Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 489/2020-T
Data da decisão: 2022-01-06  IRC  
Valor do pedido: € 8.246.896,00
Tema: IRC. RETGS. Dotação de SIFIDE gerada em período de tributação intercalar - art. 38.º CFI. Dedução de benefícios fiscais registados em sociedades antes da entrada no Grupo – art.º 90.º, n.º 2 CIRC - *Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 21 de março de 2024, Recurso n.º 21/22.2BALSB.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral coletivo, constituído em 17 de dezembro de 2020, Alexandra Coelho Martins (presidente), Francisco José Nicolau Domingos e Jorge Carita, acordam no seguinte:

 

 

I.       Relatório

 

a…, SGPS, S.A., doravante “Requerente”, com o número único de matrícula e pessoa coletiva …, com sede na Avenida …, … Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, na sequência da notificação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra os atos tributários de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), referentes ao período de tributação de 2015.  

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

A Requerente pretende a anulação parcial da decisão da Reclamação Graciosa autuada sob o n.º … e das demonstrações da liquidação adicional de IRC n.º 2019 …, da liquidação de juros n.º 2019 … e respetivas “Compensação” e “Acerto de contas”, bem como da Demonstração de Reacerto Financeiro de Liquidação de IRC com o mesmo n.º 2019 …, liquidação de juros n.º 2019 … e respetivas “Compensação” e “Acerto de contas”, no valor global a pagar de € 8.246.896,00.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 28 de setembro de 2020 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto do artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

 

Em 13 de novembro de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 17 de dezembro de 2020.

 

Em 26 de fevereiro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defendeu por impugnação, concluindo pela improcedência e absolvição da Requerida de todos os pedidos. Juntou ulteriormente o processo administrativo (“PA”).

 

Por despacho de 10 de março de 2021, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.

 

Por despacho de 1 de abril de 2021, foi concedida às Partes a faculdade de, querendo, apresentarem alegações e fixado o prazo para prolação da decisão até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.

 

A Requerente apresentou alegações em 13 de abril de 2021, tendo a Requerida contra alegado em 27 de abril de 2021. Ambas as Partes reiteraram os argumentos esgrimidos nos respetivos articulados iniciais.

 

Por despachos de 11 de junho e 25 de outubro de 2021, foi prorrogado o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

Posição da Requerente

 

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega diversas ilegalidades, de índole formal e material, relativamente às duas correções que constituem o objeto da presente ação e que foram concretizadas na sua esfera, na qualidade de sociedade dominante do Grupo b…, abrangido pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades (“RETGS”) – v. artigos 69.º e seguintes do Código do IRC:

  • Uma correção relativa a dotação SIFIDE[1] no período de tributação intercalar designado 2015-I; e,
  • Outra correção relativa a créditos de imposto referentes a benefícios fiscais.  

 

Neste âmbito, invoca, em síntese, os seguintes vícios:

  1. Falta de fundamentação das liquidações geradora de nulidade por violação do direito fundamental procedimental, previsto no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição, ou, a título subsidiário, de anulabilidade, nos termos do disposto no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”);
  2. Utilização ilegal da inspeção tributária realizada ao Grupo para fundamentar correções à dedução do SIFIDE, que apenas poderiam ser realizadas ao nível das sociedades a título individual (às quais o SIFIDE respeita e foi gerado), o que viola os corolários do Princípio da Boa Administração (artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e artigo 5.º do CPA) e da Boa-Fé (artigo 10.º do CPA);
  3. Caducidade do direito à liquidação em 30 de junho de 2019, para as correções do período de tributação intercalar 2015-I (que se iniciou em 1 de janeiro de 2015 e terminou em 30 de junho desse ano), pois o facto tributário ocorreu em 30 de junho de 2015, como decorre do artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC, atendendo ao prazo geral máximo de 4 anos previsto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT. A suspensão do prazo de caducidade alegada pela AT, em virtude da inspeção realizada à Requerente, não altera esta conclusão, uma vez que as correções individuais às sociedades dominadas, como as referentes a benefícios fiscais, deveriam ter resultado de uma inspeção a nível individual a essas entidades, o que não sucedeu, não tendo estas sido notificadas das correções. Tendo o prazo decorrido para as sociedades a nível individual, esse prazo terá também decorrido para efeitos do Grupo b…, inexistindo norma especial no âmbito do RETGS;
  4. Erro sobre os pressupostos de facto e erro de direito em relação à não consideração das despesas de investimento elegíveis para efeitos de SIFIDE (montante de crédito apurado) no período de 1 de janeiro a 30 de junho de 2015, com o único fundamento de se tratar de período intercalar (i.e., menor do que 12 meses), dado:
    1. O ano 2015 não ter sido o primeiro ano em que as sociedades do Grupo b… usufruíram do SIFIDE, pelo que é inaplicável a restrição prevista no n.º 5 do artigo 38.º do Código Fiscal do Investimento (“CFI”), que pressupõe duas condições – ser o ano de início de fruição do benefício e ocorrer a alteração do período de tributação;
    2. O crédito fiscal em causa estar certificado pela Agência Nacional de Inovação (“ANI”), com referência aos 18 meses dos “dois períodos de tributação de 2015”;
    3. A posição da AT violar o Princípio Constitucional da Legalidade, ser Desproporcional e atentatória do Princípio da Igualdade;
  5. Erro de direito relativamente à não aceitação da dedução dos créditos fiscais decorrentes de benefícios registados em sociedades que, em consequência de alteração legislativa vigente a partir de 2014, entraram no perímetro de novo grupo, tal como já reconhecido na decisão do processo arbitral n.º 482/2019-T, porquanto:
  1. Ao contrário do artigo 71.º do Código do IRC, não existe qualquer limitação no artigo 90.º, n.º 2, alínea c) do mesmo diploma à dedução dos créditos dos benefícios fiscais;
  2. Nem se compreenderia que o critério referente aos prejuízos fiscais e aplicado no artigo 71.º do Código do IRC houvesse de ser aplicado à dedução de benefícios fiscais na área do investimento e da investigação e desenvolvimento empresarial, não se identificando sequer qualquer lacuna a ser colmatada, pelo que resulta ofendido diretamente o disposto nos artigos 69.º, 70.º, 71.º e 90.º, n.º 2, alínea c) do Código do IRC;
  3. O entendimento da AT noutros anos (2003) foi o de aceitar a dedução sem limites de benefício fiscal de Investigação e Desenvolvimento gerado em período anterior (2002) ao da entrada de uma sociedade (C…) no perímetro do RETGS de então;
  4. A título subsidiário, no caso de prevalecer a tese da Requerida em relação aos benefícios gerados em anos anteriores, só à Requerente, e não à AT, caberia a definição (do modo e da ordem de utilização) dos benefícios a serem utilizados/consumidos no período de tributação de 2015-I;
  5. O Princípio do caso julgado milita no sentido de ser dada solução idêntica à do citado processo n.º 482/2019-T;
  1. O entendimento da AT viola ainda os seguintes princípios[2]:
    • Da Igualdade (artigo 13.º da Constituição), da tributação pelo rendimento real (artigos 103.º e 104.º da Constituição);
    • Da Legalidade e da Hierarquia das Fontes (artigo 112.º da Constituição);
    • Da Proibição do Excesso na vertente da Proporcionalidade stricto sensu, adequação e necessidade (artigo 18.º da Constituição); e
    • Da Proteção da Confiança, pela introdução de limites posteriores e casuísticos.

A violação dos corolários destes princípios opera uma restrição não expressamente autorizada ao direito à propriedade (artigo 62.º da Constituição), ao direito de liberdade de iniciativa e organização empresarial (alínea e) do artigo 80.º da Constituição); ao direito de liberdade de gestão (alínea f) do artigo 81.º da Constituição); à garantia de liberdade e existência de um sector privado (n.º 1 e n.º 3 do artigo 82.º da Constituição); e uma violação não expressamente autorizada da vertente negativa da proibição de intervenção do Estado na gestão das empresas privadas (n.º 2 do artigo 86.º da Constituição);

  1. Violação de lei na liquidação de juros compensatórios, quer por caducidade do direito à liquidação, na parte referente ao período de 2015-I, quer por não se verificar o indispensável pressuposto de culpa da Requerente.

 

Posição da Requerida

 

Segundo a Requerida, não se verificam as ilegalidades invocadas pela Requerente:

  1. Sobre a falta de fundamentação, considera que a Requerente confunde os conceitos distintos de notificação da liquidação e de fundamentação dos atos tributários. Sustenta que os fundamentos das liquidações constam, de forma expressa, do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) e seus anexos. A notificação do ato não é condição de validade do mesmo, podendo apenas diferir a sua eficácia, e não se confunde com o ato notificado, nem a deficiência da notificação retira ao ato fundamentado a fundamentação que dele consta. No caso, as liquidações fundamentam-se nas conclusões dos relatórios finais dos procedimentos inspetivos das sociedades dominadas, que motivaram a realização de ajustamentos ao cálculo do IRC do Grupo B…, dos quais a Requerente foi notificada percecionando-os corretamente.

Notificadas as sociedades dominadas da fundamentação das correções em sede de procedimentos de inspeção e notificada a sociedade dominante da fundamentação dos ajustamentos efetuados ao resultado fiscal e ao imposto apurados pelo Grupo, não necessitam os atos de liquidação, que a Requerente sabia que lhe seriam notificados, de reproduzir novamente todos os fundamentos. Considera mostrarem-se cumpridos os requisitos de fundamentação previstos no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT.

Quanto à demonstração de acerto de contas refere que é “um ato em que a AT procede a um acerto entre créditos e débitos do contribuinte, créditos e débitos esses definidos (declarados) e titulados noutros atos (atos tributários, decisões jurisdicionais, etc.)” e que a certidão emitida nos termos do artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) informou a Requerente sobre os atos de apuramento do imposto;

  1. No tocante à utilização do procedimento de inspeção ao Grupo B… para fundamentar correções necessariamente individuais ao SIFIDE e à caducidade da liquidação, a AT deu integral cumprimento ao disposto no RETGS, tendo sido realizadas inspeções às sociedades dominadas na sua esfera individual, cujo relato faz parte do relatório do procedimento inspetivo do Grupo, pelo que as correções em apreço têm fundamento nas regras de apuramento do imposto respeitantes ao Grupo. É o rendimento do conjunto das sociedades que serve de base ao apuramento da matéria coletável do IRC, recaindo sobre a sociedade dominante o dever de apresentar a declaração anual do Grupo e de proceder ao pagamento do imposto. As declarações de rendimentos submetidas pelas sociedades a título individual (incluindo a dominante) ficam na situação de não liquidáveis, constituindo obrigação legal da dominante submeter uma declaração de rendimentos do Grupo, a partir da qual irá ser gerada a liquidação do imposto.

A matéria coletável e a coleta são apuradas exclusivamente ao nível do Grupo pela sociedade dominante, sendo também nesta esfera que se coloca a possibilidade de utilização de prejuízos fiscais e de benefícios fiscais. As sociedades dominadas só apuram matéria coletável e coleta para efeitos declarativos, os prejuízos e benefícios fiscais são utilizados na esfera do Grupo seguindo regras próprias, sendo apenas praticado um ato de liquidação de IRC.

Relativamente à caducidade esta tem de se aferir por referência ao contribuinte a quem foi feita a liquidação, a Requerente, a quem foi notificada antes do decurso do prazo de caducidade, e não às sociedades dominadas;  

  1. Quanto à questão de fundo de dotação do SIFIDE no período de tributação intercalar, face ao disposto no artigo 38.º, n.º 5 do CFI, o cerne da divergência situa-se no que se deve entender por “ano de início de fruição do benefício”. Para a AT, é qualquer ano em que o sujeito passivo realiza despesas de investimento elegíveis, no decurso do qual ocorra mudança do período de tributação, por necessidade de homogeneização dos períodos de tributação (para determinar a grandeza a que é aplicável a taxa incremental), contrariamente ao preconizado pela Requerente que considera ser o primeiro ano em que o sujeito passivo pode usufruir do benefício fiscal SIFIDE. A ANI certificou as despesas e o crédito de imposto para um período com a duração de 18 meses, abrangendo dois períodos de tributação distintos (2015-I e 2015-II), seguindo uma metodologia de cálculo da parcela relativa à aplicação da taxa incremental sem apoio na lei (v. artigo 38.º, n.º 1, alínea b) do CFI).

Não ocorre violação do artigo 103.º, n.º 2 da Constituição, nem do princípio da tributação pelo rendimento real ou do princípio da igualdade, pois os benefícios fiscais são medidas de caráter excecional, cuja aplicação depende da verificação dos requisitos definidos na lei;

  1. No que se refere aos consumos de crédito de imposto por benefícios fiscais pelo alargamento do perímetro do Grupo B…, derivados da alteração, em 2014, do artigo 69.º, n.º 2 do Código do IRC, por força da redução do limiar percentual de 90% para 75%, a dedução à coleta do Grupo, nos termos do artigo 90.º, n.º 6 do Código do IRC, tem por limite o montante que cada sociedade individualmente poderia deduzir se tributada autonomamente.

A redação do artigo 90.º, n.º 6 do Código do IRC não comporta qualquer referência à determinação do quantitativo dos créditos de imposto por benefícios fiscais (e de outras deduções) relativos a cada uma das sociedades do grupo, que podem ser abatidos à coleta deste, como resulta da decisão no processo arbitral n.º 648/2015-T. Assim, a medida da utilização desse direito deve balizar-se pelas mesmas regras que são aplicadas às entidades que, pela primeira vez, ficam abrangidas pelo RETGS, ou seja, a dedução tem por limite a coleta apurada na declaração individual (v. artigos 90.º, n.ºs 2 e 6 e 126.º, n.º 6, alínea b) do Código do IRC e artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”)).

Não é aplicável a exceção de caso julgado (v. artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil (“CPC”)), nem a força do caso julgado se estende aos fundamentos da sentença (artigo 659.º, n.ºs 1 e 2 do CPC);

  1. É a interpretação da Requerente que padece de violação do princípio constitucional da legalidade fiscal e da igualdade tributária ao conduzir à transmissão de forma automática de benefícios fiscais a sociedades do Grupo que em nada contribuíram para a obtenção do seu direito;
  2. Por outro lado, é incorreta a afirmação de que, segundo a jurisprudência constitucional, a introdução de normas limitativas de benefícios é violadora do Princípio da Proteção da Confiança. O que não se aceita é que a norma limitativa consagre intoleráveis efeitos retroativos;
  3. Em relação à liberdade de iniciativa, essa liberdade não é afetada pelo sistema fiscal. Os atos de gestão empresarial podem originar o pagamento de imposto quando preencham os pressupostos de incidência tributária;
  4. Em matéria de juros compensatórios, estes são devidos ao abrigo do disposto no artigo 35.º da LGT, pelo incumprimento das normas legais vigentes e pelas inexatidões e omissões praticadas no preenchimento da declaração Modelo 22 de IRC, das sociedades dominadas;
  5. Não assiste à Requerente o direito a juros indemnizatórios atendendo a que o ato de liquidação não enferma de qualquer vício que deva ditar a sua anulação.

 

 

II.      Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da liquidação de IRC (com as legais consequências no ato de segundo grau que a confirmou), à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigo 4.º e artigo 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 25 de setembro de 2020, no prazo de 90 dias a contar da notificação do indeferimento da Reclamação Graciosa, por ofício datado de 8 de julho de 2020, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT em conjugação com o disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT.

 

Não existem exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

 

 

III.    Questões a Apreciar

 

Considerando a ordem de conhecimento dos vícios estabelecida no artigo 124.º do CPPT, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, importa apreciar, em primeiro lugar, da alegada nulidade por violação de direito fundamental procedimental, relativo à (falta de) fundamentação dos atos tributários, e, a título subsidiário, da respetiva anulabilidade.

 

De seguida, o Tribunal conhecerá das demais ilegalidades geradoras de anulabilidade, começando pelas que confiram a tutela mais estável e eficaz dos interesses em presença no âmbito deste processo.

 

Prioritariamente, estas respeitam a vícios substantivos de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, de seguida enumerados, que, em caso de procedência impedem a reedição ou renovação dos atos tributários impugnados nos presentes autos:

  1. Exclusão indevida das despesas de investimento realizadas no período de tributação intercalar [2015-I] da dotação do SIFIDE, por violação do disposto no artigo 38.º do CFI e dos princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade e da igualdade;
  2. Não aceitação da dedução à coleta do Grupo dos créditos fiscais decorrentes de benefícios registados em períodos de tributação anteriores em sociedades que ainda não integravam o Grupo (Fiscal) B…, com ofensa dos artigos 69.º, 70.º, 71.º e 90.º, n.º 2, alínea c) do Código do IRC e dos princípios constitucionais da igualdade e da tributação pelo rendimento real, da legalidade e da hierarquia das fontes, da proporcionalidade e da proteção da confiança;
  3. Não preenchimento do pressuposto da culpa quanto aos juros compensatórios (v. artigo 35.º da LGT).

 

Por fim, na medida em que não resultem prejudicados pela solução dada aos anteriormente referidos, serão apreciados os vícios respeitantes à invocada utilização ilegal da inspeção realizada ao grupo para fazer correções que deveriam ser feitas ao nível individual e à caducidade do direito à liquidação, quer do imposto, quer dos juros compensatórios.

 

 

IV.     Fundamentação de Facto

 

1.         Factos Assentes

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A A…, SGPS, S.A., aqui Requerente, foi constituída em 1991 e tem por objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades, sob o CAE 64202, sendo um sujeito passivo abrangido pelo regime geral do IRC – cf. Documentos 1 (Informação n.º …-AIR1/2020 do procedimento de Reclamação Graciosa) e 7 (Relatório de Inspeção Tributária – RIT) juntos pela Requerente.
  2. A Requerente é a sociedade dominante de um Grupo de sociedades – o Grupo B… – enquadrado, para efeitos de IRC, no RETGS, previsto nos artigos 69.º a 71.º do respetivo Código – cf. Documentos 1 e 7 juntos pela Requerente.
  3. O Grupo B… está organizado em três áreas de negócio:
    1. Papel e pasta de papel, através da participação no Grupo D…;
    2. Cimentos e derivados, através de participações no Grupo E…;
    3. Ambiente, através da participação no Grupo F….
  4. Com a aprovação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro (Reforma do IRC), foi, no âmbito do RETGS, alterado o requisito da percentagem mínima de detenção do capital social das sociedades dominadas pela sociedade dominante, que passou de 90% para 75% (v. artigo 69.º, n.º 2 do Código do IRC), o que suscitou uma alteração do perímetro fiscal do Grupo B… – cf. Documento 7 junto pela Requerente.
  5. Neste âmbito, a Requerente optou pela alteração na composição do Grupo que encabeça, que passou a integrar as sociedades que se mostravam elegíveis nos dois grupos fiscais (i.e., percentagem mínima de participação de 75%) e que tinham por sociedades dominantes a G…, S.A. e a H…, S.A. – cf. Documento 7 junto pela Requerente.
  6. Deste modo, desde 1 de janeiro de 2014, as sociedades que integravam os Grupos Fiscais E… e D… a 31 de dezembro de 2013 passaram a integrar o Grupo B…, tendo a Requerente considerado que os benefícios fiscais ao investimento (SIFIDE, CFEI e RFAI) gerados por aquelas sociedades antes de integrarem o grupo por si dominado, reportavam em benefício do imposto do Grupo B… a partir do período de tributação de 2014 – cf. Documentos 1 e 7 juntos pela Requerente.
  7. Em 30 de junho de 2015, verificou-se a alteração do período de tributação de IRC da Requerente e de todas as sociedades incluídas no seu Grupo fiscal, pelo que o ano 2015 se desdobrou por dois períodos de tributação, que a AT designou de:
    1. 2015-I – período intercalar ou transitório com apenas seis meses, de 1 de janeiro a 30 de junho de 2015; e
    2. 2015-II – período normal de doze meses, de 1 de julho de 2015 a 30 de junho de 2016,

– cf. Documento 7 junto pela Requerente.

