxa de base – 20% das despesas realizadas naquele período; e  b) taxa incremental  - 50% das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 75000.

As despesas que, por insuficiência de colecta não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato (n.º 2 do artigo 4.º).

 

No artigo 3.º do referido diploma são descritas as categorias de despesas relativas às actividades de investigação e desenvolvimento que são dedutíveis. Para poderem beneficiar deste incentivo fiscal, os sujeitos passivos devem cumprir as condições e obrigações previstas nos artigos 5.º a 7.º: entre outras, a não tributação por métodos indirectos, inexistência de dívidas ao Estado, contabilidade devidamente organizada e processo de documentação fiscal que documente o cálculo do benefício e o cumprimento dos demais requisitos.

 

De forma pacífica, pelas suas características sucintamente descritas, conclui-se que estamos perante uma medida de desagravamento fiscal “de carácter excepcional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes superiores ao da própria tributação que impedem”(artigo 2.º n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

 

Atentos aos respectivos pressupostos, o SIFIDE é um benefício fiscal automático (artigo 5.º n.º 1 do EBF), por não carecer de reconhecimento prévio, e tem natureza mista, pois incorpora não só requisitos objectivos relativos ao tipo e natureza das despesas elegíveis (artigo 3.º e 4.º da Lei n.º 40/2005) mas também requisitos subjectivos que atendem às condições e natureza dos beneficiários (artigos 5.º a 7.º).

 

Acrescentamos ainda que o diploma que cria e regulamenta o SIFIDE, Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, é omisso quanto à possibilidade de transmissão para terceiros deste benefício fiscal.

 

Para devido enquadramento, cabe analisar se, face à fusão por incorporação da sociedade que usufruiu originalmente do incentivo fiscal, a sociedade incorporante pode deduzir a quota parte do benefício ainda não utilizado por insuficiência de colecta.

 

B2. A fusão no Direito Comercial

 

Para devida compreensão dos efeitos fiscais da fusão, devemos, em primeiro lugar, atender ao seu enquadramento comercial (artigo 97.º e ss do Código das Sociedades Comerciais).

 

Estabelece o artigo 97.º n.º 1 do CSC que duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se mediante a sua reunião numa só. Na modalidade de fusão por incorporação, a fusão realiza-se mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, acções ou quotas destas (n.º 4).

 

Como é salientado pela doutrina, a fusão visa a concentração de actividades económicas tendo em vista a maximização dos factores produtivos e optimização dos recursos das sociedades fundidas.

 

Com o registo comercial da fusão, operam os efeitos objectivos e subjectivos da fusão, a saber, respectivamente: (i) extinção das sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de uma nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade (al. a) do artigo 112.º do CSC); (ii) os sócios das sociedades extintas tornam-se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade.

 

Ou seja, o registo comercial tem efeito constitutivo pois é a partir desta data que todos os direitos e obrigações são transmitidos para a nova sociedade ou sociedade incorporantes e se extinguem as sociedades incorporadas.

 

A unificação numa mesma entidade do património e posições jurídicas das entidades fundidas é mais do que uma qualquer transmissão onerosa dos bens porque do que se trata é da integração numa mesma entidade dos direitos e obrigações das entidades envolvidas na fusão.

 

A exacta natureza da fusão e dos seus efeitos tem sido alvo de acesa discussão doutrinária e jurisprudencial com duas teses em confronto: a construção germânica da transferência (transmissão) de todo o património de uma sociedade para a outra e a tese da fusão como um acto modificador das sociedades envolvidas e a sua transformação mediante um processo de concentração económica.

 

A favor da tese da transmissão do património é, desde logo, a própria letra da lei quando diz” …transmitindo-se todos os seus direitos e obrigações…” - al. a) do artigo 112.º do CSC.

 

Neste sentido refere RAUL VENTURA, «Adoptando os conceitos e a terminologia expostos por Inocêncio Galvão Teles, Direitos das Sucessões – Noções fundamentais, 4.ª ed., “juridicamente dá-se sucessão ou transmissão quando uma pessoa fica investida num direito ou obrigação ou num conjunto de direitos e obrigações que pertenciam a outra pessoa, sendo os direitos e obrigações do novo sujeito considerados os mesmos do sujeito anterior e tratados como tais.” (…)»

Ora, “Para se conseguir negar absolutamente a transmissão de direitos e obrigações – seja a título universal, seja a título singular – é indispensável ou demonstrar que nenhuma sociedade se extingue e elas – e só elas – continuam a ser titulares desses direitos e obrigações ou afastar por completo a personalidade jurídica das sociedades. Acima considerei indemonstrável a primeira dessas proposições e logo objectei também contra a segunda. Mantendo a técnica da personalidade colectiva das sociedades e reconhecendo a extinção da sociedade incorporada ou das sociedades participantes da fusão por constituição de nova sociedade, a transmissão de bens e obrigações é inevitável. Eles pertenciam a um sujeito e passam a pertencer a outro, continuando porém a ser os mesmos direitos o obrigações; a transmissão está perfeitamente caracterizada.” (RAUL VENTURA, Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 2.ª Reimpressão da 1.ª Ed. de 1990, pp. 235-237)

