Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 384/2021-T
Data da decisão: 2021-12-02  IRC IVA  
Valor do pedido: € 95.520,15
Tema: IRC / IVA - Cumulação ilegal de pedidos; Não aceitação do gasto declarado inerente à contabilização das faturas; Desconsideração do imposto indevidamente deduzido.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Acordam os Árbitros Professora Doutora Regina de Almeida Monteiro (Árbitro Presidente), Professor Doutor António Martins e Dr. Hélder Faustino, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 28-06-2021, A..., LDA., NIPC..., com sede no ..., ..., ...(doravante, abreviadamente designada Requerente), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação atual (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando anulação, com fundamento na sua ilegalidade, por vício de violação de lei, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante, abreviadamente designado IRC) e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante, abreviadamente designado IVA) dos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que os factos e motivos invocados no Relatório de Inspeção Tributária (doravante, abreviadamente designado RIT) para tentar desconsiderar os valores das faturas emitidas pela B... à Requerente para efeitos de IRC e de IVA não constituem indícios suficientes da falsidade desses documentos, não afastando a presunção de verdade dos elementos declarados e contabilizados pela Requerente [artigo 75.º da Lei Geral Tributária (doravante, abreviadamente designada LGT)].

Acrescenta, ainda, que não recai sobre a Requerente o ónus de provar a realidade das transações, nos termos do artigo 75.º da LGT.

E que, em todo o caso, as faturas cujos valores foram desconsiderados nas liquidações em apreço documentam reais transações nos termos que delas constam.

E, ainda, que a longa e relativamente minuciosa análise feita no RIT, objetiva e imparcialmente valorada, contrariamente ao pré-determinado objetivo de, a todo o custo, desconsiderar os valores constantes das faturas em causa, é, mesmo assim, muito mais apta à demonstração da realidade das operações por elas documentadas do que ao seu contrário.

Conclui que as liquidações impugnadas assentam, pois, no errado pressuposto de que são falsas tais faturas.

 

  1. No dia 30-06-2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 12-08-2021, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 31-08-2021.

 

  1. Por despacho arbitral de 28-09-2021, foi determinado que a Requerente identificasse a testemunha de acordo com o disposto no artigo 498.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e a indicasse os factos que entende controvertidos, essenciais para o objeto do pedido e passíveis de prova testemunhal.

 

  1. Em 30-09-2021, a AT veio juntar o Processo Administrativo.

 

  1. No dia 06-10-2021, a AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por exceção e por impugnação.

 

  1. Por exceção, alega a AT, em síntese, que:

 

  1. O facto de os pedidos resultarem da mesma ação inspetiva não implica que estejamos perante a possibilidade legal de cumulação de pedidos prevista no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, uma vez que os pedidos formulados respeitam a diferentes atos tributários, mais concretamente, a liquidações de IRC e de IVA, e não dependem da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

  1. A cumulação de pedidos anulatórios viola o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, não podendo, por isso, ser admitida.

 

  1. De acordo com o disposto no artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, abreviadamente designado CPPT) só é possível a cumulação de pedidos quando estes se reportem a tributos idênticos, porquanto a pretensão de anulação de um determinado tributo assenta em normas próprias desse mesmo tributo, enquanto que a pretensão de anulação de outro imposto, assenta em diferentes normas, próprias desse outro imposto.

 

  1. No caso em apreço verifica-se uma situação de cumulação ilegal de pedidos, na medida em que no mesmo pedido de pronúncia arbitral são deduzidos pedidos de anulação de dois tributos diferentes, IVA e IRC, sendo que cada uma das pretensões de anulação é diferente.

 

  1. Já por impugnação, alega a AT, em síntese, que:

 

  1. O artigo 17.º do Código do IRC exige um suporte documental dos rendimentos e dos gastos, pois que o resultado apurado apenas pode repousar sobre uma realidade formalizada e não meramente pressuposta.

 

  1. Indiciada com base em dados objetivos e externamente sindicáveis a falta de correspondência do declarado com a matéria tributária real, cessa a presunção da veracidade e boa-fé das declarações e elementos do contribuinte [artigo 75.º da Lei Geral Tributária (doravante, abreviadamente, “LGT”)], recaindo sobre este o ónus da prova, sob pena de suportar as consequências negativas do incumprimento daquele ónus.

 

  1. A Requerente não deu o seu contributo para a descoberta da verdade material, antes se escudando em meras asserções de carácter genérico e abstrato, sempre desprovida de qualquer prova irrefutável, máxime, documental.