  1. No período de 2015-I, o perímetro do Grupo B… incluía 59 sociedades, tendo ficado reduzido no período subsequente, de 2015-II, a 24 sociedades, em virtude da redução da participação da Requerente na H…, S.A. de 75,85% para 64,84% do capital social [passando a situar-se abaixo do mínimo de 75% legalmente exigido], com a consequente saída do “sub-Grupo” D… do Grupo B… – cf. Documento 7 junto pela Requerente.
  2. Na declaração modelo 22 de IRC (número …) submetida pela Requerente como sociedade dominante do Grupo B…, em 26 de outubro de 2016, com referência ao período fiscal 2015-I, foi deduzido à coleta deste imposto, a título de dotação de SIFIDE do período, o valor de € 643.552,90 (campo 710 do Quadro 07 do Anexo D), determinado com base em estimativa. Este valor decompõe-se em:
    1. € 177.655,06 – SIFIDE estimado pela sociedade antes denominada I…, S.A. (adquirida pelo Grupo D… em junho de 2015 e depois fundida na J…, S.A. a 30 de junho de 2016, dando origem à atualmente designada K…, S.A.);
    2. € 465.897,84 – SIFIDE estimado pelas demais empresas do Grupo B…,

– cf. Documento 7 junto pela Requerente.

  1. O total de dotação de SIFIDE gerado por sociedades do Grupo B…, apurado pela Requerente, reportado aos períodos de 2015-I e 2015-II (i.e., de 1 janeiro de 2015 a 30 de junho de 2016) ascendeu a € 7.347.783,12, valor que só em novembro de 2016 ficou determinado e conhecido com a certificação da ANI, que abrangeu aquele período de 18 meses. De acordo com a distribuição da Requerente – proporcional ao volume de despesas de cada um destes períodos de tributação – € 3.211.136,74 são imputáveis ao período de 2015-I e € 4.136.646,38 ao período de 2015-II – cf. Documento 7 (quadro 31) junto pela Requerente.
  2. A Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo B…, deduziu à coleta de IRC deste Grupo, com referência aos períodos fiscais de 2015-I e 2015-II, benefícios fiscais ao investimento (SIFIDE, CFEI e RFAI) ainda não consumidos e gerados pelas sociedades que pertenciam aos Grupos Fiscais E… e D…, antes da sua inclusão no perímetro do Grupo B… que produziu efeitos a 1 de janeiro de 2014. As referidas sociedades utilizavam o benefício do SIFIDE pelo menos desde 2013 – cf. Documentos 1, 7, 14 e 17 juntos pela Requerente.
  3. Com referência ao período fiscal 2015-II, a Requerente apresentou a declaração modelo 22 de IRC (número …), como sociedade dominante do Grupo B…, em 30 de novembro de 2016 – cf. Documento 7 junto pela Requerente.
  4. Os Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) realizaram um procedimento inspetivo externo ao Grupo B…, com início em 8 de fevereiro de 2019, ao abrigo da Ordem de Serviço OI2018…, para verificar o cumprimento das obrigações em sede de IRC inerentes à aplicação do RETGS, consagrado nos artigos 69.º a 71.º do Código deste imposto – cf. Documento 7 junto pela Requerente.
  5. Na sequência do procedimento inspetivo realizado à Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo B…, e dos procedimentos inspetivos (internos e externos) que o antecederam, incidentes sobre a situação individual de algumas das sociedades dominadas, esta foi notificada, após exercício do direito de audição, do correspondente Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), do qual constam diversas correções.  Sobre este Relatório recaiu despacho de concordância do Diretor Adjunto da UGC, datado de 6 de agosto de 2019 e notificado à Requerente pelo ofício … da UGC, de 7 de agosto de 2019 – cf. Documento 7 junto pela Requerente.
  6. Com relevância para a presente ação, por constituírem o seu objeto, estão em causa as seguintes correções/ajustamentos ao cálculo de imposto (IRC) do Grupo B… do período de 2015-I:
    1. Dotação de SIFIDE de despesas de investimento do período – € 643.552,90;
    2. Consumo de crédito de imposto por benefícios fiscais – € 6.728.312,72;

– cf. Documento 7 junto pela Requerente.

  1. Em relação ao cálculo de imposto (IRC) do Grupo B… do período de 2015-II, as correções contestadas pela Requerente respeitam à desconsideração, pela AT, de uma parte do crédito de imposto por SIFIDE calculado pela ANI, por invocada desconformidade com o entendimento emitido pela DSIRC – cf. Documento 7 junto pela Requerente.

 

 

  1. Para justificação das correções em apreço, extraem-se do RIT, que se dá, no mais, por reproduzido, os seguintes fundamentos:

III.1.2.2.2 – Correções à dotação por SIFIDE do período: 643.552,90 Euros

A declaração Modelo 22 de IRC do grupo B… reportada ao período de tributação de 2015-I indica a constituição de um crédito de imposto por SIFIDE no valor de 643.552,90 Euros. Declaração que constitui a nossa base de análise.

[…]

 No decurso do procedimento de inspeção, a sociedade dominante apresentou certidões emitidas pela Agência de Inovação relativamente ao SIFIDE de 2015 das seguintes sociedades:

Quadro 19: Situação das candidaturas a SIFIDE

 

O Quadro anterior apresenta de forma resumida a situação das candidaturas a SIFIDE aprovadas pela ANI para o período de 2015 que as empresas que a A…, enquanto sociedade dominante do grupo para efeitos de RETGS, indicou como geradoras do crédito de imposto em razão das despesas de I&D realizadas no período e enquadráveis no artigo 32.º do Código Fiscal ao Investimento.

Com exceção da situação da K…, SA (…) que será objeto de análise diferenciada, importa ter em consideração que em função da existência de dois períodos de tributação no ano de 2015, as candidaturas apresentadas e em conformidade com a indicação dada pela Agência de Inovação à H… [não obstante o procedimento inspetivo ser à A…, a troca de correspondência com a ANI foi com a H…] se caracterizam por:

  1. Terem sido submetidas no prazo aplicável ao periodo completo de 12 meses iniciado em 2015 (e que se convencionou chamar de 2015-II);
  2. Incluírem despesas de I&D realizadas no período de 2015-01-01 a 2016-06-30 ou seja, despesas realizadas nos periodos de tributação de 2015-I e 2015-II.

No decurso do procedimento de inspeção ao grupo, foi questionada a sociedade dominante quanto aos motivos que justificam a repartição, ou não, do valor do crédito de imposto por cada um dos períodos de tributação, tendo em conta que as candidaturas (com exceção da K… – …) se referem a despesas de I&D num período de 18 meses, e que as diferentes declarações Modelo 22 de IRC submetidas pela A… (mas não liquidadas pela AT) com referência ao RETGS de 2015-I e de 2015-II, a sociedade dominante considerou:

  1. Para as empresas do grupo na atividade de tratamento de resíduos («grupo F…») todo o SIFIDE foi afeto ao período de tributação iniciado em 01 julho 2015 (2015-II);
  2. Para as empresas do grupo na atividade de cimento («grupo E…») todo o SIFIDE foi afeto ao período de tributação iniciado em 01 janeiro 2015 (2015-I);
  3.  Para as empresas do grupo na atividade de papel («grupo D…») o SIFIDE objeto de candidatura foi repartido pelos períodos de tributação.

     a) SIFIDE da K… (…) em 2015: 177.655,06 Euros

A K… (…) era tributada em IRC com o período de tributação coincidente com o ano civil pelo que o período de tributação de 2015 se concluiu em 2015-12-31. Em conformidade com o n.º 3 do artigo 40.º do CFI, a K… (…) submeteu em 2016-07-26 uma candidatura a benefício fiscal por SIFIDE no valor de 210.153,81 Euros que nos termos do n.º 1 do artigo 38.º do CFI é dedutível em 2015 ou, por ausência de coleta, até aos seis períodos seguintes, por aplicação do n.º 4 do artigo 38.º do CFI.

A K… (…), antes I…, S.A., foi adquirida pela Z… SGPS (…), empresa que integra o grupo B… em 2015-06-04, pelo que não está verificado o pressuposto da al. b) do n.º 3 do artigo 69.º do Código do IRC para que a primeira sociedade integre o grupo B… no período de tributação em análise.

 Atendendo a que a K… (…) foi incorporada por fusão na J… (…) em 2016-06-30, tendo a sociedade incorporante adotado a designação da sociedade incorporada pelo que da fusão entre as duas sociedades resultou a K… (…), e antes da incorporação pela J…, a K… (…) é ainda tributada em IRC no período de 2016, só em caso de impossibilidade de utilizar o crédito fiscal referente a 2015 nessa liquidação de IRC de 2016 é que este crédito poderá ser utilizado pela incorporante, no período de 2016.

Contudo, ainda que das liquidações de IRC à K… (…) nos períodos de 2015 e 2016 não resulte o consumo deste crédito fiscal, sublinhe-se que a sua dedução pelo grupo D… no período de 2015-II é indevida em razão de:

  1. A fusão entre a K… e a J… apenas produz efeitos após o registo da mesma, em 2016-06-30, ou seja, no período de 2016 da incorporante;
  2. A sociedade incorporante, como já foi demonstrado, não integra o grupo fiscal que tem por sociedade dominante a H… no período de tributação 2015-II, por a participação indireta não ser detida em todo o tempo por uma via de uma sociedade elegível nos termos do n.º 5 do artigo 69.º do Código do IRC.

Assim, é indevida a inclusão no crédito fiscal por SIFIDE das empresas tributadas pelo RETGS no grupo com a sociedade dominante a A… do valor de 177.655,06 Euros, correspondente às despesas de I&D realizadas pela K… (…) no primeiro semestre de 2015.

     b) SIFIDE das empresas do grupo B… em 2015-I: 465.897,84 Euros

Como já referido, o benefício fiscal por SIFIDE que o grupo B… invoca ter sido constituído por empresas que o integram, na declaração Modelo 22 de IRC que sustenta a ultima liquidação vigente para o período, ascende a 643.552,90 Euros sendo que 177.655,06 Euros se referem a uma sociedade que no período em causa não era tributada no RETGS. Assim, o SIFIDE referente a sociedades que integram o RETGS da A… no período de 2015-I é de 465.897,84 Euros e sobre o qual vai incidir a análise a seguir.

Do enquadramento legal

No período a que respeita o crédito fiscal por SIFIDE que o grupo invoca a constituição, este benefício fiscal encontra-se regulado pelos artigos 35.º a 42.º do Código Fiscal ao Investimento.

Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 38.º do CFI, «Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2020, numa dupla percentagem: a) Taxa de base – 32,5% das despesas realizadas naquele período; b) Taxa incremental – 50% do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000,00.»

Dispõe o n.º 3 do artigo 38.º do CFI que «A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior», sendo que nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, «As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo exercício seguinte.»

«A dedução a que se refere o artigo 38.º deve ser justificada por declaração comprovativa, a requerer pelas entidades interessadas, ou prova da apresentação do pedido de emissão dessa declaração, de que as atividades exercidas ou a exercer correspondem efetivamente a ações de investigação ou desenvolvimento, dos respetivos montantes envolvidos, do cálculo do acréscimo das despesas em relação à média dos dois exercícios anteriores e de outros elementos considerados pertinentes, emitida por comissão certificadora no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial, designada por despacho do membro do Governo responsável pela área da economia, a integrar no processo de documentação fiscal do sujeito passivo a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC.», cf. n.º 1 do artigo 40.º do CFI.

Nos termos do n.º 3 do artigo 40.º do CFI, «as entidades interessadas em recorrer ao sistema de incentivos fiscais previstos no presente capítulo devem submeter as candidaturas até ao final do mês de julho do ano seguinte ao do exercício, não sendo aceites candidaturas referentes a anos anteriores a esse período de tributação».

A declaração comprovativa prevista no n.º 1 constitui uma decisão administrativa para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 122.º do Código do IRC, conforme estipula de forma expressa o n.º 7 do artigo 40.º do CFI.

 

Da análise

Em função do disposto no n.º 3 do artigo 40.º do CFI para os contribuintes com período de tributação não coincidente com o ano civil o prazo de entrega devia entender-se «até ao final do sétimo mês seguinte ao termo do exercício a que se refere a candidatura» - entendimento que veio a ser confirmado com a alteração do texto da Lei promovido pela Lei OE2019.

Assim, em função do disposto no n.º 1 do artigo 40.º do CFI no que se respeita à forma como deve ser feita a prova por cada contribuinte quando invoca a constituição do crédito de imposto por SIFIDE e atendendo ao entendimento dado ao disposto no n.º 3 do mesmo artigo 40.º, temos que:

  1. Sendo a candidatura submetida até à submissão da declaração Modelo 22 de IRC feita dentro do prazo estabelecido no Código do IRC (até ao fim do 5.º mês seguinte ao termo do período de tributação), é admitido crédito de imposto com base no valor calculado pelo contribuinte sem prejuízo da necessária correção em caso de não corresponder ao valor aprovado;
  2. Sendo a candidatura submetida após a submissão da declaração Modelo 22 de IRC feita dentro do prazo estabelecido no Código do IRC (até ao fim do 5.º mês seguinte ao termo do período de tributação) e antes do fim do 7.º mês após o termo do período de tributação, é admitido crédito de imposto correspondente ao valor que vier a ser aprovado e apenas passível de dedução após a emissão da certificação pela ANI;
  3. Sendo a candidatura submetida depois de concluído o sétimo mês após o termo do período de tributação a que respeitam as despesas, não será concedido qualquer crédito fiscal por SIFIDE.

Nesse mesmo sentido, o site da então Agência para o Desenvolvimento e Inovação, em resposta à FAQ n.º 1, indicava que as empresas que submetam as candidaturas após a data limite para a entrega da declaração Modelo 22 de IRC têm de aguardar, «para efeitos de usufruição do benefício, a declaração de certificação das despesas, podendo utilizar a possibilidade de entrega de uma declaração de substituição, no prazo de um ano contado do prazo de entrega da declaração de rendimentos do período em questão ou, se este já estiver expirado à data daquela notificação, no prazo de um ano contado desta notificação» - sublinhado nosso.

Ou seja, à data de entrega da declaração Modelo 22 de IRC referente ao período de tributação 2015-I, as sociedades do grupo B… não dispunham do comprovativo da apresentação de candidatura a que se refere o n.º 1 do artigo 40.º do CFI como elemento de prova do crédito fiscal invocado.

Contudo tal situação decorre de, a Agência de Inovação em resposta a uma questão, formulada pela H…, quanto ao momento de submissão da candidatura e ao tratamento a dar às despesas de I&D realizadas no período de tributação 2015-I ter indicado que:

  • As candidaturas deviam ser apresentadas tendo por referência o termo do período de tributação de 2015 com duração de 12 meses (2015-II);
  • As despesas com I&D realizadas por cada empresa no período de tributação de 2015 inferior a 12 meses – período transitório antes da alteração do periodo de tributação, deviam ser incluídas na candidatura correspondente a 2015, apresentada após o termo de 2015-II.

Apesar desta informação dada pela Agência da Inovação ao contribuinte, veio aquela entidade solicitar à DSIRC informação quanto ao tratamento a dar aos períodos de tributação com duração de seis meses por força da dupla alteração do período de tributação.

A DSIRC, na resposta dada através da Informação I2018… considera que decorre do n.º 5 do artigo 38.º do CFI que as despesas de I&D realizadas no período transitório (2015-I) não podem ser elegíveis para SIFIDE e não podem influenciar o cálculo do crédito fiscal de 2015-II.

Como resulta do n.º 4 do artigo 8.º do Código do IRC, «O período de tributação pode, no entanto, ser inferior a um ano: (...) d) No ano em que, de acordo com o n.º 3, seja adotado um período de tributação diferente do que vinha sendo seguido nos termos gerais, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e o dia imediatamente anterior ao do início do novo período». Neste sentido e como já por vastas vezes referido, as empresas que a A… considerou como integrantes do grupo no ano de 2015 tiveram dois períodos de tributação:

  • Primeiro período de tributação de 2015, inferior a um ano, iniciou-se em 2015-01-01 e o
  • Segundo período de tributação de 2015, igual a um ano, iniciou-se em 2015-07-01.

Dispõe o n.º 5 do artigo 38.º do CFI que «Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de fruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano».

As certidões emitidas pela Agência da Inovação ao considerarem (indevidamente) as despesas realizadas no período de 2015-I (inferior a um ano) como parte das despesas relevantes para determinação do SIFIDE de 2015. quando apenas deviam considerar as despesas do período anual (2015-II), estão a indicar às empresas em questão um benefício fiscal superior ao que resulta da norma legal.

Considera a Agência da Inovação que a sua avaliação apenas se refere à qualidade das despesas apresentadas como estando relacionadas com projetos I&D, argumentação que pode ser entendida com base no disposto no n.º 4 do artigo 40.º do CFI que aponta para obrigação de o contribuinte «aceitar submeter-se às auditorias tecnológicas que vierem a ser determinadas, de modo a aferir o cumprimento das condições da concessão do incentivo, qualquer que seja a sua natureza».

É nesse sentido que se entende que compete à Autoridade Tributária e Aduaneira a validação do crédito de imposto proposto pela Agência da Inovação, no âmbito da verificação das condições de atribuição do mesmo – sendo que uma das condições do crédito do imposto é decorrer das despesas realizadas no período de tributação.

Então se:

  • Nos termos do n.º 1 do artigo 38.º do CFI, «Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2020, numa dupla percentagem: a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período; b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000,00.»;
  • E de acordo com o n.º 3 do artigo 38.º do CFI que «A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior», sendo que nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, «As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo exercício seguinte.»; e
  • O n.º 5 do artigo 38.º do CFI determina que «Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de fruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano»;

Logo se conclui que as despesas com I&D que tenham sido suportadas pelas empresas do grupo B… no período de tributação iniciado em 01 janeiro 2015 e terminado em 30 junho 2015 não são elegíveis para determinação de crédito de imposto por SIFIDE.

A não ser assim teríamos uma situação de total incoerência da norma o que, partindo do princípio base que norteia a interpretação da legislação — de que o legislador se pronunciou de forma adequada, não se compreenderia como facilmente se mostra a contrário visto que esse eventual crédito de imposto não era dedutível (n.º 5 do artigo 38.º do CFI) e não era reportável para períodos seguintes (por a sua não dedução não decorrer da insuficiência de coleta).

Assim, face ao disposto no n.º 5 do artigo 38.º do CFI é indevida a invocação da constituição de crédito de imposto por SIFIDE no período de tributação com a duração de seis meses e iniciado em 01 janeiro 2015, pelo que se reduz a zero o valor de dotação do período por SIFIDE, sem prejuízo da avaliação que se faz no periodo de tributação de 2015-II ao SIFIDE, que resulta das despesas efetivamente realizadas nesse período.

Face a todo o exposto (pontos a) e b)), será efetuada uma correção ao valor declarado no campo 710 Quadro 07 do Anexo 22-D à declaração Modelo 22 de IRC no montante de 643.552,90 Euros.

