Despacho Arbitral
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, (Processo n.º 127/23.0BASB), de 24.01.2024.
Visto.
O arquivamento do processo e a dissolução do Tribunal Arbitral, previstos no artigo 23.º do RJAT, fazem pressupor a existência de decisão arbitral válida e definitiva.
Tendo em conta que o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no recurso para uniformização de jurisprudência interposto pela Requerida, julgou o recurso procedente e, em consequência, decidiu anular a decisão arbitral de 6.12.2021 no que respeita ao segmento sobre o direito a juros indemnizatórios;
Considerando que os Tribunais Arbitrais em matéria tributária constituídos sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) se encontram hierarquizados para efeitos de recurso das suas decisões;
E atento o dever de acatamento pelos Tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos Tribunais superiores,
Decide-se anular a decisão arbitral de 20.05.2022 no segmento respeitante aos juros indemnizatórios e, em sua substituição, proferir outra decisão arbitral conforme com a jurisprudência superiormente fixada pelo STA no Acórdão, (Processo n.º 127/23.0BASB) de 24.01.2024.
Notifique-se juntamente com a nova decisão arbitral, que segue infra.
Decisão Arbitral
I. Relatório
A..., NIF ... com domicilio na ... nº ..., ...-... Vila Nova de Muía (adiante Requerente), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ou RJAT, apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado com base na ilegalidade dos actos de liquidação de ISV, constante nas DAV`s 2017/..., 2019/..., 2020/... e 2020/... da Alfândega de Braga devidamente identificado nos autos relativamente ao ano 2017, no valor total de €2.762,68 (sete mil e quarenta e três Euros e quarenta e seis cêntimos).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 2.07.2021.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 10.09.2021.
Por despacho de 16.11.2022 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, sendo fixado prazo para alegações sucessivas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
Tendo em conta que a procedência da excepção invocada obsta ao conhecimento do mérito, será aquela prioritariamente apreciada.
II. Matéria de Facto
Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A – Entre 2017 e 2020. A Requerente apresentou na Alfândega de Braga, por transmissão eletrónica de dados, as Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV): 2017/...; 2019/...; 2020/... e 2020/... para introdução no consumo em Portugal, dos veículos automóveis ligeiros de passageiros, respetivamente:
- da marca RENAULT, modelo JZ, com a matrícula..., movido a combustível gasóleo, nº de motor ... e cilindrada 1598 cc
- da marca RENAULT, modelo RFA, com a matrícula ..., movido a combustível gasóleo, nº de motor ... e cilindrada 1598 cc;
- da marca NISSAN, modelo J11, com a matrícula ..., movido a combustível gasóleo, nº de motor ... e cilindrada 1598 cc;
- da marca MERCEDES-BENZ, modelo 245G, com a matrícula ..., movido a combustível gasóleo, nº de motor ... e cilindrada 2143 cc;
2º
As referidas DAVs foram apresentadas pelo Requerente, através de representante indirecto, tendo o declarante inscrito nos Quadros F e G (referentes à apresentação do veículo e matrícula anterior), que os mesmos eram viaturas usadas, com 152078; 109240; 132827 e 126485 e Km percorridos, respetivamente
B - Tendo em consideração a data da primeira matrícula, respetivamente:
- 2013/06/21, no país de origem Alemanha, é considerado como veículo com mais de 3 a 4 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1 do art 11º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 43%;
- 2017/01/06, no país de origem França, é considerado como veículo com mais de 2 a 3 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1 do art 11º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 28%;
- 2015/04/22, no país de origem França, é considerado como veículo com mais de 5 a 6 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1 do art 11º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 52%;
- 2016/01/07, no país de origem Alemanha, é considerado como veículo com mais de 4 a 5 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1 do art 11º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 43%;
C - O preço de aquisição pago no país de origem foi de, respetivamente, 9.850,00€; 8.000,00€; 11.500,00€ e 19.490,00€;
D - No cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias foi notificada a Requerente das liquidações, respectivamente, n.º 2017/...; 2019/...; 2020/... e 2020/... relativo aos montantes de ISV liquidados pela Alfândega de Braga;
E - Os impostos em causa foram integralmente pagos pela Requerente;
F - No Quadro R da referida DAV, verifica-se que o cálculo deste imposto foi efectuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira – serviços aduaneiros, com recurso à aplicação da tabela referente aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A) pelo valor total de, respectivamente: 3.176,17€; 3.807,96€; 2.936,79€ e 4.737,17€;
G - Do valor total do imposto, respetivamente:
- 2.450,47€ são relativos à componente cilindrada e 1.779,40€ são relativos à componente ambiental;
- 2.485,88€ são relativos à componente cilindrada e 2.018,13€ são relativos à componente ambiental;
-2.501,04€ são relativos à componente cilindrada e 1.736,29€ são relativos à componente ambiental;
-5.269,64€ são relativos à componente cilindrada e 1.233,48€ são relativos à componente ambiental;
H - No que diz respeito à componente cilindrada, respectivamente:
- o valor de 2.450,47€ foi deduzido pela quantia correspondente a 43% do seu montante, ou seja, 1.053,70€, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do art.. 11º CISV aplicável aos veículos usados;
- o valor de 2.485,88€ foi deduzido pela quantia correspondente a 28% do seu montante, ou seja, 4.504,01€, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do art.. 11º CISV aplicável aos veículos usados;
- o valor de 2.501,04€ foi deduzido pela quantia correspondente a 52% do seu montante, ou seja, 1.300,54€, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do art.. 11º CISV aplicável aos veículos usados;
- o valor de 5.269,64€ foi deduzido pela quantia correspondente a 43% do seu montante, ou seja, 2.254,95€, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do art.. 11º CISV aplicável aos veículos usados;
I - Relativamente aos montantes respeitantes à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental nos 4 veículos, não foi aplicada qualquer percentagem de redução
J – A 3 de Fevereiro de 2021, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação identificados nos autos;
K - A 21 de Abril de 2021, a Requerida notificou a Requerente da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de ISV.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não existem factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido dados como provados.
III. Matéria de Direito
A – Da Excepção de Caducidade
A Requerida invoca a excepção da caducidade do direito de acção da Requerente, com fundamento no disposto no artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), que estabelece o seguinte:
“revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”
Segundo a AT, no presente caso, o pedido de revisão das liquidações em crise foi efectuado muito depois de ter decorrido o prazo da reclamação graciosa, pelo que tal pedido só poderia ser apreciado à luz da 2ª parte do n.º 1 do referido artigo, ou seja, por erro imputável aos serviços.