 

Em sentido diverso, outra parte da doutrina considera que “Terminologicamente, a redacção do artigo 112.º al. a) é infeliz ao assumir que o património das sociedades incorporadas ou fundidas se transmite para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade. É infeliz porque transmissão não é o conceito que melhor exprime o que ocorre na fusão. Com efeito, a noção de transmissão corresponde ao efeito jurídico mediante o qual uma situação jurídica, inscrita em determinada esfera, é transladada para outra esfera jurídica. (…) Tal não é o que acontece em sede de fusão. Em rigor, porque de um acto modificativo das sociedades se trata, os direitos e obrigações não se transmitem de uma sociedade para outra. Tais situações jurídicas permanecem inalteradas ao longo de todo o processo, findo o qual surgem tituladas pela sociedade incorporante ou pela nova sociedade, não porque se tenham transmitido de uma esfera jurídica a outra mas sim porque as esferas jurídicas societárias – onde tais situações jurídicas se encontram inscritas – se reuniram em uma nova unidade”. (DIOGO COSTA GONÇALVES, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação António Menezes Cordeiro, 2009, p. 389).

 

Não descurando a importância da querela doutrinária e os seus efeitos nas mais variadas relações jurídicas existentes entre as sociedades objecto de fusão e terceiros, cumpre, no caso, aferir qual o exacto enquadramento e efeitos fiscais da fusão. Conforme determina o n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, ainda que se apliquem termos e conceitos de outros ramos do direito, devemos, em primeiro lugar, aferir se o seu sentido e alcance não decorre da própria lei fiscal.

 

Tal é, na nossa opinião, o caso.

 

B3. Efeitos fiscais da fusão

 

Como regra, podemos afirmar que o Direito Fiscal, atentos aos seus fins, reconduz a fusão ou cisão a uma transmissão de activos. Tal resulta, desde logo, dos  n.ºs 1 e al. d) do n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRC (em vigor à data, actual artigo 46.º) que tributa as mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa dos elementos do activo imobilizado, seja a que título opere. Considera-se, para este efeito, valor de realização o valor de mercado dos elementos do activo imobilizado transmitidos em consequência daqueles actos de fusão ou cisão.

 

Em sentido idêntico, também a al. g) do n.º 5 do artigo 2.º do Código do IMT sujeita a tributação “as transmissões de bens imóveis por fusão ou cisão das sociedades referidas na antecedente alínea e), ou por fusão de tais sociedades entre si ou com sociedade civil” (redacção em vigor à data).

 

Em derrogação desta regra geral, nos artigos 67.º a 72.º do Código do IRC (actuais 73.º a 78.º) está previsto um regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de partes sociais de sociedades residentes. O objectivo deste regime, que resulta da transposição da Directiva n.º 90/934/CEE, é assegurar a neutralidade dessas operações de reorganização das unidades produtivas, mediante o cumprimento de determinadas condições.

 

Assim, determina o n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRC (em vigor à data), que “na determinação do lucro tributável das sociedades fundidas ou cindidas ou da sociedade contribuidora, no caso da entrada de activos, não é considerado qualquer resultado derivado da transferência dos elementos patrimoniais em consequência da fusão, cisão ou entrada de activos, nem são consideradas como proveitos ou ganhos, nos termos do n.º 2 do artigo 34.º, as provisões constituídas e aceites para efeitos fiscais que respeitem aos créditos, existências e obrigações e encargos objecto de transferência.”

 

 

No n.º 1 do artigo 67.º, o legislador dá-nos a noção de fusão, para efeitos de aplicação do presente regime. Considera-se fusão:

a)   A transferência global do património de uma ou mais sociedades (sociedades fundidas) para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária) e a atribuição aos sócios daquelas de partes representativas do capital social da beneficiária e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas;

b)   A constituição de uma nova sociedade (sociedade beneficiária), para a qual se transferem globalmente os patrimónios de duas ou mais sociedades (sociedades fundidas), sendo aos sócios destas atribuídas partes representativas do capital social da nova sociedade e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas;

c)   A operação pela qual uma sociedade (sociedade fundida) transfere o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para a sociedade (sociedade beneficiária) detentora da totalidade das partes representativas do seu capital social.

 

Também da definição de fusão resulta claramente que, para o Direito Fiscal, a fusão é vista na óptica de transferência do património de uma sociedade para outra. Aliás, o conceito de fusão é mais abrangente que o previsto no Código das Sociedades Comerciais, ao classificar como fusão a transferência de todo o conjunto de activos e passivos de uma sociedade totalmente dominada para a sociedade dominante (al. c)).