111.1.2.2.3 - Correções aos consumos de crédito de imposto por benefícios fiscais: 6.728.312,72 Euros

O valor constante do Projeto de Relatório de Inspeção é alterado para 6.728.312.72 Euros, decorrente de se ter atendido à redução do lucro tributável do grupo, resultante da concretização da decisão da reclamação graciosa da sociedade H…, S.A. -ver ponto IX.3

Para efeitos da dedução a que se refere a al. c) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, considerou a sociedade dominante a utilização de benefícios fiscais no valor total de 19.569.545,50 Euros, conforme reflete o Quadro 07 do Anexo 22-D à declaração Modelo 22 de IRC de substituição (não vigente):

Quadro 20: Benefícios fiscais no grupo B… — declarado em 2015-I

 

Anexo 22-D declaração Modelo 22 de IRC RETGS da B… 2015-I (valores declarados)

 

Ponto Relatório

 

GPI

RFAI

CFEI

SIFIDE

TOTAL

SALDO INICIAL

1.171.684,56

8.014.911,91

914.028,70

16.573.381,56

26.674.006,73

A

DOTAÇÃO DO PERÍODO DE 2015-I

4.746.936,56

0,00

0,00

643.552,89

5.390.489,45

B

UTILIZAÇÃO EM 2015-I

0,00

7.518.259,05

553.392,90

11.497.893,55

19.569.545,50

C

SALDO A REPORTAR PARA 2015-II

5.918.621,12

496.652,86

360.635,80

 

 

D

 

Atendendo à especificidade de cada uma das realidades tributárias a nossa análise apresenta-se repartida por quatro partes (A, B, C e D).

A — QUANTO AO SALDO DE BENEFÍCIOS FISCAIS QUE TRANSITAM DE 2014

A informação reportada pela sociedade dominante na declaração Modelo 22 de IRC não tem em consideração os impactos de liquidações subsequentes à autoliquidação do IRC de cada grupo nos períodos anteriores (entre 2006 e 2014), sejam decorrentes de procedimentos de inspeção ou da concretização de sentenças judiciais, realizados pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Importa recordar que a A… optou, no período de 2014 e em resultado da alteração do limiar mínimo de participação para 75% do capital social, pela alteração na composição do grupo, integrando as sociedades que se mostravam elegíveis nos dois grupos fiscais, e que tinham por sociedades dominantes a G…, SA e a H…, SA, os quais cessaram conforme adiante é referido.

Como indicou a A… no ponto 5 do seu requerimento da Informação Vinculativa, «o Grupo não pretende optar, nos termos do n.º 10 do art.º 69.º do CIRC, pela alteração da sociedade dominante, mas sim pela alteração na composição do seu grupo, integrando as sociedades que se mostrem elegíveis nos dois Grupos adquiridos». Formalmente, verifica-se a cessação dos Grupos adquiridos pelo que desde 1 de janeiro de 2014 que as sociedades que integravam os grupos fiscais E…, D… a 31 de dezembro de 2013, integram o grupo fiscal que tem como sociedade dominante a A…, tendo esta sociedade considerado que os benefícios fiscais ao investimento gerados por aquelas sociedades antes de integrarem o grupo por si dominado reportam em benefício do imposto do atual grupo.

A letra da lei não define a forma como se processa a dedução de benefícios fiscais anteriores ao grupo nos casos em que há a opção de tributação pelo RETGS. Tal facto não constituiu historicamente qualquer entrave à utilização do benefício nos casos em que há tal opção, com as limitações que decorrem dos regimes específicos de cada benefício fiscal.

A interpretação consolidada, nomeadamente da Lei n.º 40/2005 que regulava o SIFIDE, quanto à sua aplicação nos casos em que a sociedade que gera o direito ao benefício fiscal do SIFIDE integra um grupo tributado pelo RETGS, aponta para que esse crédito fiscal é dedutível ao Imposto apurado pelo grupo ainda que, eventualmente, a empresa onde se realizou as despesas de investigação e desenvolvimento não apure lucro tributável.

Tal entendimento apresenta-se suportado na mecânica imposta pela letra da Lei em causa em articulação com o Código do IRC, se não vejamos:

  1. O benefício fiscal do SIFIDE constitui-se de um crédito fiscal que opera por dedução à coleta de imposto sobre o lucro;
  2. O crédito fiscal deve ser deduzido ao imposto do período em que se concretizaram as despesas de investigação e desenvolvimento e, apenas nos casos em que há insuficiência de coleta, se admite a dedução à coleta de imposto dos períodos seguintes até a um máximo de seis;
  3. O imposto apurado pelo grupo em resultado do RETGS constitui a coleta de imposto com base no lucro tributável do grupo, ou seja, está influenciado pelas despesas de investigação que originaram o SIFIDE; 
  4. Ao imposto apurado no grupo é dedutível o somatório dos benefícios fiscais apurados em cada uma das empresas que o integra (n.º 6 do artigo 90.º do Código do IRC);

Resta avaliar como tratar em 2015-I na esfera do grupo B…, os benefícios fiscais apurados por empresas do grupo E… e D… antes da respetiva cessação dos grupos, sendo que os benefícios fiscais não foram utilizados em razão da insuficiência da sua coleta de imposto.

Veja-se o já citado n.º 6 do artigo 90º do Código do IRC ao prescrever que «Quando seja aplicável o regime especial do grupo de sociedades as deduções referidas no n.º 2 relativas a [1] cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente [2] ao grupo, nos termos do n.º 1.», aponta claramente para duas realidades diferentes. Se por um lado a dedução referida no n.º 2 do artigo 90.º que na al. b) inclui os benefícios fiscais, mantém uma individualização já que se remete para as deduções relativas a cada empresa, o imposto do grupo apresenta-se como um bolo único.

As sociedades que compõem o RETGS mantêm a sua individualidade e autonomia fiscal, o que se manifesta de diversos modos, conforme acima demonstrado.

Deve assim entender-se que, apesar de dedutíveis ao imposto do grupo no período em que os créditos de imposto por benefícios fiscais ao investimento foram gerados, a existência desses benefícios é autónoma empresa a empresa. De resto, basta atentar à fórmula de cálculo do benefício em que apenas se considere o investimento da empresa.

Assim para o caso concreto importa salientar que, verificando-se a extinção do grupo, a parte não utilizada no RETGS dos benefícios fiscais gerados por cada empresa, deverá ser deduzida nos períodos seguintes uma vez que o seu reporte decorre da insuficiência de coleta de imposto, caso a sociedade integre um novo grupo a dedução deve ser limitada à coleta dessa sociedade.

A dedução do crédito fiscal acompanha em regra o período em que as despesas estão a incluídas no lucro tributável que origina o imposto ao qual se deduz o benefício fiscal.

Quando tributada individualmente, e no caso em que uma empresa apresenta prejuízo fiscal no período em que reconhece os gastos com I&D que lhe conferem o crédito fiscal por SIFIDE, ou regista o investimento que lhe conferiu direito a RFAI ou CFEI, e como tal não apresenta coleta de imposto, é-lhe conferido o direito a reportar para os períodos seguintes quer o prejuízo fiscal quer o crédito de imposto.

Se no período seguinte a empresa passa a integrar um grupo fiscal na sequência da opção de ser tributada em IRC pelo RETGS, a lei é clara no que se refere às condições em que os prejuízos fiscais gerados fora do grupo podem ser aproveitados por este, limitando a possibilidade à concorrência do lucro tributável dessa empresa. Para os primeiros prejuízos, verificados em períodos de tributação anteriores ao início de aplicação do regime, estabelece o preceito a regra de que só podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo «até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitem». De modo que é preciso calcular este limite anualmente. Daí, é claro que os prejuízos gerados antes do REGTS continuam a pertencer à sociedade onde foram gerados e que os aportou (cf. n.º 6 do art.º 120.º do Código do IRC), sendo dedutíveis nos termos dos artigos 70.º e 71.º conforme ali previsto.

A passagem do reporte do crédito fiscal existente à data de integração no RETGS não aparece regulada de forma expressa. Contudo, e nos termos da construção lógica já apresentada, está demonstrada a intenção do legislador de que o crédito fiscal acompanha (ou procura acompanhar) o impacto dos gastos suportados no resultado tributável, logo o impacto desse crédito fiscal no imposto do grupo que a sociedade passou a integrar não pode ultrapassar aquele que decorre da sua contribuição para tal imposto.

Nestes termos, conclui-se que os créditos fiscais que as sociedades dos grupos E… e D… trazem consigo para o grupo B… quando em janeiro de 2014 passam a integrar o mesmo para efeitos de tributação pelo RETGS apenas podem ser utilizados nesse grupo na medida em que o resultado tributável dessas empresas contribuir para o imposto do grupo (considerando-se como tal a coleta de IRC e a derrama estadual).

Nesse sentido importa decompor o reporte de benefícios fiscais não utilizados em 2014 pelo grupo B… em benefícios fiscais gerados por empresas dos grupos E… e D… até 2013, sem estarem incluídos no perímetro do grupo B…;

  • Benefícios fiscais gerados por empresas do grupo B….

Assim, tendo presente os valores apurados nas mais recentes liquidações de imposto de períodos anteriores, temos:

     Quadro 21: Saldo inicial de benefícios fiscais — reportados de períodos anteriores*

 

 

*Na sequência da redução do lucro tributável do grupo, em resultado de se atender ao exposto no exercício do direito de audição prévia (EDAP), no que se refere ao efeito do deferimento integral da reclamação graciosa da H…, os valores indicados foram objeto de correção.

[…]

B – QUANTO À DOTAÇÃO DO PERÍODO

O valor indicado pela sociedade dominante como dotação de 2015-I do grupo para os benefícios fiscais de Grandes Projetos de Investimento corresponde ao somatório dos valores indicados por cada uma das empresas que integram o grupo B… 2015-I nas declarações Modelo 22 de IRC vigentes à data de submissão da declaração Modelo 22 de IRC do grupo.

Na sequência da correção à dotação de benefício fiscal por SIFIDE no período de tributação de seis meses iniciado em 01 janeiro 2015 (2015-I) que se fundamentou em III.1.2.2.2 a dotação de beneficios fiscais do grupo B… em 2015-I limita-se a 4.746.936,56 Euros de benefícios fiscais contratuais em Grandes Projetos de Investimento (GPI).

C – AJUSTAMENTO AOS BENEFÍCIOS FISCAIS DEDUZIDOS NO PERÍODO

Em razão do referido em A e B anteriores, o crédito de IRC por benefícios fiscais passível de utilização pelo grupo B… em 2015-I ascende a 20.511.894,76 Euros repartidos por:

Quadro 22: Benefícios fiscais no grupo B…– Total passível de dedução em 2015-I*

 

 

 

 

 

*Na sequência da redução do lucro tributável do grupo, em resultado de se atender ao exposto no exercício do direito de audição prévia (EDAP), no que se refere ao efeito do deferimento integral da reclamação graciosa da H…, os valores indicados foram objeto de correção.

A dedução deve ser feita em função da antiguidade do nascimento do direito aos benefícios, mostrando-se razoável que possa deduzir, em primeiro lugar, a parcela dedutível do benefício cujo período de dedução seja mais curto. Havendo benefícios que caduquem no mesmo período, a parcela disponível para dedução será proporcionalmente repartida entre eles.

[…]

C.1  DA UTILIZAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS REPORTADOS DE 2013

Conforme antes referido, os benefícios fiscais reportados de 2013 a considerar são:

  1. Da utilização de benefícios fiscais gerados por empresas do grupo E… até 2013.

Conforme já demonstrado, os créditos fiscais que as sociedades do grupo E… trazem consigo para o grupo B… quando em 1 de janeiro de 2014 passam a integrar o mesmo para efeitos de tributação pelo RETGS apenas podem ser utilizados nesse grupo na medida em que o resultado tributável dessas empresas contribuir para o imposto do grupo (considerando-se como tal a coleta de IRC e a derrama estadual).

Quadro 23: Benefícios fiscais utilização de reporte de empresas do anterior grupo E…*

 

 

 

 

 

 

 

 

*Na sequência da redução do lucro tributável do grupo, em resultado de se atender ao exposto no exercício do direito de audição prévia (EDAP), no que se refere ao efeito do deferimento integral da reclamação graciosa da H…, os valores indicados foram objeto de correção.

É dedutível ao imposto do grupo B… o montante de 2.769.702,11 Euros correspondente ao valor total da coleta da G…, P… e a O… apurariam se tributadas individualmente.

  1. Da utilização de benefícios fiscais gerados pelo grupo D… até 2013

Conforme já demonstrado, os créditos fiscais que as sociedades do grupo D… trazem consigo para o grupo A… quando em 1 de janeiro de 2014 passam a integrar o mesmo para efeitos de tributação pelo RETGS apenas podem ser utilizados nesse grupo na medida em que o resultado tributável dessas empresas contribuir para o imposto do grupo (considerando-se como tal a coleta de IRC e a derrama estadual).

Quadro 24: Benefícios fiscais utilização de reporte de empresas do anterior grupo D…**

 

** Apesar da alteração ao lucro tributável da sociedade H… para 104.727.506,14 Euros, em resultado de se atender ao exposto no EDAP, não há alterações aos benefícios fiscais utilizados.

         De acordo com a alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 49/2013 (lei que regulamenta o CFEI), quando se aplica o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução é feita até 70% da coleta e não pode ultrapassar, em relação a cada sociedade e por cada exercício, o limite de 70% da coleta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação.

         Conforme se evidencia no quadro anterior, o valor do crédito de imposto reportado por cada empresa é sempre inferior ao limite de 70% da sua coleta em caso de tributação individual, pelo que é dedutível a totalidade o CFEI reportado por empresas que em 2013 integravam o grupo D… e que ascende a 569.756,88 Euros.

  1. Da utilização de benefícios fiscais gerados pelo grupo B… até 2013

Quadro 25: Benefícios fiscais de CFEI de reporte de empresas do grupo B… *

 

*Na sequência da redução do lucro tributável do grupo, em resultado de se atender ao exposto no exercício do direito de audição prévia (EDAP), no que se refere ao efeito do deferimento integral da reclamação graciosa da H…, os valores indicados foram objeto de correção.

         De acordo com a alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 49/2013 (lei que regulamenta o CFEI), quando se aplica o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução é feita até 70% da coleta e não pode ultrapassar, em relação a cada sociedade e por cada exercício, o limite de 70% da coleta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação.

Face ao disposto, é considerado a utilização de CFEI, gerado pelo grupo B… em 2013 e ainda não utilizado por insuficiência de coleta, no valor total de 145.828,97Euros.

C.2  DA UTILIZAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS CONSTITUÍDOS EM 2014

Decorrentes das correções ao Resultado Tributável e ao cálculo do imposto do grupo B… demonstradas nos pontos anteriores deste Relatório, para determinar o nível de utilização do crédito de imposto por benefícios fiscais gerados pelo grupo B… importa determinar a coleta líquida após a dedução dos benefícios fiscais antes identificados.

Quadro 26: Demonstração da coleta líquida de benefícios fiscais reportados de períodos anteriores*

    

*Na sequência da redução do lucro tributável do grupo, em resultado de se atender ao exposto no exercício do direito de audição prévia (EDAP), no que se refere ao efeito do deferimento integral da reclamação graciosa da H…, os valores indicados foram objeto de correção.

Conforme resulta demonstrado nas partes A e B deste ponto, os benefícios fiscais gerados no grupo B… e passíveis de utilização no período de 2015-I ascendem a 8.881.300,87 Euros (4.134.364,31 Euros de reporte (exceto CFEI) e 4.746.936,56 Euros de 2015-I).

Sendo este valor inferior à coleta remanescente após as deduções já identificadas anteriormente, considera-se a dedução do total dos benefícios fiscais do grupo B….

Em conclusão:

A dedução de crédito de imposto por benefícios fiscais prevista na al. c) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC a ser considerada pela A… para efeitos do RETGS de 2015-I é reduzida de 19.569.545,50 Euros para 12.366.588,82 Euros nos termos supra descritos e que se decompõe por:

Quadro 27: Demonstração do reporte de benefícios fiscais para 2015-II *

 

*Na sequência da redução do lucro tributável do grupo, em resultado de se atender ao exposto no exercício do direito de audição prévia (EDAP), no que se refere ao efeito do deferimento integral da reclamação graciosa da H…, os valores indicados foram objeto de correção.

 

III. Período 2015-II (1 julho 2015 a 30 junho 2016)

[…]

III.2.2.2.2 – Correções à dotação por SIFIDE (a favor do Grupo): 2.513.876,61 Euros

A declaração Modelo 22 de IRC do grupo B… reportada ao período de tributação de 2015-II indica a constituição de um crédito de imposto por SIFIDE no valor de 518.000,95 Euros que apenas se refere a três empresas:

Quadro 29: Benefícios fiscais no grupo B… – declarado em 2015-II

 

No decurso do procedimento de inspeção, a sociedade dominante apresentou certidões emitidas pela Agência de Inovação relativamente ao SIFIDE de 2015 das seguintes sociedades

 

 

 

 

O Quadro anterior apresenta de forma resumida a situação das candidaturas a SIFIDE para o período de 2015 que as empresas que a A…, enquanto sociedade dominante do grupo para efeitos de RETGS, indicou como geradoras do crédito de imposto em razão das despesas de I&D realizadas no período e enquadráveis no artigo 32.º do Código Fiscal ao Investimento.

  1. Com exceção da situação da K…, SA (…) já objeto de análise diferenciada, importa ter em consideração que em função da existência de dois períodos de tributação no ano de 2015, as candidaturas apresentadas e em conformidade com a indicação dada pela Agência de Inovação à H… se caracterizam por: terem sido submetidas no prazo aplicável ao período completo de 12 meses iniciado em 2015 (e que se convencionou chamar de 2015-II);
  2. Incluírem despesas de I&D realizadas no período de 2015-01-01 a 2016-06-30 ou seja, despesas realizadas nos períodos de tributação de 2015-I e 2015-II.

No decurso do procedimento de inspeção, foi questionada a sociedade dominante quanto aos motivos que justificam a repartição ou não do valor do crédito de imposto por cada um dos períodos de tributação.

Atendendo a que, em regra, as despesas com I&D ocorreram nos dois períodos de tributação e que constam de uma única candidatura, apresentada tendo por referência os prazos do período de tributação anual, veio a sociedade dominante apresentar a repartição do crédito de imposto pelos dois períodos de tributação tendo por base a proporção das despesas de I&D elegíveis que foram contabilizadas em cada um dos períodos de tributação.

Quadro 31: Segregação do SIFIDE apurado no período entre 2015-01-01 e 2016-06-30

 

Com exceção dos valores de SIFIDE para a H… e suas participadas que deixam de integrar o grupo B… no período 2015-II e por isso não estão incluídas na informação disponibilizada pela sociedade dominante nesta inspeção, a B… apresentou uma distribuição do valor inscrito pela ANI (como SIFIDE proposto) proporcional ao volume de despesas de cada período de tributação iniciado no ano de 2015.

Ou seja, seguindo esta metodologia, o crédito de imposto gerado em 2015-II por empresas do grupo fiscal B… ascenderia a 4.136.646,38 Euros em vez dos 518.000,95 Euros inscritos na declaração Modelo 22 de IRC.