Entende a este propósito a AT que, neste caso, se limitou a interpretar as normas aplicáveis aos factos, em respeito pelo princípio da legalidade a que se refere o artigo 266.º, n.º 2 da CRP, não podendo desaplicar normas com base num julgamento de pretensa desconformidade com o direito comunitário, atribuição reservada aos tribunais, não podendo, assim, ser imputado aos serviços erro que fundamente um procedimento de revisão de acto tributário.
Importa assim, determinar se se verifica, in casu, erro imputável aos serviços.
Dos factos apurados não é possível imputar à Requerida qualquer erro de facto, visto que as liquidações, ora em crise, estão em conformidade com a realidade que atestam.
Vejamos se poderá ser imputado à Requerida erro de direito.
A este propósito já decidiu o STA que “existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços ao estabelecer no acórdão proferido em 19.11.2014, no processo 0886/14 que «(…) tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica”. - cfr., por todos, o Acórdão do STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada.»
O mesmo resulta do acórdão do TCAS n.º 1058/10.0BELRS, de 31.01.2019, onde se decidiu, mais recentemente no sentido de que “(…) o erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, no âmbito do qual se enquadra a violação das normas de direito da UE.”
Tendo em conta que a Requerente fundamenta o seu pedido de revisão oficiosa em erro de direito, considera-se o pedido de revisão oficiosa das liquidações em crise tempestivo.
Vejamos agora se as liquidações impugnadas enfermam ou não de erro imputável à Requerida.
B – Do Mérito
O pedido de pronúncia arbitral alicerça-se em alegado vício de ilegalidade das liquidações de ISV no que respeita ao cálculo da componente ambiental, por se entender que “foram pagos [os impostos] sem que fosse aplicada a percentagem ambiental do imposto”, defendendo a Requerente a aplicação das percentagens de redução por número de anos do veículo sob o valor da componente ambiental.
Considerando a posição das partes, os documentos juntos aos autos e os factos apurados, importa considerar antes de mais a legislação aplicável à questão decidenda.
Dispõem os artigos 7.º e 11.º do Código do ISV, aplicáveis aos actos de liquidação objecto do pedido arbitral, o seguinte:
Artigo 7.º
Taxas normais – automóveis
1 – A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos: (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro):
a) aos automóveis de passageiros; (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
b) aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia. (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
TABELA A
Componente cilindrada
|
Escalão de cilindrada (em centímetros cúbicos)
|
Taxas por centímetros cúbicos (em euros)
|
Parcela a abater (em euros)
|
Até 1000
|
0,99
|
769,80
|
Entre 1001 e 1250
|
1,07
|
771,31
|
Mais de 1250
|
5,08
|
5.616,80
|
(Redação dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março de 2020)
|
|
|
Componente ambiental
|
Aplicável a veículos com emissões de CO2 resultantes dos testes realizados ao abrigo do Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado (New European Driving Cycle — NEDC)
|
Veículos a gasolina
|
Escalão de CO2 (em gramas por quilómetro)
|
Taxas (em euros)
|
Parcela a abater (em euros)
|
Até 99
|
4,19
|
387,16
|
De 100 a 115
|
7,33
|
680,91
|
De 116 a 145
|
47,65
|
5.353,01
|
De 146 a 175
|
55,52
|
6.473,8
|
De 176 a 195
|
141,42
|
21.422,47
|
Mais de 195
|
186,47
|
30.274,29
|
(Redação dada pela Lei n.º 2/2020 de 31 de Março de 2020)
|
|
|
Veículos a gasóleo
|
|
|
Escalão de CO2 (em gramas por quilómetro)
|
|
|
Taxas (em euros)
|
|
|
Parcela a abater (em euros)
|
|
|
Até 79
|
5,24
|
398,07
|
De 80 a 95
|
21,26
|
1.676,08
|
De 96 a 120
|
71,83
|
6.524,16
|
De 121 a 140
|
159,33
|
17.158,92
|
De 141 a 160
|
177,19
|
19.694,01
|
Mais de 160
|
243,38
|
30.326,67
|
Componente ambiental
|
|
|
Aplicável a veículos com emissões de CO2 resultantes dos testes realizados ao abrigo do Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure — WLTP)
|
|
|
Veículos a gasolina
|
|
|
Escalão de CO2 (em gramas por quilómetro)
|
Taxas (em euros)
|
Parcela a abater (em euros)
|
Até 110
|
0,40
|
39,00
|
De 111 a 115
|
1,00
|
105,00
|
De 116 a 120
|
1,25
|
134,00
|
De 121 a 130
|
4,78
|
561,40
|
De 121 a 145
|
5,79
|
691,5
|
De 146 a 175
|
37,66
|
5.276,50
|
De 176 a 195
|
46,58
|
6.571,10
|
De 196 a 235
|
175,00
|
31.000,00
|
Mais de 235
|
212,00
|
38.000,00
|
(Redação dada pela Lei n.º 2/2020 de 31 de Março de 2020)
|
|
|
Veículos a gasóleo
|
|
|
Escalão de CO2 (em gramas por quilómetro)
|
|
|
Taxas (em euros)
|
|
|
Parcela a abater (em euros)
|
|
|
Até 110
|
1,56
|
10,43
|
De 111 a 120
|
17,20
|
1.728,32
|
De 121 a 140
|
58,97
|
6.673,96
|
De 141 a 150
|
115,50
|
14.580,00
|
De 151 a 160
|
145,80
|
19.200,00
|
De 161 a 170
|
201,00
|
26.500,00
|
De 171 a 190
|
248,50
|
33.536,42
|
Mais de 190
|
256,00
|
34.700,00
|
(Redação dada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
|
|
|
2 – A tabela B, a seguir indicada, tem em conta exclusivamente a componente cilindrada, sendo aplicável aos seguintes veículos: (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
a) na totalidade do imposto, aos automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e altura interior da caixa de carga inferior a 120 cm; (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
b) na totalidade do imposto, aos automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e tração às quatro rodas, permanente ou adaptável; (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
c) aos automóveis abrangidos pelos n.os 2 e 3 do artigo seguinte, nas percentagens aí previstas; (Redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro)
d) aos automóveis abrangidos pelo artigo 9.º, nas percentagens aí previstas. (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
TABELA B
Componente cilindrada
Escalão de cilindrada (em centímetros cúbicos)
|
Taxas por centímetros cúbicos (em euros)
|
Parcela a abater (em euros)
|
Até 1 250
|
4,81
|
3 020,78
|
Mais de 1 250
|
11,41
|
11 005,76
|
(Redação dada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
3 – Os veículos ligeiros, equipados com sistema de propulsão a gasóleo ficam sujeitos a um agravamento de 500 € no total do montante do imposto a pagar, sendo esse valor reduzido para 250 € relativamente aos veículos ligeiros de mercadorias referidos no n.º 2 do artigo 9.º, com exceção dos veículos que apresentarem nos respetivos certificados de conformidade ou, na sua inexistência, nas homologações técnicas, um valor de emissão de partículas inferior a 0,001 g/km. (Redação dada pela Lei n.º 2/2020 de 31 de Março)
4 – Sempre que o imposto relativo à componente ambiental apresentar um resultado negativo, será o mesmo deduzido ao montante do imposto da componente cilindrada, não podendo o total do imposto a pagar ser inferior a € 100, independentemente do cálculo que resultar da aplicação da tabela A ou da tabela B. (Redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março)
5 – A cilindrada dos automóveis movidos por motores Wankel corresponde ao dobro da cilindrada nominal, calculada nos termos do Regulamento das Homologações CE de Veículos, Sistemas e Unidades Técnicas Relativo às Emissões Poluentes, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 202/2000, de 1 de setembro.