 

Para que possa beneficiar deste regime, a sociedade incorporante deve observar as seguintes condições (n.ºs 3 e 4 do artigo 68.º em vigor à data): (i) Os elementos patrimoniais objecto de transferência sejam inscritos na respectiva contabilidade com os mesmos valores que tinham na contabilidade das sociedades fundidas, cindidas ou da sociedade contribuidora; (ii) O apuramento dos resultados respeitantes aos elementos patrimoniais transferidos é feito como se não tivesse havido fusão, cisão ou entrada de activos; (iii) As reintegrações ou amortizações sobre os elementos do activo imobilizado transferidos são efectuadas de acordo com o regime que vinha sendo seguido nas sociedades fundidas, cindidas ou na sociedade contribuidora.

 

Ou seja, não haverá lugar a tributação em sede de IRC dos activos transmitidos se a sociedade incorporante ou nova sociedade mantiver o mesmo registo fiscal do valor e política de amortizações dos activos.

 

Admite-se também que os prejuízos fiscais possam ser transmitidos para a nova sociedade ou sociedade incorporante, mediante requerimento do sujeito passivo à Direção Geral dos Impostos (ora Autoridade Tributária e Aduaneira).

 

Citamos, quanto à natureza deste regime, o Acórdão do CAAD, Proc. n.º 83/2013-T, “Não é pacífica a caracterização do “regime especial aplicável às fusões, cisões e entradas de activos”. Diversas análises doutrinárias, em particular sobre a questão da transmissão de prejuízos, defendem o carácter de desagravamento estrutural que não de benefício fiscal. A jurisprudência tem também analisado a questão, encontrando-se posições divergentes. Assim, para além da jurisprudência que considera que a transmissão de prejuízos constitui benefício fiscal (por exemplo, Acórdãos do STA de 05/07/2006, rec. 142/06; de 12/07/2006, rec.1003/05; de 6/11/2008, rec. 40/08) existem diversos acórdãos mostrando abertura à doutrina que defende tratar-se de um desagravamento estrutural (p. ex Ac. de 16/06/2010, rec 103/10), ainda quando essa questão não é determinante para a decisão in casu. Este Acórdão (rec 103/10), após proceder à síntese da doutrina sobre a questão, refere: “De todo o modo, como se disse, também é duvidosa a conclusão de estarmos perante um verdadeiro benefício fiscal, considerando que a própria natureza do regime em questão (o regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções) tem em vista o princípio da neutralidade fiscal (de acordo, aliás, com o regime de neutralidade previsto na Directiva 90/434/CEE). “

 

 

Em qualquer dos casos ou doutrina perfilhada, o regime de neutralidade tem natureza especial e extraordinária, pelo que só é aplicável nos termos e condições expressamente previstos no Código do IRC. No demais ou caso não sejam respeitados os respectivos requisitos, as transmissões patrimoniais realizadas – porque é este o sentido fiscal de fusão – serão tributadas.

 

Assim sendo, no caso, não estando expressamente prevista no regime especial de neutralidade a sucessão de benefícios fiscais no acto de fusão, a estes benefícios serão aplicáveis as regras gerais do Estatuto dos Benefícios Fiscais quanto à sua transmissão.

 

Nesse sentido se pronunciou o Acórdão do CAAD, Proc. n.º 83/2013-T, quando diz “Ainda que a Requerida tivesse efectivamente condições para usufruir das vantagens previstas nos artigos 67.º e do CIRS (redacção em 2007) –respeitantes ao regime de neutralidade fiscal em caso de fusões, cisões e entrada de activos, interpolado nosso,  não pode deixar de se ter em conta que tais desagravamentos – quer constituam desagravamentos de carácter estrutural quer benefícios fiscais – encontram-se expressamente previstos no Código do IRC.

E entre essas vantagens não se encontra prevista a sucessão das sociedades beneficiárias em actos de fusão e/ou cisão na titularidade de benefícios fiscais que houvessem sido atribuídos pela lei às empresas cindidas, atendendo a pressupostos reunidos por essas mesmas empresas”.

 

B4. Transmissão de Benefícios Fiscais

 

 

Como referido supra, a Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, que cria o SIFIDE, é omisso quanto à possibilidade de transmissão em caso de modificação societária, pelo que devemos atender ao disposto no artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais sobre “transmissão dos benefícios fiscais”[1].

 

O n.º 1 do EBF estabelece dois princípios: “de um lado, o princípio da intransmissibilidade do direito aos benefícios inter vivos; de outro, o princípio da intransmissibilidade do mesmo direito mortis causa desde que no transmissário se verifiquem os pressupostos do benefícios e este não seja de natureza estritamente pessoal, como será o caso, por exemplo, dos benefícios concedidos a deficientes, a reformados, etc.” (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2010, 6.ª Ed., p. 442).