[…]

Resumidamente temos que:

  1. As declarações emitidas pela ANI quantificam as despesas de I&D que as empresas do grupo B… realizaram no período de tempo decorrido entre 01 janeiro 2015 e 30 junho 2016, sem ter em conta o entendimento emitido pela DSIRC, na informação já referida, de que as despesas realizadas no período de 01 janeiro 2015 a 30 junho 2015 não são elegíveis por aplicação do n.º 5 do artigo 38.º do Código do IRC, por o SIFIDE apenas poder ter origem no período de tributação anual, no ano em que há a mudança de período de tributação;
  2. No cálculo do crédito de imposto proposto pela ANI para cada uma das empresas foi aplicada a taxa incremental prevista no n.º 1 do artigo 38.º do CFI sem atender ao entendimento emitido pela DSIRC, de que as despesas realizadas no período de 01 janeiro 2015 a 30 junho 2015 não sendo elegíveis por aplicação do n.º 5 do artigo 38.º do Código do IRC não podem influenciar a aplicação da taxa incremental;
  3. A sociedade dominante indicou as despesas incluídas no requerimento apresentado à ANI e validadas por aquela entidade como despesas de I&D que foram efetivamente realizadas no período de tributação de 2015-II, ou seja, entre 01 julho 2015 e 30 junho 2016, no montante total de 9.020.257,97 Euros.

O crédito de imposto por SIFIDE, determinado em função das despesas de I&D que foram efetivamente realizadas no período de tributação de 2015-II, ou seja, entre 01 julho 2015 e 30 junho 2016 ascende a 3.031.877,56 Euros.

Face ao exposto, aumenta-se o valor da dotação de SIFIDE nos termos do artigo 38.º do CFI, inscrito no campo 710 Quadro 07 do Anexo 22-D à declaração Modelo 22 de IRC do grupo (518.000,95 Euros) em 2.513.876,61 Euros.

 

[…]

IX – DIREITO DE AUDIÇÃO

Em cumprimento do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) foi a sociedade A…, SGPS, SA, notificada através do nosso ofício n.º …, de 2019-07-11, para exercer no prazo de 15 dias o direito de audição sobre as correções propostas no Projeto de Relatório.

O Direito de Audição foi exercido por escrito, tendo dado entrada nestes serviços no dia 2019-07-26, ao qual foi atribuído o n.º …, relativamente às correções propostas no Projeto de Relatório que seguidamente se resumem e se analisam.

[…]

Resumidamente, quanto ao alegado pela A… foi demonstrado que:

25.  A IT não incumpriu com qualquer doutrina administrativa vigente e em momento algum se vinculou perante a A… quanto a um entendimento de que os benefícios fiscais gerados por empresas antes de integrarem o RETGS poderiam ser deduzidos no grupo para além do valor que poderia ser aproveitado caso o regime não fosse aplicado;

26.  O CAAD na decisão de 2016-07-15, processo n.º 648/2015-T, entendeu que os benefícios fiscais atribuídos a uma sociedade em período de tributação anterior ao da aplicação do RETGS apenas poderão ser usados pelo Grupo na proporção que seria usada pela empresa que os gerou se o regime não fosse aplicável, socorrendo-se do entendimento existente para o regime dos prejuízos fiscais, o que se traduz na adoção da posição defendida pela AT neste relatório (e já constante no relatório de 2014);

27.  O saldo reportado de períodos anteriores de benefício fiscal por GPI é de 617.471,45 Euros, não se atendendo ao reclamado pela sociedade dominante;

28.  O saldo reportado de períodos anteriores de benefício fiscal por CFEI é de 1.259.035,32 Euros, atendendo-se ao reclamado pela sociedade dominante.

Assim, mantém-se o raciocínio e os critérios utilizados no projeto de Relatório quanto aos critérios para utilização dos benefícios fiscais em 2015-I que, por força da alteração ao lucro tributável do grupo decorrente de agora se poder considerar os efeitos da Reclamação Graciosa apresentada pela H…, conduzem a um novo valor e distribuição dos benefícios fiscais consumidos no período.

Nesse sentido e por forma a não se alterar a informação que antes se inscreveu no Projeto de Relatório, mas, ao mesmo tempo, atualizar a informação em conformidade com os valores de consumos de benefícios fiscais apresentam-se seguidamente os quadros 21-A, 22-A, 25-A e 27-A que substituem respetivamente os quadros 21, 22, 25 e 27 do Projeto de Relatório.

29.  Tendo-se atendido ao reclamado pela A…, o quadro 21-A reflete um saldo de CFEI atualizado.

Quadro 21-A: Saldo inicial de benefícios fiscais — reportados de períodos anteriores

 

30.  Na sequência da alteração ao saldo inicial de CFEI, o total de benefícios fiscais passíveis de utilização no grupo, atendendo à coleta de cada empresa nos casos em que os créditos fiscais foram gerados antes da integração no RETGS, passa a ter a seguinte decomposição:

Quadro 22-A: Benefícios fiscais no grupo B…– Total passível de dedução em 2015-I

 

31.  Em função da alteração dos saldos iniciais dos créditos fiscais por CFEI, a decomposição do valor dedutível em 2015-I que decorre da aplicação das regras específicas para utilização deste benefício fiscal passa a ter a seguinte decomposição:

 

Quadro 25-A: Benefícios fiscais de CFEI de reporte de empresas do grupo B…

 

31.  Decorrente das alterações mencionadas nos pontos anteriores e que resultam da aceitação de parte do contestado pela sociedade dominante, o valor de crédito fiscal por benefícios fiscais a reportar para períodos seguinte tem a seguinte decomposição:

 

Quadro 27-A: Demonstração do reporte de benefícios fiscais para 2015-II

 

 

 

[…]

Face ao antes exposto, a correção ao consumo de benefícios fiscais no período de 2015-I ascende a 6.728.312,72 Euros (em vez de 7.060.711 ,38 Euros indicado no Projeto de Relatório) que corresponde à diferença entre a dedução considerada na liquidação anterior (19.277.968,05 Euros) e o valor que agora se apura 12.549.655,33 Euros.”

  1. As correções ao cálculo do imposto do Grupo B… referidas nos pontos O. e P. supra, que constituem o objeto deste litígio, não resultaram de procedimento inspetivo instaurado na esfera individual das sociedades em que os benefícios foram gerados, não foram efetuadas ao cálculo do imposto dessas sociedades, nem lhes foram notificadas – cf. Documento 7 junto pela Requerente.
  2. Em 26 de julho de 2019, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2019 …, do “período 2015”, incluindo juros compensatórios, com data de acerto de contas a 31 de julho de 2019, no valor a reembolsar de € 22.260.099,73, a qual foi notificada à Requerente – cf. Documentos 9, 10 e 11 juntos pela Requerente.
  3. Com referência à mesma data e número de liquidação (n.º 2019 …, de 26 de julho de 2019), foi emitida uma demonstração de reacerto financeiro de liquidação de IRC, do “período 2015”, incluindo juros compensatórios, com data de acerto de contas a 8 de agosto de 2019, no valor a pagar de € 1.267.522,61, a qual foi notificada à Requerente – cf. Documentos 9, 10 e 12 juntos pela Requerente.
  4. Na sequência do procedimento inspetivo ao Grupo B…, foram emitidos os seguintes atos de liquidação e de reacerto financeiro, os quais foram notificados à Requerente – cf. Documentos 2 e 3 juntos pela Requerente:
    1. Liquidação n.º 2019 …, de 12 de agosto de 2019, do “período 2015”, incluindo juros compensatórios, com data de acerto de contas a 14 de agosto de 2019, no valor a reembolsar de € 14.773.339,21, e menção à “fundamentação já remetida”;
    2. Demonstração de reacerto financeiro desta liquidação de IRC (com o mesmo n.º 2019 …, de 12 de agosto de 2019), do “período 2015”, incluindo juros compensatórios, com data de acerto de contas a 18 de outubro de 2019, no valor a pagar de € 9.514.418,61.
  5. Em 31 de outubro de 2019, a Requerente solicitou à Requerida a passagem de certidão, nos termos do artigo 37.º do CPPT, por incompreensão sobre a “sucessão de quatro liquidações adicionais de IRC” – cf. Documento 9 junto pela Requerente.
  6. Por ofício de 2 de dezembro de 2019, a Requerente foi notificada da Informação N.º …-…/2019, deferindo o pedido de certidão, da qual consta a seguinte fundamentação – cf. Documento 10 junto pela Requerente:

“Em resposta ao solicitado, e conforme é visível em GFF, informamos que relativamente a IRC / período de 2015-01-01 a 2015-06-30,

Tendo por base a decl mod/22 entregue em 2016-10-26, na qual foi apurado imposto a pagar 4.080.807,13€, foi efetuada a liquidação 2016 … de que resultou nota de cobrança na importância total de 1.301.812,45€, que se encontra regularizada;

Tendo por base DCU elaborado pela UGC foi apurado imposto a pagar de 4.047.922,44 €, de que resultou a liquidação 2019 … e emitido reembolso da importância de 23.561.912,18€. Este reembolso foi resultante da errada afetação, por parte da AT, da autoliquidação no montante de 23.526.017,14€ paga com a guia … (em nome do SP … - H…, S.A.), o qual se encontra regularizado com data valor de 2019-08-05;

Tendo tido conhecimento do errado procedimento referido no § anterior, procedeu este Serviço ao reacerto da mencionada liquidação (na qual não foi alterado o imposto apurado) com o qual se pretendia a "reposição" da importância a mais reembolsada pelo que, foi emitida a nota de cobrança 2019 – …, no montante total de 23.527.622,34€, regularizado com o pagamento efetuado em 2019-09-16;

Tendo por base novo DCU elaborado pela UGC, o qual apurou imposto a pagar de 11.245.931,08€, a que corresponde a liquidação 2019 … voltou, aquando da respectiva emissão, a ser erradamente afecta, por parte da AT, a autoliquidação do montante de 23.526.017,14€ paga com a guia … (em nome do SP … - H…, S.A.) resultando a anulação da nota de cobrança anteriormente emitida no montante de 16.040.861,82€, que se encontra como "pagamento em excesso";

Tendo tido, de novo, conhecimento do errado procedimento referido no § anterior procedeu este Serviço ao reacerto da mencionada liquidação (na qual não foi alterado o imposto apurado) com o qual se pretende a "reposição" da importância a mais reembolsada pelo que, foi emitida a nota de cobrança 2019 … no montante total de 24.287.757,82€, cujo prazo de pagamento voluntário decorre até 2019-12-05.

Face à existência do excesso referido, apenas se mostra em falta o valor de 8.246.896,00€ tendo sido emitido um pagamento parcial com a referência …, o qual deve ser utilizado para concretização da sua regularização.»

Destarte,

Analisados os devidos pressupostos legais, somos, nos termos expostos, a entender pelo deferimento do pedido ora formulado, com todas as consequências legais, disso se notificando a Requerente, nos termos do previsto nos art.ºs 35.º a 41.º, todos do CPPT.”

  1. Em 5 de dezembro de 2019, a Requerente procedeu ao pagamento do imposto e juros no valor de € 8.246.896,00 – cf. Documento 15 junto pela Requerente.
  2. Por não concordar parcialmente com as liquidações de IRC acima identificadas (ponto U. acima), a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, com fundamentos idênticos aos do presente pedido arbitral – cf. Documento 4 junto pela Requerente.
  3. A Reclamação foi indeferida, em 8 de julho de 2020, por despacho do Diretor de Serviço Central da UGC, ao abrigo de delegação de competências, após exercício do direito de audição por parte da Requerente, e notificada por ofício da mesma data – cf. Documento 1 junto pela Requerente. 
  4.  Constam da Informação N.º …-…/2020, da UGC, Divisão de Justiça Tributária, notificada à Requerente e que aqui se dá por reproduzida, os fundamentos do indeferimento da Reclamação Graciosa, de que se transcrevem infra alguns excertos relevantes – cf. Documento 1 junto pela Requerente:

§ V.I. DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES

36.    No tocante à alegada falta de fundamentação da liquidação contestada que corrige uma anteriormente emitida e dos consequentes acertos financeiros a Reclamante fez uso da faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT tendo-se dado por satisfeita com a informação recebida pelo que se terá de considerar sanada a citada irregularidade.

         Aliás,

37.    Nem será legítimo que a Reclamante aluda a falha de procedimento de liquidação do imposto em crise por assentar numa sucessão de atos emitidos em plena violação das garantias institucionais e direitos fundamentais tributários, quando, como sabe, e lhe foi informado, tal procedimento derivou da necessidade de reparar erros materiais cometidos na concretização da liquidação corretiva.

[…]

43.    Ainda que se considerasse verificada a alegada falta de fundamentação, tal vício ficou sanado após a notificação da Reclamante da informação n …-…/2019, atrás citada, já que, conforme ensina Diogo Leite de Campos em anotação ao artigo 77.º da LGT, «(…) os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição desse conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu correctamente do seu exacto alcance».

44.    Situação perfeitamente visível na exposição de argumentos que apresenta na petição da reclamação.

§ V.II. DA ILEGAL UTILIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO AO GRUPO PARA FUNDAMENTAR CORREÇÃO AO RECONHECIMENTO DO SIFIDE

45.    Alega a Reclamante a ilegal utilização de procedimento de inspeção ao grupo para fundamentar correção ao reconhecimento do SIFIDE por entender que tal correção só poderia ter sido fundamentada e efetuada ao nível das sociedades a titulo individual e, nessa medida, no âmbito de uma inspeção tributária cujo objeto fosse a própria sociedade a que o SIFIDE respeita e foi gerado.

Pois bem.

46.    Independentemente das inspeções realizadas às empresas individualmente consideradas e cujo relato consta dos respetivos relatórios que fazem parte integrante do relatório elaborado no âmbito do procedimento inspetivo ao grupo, as correções aqui reclamadas têm necessariamente, como bem sabe a Reclamante, fundamento nas regras de apuramento do imposto respeitante ao grupo, como decorre da especificidade do RETGS.

47.    No RETGS é para o grupo, entidade com capacidade contributiva que prevalece sobre a capacidade contributiva individual, que existe a obrigação da liquidação do imposto.

48.    As sociedades dominadas mantêm a sua autonomia jurídica, mas o âmbito de aplicação do RETGS limita-se ao apuramento do resultado fiscal do grupo, calculado pela sociedade dominante.

49.    Não resultando, como cremos, de falta de conhecimento, sempre se lembrará que no RETGS apenas a declaração do grupo é liquidável, e isto, sem prejuízo da obrigação das sociedades dominadas terem de apresentar declarações periódicas de rendimentos individuais.

50.    A matéria coletável e a coleta são apuradas exclusivamente na esfera do grupo pela sociedade dominante, sendo também nesta esfera que se coloca a possibilidade ou não de utilização de prejuízos ficais bem como de benefícios fiscais.

51.    As sociedades dominadas apenas para efeitos declarativos apuram matéria coletável e coleta.

52.    Prejuízos fiscais e beneficios fiscais são utilizados na esfera do grupo seguindo regras próprias.

E,

53.    Não se poderá olvidar que um dos aspetos caraterizadores do RETGS é a sua aplicação facultativa e não obrigatória, como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC, o que significa que o legislador deixou ao livre arbítrio dos grupos de sociedades ponderar a adoção ou não da sua aplicação.

[…]

§ V.III. DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO REFERENTE AO PERÍODO DENOMINADO 2015-I

[…]

61.    Em primeiro lugar ter-se-á de referir que não se acompanha a análise da Reclamante quanto à alegada ocorrência da caducidade na esfera individual das sociedades.

62.    Entendemos que a figura da caducidade não ocorre para as sociedades a nível individual, já que, atentas as especificidades do regime especial de tributação, conforme atrás se explicitou, apenas para o grupo é emitida a liquidação adicional, não obstante a mesma também agregar as correções efetuadas na esfera individual de cada uma das sociedades dominadas.

63.    O instituto da caducidade terá, assim, que ser aferido com referência à liquidação adicional que foi emitida para o Grupo B…, aqui contestada, à sua notificação à sociedade dominante e às demais condições que lhe são legalmente inerentes.

[…]

76.    Foi realizada ao Grupo B… uma ação inspetiva externa, com início em 08/02/2019.

77.    A respetiva notificação à Reclamante foi efetuada nessa data, conforme assinatura constante da Ordem de Serviço n.º OI201….

78.    O procedimento inspetivo externo terminou com a notificação à Reclamante em 07/08/2019 do relatório de inspeção tributária, conforme certidão de notificação.

         Assim sendo,

79.    Tem-se no caso sob análise verificada a causa de suspensão a que se refere o n.º 1 do artigo 46.º da LGT - notificacão à Reclamante de uma acão inspetiva externa cuja duracão não ultrapassou o prazo de 6 meses.

         Logo,

80.    O prazo de caducidade da liquidação referente ao período de tributação intercalar suspendeu-se com o início da ação inspetiva externa, tendo a caducidade apenas vindo a ocorrer em 20 de novembro de 2019, como se deixa de seguida explicitado.

         Esquematicamente,

81.    Expondo os factos com reflexo na determinação da ocorrência da caducidade do direito à liquidação em crise, tem-se então o seguinte:

         Período Intercalar          Início Ação Insp          Caducidade         Fim Proc Insp          Notif Liq                Caducidade

  _____________________________________________________________

                01/01/2015  30/06/2015  08/02/2019              30/06/2019          07/08/2019               9/11/2019                20/11/2019

                                        143 dias

         Consequentemente,

82.    Uma vez que a liquidação adicional de IRC n.º 2019 …, de 2019-08-12, relativa ao período de tributação intercalar ocorrido em 2015, consubstanciando um valor a pagar de € 9 514 418,61, foi notificada à Reclamante em 9 de novembro de 2019, foi-o antes de se ter completado o prazo de caducidade.

         Desta forma,

83.    Também não tem razão a Reclamante quando argumenta a caducidade do direito do Estado à liquidação contestada.

§ V.IV. DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 38.º DO CFI E TEXTO CONSTITUCIONAL QUANTO À NÃO CONSIDERAÇÃO DAS DESPESAS DE INVESTIMENTO ELEGÍVEIS ENTRE 1 DE JANEIRO E 30 DE JUNHO DE 2015

[…]

94.    Para a primeira das correções citadas - Desconsideração da dotação do SIFIDE imputada ao período intercalar, no valor de € 643 552,89, basearam-se os serviços de inspeção em dois aspetos fundamentais.

95.    Por um lado, a existência de uma dotação estimada por uma empresa que não reúne as condições para integrar o RETGS.

96.    Por outro lado, um conjunto de empresas que apresentam indevidamente dotações reportadas ao período intercalar.

         Com efeito,

97.    A dotação do SIFIDE imputada pelo grupo ao período de tributação intercalar, no montante de € 643 552,89, respeita aos valores estimados pelas seguintes empresas:

         Ora,

98.    Conforme a própria Reclamante explicita na sua petição, a empresa I… SA foi adquirida pelo Grupo D… em junho de 2015. Em 30/06/2016 foi incorporada na empresa J…, SA, correspondendo atualmente à empresa K…, SA.

         Logo,

99.    Tendo integrado o grupo apenas em junho de 2015, não se tem verificada a condição da sua detenção pela sociedade dominante num período superior a um ano com referência à data em que inicia a aplicação do regime.

         Assim sendo,

 

 

100.  Não se verificando o requisito previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 69.º do Código do IRC é, como reparam os serviços de inspeção, incorreta a consideração pela Reclamante da dotação de € 177 655,06.