6 – Nas situações previstas na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º, o montante do imposto a pagar é o que resulta da diferença entre o imposto incidente sobre o veículo após a respetiva operação, atento o tempo de uso entretanto decorrido, e o imposto originariamente pago, exceto nos casos de mudança de chassis, em que o imposto é devido pela totalidade.
7 – (Revogado)
8 – Os veículos que se apresentem equipados com motores preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, exclusivamente de gás de petróleo liquefeito (GPL),gás natural ou bioetenol, são tributados, na componente ambiental, pelas taxas correspondentes aos veículos a gasolina. (Redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
9 – Os veículos que se encontrem equipados com motores preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, de biodiesel são tributados, na componente ambiental, pelas taxas correspondentes aos veículos a gasóleo. (Aditado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro).
Por sua vez, o artigo 11.º do Código do ISV estabelece o seguinte:
Artigo 11.º
Taxas – veículos usados
1 – O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional: (Redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro).
TABELA D
Tempo de uso
|
Percentagem de redução
|
Até 1 ano(1)
|
10
|
Mais de 1 a 2 anos
|
20
|
Mais de 2 a 3 anos
|
28
|
Mais de 3 a 4 anos
|
35
|
Mais de 4 a 5 anos
|
43
|
Mais de 5 a 6 anos
|
52
|
Mais de 6 a 7 anos
|
60
|
Mais de 7 a 8 anos
|
65
|
Mais de 8 a 9 anos
|
70
|
Mais de 9 a 10 anos
|
75
|
Mais de 10 anos
|
80
|
(Redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
2 – Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respetivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.
3 – Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:
ISV = (V ÷ VR × Y) + C)
em que:
ISV representa o montante do imposto a pagar;
V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado; (Redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;
Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;
C é o custo de impacte ambiental’, aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.
4 – Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume-se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.
5 – (Revogado).”
Como fundamento da ilegalidade da liquidação impugnada encontra-se o artigo 110.º do TFUE, na medida em que a tributação em causa seria mais gravosa para os veículos introduzidos no consumo em Portugal, provenientes de outros Estados Membros de União Europeia do que a que recai sobre veículos usados transacionados no mercado nacional.
Com efeito, estabelece aquele preceito - correspondente ao anterior artigo 90.º do TCE – que “Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados- Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções.”
No presente caso, as liquidações de ISV em discussão respeitam a viaturas provenientes de outros Estados Membro da União Europeia, tendo sido considerada na liquidação as deduções aplicáveis na componente cilindrada. Na componente ambiental não foi considerada qualquer dedução em função do número de anos de uso dos veículos, em conformidade com o disposto naquele preceito.
Está, assim, em causa determinar se a referida norma do artigo 11.º do Código do ISV, na medida em que não considera qualquer redução de imposto em função do número de anos de uso do veículo na componente ambiental viola ou não o direito comunitário, em especial o já referido artigo 110.º do TFUE e, consequentemente, se a liquidação impugnada se encontra, ou não, ferida de ilegalidade.
A questão da conformidade com o direito comunitário das normas nacionais relativas à tributação de veículos usados “importados” de outro Estado Membro tem vindo, de forma recorrente, a ser objecto de apreciação no Tribunal de Justiça da União Europeia.
Assim, por exemplo, no caso Nunes Tadeu (Acórdão do TJUE, de 09.03.1995, proc. C-345/03), entendeu o Tribunal que A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.
Também no caso Gomes Valente (Acórdão do TJUE, de 22-02-2001, proc. C-393/98), foi entendido que “A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional”.
Para além dos referidos casos, indicam-se a título de exemplo de decisões do TJUE no mesmo sentido, o acórdão de 20.09.2007, proc. C-74/06, Comissão das Comunidades Europeias vs República Helénica e o Acórdão de 05.10.2006, processos apensos C-290/05 e C-33/05, Akos Nadasdi.
Assim, contrariamente ao defendido pela AT, encontra-se sedimentado na jurisprudência comunitária o entendimento de que “Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar-se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).
“27 No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.
“28 Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.
“30 Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.
“31 Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado-Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE”. Em conclusão, viria o Tribunal a declarar que “1) A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.”(Ac. de 16-06- 2016, proc. C-200/15, Comissão Europeia vs República Portuguesa).
Na sequência da jurisprudência do TJUE, o artigo 11.º do Código do ISV, foi alterado pela Lei n.º 42/2016, de 28/12 passando a ser considerada a desvalorização do veículo, mas tão-somente quanto à componente cilindrada, ficando excluída qualquer redução no tocante à componente ambiental.