 

O princípio da intransmissibilidade inter vivos tem duas excepções: a primeira, constante do n.º 2 do artigo 15.º, de aplicação imediata, prevê a transmissibilidade do direito aos benefícios fiscais que sejam indissociáveis do regime aplicável a certos bens (como por exemplo, os benefícios concedidos a prédios urbanos reabilitados que se destinem à habitação); a segunda, constante do n.º 3 do artigo 15.º estabelece que é transmissível mediante autorização do Ministro das Finanças, o direitos aos benefícios fiscais concedidos, por acto ou contrato fiscal, a pessoas singulares ou colectivas, desde que no transmissário se verifiquem os pressupostos do benefício e fique assegurada a tutela dos interesses públicos com ele prosseguidos.

 

Ora, no caso, não é aplicável qualquer das excepções previstas.

 

Com efeito, atendendo à natureza mista do benefício fiscal previsto no SIFIDE, não podemos enquadra-lo na excepção do n.º 2 do artigo 15.º por não se tratar de um direito inerente ao regime jurídico de certos bens, acompanhando-os nas suas transmissões.

 

Por outro lado, o carácter automático do benefício fiscal (opera mediante a verificação das respectivas condições) afasta-o da excepção do n.º 3 do artigo 15.º que se reporta a benefícios fiscais que dependem de reconhecimento por acto administrativo ou contrato fiscal (vide NUNO SÁ GOMES, Idem, p. 250).

 

Em conclusão, in casu, o benefício fiscal do SIFIDE não é transmissível no âmbito da operação de fusão por incorporação por não se enquadrar nas excepções legalmente previstas ao princípio da intransmissibilidade inter vivos dos benefícios fiscais.

 

Poderá, no entanto, considerar-se que a fusão opera em termos análogos a uma transmissão mortis causa (tal como invocado pela Requerente), aplicando-se, assim, o disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 15.º do EBF?

Atendendo à natureza da fusão, apesar das divergências doutrinárias já expostas, parece pacífico para a generalidade da doutrina comercial que a fusão não constitui uma transmissão mortis causa. Com refere RAÚL VENTURA, “É sabido que o caso típico de sucessão a título universal é a sucessão por morte de pessoa singular, mas para que a fusão de sociedades implique a sucessão universal não é necessário equiparar a extinção de sociedade(s), que nesse caso se verifica, ao fenómeno sucessório mortis causa. Basta que o legislador organize a fusão como uma transmissão do património nos termos acima referidos. Quer dizer: a sucessão por morte é o caso típico de sucessão universal, mas não necessariamente o único.” (RAUL VENTURA, Fusão, p. 236). Caso aceitemos que a fusão é um acto modificativo da sociedade, também aqui a sucessão universal não é aceite. O efeito extintivo não é a causa da transmissão do património mas antes a sua consequência (DIOGO COSTA GONÇALVES, Idem, pp. 389 e 391).

 

Sem prejuízo, acrescentamos ainda que a lei fiscal também não equipara, em momento algum, a fusão à transmissão mortis causa, o que permite concluir, em consonância com NUNO SÁ GOMES[2], que não há sucessão de benefícios fiscais mas a sua extinção e o eventual nascimento na esfera da nova entidade do benefício fiscal, se cumpridos os requisitos previstos na lei. A relevância fiscal da fusão é, para o Direito Fiscal, o acto da transmissão do património entre as sociedades e não o momento posterior da eventual extinção da personalidade jurídica das sociedades incorporadas.

 

Em conclusão, à fusão não é aplicável o disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 15.º do EBF por não se tratar de uma transmissão mortis causa.

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)      Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2013 ..., de 14 de Janeiro de 2013, referente ao ano de 2009, e correspondentes liquidações adicionais de juros compensatórios, no montante global de EUR 669.043,36;

b)      Condenar a Requerente ao pagamento das custas do processo, no montante de € 9.792,00, tendo-se em conta o já pago.

 

D. Valor do processo

Atribui-se ao processo o valor de € 669.043,36, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

O valor da taxa de arbitragem é de €9.792,00, por força da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa

11 de Novembro de 2014

 

O tribunal colectivo,

 

 

(Jorge Lopes de Sousa, em substituição de

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa)

 

 

 

 

 

 

(Amândio Silva)

 

 

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 



[1]Portanto, a transmissão do direito aos benefícios fiscais depende dos regimes jurídicos instituídos para cada caso aplicando-se supletivamente os princípios gerais, previstos no artigo 13.º (ora 15.º) do EBF.” NUNO SÁ GOMES, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de CTF (165), p. 250.

[2] NUNO SÁ GOMES, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1991, p. 242.