101.  No tocante à desconsideração das dotações, no valor global de € 465 897,84, declaradas pelas restantes cinco (5) empresas como reportando-se ao período de tributação intercalar, entenderam os serviços de inspeção tributária que neste período não é admissível em sede do SIFIDE a conferência de créditos de imposto.

         E,

102. Apelam para o efeito ao disposto no artigo 38.º do CFI razão pela qual consideram ser de excluir como dotação do período o valor declarado no campo 710 do Quadro 07 do Anexo D – Benefícios Fiscais da declaração modelo 22.

         De facto,

103.  O n.º 5 do artigo 38.º do CFI vem estabelecer isso mesmo quando determina que «Para efeitos do disposto nos números anteriores quando no ano de início de fruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.»

         O que significa,

104. Que as despesas elegíveis realizadas no ano de 2015 e certificadas pela Agência Nacional de Inovação (ANI) permitem, em conjunto com as realizadas nos dois anos anteriores, atribuir às empresas um crédito fiscal reportado ao período de tributação anual com início em 2015.

105.  Discorda-se, pois, do alegado pela Reclamante no sentido de a não consideração do período de tributação Intercalar para efeitos do SIFIDE não ter aderência na letra da lei.

         Aliás,

106. Se o legislador quisesse ter dado relevância a esse período para efeitos da consideração de créditos fiscais decorrentes de benefícios tê-lo-ia feito claramente.

[…]

111.  Sempre que o legislador entendeu ser de dar tratamento fiscal especial aos períodos de tributação especiais, como o intercalar, fê-lo em termos precisos.

112.  Está precisamente nesta situação a definição dos termos em que no período de tributação intercalar devem ser cumpridas as obrigações declarativas, deduzidos os prejuízos fiscais e efetuados os pagamento por conta. (Vide artigos 120.º . n.º  2, 121.º, n.º 3, 52.º, n.º 6 e 105.º , n.º 4, todos do Código do IRC.)

113.  No tocante ao SIFIDE é o próprio CFI que retira relevância ao período de tributação intercalar.

         Ora,

114. Não se pode ignorar que na determinação do sentido e alcance da norma a que se refere o n.º 1 do artigo 11.º da LGT deve o intérprete observar as regras e princípios gerais estabelecidos no Código Civil, que precisamente manda presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

         Desta forma,

115. As alegações da Reclamante não só desvirtuam completamente os princípios norteadores do benefício fiscal como são incapazes de especificar à luz dos artigos 35.º a 42.º do CFI, designadamente:

  • Os termos em que a Reclamante efetuou a candidatura ao SIFIDE reportada ao período de tributação intercalar de 6 meses
  • O exercício económico beneficiário da apresentação da candidatura
  • O prazo apresentado na submissão da candidatura
  • O cálculo do crédito fiscal em função da taxa base incidente sobre o montante da despesa total em I&D no ano corrente e da taxa incremental incidente sobre o aumento da despesa realizada no período face à média aritmética dos dois exercícios anteriores.

De facto,

116. Como poder querer a Reclamante justificar um crédito fiscal apurado nos termos do n.º 1 do artigo 38.º do CFI incidente sobre despesas realizadas num período de 18 meses, entre 1 de janeiro de 2015 e 30 de junho de 2016?

117.  A própria ANI, como é referido no relatório de inspeção, informou a empresa H… que as despesas de I&D realizadas no período de tributação intercalar deviam ser incluídas na candidatura correspondente a 2015, a apresentar após o termo do período de tributação (30/06/2016).

118.  Também na informação obtida pela mesma empresa por parte da Direção de Serviços do IRC (DSIRC) é considerada decorrente do n.º 5 do artigo 38.º do CFI a impossibilidade de as despesas de I&D realizadas no período transitório serem elegíveis em sede do SIFIDE.

         De salientar, que,

 119. A ANI, contrariamente ao que a Reclamante pretende fazer denotar, é apenas responsável pela emissão, para cada ano de candidatura, de uma declaração comprovativa das despesas que por si sejam consideradas elegíveis no âmbito de ações de investigação ou desenvolvimento, dos respetivos montantes envolvidos e do valor do crédito fiscal atribuído às empresas. Compete-lhe também a realização das auditorias tecnológicas aos projetos encetados pelas empresas.

120.  Obviamente que a ANI não detém competências da natureza das atribuídas à administração tributária, designadamente, as ligadas ao reconhecimento e controle dos benefícios fiscais.

121.  Na situação em apreço, não estão, pois, postas em causa quaisquer questões sobre as incumbências da ANI.

122.  O facto a analisar nestes autos é tão só o do direito de a Reclamante apresentar para o periodo de tributação intercalar a requerida dotação do SIFIDE.

         E,

123.  Quanto a isso, o sentido interpretativo da Reclamante sobre as regras do SIFIDE não pode ser acolhido.

124.  A dotação requerida de € 465 897,87 não é legítima, face ao facto de o crédito fiscal no âmbito do SIFIDE ter de ser reportado ao período de tributação que, como é sabido, tem por regra a duração anual e não estar legalmente estabelecida a sua consideração para períodos inferiores ao ano, como é o caso do período de transição derivado da mudança para um período de tributação especial.

125. É de concluir que o entendimento aplicado no relatório inspetivo nem é violador do princípio constitucional da legalidade nem se afigura desproporcional e atentatório do princípio da igualdade, contrariamente ao que crê a Reclamante.

§V.V. DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI POR OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 69.º, 70.º, 71.º, 90.º (1) ALÍNEA C) DO CÓDIGO DO IRC

126. Como já se referiu a alteração ao artigo 69.º do Código do IRC que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2014 e que reduziu de 90% para 75% o nível mínimo de participação nas subsidiárias pela sociedade dominante teve repercussões no perímetro fiscal do Grupo B… com inclusão de um conjunto de sociedades que até então pertenciam a outros grupos também sujeitos ao RETGS.

         Nessa sequência,

127. Consideraram os serviços de inspeção que os créditos fiscais trazidos pelas empresas que passaram a integrar o Grupo Fiscal B… apenas podem ser utilizados pelo grupo em função da contribuição do resultado tributável dessas empresas para o imposto do grupo.

[…]

137.  Não obstante poder não haver regra específica para a definição do limite das deduções à coleta do grupo relativas a cada sociedade, não se podem descurar, de forma nenhuma, as regras próprias subjacentes à atribuição dos benefícios fiscais.

         Daí que,

138.  O legislador ao consagrar os benefícios fiscais proceda muitas vezes à especificação do montante da dedução à coleta a efetuar no âmbito do RETGS, como é o caso, por exemplo, da dedução por lucros retidos e reinvestidos, prevista no n.º 5 do artigo 29.º do CFI, ou da dedução do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), regulada no n.º 5 do artigo 3.º da Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, em que a dedução à coleta do grupo é função da coleta da sociedade titular do benefício determinada como se não fosse aplicável o RETGS.

139.  No fundo admitir-se a tese da Reclamante, de os benefícios fiscais adquiridos em períodos anteriores à entrada no perímetro fiscal e até aí não aproveitados poderem ser deduzidos à coleta do grupo sem qualquer limitação equivaleria a serem transmitidos de forma automática a sociedades do grupo que em nada contribuíram para a obtenção do seu direito, podendo levar a que o RETGS pudesse ser um veículo de aquisição e inclusão no perímetro fiscal de sociedades com benefícios fiscais mas sem capacidade de os aproveitar na esfera individual.

140.  Não se pode descurar o facto de os benefícios fiscais serem medidas de natureza excecional face à tributação-regra.

         E,

138.  Esta natureza excecional é relevante enquanto fator modelador dos fundamentos extrafiscais em que os benefícios fiscais se suportam.

139.  Há sempre na instituição dos benefícios fiscais a definição concreta de todo um conjunto de pressupostos objetivos e subjetivos que se têm de verificar.

140.  Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP o legislador fiscal tem de estabelecer de forma concreta e precisa os agentes económicos que podem usufruir dos incentivos fiscais, os investimentos que devem ser realizados para o efeito, a forma como esses incentivos vão operar, os respetivos termos e regras de cálculo, bem como a sua eficácia temporal.

141.  À usufruição do benefício fiscal não pode ficar alheia a entidade económica individual que o suscitou

         Veja-se,

145.  O regime do SIFIDE, no âmbito do qual o benefício apenas pode ser atribuído a entidades que tenham realizado investimentos nas áreas de investigação e desenvolvimento, entidades essas a quem tem de ser reconhecida idoneidade em matéria de investigação e desenvolvimento.

146.  Como atrás se referiu, sendo os benefícios fiscais medidas de carater excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem, necessário é que um qualquer observador mediano compreenda esses interesses, que no caso do SIFIDE residem nos investimentos em áreas que não só incrementam o potencial de crescimento e valorização da sociedade que os realiza como intensificam a economia portuguesa.

147.  Tal facto não pode ser descaraterizado em sede do RETGS.

         Nesta medida,

148. Entende-se que o disposto no citado n.º 6 do artigo 90.º do Código do IRC não se pode desligar do regime específico dos benefícios fiscais em causa e da situação em concreto que apresentam as sociedades beneficiárias do grupo.

         E, assim sendo,

149.  Não pode ser aceite a argumentação da Reclamante no sentido de ser admitido automaticamente um alargamento da dedução à coleta do grupo por benefícios fiscais cujo direito foi adquirido por empresas concretas e em momento prévio à integração no perímetro fiscal.

[…]

§ VI. DO DIREITO DE AUDIÇÃO

[…]

154.  No decurso do prazo concedido para esse direito, a Reclamante veio aos autos exercê-lo, não suscitando, porém, quaisquer elementos novos a ter em conta na fundamentação da decisão.”

  1. Mantendo a discordância em relação às correções ao cálculo do IRC do Grupo B…, subjacentes à liquidação de IRC e juros compensatórios controvertida, a Requerente apresentou no CAAD, em 25 de setembro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. documento 5 junto pela Requerente e registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.
  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta as posições assumidas pelas Partes, que não apresentam divergência em relação à matéria de facto.

 

3.         Factos não Provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

 

V.      Do Direito

 

  1. Sobre a Falta de Fundamentação

 

A Requerente suscita a falta de fundamentação dos atos de IRC em crise e afirma que, apesar da certidão emitida pela Requerida, continua sem compreender o motivo pelo qual recebeu, em 12 de agosto de 2019, uma primeira liquidação de IRC n.º 2019 …, seguida de um “Reacerto Financeiro de Liquidação” com o mesmo número da liquidação, e de uma nova liquidação e reacerto de liquidação, estes últimos sob o n.º 2019 ….

 

Neste âmbito, afigura-se que a Requerente confunde dois planos distintos, um respeitante ao ato de liquidação, ou seja, à definição jurídica do quantum da prestação tributária devida, outro relativo aos movimentos financeiros de compensação ou acerto de contas (operações materiais) entre créditos e débitos tributários previamente constituídos. Com efeito, em linha com o referido pela Requerida, o acerto de contas é “um ato em que a AT procede a um acerto entre créditos e débitos do contribuinte, créditos e débitos esses definidos (declarados) e titulados noutros atos (atos tributários, decisões jurisdicionais, etc.)”. 

 

É em relação ao ato de liquidação impugnado, emitido sob o n.º 2019 …, que se pode suscitar o vício de falta de fundamentação passível de ser conhecido por este Tribunal Arbitral.

 

Assim, as operações e movimentos financeiros de concretização e acerto das relações de crédito e débito do contribuinte com o credor tributário não respeitam a matéria da competência dos Tribunais Arbitrais, circunscrita, de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, à apreciação da ilegalidade do ato de liquidação. Acresce sublinhar que a certidão emitida nos termos do artigo 37.º do CPPT e emitida pela Requerida contém a explicitação detalhada dos movimentos financeiros gerados pelos atos de liquidação e respetivos reacertos motivados pela correção de lapsos no respetivo apuramento[3], permitindo a reação contenciosa pelos meios próprios. 

 

No que se refere à invocada falta de fundamentação do ato de liquidação controvertido, importa notar que do mesmo consta a referência expressa à “fundamentação já remetida”, em clara alusão ao Relatório de Inspeção Tributária que havia sido anteriormente notificado à Requerente, na sequência do qual era previsível a emissão do(s) ato(s) tributário(s) consequente(s). O Relatório em apreço contém, de forma percetível, os motivos das correções à matéria coletável de IRC do Grupo B… (pontos N e Q dos factos provados), tendo sido adequadamente compreendido pela Requerente, que os refuta de forma circunstanciada, quer em sede de Reclamação Graciosa, quer na presente ação arbitral.

 

            Interessa relembrar que o dever de fundamentação dos atos da Administração Pública que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes deriva de imperativo constitucional, abrangendo os atos lesivos e impositivos (v. artigo 268.º, n.º 3 da Constituição). Este dever de fundamentação, desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa, dando a conhecer ao sujeito passivo o itinerário cognoscitivo e valorativo para a AT ter decidido no sentido em que decidiu.

 

            Na situação vertente, o Relatório de Inspeção Tributária e, bem assim, a decisão da Reclamação Graciosa deduzida contra o ato de liquidação impugnado, são explícitas em relação às razões que justificam as correções operadas, tendo a Requerida dado a conhecer as razões da sua atuação, pelo que, do ponto de vista formal, e independentemente dos seus méritos, o ato se encontra suficientemente justificado com a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo.

 

Por outro lado, ainda que se entendesse que a referência do ato de liquidação à fundamentação do Relatório de Inspeção não era suficientemente explícita, do que se trataria nessa circunstância seria de uma insuficiência da notificação e não da falta de fundamentação que, como sublinhado, existe e consta do mencionado Relatório, que foi comunicado à Requerente. O problema colocar-se-ia, assim, do ponto de vista da produção dos efeitos da notificação, nomeadamente para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito potestativo de ação, e não do da validade intrínseca do ato de liquidação. Neste sentido, como salienta a Requerida, a notificação não constitui condição de validade do ato tributário, podendo apenas diferir a sua eficácia ou oponibilidade (v. artigo 36.º, n.º 1 do CPPT e 77.º, n.º 6 da LGT), e não se confunde com o ato notificado, nem a deficiência da notificação retira ao ato a fundamentação que dele consta.

 

Tendo a Requerente sido notificada do RIT contendo a fundamentação dos ajustamentos efetuados ao resultado fiscal e ao imposto apurados pelo Grupo B…, o ato de liquidação sequente não tem de reproduzir, de novo, todos os fundamentos.

 

Atento o exposto, conclui-se que foram observados os requisitos de fundamentação do ato tributário previstos no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, não se constatando a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental procedimental, geradora de nulidade nos termos do artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), nem a violação de quaisquer outras normas ou princípios jurídicos sancionadas com a anulabilidade (arguida a título subsidiário), improcedendo, desta forma, o vício de falta de fundamentação imputado pela Requerente ao ato tributário controvertido.

 

            Questão distinta, de seguida apreciada, é a da validade, já não formal (relativa à enunciação dos motivos), antes substancial dos fundamentos do ato, que “tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade «stricto sensu» do próprio ato”, quer por os factos não corresponderem à realidade, quer por terem sido extraídas conclusões erradas ou não serem “suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa (VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231)” – acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de abril de 2014, processo n.º 1690/13, e de 21 de novembro de 2019, processo 0404/13.9BEVIS.

 

  1. Da Dotação Sifide do Período de 2015-I

 

A adoção pelo Grupo B…, em 2015, de um período de tributação não coincidente com o ano civil suscitou a repartição desse ano em dois períodos fiscais distintos, sendo o primeiro, de 1 de janeiro de 2015 a 30 de junho de 2015 (2015-I), inferior a um ano, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 4 do Código do IRC, e o segundo, de 1 de julho de 2015 a 31 de maio de 2016 (2015-II), correspondente a um ano.

 

Neste âmbito, a Requerida corrigiu, com referência ao período fiscal 2015-I, a dedução à coleta de IRC efetuada pela Requerente, a título de dotação de SIFIDE do período, no valor de € 643.552,90, decomposto em:

  1. € 177.655,06 relativo a SIFIDE da sociedade antes denominada I…, S.A., adquirida pelo Grupo D… em junho de 2015 e depois fundida na J…, S.A. a 30 de junho de 2016, dando origem à atualmente designada K…, S.A.; e
  2. € 465.897,84, referente a SIFIDE estimado pelas demais empresas do Grupo B….

 

Convém analisar separadamente as duas componentes assinaladas em (i) e (ii) supra, em virtude de serem distintos os respetivos fundamentos.

 

  1. Sifide Deduzido pela K…, S.A. (€ 177.655,06)

 

         Não vem controvertido que a sociedade atualmente denominada K…, S.A. foi adquirida pelo (sub)Grupo D… em junho de 2015, integrando este último o Grupo B…, em virtude da alteração legislativa ocorrida com a Reforma do IRC (Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro) que reduziu a percentagem de detenção, para efeitos de acessibilidade ao RETGS de 90% para 75%.

 

         Tendo-se verificado a aquisição em junho de 2015, em relação ao período de 2015-I, é inequívoco que a sociedade dominante do Grupo B… [a aqui Requerente] não detinha uma participação (direta ou indireta) na sociedade dominada (a dita K…, S.A.) há mais de um ano como postula o artigo 69.º, n.º 3 do Código do IRC, para efeitos da sua integração no RETGS. 

         Assim, é válida a asserção do RIT no sentido de ser “indevida a inclusão no crédito fiscal por SIFIDE das empresas tributadas pelo RETGS no grupo com a sociedade dominante a B… do valor de 177.655,06 Euros, correspondente às despesas de I&D realizadas pela K… […] no primeiro semestre de 2015“, pois, como acima referido, tendo integrado o grupo apenas em junho de 2015, não se tem por verificada a condição da sua detenção pela sociedade dominante pelo período superior a um ano com referência à data em que inicia a aplicação do regime.

 

De salientar que no pedido de pronúncia arbitral a Requerente, apesar de se opor na integralidade à correção da dotação por SIFIDE no período 2015-I (que abrange o valor de € 177.655,06 em análise), não invoca qualquer fundamento no sentido de rebater ou invalidar a argumentação da AT.

 

Nestes termos, improcede a arguição de erro nos pressupostos em relação à correção da dotação SIFIDE, na importância de € 177.655,06, relativa ao período de 2015-I.

 

No tocante à alegada violação de princípios constitucionais, não se alcança, nem a Requerente concretiza, em que medida é que a exigência legal de um período de detenção mínimo superior a um ano pela sociedade dominante em relação às sociedades dominadas que pretendem fazer parte do Grupo Fiscal viola os princípios constitucionais da Legalidade, da Proporcionalidade e da Igualdade, pelo que também soçobra, por insubsistente, esta alegação.

 

  1. Sifide Deduzido por Outras Empresas do Grupo B… (€ 465.897,84)

 

A Requerente considera ilegal a interpretação da Requerida, por entender que não decorre do artigo 38.º, n.º 5 do CFI que as despesas de investigação e desenvolvimento realizadas no período intercalar [2015-I], que teve a duração de apenas seis meses, não sejam elegíveis para o benefício do crédito de imposto por SIFIDE (e consequente dedução à coleta).

 

Para a análise desta questão, importa compulsar o artigo 38.º do Código do IRC que, na versão em vigor à data dos factos, dispunha o seguinte:

 

“Artigo 38.º
Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2020, numa dupla percentagem:

  1. Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;
  2. Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000,00.

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que se enquadrem na categoria das micro, pequenas ou médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 15 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 - As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo exercício seguinte.