Contudo, tal como o TJUE tem repetidamente declarado, a tributação automóvel pode assentar em critérios objectivos, como sejam o tipo de motor, a cilindrada e, inclusivamente, uma classificação assente em considerações ambientais. Porém, quando aplicados a veículos usados importados de outros Estados-Membros, o montante de imposto cobrado não pode exceder o montante que se contém no valor residual de veículos usados similares já registados no Estado-Membro de importação. É, pois, constante a orientação do Tribunal de Justiça, no que concerne à interpretação daquele artigo 110.º quando referido a tributação automóvel: um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados‑Membros do que os produtos nacionais similares.
Dada a desconformidade do direito nacional com a referida norma comunitária, conforme comunicado de 24.01.2019, a Comissão Europeia deu início a acção judicial contra o Estado Português “por este Estado-Membro não ter em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação. A Comissão considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta. Se Portugal não atuar no prazo de dois meses, a Comissão poderá enviar um parecer fundamentado sobre esta matéria às autoridades portuguesas.”
Têm sido proferidas várias decisões arbitrais no sentido de que o artigo 11.º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110.º do TJUE porquanto aquele artigo não pode, em conformidade com o que este artigo dispõe, calcular o imposto sobre veículos usados oriundos de outro EM sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais (cfr. Decisão Arbitral n.º 572/2019-T, de 30.04.2019, n.º 346/2019, de 2.11.2019, n.º 348/2019, de 31.01.2020, n.º 350/2019, de 27.01.2020, n.º n.º 498/2019, de 31.01.2020).
Na verdade, tal como se defende na Decisão n.º 572/2018, de 30.04.2019, “com a alteração legislativa verificada em 2016, com efeitos desde 1 de Janeiro de 2017 e à revelia do disposto no artigo 110.º do TFUE, Portugal deixou de considerar as percentagens de redução de ISV relativas à depreciação das viaturas no que diz respeito à componente ambiental pretendendo-se com isso, segundo a Requerida, “(…) imprimir coerência entre a tributação dos veículos novos e usados” porquanto “(…) o modelo de tributação dos veículos usados, alterado através da Lei do OE/2017, não pretende contrariar o direito comunitário, mas sim respeitar as orientações comunitárias em matéria de reduções das emissões de CO2, tendo em vista o cumprimento das responsabilidade ambientais assumidas no âmbito do Protocolo de Quioto”.
6.84. E, reitera a Requerida que “(…) o princípio da protecção do ambiente está (…) consagrado no artigo 191º do TFUE ao estipular que a política da União contribuirá para a prossecução da preservação, protecção e melhoria da qualidade do ambiente”, pelo que “(…) a interpretação do artigo 110º do TFUE tem de ser efectuada à luz do disposto no artigo 191º do mesmo tratado, sob pena de conflitualidade entre as duas normas”.[17]
6.85. Não obstante a Requerida referir que “(…) o conteúdo do artigo 110º deste tratado proveio do artigo 90º do tratado CE, ao qual ainda não estavam subjacentes as preocupações ambientais, com a acuidade que hoje se colocam”, tal afirmação não será de todo correcta porquanto o artigo 191º do TFUE teve origem no artigo 174º daquele Tratado e também a jurisprudência do TJUE se referiu em diversos momentos às questões ambientais na interpretação do referido artigo 90º, nomeadamente, no já citado processo C-290/05. 6.86. E, recorde-se, em conformidade com o que é defendido pelo Requerente, o Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, refere que “este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)”.
6.87. Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que, o que deverá aqui relevar é que o artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE porquanto aquele artigo não pode, em conformidade com o que este artigo dispõe, calcular o imposto sobre veículos usados oriundos de outro EM sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais.[18]
6.88. Em consequência, será negativa a resposta a dar à questão a decidir, enunciada no ponto 6.28.1., porquanto de entende que a actual legislação portuguesa vertida no artigo 11º do Código do ISV não estão em conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no
artigo 110º do TFUE (aplicável por força do artigo 8º, nº 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de anular parcialmente o acto tributário de ISV objecto do pedido porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE.[19].”
No Acórdão de 19.03.2009, do TJUE, que opôs a Comissão Europeia à Finlândia, o Tribunal considerou que o artigo 110.º do TFUE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.
Considerando que, nos termos do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), “as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático” (sublinhado nosso), entende-se que o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional.
Ora, resulta claro do artigo 110.º do TFUE que Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares, sendo certo que a posição já assumida pela Comissão Europeia e pelo TJUE segue no sentido de resultar da referida base legal a obrigação legal de ser tido em conta a dedução sobre a componente ambiental do ISV no cálculo do imposto incidente sobre veículos usados “importados” de outros EM.
Acompanhando o sentido generalizado das decisões arbitrais já proferidas sobre a questão decidenda entende-se que o artigo 11.º do Código do ISV é ilegal quando interpretado e aplicado sem consideração da desvalorização do veículo até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, para efeitos de determinação da componente ambiental.
Nestes termos, entende-se que o artigo 11.º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE porquanto ali se prevê a discriminação sobre veículos usados oriundos de outro EM quanto ao cálculo do imposto, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais
Verifica-se, no caso concreto em análise, que aos actos tributários sub judice foi aplicado o artigo 11.º do código do ISV, que é ilegal atento o disposto no artigo 110.º do TFUE.
Resultando dos documentos juntos aos autos que a Requerente liquidou imposto a mais, por força da aplicação do disposto no artigo 11.º do código do ISV, devem tais actos ser anulados, porquanto aqueles padecem de ilegalidade na parte em que não considera aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE.
- Dos Juros Indemnizatórios
De acordo com o disposto no n.º 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Do artigo 61.º, n.º 1 do CPPT resulta que, no caso de pedido de revisão oficiosa, o direito a juros indemnizatórios só pode ser reconhecido quando a entidade a quem compete decidir o pedido não cumpre o prazo legal de restituição. O mesmo é dizer que se tal decisão for proferida dentro do prazo legal não tem a entidade administrativa competência para reconhecer o direito a juros indemnizatórios (Acórdão do STA, Proc. 022/18.5BALS, de 27.02.2019).
Além do referido normativo dispõe a Lei Geral Tributária, art. 43.º, n.º 3 que: “São também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”
“O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.” (Acórdão do STA, Proc. 01201/17, de 23.05.2018).