 

  1. Em 03-11-2021, teve lugar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido ouvida a testemunha indicada pela Requerente e concedido a ambas as partes o prazo simultâneo de 20 (vinte) dias para apresentação de alegações finais escritas.

 

  1. Foi igualmente fixado o dia 03-12-2021 como data-limite previsível para a prolação e notificação da decisão final.

 

  1. Em 23-11-2021 a AT apresentou alegações finais escritas nas quais reiterou a posição adotada na resposta.

 

  1. A Requerente não apresentou alegações finais escritas dentro do prazo estabelecido.

               

  1. O Tribunal Arbitral coletivo é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, que se encontra coletada pela atividade principal de “Fabricação de Calçado” – CAE 15201, com início de atividade declarado em 01-08-1982.

 

  1. A atividade principal da Requerente nos períodos de tributação de 2014, 2015, 2016 e 2017 consistiu na Fabricação de Calçado que vendeu maioritariamente para países europeus, efetuando também vendas para o mercado interno e extracomunitário.

 

  1. A Requerente efetuou, ainda, alguns serviços subcontratados, sobretudo de montagem, em 2014 e 2015, e de corte, costura e montagem, em 2016 e 2017.

 

  1. A Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externa, em cumprimento das ordens de serviço n.º OI2018..., OI2018..., OI2018... e OI2018..., nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º, ambos do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (doravante, abreviadamente designado RCPITA).

 

  1. A empresa B..., Lda. (doravante, abreviadamente designada B...) (NIPC ...) foi objeto de um procedimento inspetivo externo pela Direção de Finanças de Braga, tendo ficado demonstrada a inexistência de estrutura comercial e fortes indícios de emissão de faturas a vários clientes, que não corresponderam a transações reais – entre as quais se incluem, em 2014, 2015, 2016 e 2017, faturas tendo como destinatária a Requerente, no montante total de, respetivamente, € 99.216,78, € 63.141,44, € 54.931,89 e € 21.180,60 (IVA incluído).

 

  1. Resulta do Relatório de Inspeção Tributária (doravante, abreviadamente designado RIT) que:

 

“A B... iniciou a atividade em 2005-01-01, tendo registado, a partir de 2013, um acréscimo dos valores contabilizados como Vendas/Serviços Prestados e Fornecimentos e Serviços Externos, com valores a superar os 2.000.000,00 €.

 

Analisados os valores contabilizados pela B..., nas contas de 61 – CMVMC (Custo das Mercadorias que foram Vendidas e Custo das Matérias Consumidas na produção) e 62 - Fornecimentos e Serviços Externos (serviços externos prestados à B...), nos períodos em análise, verificou-se o seguinte:

 

- A conta 61 - CMVMC inclui compras efetuadas que se concluiu estarem documentadas com faturas falsas.

 

- Os valores contabilizados na conta 621 - Subcontratos representam mais de 98% do total contabilizado em Fornecimento e Serviços Externos. Os registos que devem figurar nesta conta dizem respeito a serviços prestados à entidade associados ao processo produtivo. No entanto, como se constatou, a quase totalidade dos gastos contabilizados nesta conta estão documentados com faturas falsas.

 

- Em Conservação e Reparação, conta 6226, encontram-se contabilizados serviços relacionados com a reparação e manutenção de veículos (conta 62261 - Conserv. Rep. Equip. Transp.) e de máquinas (conta 62262 - Conserv. Rep. Equip. Bas. Instal.). Na subconta referente à reparação de máquinas (62262) estão também incluídos, entre outros, valores referentes a aquisição de toalheiros, a instalação de aspiração central, a instalação do sistema de rega, a instalação do sistema de alarme e material para obras, na moradia familiar sita na Rua ..., n.º..., ...-... ..., Guimarães.

 

- O consumo de eletricidade, contabilizado na conta 6241, diminuiu de €9.196,59 em 2013 para €578,62 em 2017. Consultada a aplicação e-fatura, verificou-se que foram comunicados anualmente valores superiores aos contabilizados pela B... devido em parte à especialização dos períodos. Acrescente-se que os consumos de eletricidade contabilizados dizem respeito à moradia familiar sita na Rua ..., n.o..., ...-... ..., Guimarães. A título de exemplo, os consumos de eletricidade demonstram uma descida abrupta em 2014. Estes consumos, verificados a partir de 2014 (inclusive), são semelhantes aos ocorridos para consumo familiar e jamais compatíveis com o exercício de uma atividade industrial.