5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de fruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano. (realce nosso)

6 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de atos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.”

Não se suscitam dúvidas a respeito da natureza das despesas que, conforme certificado pelo organismo competente, a ANI, foram qualificadas como relacionadas com projetos de investigação e desenvolvimento, estando assegurada a finalidade que presidiu à consagração deste benefício, criado, em 1997, como medida de estímulo à participação das empresas no esforço de investigação e desenvolvimento, com vista a aumentar a respetiva competitividade.

 

Por outro lado, em relação ao facto de a ANI ter certificado conjuntamente o período de 18 meses, abrangendo dois períodos fiscais – 2015-I e 2015-II – tal derivou do entendimento desta entidade sobre o tratamento a conferir à situação concreta, atendendo à especificidade da partição do período de tributação em dois. Tal opção não é imputável ou atribuível à Requerente ou ao Grupo que esta encabeça e não comprometeu, antes alcançou, o objetivo essencial subjacente à intervenção da ANI, que é o da certificação das despesas como revestindo as características necessárias para serem qualificáveis como investimento em investigação e desenvolvimento, por forma a poderem beneficiar do incentivo fiscal. 

 

De resto, tal posição tem acolhimento no disposto no artigo 40.º do CFI que dispunha no seu n.º 3 que as “entidades interessadas em recorrer ao SIFIDE devem submeter as candidaturas até ao final do mês de julho do ano seguinte ao do exercício [i.e., in casu, o ano seguinte é 2016, tendo a candidatura sido submetida até ao final do mês de julho, como o próprio RIT reconhece ter sucedido]”, em linha com o entendimento que veio a ser confirmado com a nova redação dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro). (realce nosso) É certo que, nestas circunstâncias, quando da submissão da declaração Modelo 22 de IRC referente ao período de tributação de 2015-I ainda não estava formalizada a candidatura da Requerente à declaração da ANI. Porém, como atrás referido, o momento da candidatura ficou a dever-se à posição expressa pela própria ANI sobre o caso concreto, devendo considerar-se satisfeita a condição com a emissão do certificado global abrangendo o período em causa [2015-I] e também o período subsequente [2015-II].

 

Encontrando-se preenchidos os pressupostos relativos à elegibilidade das despesas (de investigação e desenvolvimento e devidamente certificadas pela autoridade competente), para efeitos de determinação do benefício fiscal do SIFIDE, o cerne da divergência, tal como a Requerida enuncia na sua Resposta, reside em saber o que deve entender-se por ano de fruição do benefício.

 

Na leitura que a Requerida faz do n.º 5 do artigo 38.º do CFI supra transcrito, o crédito de imposto estaria excluído por ter ocorrido a mudança do período de tributação com referência a 2015-I, apenas por se tratar de período intercalar inferior a 12 meses. Não sendo este coincidente com um período de tributação anual, deveria considerar-se que esse período é o “ano de início de fruição do benefício”, retirando a consequência de, sem mais, ficar excluída a possibilidade de as despesas de investigação e desenvolvimento realizadas nesse período serem elegíveis para efeitos de SIFIDE, não só para efeitos de dedução nesse período, como em períodos de tributação subsequentes, mesmo que, neste último caso, anuais. Ou seja, reduzindo a “zero o valor da dotação do período [2015-I] por SIFIDE”.

 

Esta construção interpretativa enferma de diversos problemas.

 

Se é verdade que estamos perante um caso de mudança de período de tributação, conforme refere o n.º 5 do citado artigo 38.º do CFI, falha, contudo, o primeiro requisito exigido pela norma, de se tratar do ano de início de fruição do benefício do SIFIDE. Efetivamente a previsão normativa refere “quando no ano de início de fruição do benefício ocorrer a mudança do período de tributação” e, na situação concreta, ficou demonstrado que o SIFIDE vinha sendo utilizado pelas sociedades do Grupo B… desde, pelo menos, 2013 (ponto K da matéria de facto). Portanto, não se afigura preenchido o pressuposto de não ser considerada a dotação do SIFIDE no período de 2015-I.

 

Acresce que a posição da AT redundaria numa exclusão liminar do benefício do SIFIDE, apesar de estarem reunidas todas as condições de acessibilidade ao mesmo, sempre que ocorresse a mudança de período de tributação, no primeiro ano que não coincidisse com o período anual do calendário civil. Ora, não só tal entendimento é desprovido de suporte na letra da lei como contraria a teleologia do incentivo, que pretende desagravar a carga fiscal das empresas (sujeitos passivos de IRC) que canalizem os seus recursos financeiros para o investimento em investigação e desenvolvimento, tendo em vista o reforço da produtividade, eficiência e competitividade.

 

Na perspetiva da AT só seriam admitidos períodos anuais e seriam eliminadas do benefício despesas “elegíveis” reportadas a períodos intermédios, reduzindo, para esse efeito, tais despesas a “zero”, numa interpretação formalista e desenquadrada dos objetivos e teleologia que norteiam a atribuição deste benefício, que se mantém, pela sua valia, desde 1997, sem prejuízo de aperfeiçoamentos legislativos. 

 

Diversamente, na interpretação que se julga correta, a mudança de período fiscal não implica a exclusão do benefício do SIFIDE, muito menos quando, como, na situação vertente, existe uma continuidade das empresas e de utilização dos créditos de imposto em períodos anteriores e subsequentes,

 

Mesmo quando ocorra a mudança de período fiscal no ano de início de fruição do benefício (o que reitera-se não ser o caso, pois as sociedades do Grupo vinham utilizando o benefício do SIFIDE ao longo dos anos precedentes), se a lei remete, nessa circunstância, para o período anual subsequente, então tais despesas deveriam ser consideradas nesse primeiro período anual seguinte em vez de serem pura e simplesmente eliminadas.

 

Nem se diga que o regime aplicado pela AT deriva da necessidade de homogeneização de períodos de tributação, pois esta não só é alcançável por critérios de repartição proporcional (como bem entendeu e calculou a ANI), como tal fundamento não pode constituir requisito de exclusão não previsto na lei, nem tem razão de prevalência sobre a axiologia do incentivo.

 

À face do exposto, fica prejudicada a apreciação da alegada violação dos princípios constitucionais da Legalidade, da Proporcionalidade e da Igualdade, porquanto a norma em apreço (o n.º 5 do artigo 38.º do CFI) não foi aplicada na interpretação preconizada pela AT, que suscitava o confronto desses princípios.

Nestes termos, procede a pretensão anulatória da Requerente, por erro nos pressupostos de facto e de direito, relativamente à correção da dedução do crédito de SIFIDE, no período de 2015-II, no montante de € 465.897,84.

 

  1. Dedução de Benefícios Fiscais Anteriores ao Alargamento do Perímetro do Grupo Fiscal B…

 

            Discute-se neste ponto, a correção, pela Requerida, dos consumos de crédito de imposto por benefícios fiscais pela coleta apurada pela Requerente ao nível do Grupo B…, no período de tributação de 2015-I, no valor de € 6.728.312,72, relativamente a benefícios – de CFEI e SIFIDE – transitados de 2014 e apurados pelas sociedades dos (sub)Grupos E… e D…antes de ingressarem no Grupo B…, com fundamento no disposto no artigo 90.º, n.ºs 2 e 6 do Código do IRC.

 

            Entende a Requerida que, relativamente a essas sociedades, a dedução dos benefícios teria por limite o montante que cada sociedade individualmente poderia deduzir se tributada autonomamente, ou seja, balizada pela coleta apurada na declaração individual (em circunstâncias idênticas às que se verificariam não fazendo parte do Grupo fiscal).

 

            Para tanto, alicerça-se nos seguintes argumentos:

  1. As sociedades que compõem o RETGS mantêm a sua individualidade e autonomia fiscal;
  2. No paralelismo com a regra dos prejuízos fiscais prevista no artigo 71.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC que limita a dedução dos prejuízos verificados em períodos de tributação anteriores ao do início de aplicação do regime até à concorrência do lucro tributável da sociedade a que respeitam; e
  3. Na intransmissibilidade dos benefícios fiscais, conduzindo a tese da Requerente à transmissão automática do direito a benefícios fiscais definitivamente constituído na esfera de uma sociedade em exercícios anteriores ao da entrada no Grupo, às demais sociedades que já integravam o seu perímetro (v. artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais – “EBF”). 

 

A Requerente não se conforma com tal posição, considerando que a restrição preconizada pela AT não tem suporte legal no artigo 90.º, n.º 2, alínea c) do Código do IRC, ao contrário do que se verifica com os prejuízos fiscais previstos no artigo 71.º do mesmo diploma. Inexistindo paralelismo entre a dedução de benefícios fiscais na área do investimento e a dedução de prejuízos fiscais não se compreenderia a aplicação do mesmo critério, nem se pode concluir pela existência de uma lacuna de regulação que devesse ser colmatada.

 

A questão decidenda não é pacífica, tendo as duas posições em confronto suscitado entendimentos divergentes na jurisprudência arbitral. Com efeito, a decisão do processo n.º 648/2015-T, de 15 de julho de 2016, acolhe a posição da Requerida[4], sem prejuízo de um voto de vencido, enquanto no processo n.º 482/2019, com decisão datada de 26 de março de 2020, se adotam os fundamentos invocados pela Requerente.

 

Adere-se ao primeiro aresto (cuja fundamentação, apesar da referência a uma Sociedade de Capital de Risco, é plenamente aplicável à hipótese sub iudice), por concordância com os seus fundamentos, que, na parte relevante, seguidamente se transcrevem:  

 

Importa reter, para efeitos da presente análise, que a lei considera os benefícios fiscais como despesas fiscais, isto é, despesas que estão, nessa medida, subordinadas aos princípios e demais requisitos da despesa pública. Ora, na óptica da realidade subjacente, anterior à integração da SCR no RETGS, o que releva saber, por um lado, é que esta, porque efectuou os investimentos a que se refere o n.º 3 do artigo 32.º-A do EBF, como consequência da realização de uma actividade que a lei incentivava – o investimento em capital de risco como forma (acrescidamente arriscada) de criação de riqueza –, “ganhou” o direito a certo benefício fiscal, materializado no direito a proceder a uma dada dedução à coleta.

A questão que se coloca é a de saber em que termos.

 Parece claro que a SCR “obteve” esse direito por ter realizado o comportamento desejado pela lei, e no quadro dos limites fixados no próprio n.º 3 do artigo 32.º-A do EBF. Isto é, estando ela interessada na prossecução de certa actividade de risco, a lei fiscal, através deste preceito, incentivou-a (assim como todos os demais agentes económicos com a natureza de SCR, mas só estes) a realizar tais investimentos de risco em sociedades com potencial de crescimento e valorização. Como contrapartida, a lei fiscal fixou os termos ou os limites ao incentivo / benefício fiscal que estava disposta a conceder, àqueles agentes económicos em especial, em resultado desse investimento acrescidamente arriscado.

Os limites desse incentivo fiscal são os que decorrem do disposto no n.º 3 e 4 do artigo 32.º-A do EBF – a coleta gerada ou a gerar pela SCR. De modo que, adoptada a conduta que o artigo 32.º-A, n.º 2, do EBF pretendia incentivar, fixados ficaram, também, na esfera jurídica da SCR, os exactos termos do benefício a que ela “ganhou” direito e a exacta forma da sua relevação na coleta. Digamos que as coisas se passam como se a lei dissesse o seguinte: “se fizeres isto, dou-te aquilo”, isto é, permito que deduzas à tua coleta, fazendo jus ao brocardo latino “ut des”, isto é, dou para que dês.

No caso, “o aquilo” é o direito a deduzir à (sua) coleta respeitante ao exercício em que foram realizados os investimentos, uma importância correspondente ao limite da soma das colectas de IRC [da SCR] dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o benefício ou, na impossibilidade dessa dedução, na liquidação dos cinco exercícios seguintes. O que requer que a SCR tenha gerado ou venha a gerar coleta.

Temos, assim, que o regime deste benefício tem subjacente uma comutação precisa. Com efeito, o benefício fiscal é uma expressão métrica, exacta, sinalagmática, correspondente a certo tipo de investimento de risco objectivado na pessoa da entidade que o realiza. Trata-se por isso, de um benefício cuja lei reguladora: (1) fixa na íntegra, o comportamento que deseja que os operadores económicos realizem, (2) fixa a forma como o incentivo fiscal opera, a saber, mediante uma dedução à coleta da sociedade que adopta tal comportamento de risco e, (3) fixa ainda a medida exacta do benefício que lhe é reconhecido como contrapartida da assunção desse comportamento de risco, incentivado por lei, incluindo os termos e formas de cálculo dessa dedução, (4) o qual opera pela dedução à coleta que tiver sido ou vier a ser gerada pela própria SCR. Ou seja, é necessário que a SCR tenha gerado ou venha a gerar coleta de IRC.

De modo que, como não podia deixar de ser, no respeito pelo exigido no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), é a lei fiscal que identifica de forma completa e com precisão as condutas que quer incentivar (pressupostos objectivos, materiais ou substantivos), os agentes económicos por elas abrangidos (pressupostos subjectivos), e os termos em que essas condutas são fiscalmente recompensadas na lei.

Desde logo, porque, na escatologia de Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 165, Lisboa, 1991, estamos perante não apenas um benefício fiscal mas de um verdadeiro incentivo fiscal que requer um comportamento dinâmico do agente económico visado (no caso, apenas as SCR), dirigido a certos fins ou efeitos, considerados benéficos (o investimento em sociedades com potencial de valorização) para a sociedade em geral. Porque os incentivos, de acordo com este autor, ob. citada, p. 36, mais do que tutelar interesses públicos, incentivam os agentes económicos visados (e só estes), a adoptar comportamentos que interessam à sociedade e que, por isso, realizam fins de interesse geral ou colectivo.

Daí que os benefícios fiscais, por contraposição ao imposto, sejam medidas de natureza excecional face à tributação-regra. Esta natureza excecional dos benefícios fiscais é relevante porquanto ela vinca os fundamentos extrafiscais em que se suportam, por contraposição aos fins meramente reditícios do imposto.

No caso, e de acordo com o artigo 11.º do EBF, a SCR obteve o direito ao benefício fiscal com a realização, nos precisos termos requeridos, da conduta que a lei incentivava, isto é, com a verificação histórica dos pressupostos objectivos e subjectivos da respectiva previsão legal, mesmo que a respectiva eficácia seja diferida no tempo.

 Ora, tal como o n.º 3 está gizado, quer sob o ponto de vista da sua letra quer do seu espírito, parece-nos claro que o âmbito e o limite do benefício obtido é o das próprias forças económicas individuais das SCR, pois só este tipo societário é abrangido pelo benefício fiscal.

 A dedução tem, assim, como limite uma importância correspondente ao limite da soma das colectas de IRC da SCR dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o direito ao incentivo / benefício fiscal (sem prejuízo de se saber que a lei fiscal adopta, para outras situações, soluções diversas, como é o caso do RFAI, a DLRR ou o SIFIDE). O que importa salientar é que, na situação dos autos, existe uma disciplina jurídica própria que resulta da conjugação do disposto no artigo 32.º-A do EBF com os artigos 120.º, n.º 6, e 90.º, n.º 6, do CIRC, da qual se retira toda a regulação necessária à dilucidação da questão suscitada.

 Ora, estando o benefício dirigido em exclusivo às sociedades se capital de risco (SCR), fica claro que apenas estas podem dele aproveitar e nos exactos termos em que a lei o prescreve, na justa medida em que se realiza aqui uma actividade perfeitamente vinculada de subsunção da conduta da SCR em todos os seus detalhes relevantes, à norma que lhe atribui o benefício fiscal.

Como consequência e, no caso, o limite do benefício fiscal estabelecido no n.º 3 do artigo 32.º-A existe porque, sendo embora verdade que a lei está interessada em que as SCR façam investimentos nas sociedades nela especificados, fundada em razões de interesse geral, não perde de vista um outro interesse mais básico, radicado nas mesmas relevantes motivações públicas, que é o interesse ao imposto (e à coleta) que a própria SCR individualmente gere, no quadro do regular exercício da sua própria actividade económica.

 Por outro lado, sendo os benefícios fiscais medidas que se suportam em razões de interesse público superiores àquelas que determinam a própria tributação-regra, no dizer de Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais…, p. 35, tal interesse público deve ser claro em termos tais que deve ser percepcionável para todos. Isto é, deve ser possível compreender com relativa clareza qual o interesse público em que radica a concessão do benefício fiscal às próprias SCR. No caso, esse interesse público está no investimento de risco realizado por este tipo de sociedades em particular como forma de incrementar o potencial de crescimento e valorização das sociedades onde ocorre o investimento.

[…]

De um lado, ele dirige-se exclusivamente às SCR. Isto é, beneficia apenas as SCR que concreta e precisamente adoptem as condutas incentivadas pela norma reguladora sem necessidade de reconhecimento prévio visto tratar-se de um benefício automático. Finalmente, materializa-se se a SCR tiver tido ou vier a ter coleta própria onde o benefício possa ser deduzido, nos termos legalmente estabelecidos.

Por consequência, a SCR adquire uma posição subjectiva, um direito (subjectivo) ao benefício fiscal, que se cristaliza na sua esfera jurídica, nos exactos termos prescritos por lei mas que ela mesma só pode efectivar se tiver gerado ou vier a gerar a sua própria coleta. E estes são os que decorrem do n.º 3 do preceito sob apreço, a saber: o direito de deduzir ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, uma importância correspondente ao limite da soma das colectas de IRC [da SCR] dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o benefício, desde que seja utilizada na realização de investimentos em sociedades com potencial de crescimento e valorização.

Essa coleta é a coleta individual do sujeito passivo incentivado, gerada pela própria SCR no período relevante. Pois que foi ela e só ela que adoptou o comportamento desejado pela norma reguladora do benefício fiscal. É o que decorre do artigo 32.º-A do EBF. Nem poderia ser de outro modo, pois que dirigindo-se o benefício fiscal às SCR, ele tem também unicamente por objecto a coleta gerada pelas sociedades abrangidas, e individualmente quantificadas no período relevante.

E, na justa medida em que são as SCR as únicas sociedades incentivadas e aquelas em cuja coleta específica o benefício pode ser deduzido, compreende-se que só esta coleta pode relevar para a delimitação concreta do direito subjectivo substantivo criado na sua esfera jurídica.

 De modo que, em síntese, e como decorrência directa do regime sob apreço, o direito que a SCR traz para o grupo (RETGS), é o direito (subjectivo) que ela mesma detém de (1) deduzir certo benefício fiscal (2) à sua própria coleta, e nos exactos termos em que esse direito se formou na sua própria esfera jurídica.”.

 

Em resumo: i) as normas que preveem incentivos fiscais estabelecem o comportamento gizado pelo legislador, no  caso, designadamente, despesas realizadas pelos sujeitos passivos de IRC com vista à aquisição de novos conhecimentos científicos e técnicos;  ii) a mera integração de sociedades em Grupo  não reforça, de iure, a finalidade extrafiscal que presidiu à previsão do normativo, pois as despesas  realizaram-se previamente à integração das sociedades no RETGS; e iii) as normas reguladoras do benefício fiscal aqui em causa fixam o comportamento que os operadores económicos devem observar, o modo como o incentivo fiscal opera – através da dedução à coleta – do operador que realiza as aludidas despesas[5] e, por último, estabelece a medida do incentivo, regra geral, 32,5% das aludidas despesas.