Na situação em análise, tendo sido formulado o pedido de revisão do acto tributário em 28 de Setembro de 2016 que foi deferido parcialmente pelos despachos de 11 de Maio de 2017 da Senhora Directora dos serviços (em substituição) da Direcção dos Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (DSIMT), despachos esses relativos ao deferimento parcial dos pedidos de revisão oficiosa (…), anulando as liquidações de imposto em crise no presente pedido de pronúncia arbitral de que o conhecimento tomou conhecimento, pelo menos através do processo arbitral em 6 de Junho de 2017, não há lugar a juros indemnizatórios visto o pedido de revisão do acto tributário haver sido decidido em período inferior a um ano contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art. 43.º, n.º 3 c) da Lei Geral Tributária ( Acórdão do STA, processo n.º 127/23.0BALSB, de 24 de Janeiro de 2024).
Assim sendo, não são devidos à Requerente quaisquer juros indemnizatórios (Cfr. Acórdão do STA, Proc. 022/18.5BALS, de 27.02.2019 e Acórdão do STA, processo n.º 127/23.0BALSB).
III. Decisão
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de anulação dos actos de liquidação de DAV`s 2017/..., 2019/..., 2020/... e 2020/... da Alfândega de Braga;
b) Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
c) Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente o montante de imposto pago a mais.
IV. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da causa em €2.762,68 (dois mil setecentos e sessenta e dois euros e sessenta e oito cêntimos)
V. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €612, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
VI. Notificação
Notifique-se o representante do MP nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, n.º 3 do RJAT.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2024
A Árbitro,
Magda Feliciano
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 391/2021-T
Tema: ISV – Componente Ambiental
*Substituída pela decisão arbitral de 27 de fevereiro de 2024.
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DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
A..., NIF ... com domicilio na ... nº..., ...-... Vila Nova de Muía (adiante Requerente), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ou RJAT, apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado com base na ilegalidade dos actos de liquidação de ISV, constante nas DAV`s 2017/..., 2019/..., 2020/... e 2020/... da Alfândega de Braga devidamente identificado nos autos relativamente ao ano 2017, no valor total de €2.762,68 (sete mil e quarenta e três Euros e quarenta e seis cêntimos).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 2.07.2021.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 10.09.2021.
Por despacho de 16.11.2022 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, sendo fixado prazo para alegações sucessivas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
Tendo em conta que a procedência da excepção invocada obsta ao conhecimento do mérito, será aquela prioritariamente apreciada.
II. Matéria de Facto
Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A – Entre 2017 e 2020. A Requerente apresentou na Alfândega de Braga, por transmissão eletrónica de dados, as Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV): 2017/...; 2019/...; 2020/... e 2020/... para introdução no consumo em Portugal, dos veículos automóveis ligeiros de passageiros, respetivamente:
- da marca..., modelo..., com a matrícula..., movido a combustível gasóleo, nº de motor ... e cilindrada ...
- da marca ..., modelo ..., com a matrícula..., movido a combustível gasóleo, nº de motor ... e cilindrada ...;
- da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..., movido a combustível gasóleo, nº de motor ... e cilindrada ... cc;
- da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..., movido a combustível gasóleo, nº de motor ... e cilindrada ... cc;
2º
As referidas DAVs foram apresentadas pelo Requerente, através de representante indirecto, tendo o declarante inscrito nos Quadros F e G (referentes à apresentação do veículo e matrícula anterior), que os mesmos eram viaturas usadas, com ...; ...; ... e ... e Km percorridos, respetivamente
B - Tendo em consideração a data da primeira matrícula, respetivamente:
- 2013/06/21, no país de origem Alemanha, é considerado como veículo com mais de 3 a 4 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1 do art 11º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 43%;
- 2017/01/06, no país de origem França, é considerado como veículo com mais de 2 a 3 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1 do art 11º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 28%;
- 2015/04/22, no país de origem França, é considerado como veículo com mais de 5 a 6 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1 do art 11º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 52%;
- 2016/01/07, no país de origem Alemanha, é considerado como veículo com mais de 4 a 5 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1 do art 11º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 43%;
C - O preço de aquisição pago no país de origem foi de, respetivamente, 9.850,00€; 8.000,00€; 11.500,00€ e 19.490,00€;
D - No cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias foi notificada a Requerente das liquidações, respectivamente, n.º 2017/...; 2019/...; 2020/... e 2020/0129252 relativo aos montantes de ISV liquidados pela Alfândega de Braga;
E - Os impostos em causa foram integralmente pagos pela Requerente;
F - No Quadro R da referida DAV, verifica-se que o cálculo deste imposto foi efectuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira – serviços aduaneiros, com recurso à aplicação da tabela referente aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A) pelo valor total de, respectivamente: 3.176,17€; 3.807,96€; 2.936,79€ e 4.737,17€;
G - Do valor total do imposto, respetivamente:
- 2.450,47€ são relativos à componente cilindrada e 1.779,40€ são relativos à componente ambiental;
- 2.485,88€ são relativos à componente cilindrada e 2.018,13€ são relativos à componente ambiental;
-2.501,04€ são relativos à componente cilindrada e 1.736,29€ são relativos à componente ambiental;
-5.269,64€ são relativos à componente cilindrada e 1.233,48€ são relativos à componente ambiental;
H - No que diz respeito à componente cilindrada, respectivamente:
- o valor de 2.450,47€ foi deduzido pela quantia correspondente a 43% do seu montante, ou seja, 1.053,70€, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do art. 11º CISV aplicável aos veículos usados;
- o valor de 2.485,88€ foi deduzido pela quantia correspondente a 28% do seu montante, ou seja, 4.504,01€, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do art. 11º CISV aplicável aos veículos usados;
- o valor de 2.501,04€ foi deduzido pela quantia correspondente a 52% do seu montante, ou seja, 1.300,54€, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do art.. 11º CISV aplicável aos veículos usados;
- o valor de 5.269,64€ foi deduzido pela quantia correspondente a 43% do seu montante, ou seja, 2.254,95€, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do art.. 11º CISV aplicável aos veículos usados;
I - Relativamente aos montantes respeitantes à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental nos 4 veículos, não foi aplicada qualquer percentagem de redução
J – A 3 de Fevereiro de 2021, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação identificados nos autos;
K - A 21 de Abril de 2021, a Requerida notificou a Requerente da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de ISV.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não existem factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido dados como provados.
III. Matéria de Direito
A – Da Excepção de Caducidade
A Requerida invoca a excepção da caducidade do direito de acção da Requerente, com fundamento no disposto no artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), que estabelece o seguinte:
“revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”
Segundo a AT, no presente caso, o pedido de revisão das liquidações em crise foi efectuado muito depois de ter decorrido o prazo da reclamação graciosa, pelo que tal pedido só poderia ser apreciado à luz da 2ª parte do n.º 1 do referido artigo, ou seja, por erro imputável aos serviços.
Entende a este propósito a AT que, neste caso, se limitou a interpretar as normas aplicáveis aos factos, em respeito pelo princípio da legalidade a que se refere o artigo 266.º, n.º 2 da CRP, não podendo desaplicar normas com base num julgamento de pretensa desconformidade com o direito comunitário, atribuição reservada aos tribunais, não podendo, assim, ser imputado aos serviços erro que fundamente um procedimento de revisão de acto tributário.
Importa assim, determinar se se verifica, in casu, erro imputável aos serviços.
Dos factos apurados não é possível imputar à Requerida qualquer erro de facto, visto que as liquidações, ora em crise, estão em conformidade com a realidade que atestam.
Vejamos se poderá ser imputado à Requerida erro de direito.
A este propósito já decidiu o STA que “existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços ao estabelecer no acórdão proferido em 19.11.2014, no processo 0886/14 que «(…) tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica”. - cfr., por todos, o Acórdão do STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada.»
O mesmo resulta do acórdão do TCAS n.º 1058/10.0BELRS, de 31.01.2019, onde se decidiu, mais recentemente no sentido de que “(…) o erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, no âmbito do qual se enquadra a violação das normas de direito da UE.”
Tendo em conta que a Requerente fundamenta o seu pedido de revisão oficiosa em erro de direito, considera-se o pedido de revisão oficiosa das liquidações em crise tempestivo.
Vejamos agora se as liquidações impugnadas enfermam ou não de erro imputável à Requerida.
B – Do Mérito
O pedido de pronúncia arbitral alicerça-se em alegado vício de ilegalidade das liquidações de ISV no que respeita ao cálculo da componente ambiental, por se entender que “foram pagos [os impostos] sem que fosse aplicada a percentagem ambiental do imposto”, defendendo a Requerente a aplicação das percentagens de redução por número de anos do veículo sob o valor da componente ambiental.
Considerando a posição das partes, os documentos juntos aos autos e os factos apurados, importa considerar antes de mais a legislação aplicável à questão decidenda.
Dispõem os artigos 7.º e 11.º do Código do ISV, aplicáveis aos actos de liquidação objecto do pedido arbitral, o seguinte:
Artigo 7.º
Taxas normais – automóveis
1 – A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos: (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro):
a) aos automóveis de passageiros; (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
b) aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia. (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
TABELA A
Componente cilindrada
|
Escalão de cilindrada (em centímetros cúbicos)
|
Taxas por centímetros cúbicos (em euros)
|
Parcela a abater (em euros)
|
Até 1000
|
0,99
|
769,80
|
Entre 1001 e 1250
|
1,07
|
771,31
|
Mais de 1250
|
5,08
|
5.616,80
|
(Redação dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março de 2020)
|
|
|
Componente ambiental
|
Aplicável a veículos com emissões de CO2 resultantes dos testes realizados ao abrigo do Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado (New European Driving Cycle — NEDC)
|
Veículos a gasolina
|
Escalão de CO2 (em gramas por quilómetro)
|
Taxas (em euros)
|
Parcela a abater (em euros)
|
Até 99
|
4,19
|
387,16
|
De 100 a 115
|
7,33
|
680,91
|
De 116 a 145
|
47,65
|
5.353,01
|
De 146 a 175
|
55,52
|
6.473,8
|
De 176 a 195
|
141,42
|
21.422,47
|
Mais de 195
|
186,47
|
30.274,29
|
(Redação dada pela Lei n.º 2/2020 de 31 de Março de 2020)
|
|
|
Veículos a gasóleo
|
|
|
Escalão de CO2 (em gramas por quilómetro)
|
|
|
Taxas (em euros)
|
|
|
Parcela a abater (em euros)
|
|
|
Até 79
|
5,24
|
398,07
|
De 80 a 95
|
21,26
|
1.676,08
|
De 96 a 120
|
71,83
|
6.524,16
|
De 121 a 140
|
159,33
|
17.158,92
|
De 141 a 160
|
177,19
|
19.694,01
|
Mais de 160
|
243,38
|
30.326,67
|
Componente ambiental
|
|
|
Aplicável a veículos com emissões de CO2 resultantes dos testes realizados ao abrigo do Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure — WLTP)
|
|
|
Veículos a gasolina
|
|
|
Escalão de CO2 (em gramas por quilómetro)
|
Taxas (em euros)
|
Parcela a abater (em euros)
|
Até 110
|
0,40
|
39,00
|
De 111 a 115
|
1,00
|
105,00
|
De 116 a 120
|
1,25
|
134,00
|
De 121 a 130
|
4,78
|
561,40
|
De 121 a 145
|
5,79
|
691,5
|
De 146 a 175
|
37,66
|
5.276,50
|
De 176 a 195
|
46,58
|
6.571,10
|
De 196 a 235
|
175,00
|
31.000,00
|
Mais de 235
|
212,00
|
38.000,00
|
(Redação dada pela Lei n.º 2/2020 de 31 de Março de 2020)
|
|
|
Veículos a gasóleo
|
|
|
Escalão de CO2 (em gramas por quilómetro)
|
|
|
Taxas (em euros)
|
|
|
Parcela a abater (em euros)
|
|
|
Até 110
|
1,56
|
10,43
|
De 111 a 120
|
17,20
|
1.728,32
|
De 121 a 140
|
58,97
|
6.673,96
|
De 141 a 150
|
115,50
|
14.580,00
|
De 151 a 160
|
145,80
|
19.200,00
|
De 161 a 170
|
201,00
|
26.500,00
|
De 171 a 190
|
248,50
|
33.536,42
|
Mais de 190
|
256,00
|
34.700,00
|
(Redação dada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
|
|
|
2 – A tabela B, a seguir indicada, tem em conta exclusivamente a componente cilindrada, sendo aplicável aos seguintes veículos: (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
a) na totalidade do imposto, aos automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e altura interior da caixa de carga inferior a 120 cm; (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
b) na totalidade do imposto, aos automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e tração às quatro rodas, permanente ou adaptável; (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
c) aos automóveis abrangidos pelos n.os 2 e 3 do artigo seguinte, nas percentagens aí previstas; (Redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro)
d) aos automóveis abrangidos pelo artigo 9.º, nas percentagens aí previstas. (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
TABELA B
Componente cilindrada
Escalão de cilindrada (em centímetros cúbicos)
|
Taxas por centímetros cúbicos (em euros)
|
Parcela a abater (em euros)
|
Até 1 250
|
4,81
|
3 020,78
|
Mais de 1 250
|
11,41
|
11 005,76
|
(Redação dada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
3 – Os veículos ligeiros, equipados com sistema de propulsão a gasóleo ficam sujeitos a um agravamento de 500 € no total do montante do imposto a pagar, sendo esse valor reduzido para 250 € relativamente aos veículos ligeiros de mercadorias referidos no n.º 2 do artigo 9.º, com exceção dos veículos que apresentarem nos respetivos certificados de conformidade ou, na sua inexistência, nas homologações técnicas, um valor de emissão de partículas inferior a 0,001 g/km. (Redação dada pela Lei n.º 2/2020 de 31 de Março)
4 – Sempre que o imposto relativo à componente ambiental apresentar um resultado negativo, será o mesmo deduzido ao montante do imposto da componente cilindrada, não podendo o total do imposto a pagar ser inferior a € 100, independentemente do cálculo que resultar da aplicação da tabela A ou da tabela B. (Redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março)
5 – A cilindrada dos automóveis movidos por motores Wankel corresponde ao dobro da cilindrada nominal, calculada nos termos do Regulamento das Homologações CE de Veículos, Sistemas e Unidades Técnicas Relativo às Emissões Poluentes, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 202/2000, de 1 de setembro.