 

Importa ainda dilucidar, no quadro do RETGS, se pode ser admitida, de iure, o alargamento da dedução à coleta do Grupo por benefícios fiscais cujo direito foi adquirido por empresas concretas e em momento anterior à integração no perímetro fiscal.

            Vejamos, novamente, a fundamentação da decisão arbitral n.º 648/2015-T, de 15 de junho de 2016, no segmento respeitante ao RETGS e à obrigação de determinação do imposto individualmente devido, a que este Tribunal Arbitral adere:

 

“             Como se sabe, o RGTGS não elimina a individualidade própria de cada sociedade que o integra – bem pelo contrário - pois continua a exigir que se faça a distinção entre situação fiscal do grupo e situação fiscal de cada uma das sociedades que o compõem.

 Estas mantêm, pois, a sua autonomia jurídica e fiscal. A jurisprudência tem entendido, e bem (v. g. proc. 05376/12 do TCA Sul, citando o Ac. do STA a propósito da transmissibilidade de prejuízos – proc. n.° 0909/10, de 02-02-2011), que o RETGS é dominado por uma lógica de tributação conjunta, sendo a tributação em sede de IRC feita tendencialmente pelo seu resultado agregado, como se de uma só sociedade se tratasse, correspondendo à unidade económica do conjunto que se comporta no mercado como se efectivamente fosse uma única empresa.

Contudo, é, todavia, claro que cada sociedade do grupo não perde a sua personalidade jurídica e individualidade jurídico-organizativa e patrimonial, nem deixa de ser sujeito de relações tributárias próprias pelo facto de passar a integrar o grupo de sociedades. Isso manifesta-se de vários modos:

• A tributação em sede de RETGS baseia-se na soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais das sociedades do perímetro do grupo de sociedades; • Cada uma das sociedades incluídas no perímetro deve apresentar também uma declaração periódica de rendimentos, que, todavia, só não é objecto de liquidação (cfr. art.º 120.º, n.º 6, do CIRC);

• Está limitada a integração de sociedade que tenha registado prejuízos nos três exercícios anteriores;

• Só os prejuízos gerados após a constituição do REGTS pertencem ao grupo, não os anteriores;

A doutrina tem considerado que o RETGS (artigo 69.º e seguintes do CIRC), é um regime especial de determinação do lucro tributável que se baseia na soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais das sociedades do perímetro. Ele afastouse do conceito alemão do “Organschaft, expresso na consolidação e aproximou-se do sistema britânico do “tax relief” onde, num grupo de sociedades, as que têm créditos fiscais (prejuízos) podem cedê-los às empresas do grupo que têm ganhos, de modo a reduzir os impostos pagos por estas” (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 362). Gonçalo Avelãs Nunes considera que o RETGS se aproxima do regime de Group Relief (in Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em Sede de IRC - Contributo para um Novo Enquadramento Dogmático e Legal do seu Regime, Coimbra, Almedina, 2001, p. 187). É um sistema que agrega as contas das sociedades, obtendo um lucro tributável do grupo. Nesta linha, é claro que o RETGS não modifica nem elimina as posições individuais de cada sociedade integrante, apenas permite a compensação de resultados positivos e negativos (Nuno Sá, A tributação dos grupos de sociedades na mais recente reforma do IRC, 2014, p. 9, tese de mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Porto, em linha: http://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/16044).

É também o que resulta do artigo 70.º do CIRC quando prevê que o lucro tributável do grupo seja calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo. Esta norma confirma a tese de que cada sociedade não perde a sua personalidade jurídica e tributária nem deixa de ser sujeito de relações tributárias próprias pelo facto de passar a integrar um grupo de sociedades, porque, se “dum lado [há] a independência jurídica das sociedades agrupadas, que permanecem formalmente como entidades dotadas de individualidade jurídico-organizativa e patrimonial própria; doutro lado, [há] a unidade económica do conjunto, que se comporta efetivamente no mercado como [se] de uma única empresa se tratasse” (José Engrácia Antunes, Estrutura e responsabilidade da empresa: o moderno paradoxo regulatório, Revista Direito GV2, Jun-Dez 2005, p. 47, disponível em linha: http://direitogv.fgv.br/sites/direitogv.fgv.br/files/rdgv_02_p029_068.pdf).

Também a doutrina considera que um dos princípios basilares da tributação dos grupos de sociedades é o princípio da neutralidade, segundo o qual o imposto sobre o rendimento deve ser uniforme e não influenciar as decisões empresariais (princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica, consagrado no artigo 61.º da CRP), e que decorre da liberdade de organização empresarial (sobre este tema cfr. José A. Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades – Estrutura e organização jurídica da empresa plurissocietária, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002), independentemente de qual seja o modelo de estrutura societária utilizado para o exercício das actividades económicas. E o autor defende que este princípio tem sido posto em causa pelo legislador que, ciente da poupança fiscal que este regime representa, procura, como sublinha Casalta Nabais (Introdução ao Direito Fiscal das Empresas, Coimbra, Almedina, 2013), contornar os efeitos negativos que provoca na receita fiscal através de uma interferência difusa nas escolhas e estratégias empresariais.

O TCA Norte, no Ac. proferido no proc. 00138/2004, 25.5.2008 considerou que “o principal fundamento que justifica a opção pela tributação conjunta do grupo de sociedades em sede de IRC resulta do princípio da neutralidade na tributação dos rendimentos da atividade empresarial. Segundo ele, o sistema fiscal deve tributar o rendimento da mesma forma, independentemente da forma organizativa da empresa”.

Seja como for, se é fora de dúvida que o RETGS é dominado por uma lógica de tributação conjunta, isto é, se o grupo de sociedades é tributado em sede de IRC tendencialmente pelo seu resultado agregado, como se de uma só sociedade se tratasse, também é verdade que não se trata, todavia, de uma lógica de tributação unitária, como se de uma só sociedade se tratasse (vejam-se as inúmeras restrições ao RETGS previstas nos artigos 69.º e 71.º do CIRC). As sociedades que compõem o RETGS mantêm a sua individualidade e autonomia fiscal, o que se manifesta de diversos modos, conforme acima demonstrado.

Neste preciso sentido, se sufragou, inequivocamente, o STA que, a propósito da dedução de prejuízos disse: "prevendo o CIRC, nos seus [actuais] artigos 69.° a 71.°, um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, (...) a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo" (cf. Acórdão do STA, proc. n.° 0909/10, de 02-02-2011; no mesmo sentido, vide, ainda, Acórdão do mesmo Tribunal, proferido no processo n.º 0309/11, de 22-06-2011).

Isso decorre, por exemplo, do artigo 71.º do CIRC já referido, o qual, nada dizendo sobre dedução (à coleta) de benefícios fiscais, estabelece um regime especial de dedução de prejuízos fiscais, distinguindo e conferindo um tratamento fiscal diferenciado entre prejuízos anteriores e posteriores à inclusão da sociedade no RETGS. O regime reforça a tese sufragada pela doutrina e jurisprudência de que estamos perante um regime de tributação conjunta, mas não de um regime de tributação unitária, caso em que as partes componentes perderiam todas as suas características e se diluiriam totalmente as posições activas e passivas que aportem ao grupo no quadro do RETGS.

Para os primeiros prejuízos, verificados em períodos de tributação anteriores ao início de aplicação do regime, estabelece o preceito a regra de que só podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo “até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitem”. De modo que é preciso calcular este limite anualmente. Daí, é claro que os prejuízos gerados antes do REGTS continuam a pertencer à sociedade onde foram gerados e que os aportou (cfr. n.º 6 do art.º 120.º do CIRC), sendo dedutíveis nos termos dos artigos 70.º e 71.º, conforme ali previsto.

A al. a) do n.º 1 ao artigo 71.º do CIRC configura-se como uma norma anti-abuso por limitar a dedução ao lucro tributável de prejuízos individuais, gerados antes da integração da sociedade que os detém, e para evitar a utilização abusiva do RETGS.

Por conseguinte, os Tribunais Superiores têm feito a distinção de que, quanto a prejuízos fiscais, estes só pertencem ao grupo se forem apurados no âmbito de vigência do RETGS. A jurisprudência tem dito que os prejuízos fiscais gerados pelo grupo obedecem à mesma regra da identidade subjectiva, reflectindo-se esta na seguinte asserção legislativa: "os prejuízos fiscais do grupo apurados em cada exercício do período de aplicação do regime só podem ser deduzidos aos lucros tributáveis do grupo" (cf. artigo 65. °, n.° 1, alínea b), do CIRC).

Conclui, assim (o STA), in concreto, no que respeita aos prejuízos fiscais gerados no âmbito da aplicação do RETGS, que: (i) o titular do respectivo direito à dedução é, à semelhança do que sucede relativamente a todas as entidades susceptíveis de gerarem prejuízos fiscais, o ente fiscal que os gerou, ou seja, o grupo de sociedades sujeito ao RETGS e materializado na respectiva sociedade dominante (cf. artigo 64.°, n.º 1, do CIRC); (ii) tratando-se de prejuízos fiscais apurados no âmbito da aplicação do RETGS, o respectivo - e único - titular do correspondente direito dedutivo (o grupo de sociedades) apenas poderá exercê-lo mediante subtracção desses prejuízos do grupo aos subsequentes lucros tributáveis desse mesmo grupo (cf. artigo 65.°, n.º 1, alínea b), do CIRC).

Ora,

Havendo embora lugar, no RETGS, para a diferenciação da situação jurídica dos prejuízos fiscais gerados antes e após integração no grupo da sociedade que os aporta, parece-nos curial constatar que a solução (neutra) da lei seja, mutatis mutandis, a mesma para os benefícios fiscais, atentos os limites materiais e subjectivos do regime constante no artigo 32.º-A do EBF. Fundamento que, a nosso ver, sai robustecido pelo facto de os benefícios fiscais constituírem, como se fez notar, supra, uma realidade dotada de uma dogmática própria, sujeita ao princípio da reserva de lei formal e ao princípio da legalidade fiscal, conforme n.º 2 do artigo 103.º da CRP.

Não tem, pois, razão a Requerente ao afirmar que só existe uma coleta de IRC (artigo 113.º, repetido em vários pontos do seu argumentário), argumento que é desmentido pela obrigação de determinar “o imposto como se aquele regime não fosse aplicável” (artigo 120.º n.º 6 do CIRC). De facto, há tantas colectas, quantas as sociedades integradas no RETGS e a lei requer, quanto a todas e cada uma delas, o apuramento individual do imposto (IRC) anualmente devido, como se o RETGS não fosse aplicável. O ponto reside em como conciliar a existência de colectas individuais com a regra do RETGS que impõe o apuramento da coleta do grupo, nos termos referidos no n.º 6 do artigo 90.º do CIRC.

Aqui diremos que, uma coisa é a imposição legal segundo a qual, no RETGS, as deduções relativas a benefícios fiscais são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo (cfr. o n.º 6 do artigo 90.º do CIRC), outra bem diferente e à qual aquele preceito não responde é a de saber qual o limite dessa dedução. Ora, esse limite é o que resulta do regime específico do benefício em causa e aportado, em concreto, pela concreta sociedade beneficiária para o grupo.

Assim sendo, é em razão disso que o n.º 6 do artigo 90.º do CIRC manda que "as deduções referidas no n.º 2 (onde se incluem as relativas a benefícios fiscais), relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1."

Ora, este n.º 6 confirma o que vem sendo dito. Com efeito, os benefícios fiscais que nele se permite deduzir à coleta, por força do n.º 2 do artigo 90.º CIRC, são os benefícios fiscais que se constituíram na esfera de cada sociedade integrada no RETGS, e com a precisa conformação que na esfera jurídica destas esses benefícios fiscais nela podem ser relevados, à luz da obrigação que individualmente impende sobre cada uma delas, de apurar individualmente todos os agregados fiscalmente relevantes até à determinação do imposto devido como se o RETGS não fosse aplicável. Isso mesmo é corroborado pelo referido n.º 6 do artigo 120.º do CIRC, conforme supra-referido, onde concretamente se dispõe que:

 “6 — Quando for aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades:

 a) A sociedade dominante deve enviar a declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do artigo 70.º;

 b) Cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável.” (sublinhado nosso) I

Isto significa que cada uma das sociedades integradas no RETGS continua obrigada a apurar individualmente a sua situação fiscal, a calcular, de forma individualizada todos os agregados fiscais relevantes, incluindo, no caso, os benefícios fiscais de que disponham e o imposto que seria devido individualmente, e a manter todos os registos e demais suportes a eles respeitantes. E estão, por isso, obrigadas a apurar individualmente o seu Resultado Líquido do exercício, o seu Lucro Tributável, a sua Matéria Coletável, a sua Coleta e o seu Imposto, devido ou a recuperar.

Ora, se cada sociedade integrada no RETGS está obrigada ao apuramento individual da sua coleta, do montante dos seus próprios benefícios fiscais (dedutíveis à sua coleta) e o seu IRC individual, conforme exigido pelo preceito (n.º 6 do art.º 120.º), bem se vê que o montante do benefício fiscal susceptível de apuramento pela Requerente não pode ser outro que não o que resultar do procedimento individual de apuramento do seu próprio imposto, no respeito pela aplicação conjugada do artigo 32.º-A do EBF com o n.º 6 do artigo 120.º do CIRC. Montante esse que deve ser relevado no grupo nos termos do artigo 90.º, n.º 6, do CIRC, deduzindo-se os montantes “relativos a cada uma das sociedades”.

A tese da Requerente segundo a qual, no RETGS, não há colectas individuais, mas tão só a do grupo, além de não ter suporte legal no IRC, como demonstrado, é, ainda, desmentida pelo regime estabelecido para outros benefícios fiscais.

[…]

Podemos, desta forma, concluir que, no caso dos benefícios fiscais às SCR, emergente da conjugação das normas vindas de referir, o regime da relevação em IRC dos benefícios fiscais anteriormente existentes, releváveis no seio do grupo, não padece de nenhuma incompletude. Por outro lado, é possível concluir que, no caso e ao contrário do que se veio a verificar noutros casos, o legislador não sentiu aqui a necessidade de criar regras específicas em vista à sua relevação no quadro do grupo de sociedades, porquanto a disciplina desta questão já se encontra totalmente regulada, conforme supra exposto, não carecendo, como se vê, de regras adicionais em vista ao estabelecimento dos limites à sua relevação.

Porque estas sociedades apenas trazem consigo, para dentro do perímetro, as posições jurídicas que individualmente detinham. E, no caso, a posição que a SCR detinha era e é a que resulta da aplicação individual do regime do art.º 32.º-A do EBF.

Finalmente, pode argumentar-se que para os benefícios fiscais o RETGS e o CIRC não estabelecem um regime paralelo ao que se consagra no artigo 71.º do CIRC para os prejuízos fiscais. A verdade é que, no rigor das coisas, essa previsão no CIRC seria tautológica, em vista do disposto nos preceitos vindos de referir, como se demonstrou supra. E isto porque este benefício fiscal se constitui, vive e morre balizado num quadro normativo que contém todos os elementos necessários à sua plena efectivação, tal como decorre desse artigo 32.º-A do EBF. Não nos parece que falte no RETGS ou no CIRC qualquer norma que discipline uma realidade que já está integralmente regulada no artigo 32.º-A do EBF e que, sendo pré-existente, só pode ser relevada nos termos em que ela mesma passou a existir no momento em que se verificaram os seus pressupostos substantivos, como tal requeridos pelo preceito (cfr. artigo 12.º do EBF). Nesta óptica, os artigos 32.º-A do EBF, 90.º, n.º 6, e 120.º, n.º 6, do CIRC contêm toda a disciplina jurídica necessária para propiciar a dedução pelas SCR (únicas sociedades que podem aceder ao benefício fiscal) às suas próprias colectas, dos valores que a lei manda deduzir sempre que: (1) tenham realizado o investimento de risco; e (2) tenham coleta com as características nele previstas que permita tal dedução.

De modo que a SCR, quando passa a integrar o RETGS, traz consigo o direito subjectivo ao benefício fiscal tal qual ele se constituiu na sua esfera jurídica e, ainda, o poder / dever de o relevar nos exactos termos do artigo 120.º, n.º 6, do CIRC e, sendo assim, tal direito pode efectivar-se na coleta do grupo mas apenas nos termos e limites em que tal direito, assim transportado, é individualmente materializável. Nada mais.

Consequentemente, bem se vê que o efeito potenciador “gratuito” dos benefícios fiscais apenas por força da constituição de um REGTS, desejado pela Requerente, é contrariado pela letra e espírito da lei, até porque o RETGS já consagra as suas próprias vantagens e representaria, na prática, despesa fiscal “gratuita”.

Tanto mais quanto é certo que os benefícios fiscais são um instrumento de política fiscal autónomo, dotado de uma racionalidade específica, uma realidade diferente do próprio imposto, ao passo que os prejuízos fiscais são um agregado emergente do processo de liquidação lato sensu do imposto. Os benefícios fiscais apresentam claramente uma sensibilidade acrescida, não podendo o montante dos que sejam concretamente releváveis depender da configuração ou do modo como se apuram os lucros (individuais ou agrupados).

 

É, assim, possível formular algumas conclusões: i)  as sociedades que compõem o RETGS mantêm a sua individualidade e autonomia fiscal, como, por exemplo, se alcança pela aplicação do artigo 70.º do CIRC, pois prevê  que o lucro tributável do Grupo seja calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao Grupo; ii) se há lugar para a diferenciação da situação jurídica dos prejuízos fiscais gerados antes e após a integração no Grupo societário que os aporta, a solução – neutra – da lei será, mutatis mutandis, a mesma para os benefícios fiscais; e iii) compreender-se-á se cada sociedade integrada no RETGS está obrigada ao apuramento individual da sua coleta, do montante dos seus próprios benefícios fiscais (dedutíveis à sua  coleta) e ao IRC individual -  o benefício fiscal  suscetível de apuramento pela Requerente será aquele que resultar do procedimento individual de determinação do seu próprio imposto.

 

            Entende o Tribunal Arbitral, revertendo a aludida fundamentação para o caso concreto, que o legislador não pretendeu que as empresas que passem a integrar um Grupo societário vejam, por esse simples facto, ampliado o seu direito à utilização de benefícios fiscais próprios, consolidados e quantificados na sua esfera jurídica antes da integração e em benefício das restantes empresas do Grupo que  não adotaram o comportamento gizado pelo legislador na norma que prevê o benefício fiscal e que, se assim não fosse, majorar-se-ia uma despesa fiscal sem qualquer contrapartida relevante de interesse público que legitime o afastamento da tributação-regra.

 

À face do supra exposto, improcede o pedido da Requerente no tocante ao erro de direito que suscita relativamente à correção (realizada pela Requerida) ao consumo de benefícios fiscais em 2015-I originados na esfera individual das sociedades antes de passarem a integrar o perímetro do Grupo B…, por violação do disposto no artigo 90.º, n.º 2 alínea c) do Código do IRC, pelo que a consequente liquidação de IRC mantém-se, neste segmento, intacta.

 

Mais se conclui que a interpretação da AT cuja justeza se reconhece não ofende o princípio constitucional da legalidade fiscal, da proibição do excesso, na vertente da proporcionalidade e da proteção da confiança, como alega a Requerente, resultando precisamente da aplicação do disposto na lei (o citado artigo 90.º, n.º 2, alínea c) do Código do IRC). Não se vê como a interpretação da AT crie uma regra equiparável a uma norma de incidência, a sua posição resulta – pelo contrário – da previsão normativa.  Os benefícios fiscais constituem, como vimos, uma realidade dotada de uma dogmática própria, sujeita ao princípio da reserva de lei formal e ao princípio da legalidade fiscal – artigo 103.º, n.º 2 da CRP.