6 – Nas situações previstas na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º, o montante do imposto a pagar é o que resulta da diferença entre o imposto incidente sobre o veículo após a respetiva operação, atento o tempo de uso entretanto decorrido, e o imposto originariamente pago, exceto nos casos de mudança de chassis, em que o imposto é devido pela totalidade.
7 – (Revogado)
8 – Os veículos que se apresentem equipados com motores preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, exclusivamente de gás de petróleo liquefeito (GPL),gás natural ou bioetenol, são tributados, na componente ambiental, pelas taxas correspondentes aos veículos a gasolina. (Redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
9 – Os veículos que se encontrem equipados com motores preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, de biodiesel são tributados, na componente ambiental, pelas taxas correspondentes aos veículos a gasóleo. (Aditado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro).
Por sua vez, o artigo 11.º do Código do ISV estabelece o seguinte:
Artigo 11.º
Taxas – veículos usados
1 – O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional: (Redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro).
TABELA D
Tempo de uso
|
Percentagem de redução
|
Até 1 ano(1)
|
10
|
Mais de 1 a 2 anos
|
20
|
Mais de 2 a 3 anos
|
28
|
Mais de 3 a 4 anos
|
35
|
Mais de 4 a 5 anos
|
43
|
Mais de 5 a 6 anos
|
52
|
Mais de 6 a 7 anos
|
60
|
Mais de 7 a 8 anos
|
65
|
Mais de 8 a 9 anos
|
70
|
Mais de 9 a 10 anos
|
75
|
Mais de 10 anos
|
80
|
(Redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
2 – Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respetivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.
3 – Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:
ISV = (V ÷ VR × Y) + C)
em que:
ISV representa o montante do imposto a pagar;
V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado; (Redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;
Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;
C é o custo de impacte ambiental’, aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.
4 – Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume-se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.
5 – (Revogado).”
Como fundamento da ilegalidade da liquidação impugnada encontra-se o artigo 110.º do TFUE, na medida em que a tributação em causa seria mais gravosa para os veículos introduzidos no consumo em Portugal, provenientes de outros Estados Membros de União Europeia do que a que recai sobre veículos usados transacionados no mercado nacional.
Com efeito, estabelece aquele preceito - correspondente ao anterior artigo 90.º do TCE – que “Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados- Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções.”
No presente caso, as liquidações de ISV em discussão respeitam a viaturas provenientes de outros Estados Membro da União Europeia, tendo sido considerada na liquidação as deduções aplicáveis na componente cilindrada. Na componente ambiental não foi considerada qualquer dedução em função do número de anos de uso dos veículos, em conformidade com o disposto naquele preceito.
Está, assim, em causa determinar se a referida norma do artigo 11.º do Código do ISV, na medida em que não considera qualquer redução de imposto em função do número de anos de uso do veículo na componente ambiental viola ou não o direito comunitário, em especial o já referido artigo 110.º do TFUE e, consequentemente, se a liquidação impugnada se encontra, ou não, ferida de ilegalidade.
A questão da conformidade com o direito comunitário das normas nacionais relativas à tributação de veículos usados “importados” de outro Estado Membro tem vindo, de forma recorrente, a ser objecto de apreciação no Tribunal de Justiça da União Europeia.
Assim, por exemplo, no caso Nunes Tadeu (Acórdão do TJUE, de 09.03.1995, proc. C-345/03), entendeu o Tribunal que A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.
Também no caso Gomes Valente (Acórdão do TJUE, de 22-02-2001, proc. C-393/98), foi entendido que “A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional”.
Para além dos referidos casos, indicam-se a título de exemplo de decisões do TJUE no mesmo sentido, o acórdão de 20.09.2007, proc. C-74/06, Comissão das Comunidades Europeias vs República Helénica e o Acórdão de 05.10.2006, processos apensos C-290/05 e C-33/05, Akos Nadasdi.
Assim, contrariamente ao defendido pela AT, encontra-se sedimentado na jurisprudência comunitária o entendimento de que “Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar-se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).
“27 No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.
“28 Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.
“30 Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.
“31 Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado-Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE”. Em conclusão, viria o Tribunal a declarar que “1) A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.”(Ac. de 16-06- 2016, proc. C-200/15, Comissão Europeia vs República Portuguesa).
Na sequência da jurisprudência do TJUE, o artigo 11.º do Código do ISV, foi alterado pela Lei n.º 42/2016, de 28/12 passando a ser considerada a desvalorização do veículo, mas tão-somente quanto à componente cilindrada, ficando excluída qualquer redução no tocante à componente ambiental.
Contudo, tal como o TJUE tem repetidamente declarado, a tributação automóvel pode assentar em critérios objectivos, como sejam o tipo de motor, a cilindrada e, inclusivamente, uma classificação assente em considerações ambientais. Porém, quando aplicados a veículos usados importados de outros Estados-Membros, o montante de imposto cobrado não pode exceder o montante que se contém no valor residual de veículos usados similares já registados no Estado-Membro de importação. É, pois, constante a orientação do Tribunal de Justiça, no que concerne à interpretação daquele artigo 110.º quando referido a tributação automóvel: um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados‑Membros do que os produtos nacionais similares.
Dada a desconformidade do direito nacional com a referida norma comunitária, conforme comunicado de 24.01.2019, a Comissão Europeia deu início a acção judicial contra o Estado Português “por este Estado-Membro não ter em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação. A Comissão considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta. Se Portugal não atuar no prazo de dois meses, a Comissão poderá enviar um parecer fundamentado sobre esta matéria às autoridades portuguesas.”
Têm sido proferidas várias decisões arbitrais no sentido de que o artigo 11.º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110.º do TJUE porquanto aquele artigo não pode, em conformidade com o que este artigo dispõe, calcular o imposto sobre veículos usados oriundos de outro EM sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais (cfr. Decisão Arbitral n.º 572/2019-T, de 30.04.2019, n.º 346/2019, de 2.11.2019, n.º 348/2019, de 31.01.2020, n.º 350/2019, de 27.01.2020, n.º n.º 498/2019, de 31.01.2020).
Na verdade, tal como se defende na Decisão n.º 572/2018, de 30.04.2019, “com a alteração legislativa verificada em 2016, com efeitos desde 1 de Janeiro de 2017 e à revelia do disposto no artigo 110.º do TFUE, Portugal deixou de considerar as percentagens de redução de ISV relativas à depreciação das viaturas no que diz respeito à componente ambiental pretendendo-se com isso, segundo a Requerida, “(…) imprimir coerência entre a tributação dos veículos novos e usados” porquanto “(…) o modelo de tributação dos veículos usados, alterado através da Lei do OE/2017, não pretende contrariar o direito comunitário, mas sim respeitar as orientações comunitárias em matéria de reduções das emissões de CO2, tendo em vista o cumprimento das responsabilidade ambientais assumidas no âmbito do Protocolo de Quioto”.
6.84. E, reitera a Requerida que “(…) o princípio da protecção do ambiente está (…) consagrado no artigo 191º do TFUE ao estipular que a política da União contribuirá para a prossecução da preservação, protecção e melhoria da qualidade do ambiente”, pelo que “(…) a interpretação do artigo 110º do TFUE tem de ser efectuada à luz do disposto no artigo 191º do mesmo tratado, sob pena de conflitualidade entre as duas normas”.[17]
6.85. Não obstante a Requerida referir que “(…) o conteúdo do artigo 110º deste tratado proveio do artigo 90º do tratado CE, ao qual ainda não estavam subjacentes as preocupações ambientais, com a acuidade que hoje se colocam”, tal afirmação não será de todo correcta porquanto o artigo 191º do TFUE teve origem no artigo 174º daquele Tratado e também a jurisprudência do TJUE se referiu em diversos momentos às questões ambientais na interpretação do referido artigo 90º, nomeadamente, no já citado processo C-290/05. 6.86. E, recorde-se, em conformidade com o que é defendido pelo Requerente, o Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, refere que “este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)”.
6.87. Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que, o que deverá aqui relevar é que o artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE porquanto aquele artigo não pode, em conformidade com o que este artigo dispõe, calcular o imposto sobre veículos usados oriundos de outro EM sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais.[18]
6.88. Em consequência, será negativa a resposta a dar à questão a decidir, enunciada no ponto 6.28.1., porquanto de entende que a actual legislação portuguesa vertida no artigo 11º do Código do ISV não estão em conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no
artigo 110º do TFUE (aplicável por força do artigo 8º, nº 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de anular parcialmente o acto tributário de ISV objecto do pedido porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE.[19].”
No Acórdão de 19.03.2009, do TJUE, que opôs a Comissão Europeia à Finlândia, o Tribunal considerou que o artigo 110.º do TFUE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.
Considerando que, nos termos do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), “as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático” (sublinhado nosso), entende-se que o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional.
Ora, resulta claro do artigo 110.º do TFUE que Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares, sendo certo que a posição já assumida pela Comissão Europeia e pelo TJUE segue no sentido de resultar da referida base legal a obrigação legal de ser tido em conta a dedução sobre a componente ambiental do ISV no cálculo do imposto incidente sobre veículos usados “importados” de outros EM.
Acompanhando o sentido generalizado das decisões arbitrais já proferidas sobre a questão decidenda entende-se que o artigo 11.º do Código do ISV é ilegal quando interpretado e aplicado sem consideração da desvalorização do veículo até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, para efeitos de determinação da componente ambiental.
Nestes termos, entende-se que o artigo 11.º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE porquanto ali se prevê a discriminação sobre veículos usados oriundos de outro EM quanto ao cálculo do imposto, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais
Verifica-se, no caso concreto em análise, que aos actos tributários sub judice foi aplicado o artigo 11.º do código do ISV, que é ilegal atento o disposto no artigo 110.º do TFUE.
Resultando dos documentos juntos aos autos que a Requerente liquidou imposto a mais, por força da aplicação do disposto no artigo 11.º do código do ISV, devem tais actos ser anulados, porquanto aqueles padecem de ilegalidade na parte em que não considera aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE.
- Dos Juros Indemnizatórios
De acordo com o disposto no n.º 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.
De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
Nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Na esteira do decidido no já citado acórdão do STA, proferido no processo 0886/14, entende-se que existe um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, quando esse de aplicação da lei não decorre de qualquer informação ou declaração do contribuinte.
No caso concreto em análise assiste, em face da matéria provada, assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago em excesso, conquanto existe erro, não tendo sido demonstrado que tal erro decorre de informação ou declaração da Requerente.
III. Decisão
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
a) julgar procedente o pedido de anulação dos actos de liquidação de DAV`s 2017/..., 2019/..., 2020/... e 2020/... da Alfândega de Braga;
d) Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente o montante de imposto pago a mais, acrescido de juros indemnizatórios.
IV. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da causa em €2.762,68 (dois mil setecentos e sessenta e dois euros e sessenta e oito cêntimos)
V. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €612, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
VI. Notificação
Notifique-se o representante do MP nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, n.º 3 do RJAT.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2021
A Árbitro,
Magda Feliciano
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)