Para além do mais, a mera integração de sociedades em Grupo não reforça, ope legis, o interesse público gizado na norma que consagra o incentivo fiscal.

 

De referir, por fim, que, ao contrário do defendido pela Requerente, é inaplicável a força de caso julgado em relação à invocada decisão proferida no processo arbitral n.º 482/2019-T, por falta de preenchimento do requisito da tripla identidade prevista no artigo 581.º do Código de Processo Civil[6], que, em qualquer caso, não seria extensível aos fundamentos da decisão.

 

  1. Da Alegada Utilização Ilegal da Inspeção Tributária ao Grupo B… para Fundar Correções Individuais ao Reconhecimento do SIFIDE

 

Considera a Requerente ser ilegal a utilização do procedimento inspetivo ao Grupo B… para fundamentar as correções à dedução do SIFIDE, pois, na sua perspetiva, tais correções apenas poderiam ser realizadas a título individual no âmbito de uma inspeção às sociedades às quais respeita e foi gerado o benefício e nunca ao nível da sociedade dominante, já que tal equivaleria a desconsiderar a personalidade tributária, a autonomia societária, comercial e contabilística das empresas dominadas. Conclui que se trata de uma atuação sem apoio na Lei Fiscal, contraditada pela jurisprudência, valendo-se, para o efeito, da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 364/2018-T.

 

            Convém recordar que os benefícios fiscais em discussão[7] operam mediante deduções ao montante (de coleta) apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria coletável do grupo calculada pela sociedade dominante (v. artigo 70.º, n.º 1 do mesmo Código), como aliás não poderia deixar de ser, por não haver outra.  

 

            Apesar de o legislador ter optado por não dotar o grupo de personalidade tributária, é o rendimento do conjunto das sociedades que formam o grupo fiscal que serve de base ao apuramento da matéria coletável do IRC, recaindo sobre a sociedade dominante o dever de apresentar a declaração periódica do grupo e de proceder ao pagamento do imposto. As declarações periódicas de rendimentos submetidas pelas sociedades dominadas, incluindo a da sociedade dominante na sua esfera individual, ficam na situação de não liquidáveis, constituindo obrigação legal da dominante submeter uma declaração periódica de rendimentos do Grupo a partir da qual irá ser gerada a respetiva liquidação do imposto (v. artigo 70.º e alíneas a) e b) do n.º 6 do artigo 120.º do Código do IRC).

 

Neste âmbito, a matéria coletável e a coleta são apuradas exclusivamente na esfera do grupo pela sociedade dominante, sendo também nesta esfera que se coloca a possibilidade ou não de utilização de prejuízos ficais, bem como de benefícios fiscais. As sociedades dominadas apenas para efeitos declarativos apuram matéria coletável e coleta.

 

            Como salienta a Requerida, a decisão arbitral proferida no processo n.º 116/2017-T, de 7 de dezembro de 2017, espelha muito bem o regime da tributação dos grupos de sociedades, referindo:

No seguimento do defendido por Gonçalo Avelãs Nunes «O principal fundamento que justifica e recomenda a opção pela tributação conjunta do grupo de sociedades em sede de imposto sobre o rendimento resulta do princípio da neutralidade na tributação dos rendimentos da actividade empresarial» (Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em sede de IRC - contributo para um novo enquadramento Dogmático e Legal do seu Regime, 2011, pp 54 ss.).

Com aquele princípio visa-se «evitar que as soluções consagradas em sede fiscal possam determinar a forma jurídica adoptada pelas empresas, procurando conseguir que a estrutura jurídica escolhida concretize a melhor solução para optimizar os lucros e as vantagens do investimento efectuado sem desvirtuamentos introduzidos por razões de natureza fiscal.»

Estamos, assim, a falar de um regime cujas potencialidades resultam da eliminação das desvantagens decorrentes da não neutralidade do regime comum de tributação separada dos grupos, o que faz dele, segundo aquele autor, um regime eficaz e fiscalmente correto.

Com efeito, o regime de tributação conjunta dos grupos de sociedades em sede de IRC oferece vantagens, em especial, no que se refere a possibilitar e potenciar «a adopção da forma societária que melhor corresponda às necessidades produtivas do mercado, ao eliminar as desvantagens da não neutralidade da tributação separada», constituindo «um instrumento útil válido e adequado de apoio à reestruturação das empresas e de promoção de competitividade» (ob. cit., p. 59).

[…]

Exercida a opção por este regime especial, refere o artigo 70.º do CIRC que «Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, corrigido, sendo caso disso, do efeito da aplicação da opção prevista no n.º 5 do artigo 67.º»

Por outro lado, impende sobre a sociedade dominante enviar a declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo apurado, nos termos do artigo 70.º (artigo 120.º, n.º 6, do CIRC).

Assim sendo, havendo uma declaração única de imposto e existindo correções /alterações aos resultados fiscais declarados pelas sociedades pertencentes ao grupo, o lucro tributável deste terá de ser ajustado em conformidade com tais correções/alterações. Na verdade, resulta, quer da respetiva justificação teórica, quer do quadro legal do respetivo regime, uma autonomização do lucro tributável perante os lucros individuais de cada sociedade dominada.

Constitui, assim, pressuposto de direito e de facto do regime fiscal que a sociedade dominante tem controlo sobre a atividade e sobre os lucros das sociedades dominadas. Por outro lado, não obstante as sociedades dominadas manterem a sua individualidade e obrigações declarativas, elas são, verdadeiramente, uma longa manus da sociedade dominante, como ficou consignado no Acórdão proferido no Processo Arbitral n.º 10/2012- T.

Como ficou consignado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23- 02-2017, Proc. 05493/12, «(…) o regime jurídico-fiscal do grupo de sociedades funda-se na denominada teoria da unidade, na qual se pugna pela consideração, para efeitos fiscais, do grupo de sociedades como uma unidade jurídica fictícia, deixando as sociedades integradas de ser sujeitos jurídicos diferentes, fruto da unidade económica que as congrega. Nesse sentido, a matéria coletável deve ser calculada de forma conjunta, dando lugar a uma única liquidação e eliminando a dupla tributação, sendo a respectiva base tributável apurada com recurso a dois tipos de operações, a saber: a) a eliminação das operações internas realizadas no seio do grupo, só relevando as praticadas com terceiras entidades; b) a compensação de perdas das várias sociedades componentes do grupo».

No contexto mencionado, subjacente ao regime de tributação conjunta não pode deixar de vigorar um princípio de colaboração acrescida entre a empresa dominante e as dominadas, em termos de estas fornecerem àquela as informações necessárias ao conhecimento da sua situação tributária.”

           

Nestes termos, só a Requerente, na esfera do Grupo B…, poderia ser, como foi, destinatária das liquidações adicionais que incorporam as alterações à matéria tributável do Grupo, não sendo aquela uma “terceira entidade” no âmbito do RETGS. Para a efetivação dessas correções (ao Grupo) não se impunha a realização de procedimentos inspetivos às sociedades dominadas individualmente consideradas, pois estamos perante correções diretas às deduções à coleta do Grupo B…, sendo “pressuposto de direito e de facto do regime fiscal estatuído que a sociedade dominante tem controlo sobre a actividade e sobre os lucros das sociedades dominadas” (v. decisão arbitral no processo n.º 10/2012-T, de 5 de setembro de 2012).

 

Não tem, neste ponto, razão a Requerente, cujo entendimento consubstancia uma errada interpretação do RETGS, não padecendo o ato tributário da invocada ilegalidade procedimental, ou de qualquer violação dos princípios da Boa Administração e da Boa-Fé, nem de anulabilidade operante. Afigura-se que, pelo contrário, seria a posição da Requerente que, ao postular procedimentos inspetivos e notificações desnecessárias, conduziria a menor eficiência, burocratização, morosidade e a um custo acrescido do procedimento.

 

  1. Da Caducidade

 

Consolidado que está não serem obrigatórias notificações individuais das correções ao Grupo B… e do ato tributário subsequente às sociedades dominadas, a caducidade tem de aferir-se por referência ao sujeito passivo a quem foi feita a liquidação [a Requerente], e não às sociedades dominadas (v. neste sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 364/2018-T, de 12 de março de 2019).

 

De onde se retira, antes de mais, não ser pertinente suscitar a questão da caducidade relativamente às sociedades dominadas. Com efeito, a caducidade refere-se ao direito à liquidação do imposto (v. artigos 45.º e 46.º da LGT) e, na situação sob exame, essa liquidação teve por única destinatária a Requerente, na qualidade de “representante” do Grupo B…, e não as demais sociedades que dele fazem parte integrante. Assim, não faz sentido invocar a caducidade em relação a putativas liquidações às sociedades dominadas que não existiram, nem tinham de existir.

 

Em relação à Requerente, a liquidação adicional de IRC controvertida, emitida sob o n.º 2019 …, relativa ao período de tributação intercalar de 2015-I, no valor a pagar de € 9.514.418,61, foi notificada em 9 de novembro de 2019. Considerando que o período de tributação em apreço teve o seu termo em 30 de junho de 2015, o prazo de 4 anos expiraria em 30 de junho de 2019.

 

Porém, verificou-se a causa de suspensão a que se refere o artigo 46.º. n.º 1 da LGT, uma vez que o procedimento inspetivo não ultrapassou o prazo de seis meses, decorrendo entre 8 de fevereiro de 2019 (início da ação inspetiva) e 7 de agosto de 2019. Assim, descontado o período de suspensão, de 180 dias, em 9 de novembro ainda não se tinha completado o mencionado prazo de caducidade, pois apenas tinham decorrido 132 dias adicionais (veja-se a este respeito a cronologia do ponto AA da matéria de facto).

 

Atento o exposto, conclui-se que improcede a arguição pela Requerente da caducidade do direito à liquidação. 

 

  1. Juros Compensatórios

 

No tocante aos juros compensatórios a Requerente invoca não se poder falar propriamente de uma fundamentação, atendendo a que a demonstração da liquidação de juros compensatórios contém apenas a menção singela a “Retardamento da Liquidação (art.s 102.º do CIRC e 35.º da LGT)”. Suscita também a caducidade do direito à liquidação, na parte em que se referem ao período de 2015-I, e o vício de violação de lei por entender não verificado o pressuposto de culpa, dado que o entendimento da AT subjacente à liquidação impugnada não era expectável.

 

Importa começar por notar que, sendo a ação parcialmente procedente, com a invalidação do ato tributário de liquidação de IRC, na parte em que rejeitou a dotação SIFIDE no período de tributação intercalar - SIFIDE deduzido por outras empresas do Grupo B… (no valor de € 465.897,84)[8], não pode subsistir a liquidação de juros compensatórios, por não se encontrarem reunidos os respetivos pressupostos constitutivos, previstos nos artigos 35.º da LGT e 102.º, n.º 1 do Código do IRC, em concreto, o retardamento da prestação tributária devida. Assim, nessa medida, a liquidação de juros padece de vício de violação de lei e vai parcialmente anulada.

 

No segmento remanescente, relativo aos juros compensatórios calculados sobre a liquidação de IRC na parte não anulada, a demonstração de liquidação, apesar de sucinta, contém de forma expressa o seu fundamento – o retardamento da liquidação do imposto – e menciona as normas legais de suporte, do Código do IRC e da LGT. Além disso, menciona com clareza os elementos exigidos pelo artigo 35.º, n.º 9 da LGT: o valor base, os juros, o período de cálculo e a taxa aplicada. Deste modo, não se constata vício de falta fundamentação, nem, pelas razões antes expostas, a caducidade do direito à liquidação, reportada ao período 2015-I.

 

Acresce referir, quanto ao vício de violação de lei por não preenchimento do pressuposto de culpa, que tem sido entendido pelo Supremo Tribunal Administrativo que a responsabilidade objetiva é excecional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (v. artigo 483.º, n.º 2 do Código Civil). Por isso, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um “facto imputável ao sujeito passivo” quando se possa formular um juízo de censura ao próprio sujeito passivo, pelo que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte.

 

Sem prejuízo do exposto, considera-se que “quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo” (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19 de novembro de 2008, processo n.º 0325/2008. Em sentido idêntico, o acórdão de 11 de março de 2009, processo n.º 961/08).

 

Em relação à dotação SIFIDE da K…, S.A. no valor de € 177.655,06, contrariamente ao que afirma a Requerente, era expectável que não sendo a entidade detida há mais de um ano, nos termos previstos no artigo 69.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRC, não fosse aceite a dedução à coleta do Grupo B…, por não estar cumprido um requisito essencial de acessibilidade ao RETGS. Deste modo, não pode deixar de inferir-se a culpa da Requerente da ilicitude da sua conduta, mantendo-se a liquidação de juros compensatórios em relação a este segmento. 

 

No tocante ao consumo de crédito de imposto por benefícios fiscais - € 6.728.312,72, contrariamente ao alegado pela Requerente, era expetável que a integração em grupo de sociedades não legitimasse a utilização em favor do Grupo benefícios fiscais próprios, consolidados e quantificados na sua esfera jurídica, pois tal não resulta da lei e já existia jurisprudência arbitral que interpretava a lei de modo distinto, v.g., a decisão arbitral n.º 648/2015-T, de 15 de julho de 2016.

 

  1. Reembolso da Prestação Tributária e Juros Indemnizatórios

 

A Requerente, peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade do ato de liquidação de IRC e juros compensatórios, a restituição da importância indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, uma vez que procedeu ao pagamento da quantia liquidada.

 

Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.

 

Uma vez anulada parte da liquidação de IRC impugnada e, bem assim, dos juros compensatórios inerentes – no segmento respeitante ao SIFIDE deduzido por outras empresas do Grupo B… (€ 465 897,84) –, cabe à Requerida, em observância do disposto no artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, restituir as importâncias de imposto e juros compensatórios necessárias ao restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário, no aludido fragmento, não tivesse sido praticado.

 

 

 

Sobre os juros indemnizatórios rege o disposto no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.

 

Na situação vertente, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de benefícios fiscais e ficou demonstrado que a liquidação de IRC em discussão padece, em parte, de erros substantivos imputáveis à AT, para os quais a Requerente não contribuiu, verificando-se o pressuposto de erro imputável aos serviços, parte referente ao SIFIDE deduzido por outras empresas do Grupo B… (€ 465.897,84).

 

A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

 

Deste modo, a anulação parcial da liquidação de IRC e juros compensatórios é passível de constituir na esfera da Requerente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios que a visam ressarcir da ilegal privação da quantia indevidamente paga pelo período de tempo que perdurar.

 

Improcede, no mais, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, na medida em que se mantém na ordem jurídica a parte remanescente da liquidação.

 

Em Síntese,

 

À face do exposto a liquidação de IRC e juros compensatórios impugnada na presente ação arbitral enferma de ilegalidade substantiva, por erro nos pressupostos de direito, e é parcialmente anulada, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), subsidiariamente aplicável, anulando-se apenas a parte referente ao SIFIDE deduzido por outras empresas do Grupo B… (€ 465.897,84), adicionada dos juros compensatórios correspondentes.

 

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nomeadamente quanto à alegada ofensa aos princípios constitucionais da proibição do excesso, na vertente da proporcionalidade, da proteção da confiança, do direito à propriedade e da liberdade de iniciativa e organização empresarial.

 

 

          VI.     Decisão

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, anular também parcialmente a liquidação de IRC do “período 2015”, emitida sob o n.º 2019 …, de 12 de agosto de 2019, incluindo juros compensatórios, na parte referente ao SIFIDE deduzido por outras empresas do Grupo B… (€ 465.897,84), mantendo-se, no mais, o ato tributário e juros compensatórios inerentes;
  2. Anular parcialmente a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que confirmou este ato tributário;
  3. Condenar a Requerida a restituir à Requerente o montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor;
  4. Condenar a Requerente e Requerida nas custas do processo na proporção do decaimento, de 93,68% para a Requerente e de 6,32% para a Requerida.

 

VI.     Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 8.246.896,00, correspondente ao valor das liquidações de IRC cuja anulação se pretende, que não foi impugnado pela Requerida – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do RCPAT.

 

 

VII.   Custas

 

            Custas no montante de € 102.510,00, sendo € 96.031,37 a suportar pela Requerente (93,68%), e € 6.478,63 a cargo da Requerida (6,32%), em razão da sucumbência, em conformidade com o RCPAT e a Tabela I a este anexa e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 6 de janeiro de 2022

 

Os árbitros,

 

 

Alexandra Coelho Martins

(com declaração de voto de vencido)

 

 

Francisco Nicolau Domingos

 

 

Jorge Carita

 

 

 

Declaração de voto

 

Voto parcialmente vencida em relação à questão dos consumos de crédito de imposto por benefícios fiscais ao nível do Grupo, relativamente a benefícios apurados pelas sociedades antes de ingressarem no respetivo perímetro, por entender que a dedução à coleta deve nesses casos ser admitida, atento o disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea c) e n.º 6 do Código do IRC, não existindo lacuna de regulação, nem paralelismo que, perante a ausência disposição (legal) expressa nesse sentido, justifique a adoção, por via interpretativa, de solução idêntica à que o legislador acolheu para os prejuízos fiscais prevista no artigo 71.º do mesmo diploma, conforme entendido na decisão proferida no processo arbitral n.º 482/2019-T, de 26 de março de 2020, para a qual remeto e a cujos fundamentos adiro, na íntegra.

 

Acompanho ainda o entendimento vertido no voto de vencido de Ricardo da Palma Borges (v. decisão do processo arbitral n.º 648/2015-T, de 15 de julho de 2016),  sobre a inexistência de qualquer lacuna e, bem assim, sobre a inaplicabilidade do conceito de “transmissão de benefícios fiscais” objeto da disciplina prevista no artigo 15.º do EBF.

 

 

Lisboa, 6 de janeiro de 2022

 

 

Alexandra Coelho Martins



[1] Acrónimo de Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial.

[2] Além dos princípios enumerados, a Requerente refere também a violação do artigo 268.º da Constituição, não se alcançando, porém, o princípio concreto a que pretende aludir.

[3] De notar que a liquidação n.º 2019 … e respetivo reacerto não são identificados como objeto da presente ação arbitral e são anteriores (datam de 26 de julho de 2019) ao relatório do procedimento inspetivo (6 de agosto de 2019) e, bem assim, à sua notificação (efetuada em 7 de agosto de 2019).

[4] Apesar de estar aí sob apreciação um benefício fiscal distinto (do artigo 32.º-A do EBF) a questão que se suscita é idêntica.

[5] A possibilidade de dedução não é ilimitada, pois, de um ponto de vista quantitativo o máximo que os sujeitos passivos  conseguem deduzir é o valor da própria coleta de imposto (veja-se a locução “até à sua concorrência”) e, em segundo lugar, apenas podem ser deduzidos encargos que não tenham sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido e, em terceiro lugar, o legislador fixou um limite temporal, à data – até 31 de dezembro de 2020.

[6] Importa distinguir a exceção de caso julgado, que implica estarmos perante a mesma situação controvertida (identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir), da identidade da questão de direito. Em relação a esta última, o  sistema legal português não contém uma regra de precedente judiciário.

[7] Mormente o SIFIDE, mas também o CFEI.

[8] Anulando-se, portanto, a correção do valor de € 465.897,84, referente à dotação do SIFIDE no período intercalar nas demais empresas do Grupo.