 

- A conta 6242 - Combustíveis regista um consumo médio mensal de pouco mais de €100,00, uma vez que a B... era proprietária de três veículos, consumos estes que não são compatíveis com uma atividade que obrigue ao transporte de mercadorias.

 

- A conta 625 - Deslocações, Estadas e Transportes é referente a portagens, cujos valores são irrelevantes e não compatíveis com uma atividade que obrigue ao transporte de mercadorias.

 

- Os gastos com Comunicações, contabilizados na conta 6262, são referentes a televisão, internet e telefone, sendo os primeiros desnecessários para o exercício da atividade.

 

- Na conta 6263 - Seguros estão contabilizados, maioritariamente, gastos com seguros dos veículos de que a B... era proprietária.

 

- Os gastos e perdas contabilizados pela B... (não documentados através da utilização de faturas falsas) são completamente insuficientes para a realização dos serviços por si faturados, como se verificou pela análise dos gastos efetuada, o que demonstra que o facto de a B... possuir máquinas ligadas à atividade serviria, principalmente, para evidenciar uma imagem de aparente realização dos serviços faturados.

 

- Acrescente-se ainda que o número de trabalhadores que a B... considerou como estando ao seu serviço, era evidentemente diminuto, quase irrelevante.

 

- A moradia sita na Rua ..., n.º..., ...-..., Guimarães, apenas está licenciada para habitação, não havendo qualquer facto que nos leve a considerar que tenha neste local sido exercida a atividade entre 2014 e 2017, atividade essa de corte e costura de vários milhares de pares de sapatos por ano, conforme faturação efetuada pela B... .

 

Atentos ao relatado, concluímos que a B... contabilizou faturas, maioritariamente relativas a subcontratos, que se concluiu serem falsas. Além disso, não existe qualquer evidência de que tenha recorrido a outras entidades, para lhe prestarem os serviços, como sejam comprovativos de pagamentos efetuados ou transporte de mercadorias para outros locais.

 

Não tendo recorrido a terceiros para lhe prestarem os serviços, impunha-se verificar se a própria B... tinha condições para realizar os serviços que faturou, relativos a serviços de corte e costura de milhares pares de sapatos.

 

Pela análise dos gastos, concluímos que seria de todo impossível à B... prestar aqueles serviços, uma vez que não tinha uma estrutura empresarial.”.

 

  1. Resulta do RIT que a Requerente registou na sua contabilidade, e deduziu nas declarações de rendimentos Modelo 22 do IRC entregues, valores que não corresponderam a efetivas aquisições de bens e serviços prestados pelo operador económico B..., sociedade indiciada pela emissão de faturação falsa, pelo que os gastos não poderiam ser aceites em sede de IRC, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, nos seguintes montantes: € 80.664,04 (2014), € 51.334,50 (2015),

 € 44.660,00 (2016) e € 17.220,00 (2017), quer em sede de IVA, pela desconsideração do imposto indevidamente deduzido [de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA] não dedutível, nos seguintes montantes: € 18.552,73 (2014), € 11.806,94 (2015), € 10.271,80 (2016) e € 3.960,60 (2017).

 

  1. No âmbito dos procedimentos inspetivos àquele operador económico, foram detetadas irregularidades que demonstram um modus operandi usado em todos os períodos de tributação, do qual resultou a conclusão de que as faturas que titulavam gastos contabilizados pela B... respeitantes a subcontratação de serviços relacionados com a produção de calçado, eram todas fictícias e consequentemente os serviços prestados também não titulavam operações reais.

 

  1. O RIT conclui o seguinte (pp. 62-63):

 

“III.1.7 – CONCLUSÃO

 

Os factos descritos nos pontos anteriores constituem indícios sérios de que as faturas contabilizadas, emitidas pela B... Lda, não correspondem a transações reais, nomeadamente:

 

- A estrutura empresarial evidenciada pela empresa B... não permite o exercício de uma atividade comercial que permita estabelecer uma conexão com os serviços prestados constantes das faturas, isto é, a falta de instalações, equipamento ou funcionários para prestarem os serviços constantes das faturas, quer através de recursos próprios ou mesmo subcontratando;

 

- Inconsistências detetadas na racionalidade das operações, tais como:

 

  • Entrega do serviço ao cliente final antes da entrega da. B...;

 

  • Envio de materiais à B... que não correspondem em todo ou parte aos planos de fabrico que constam das faturas e das guias de transporte emitidas quer pela B... quer pelo sujeito passivo;

 

- Inconsistências no descritivo das faturas emitidas pela B... nomeadamente, para serviços de costura, o mesmo descritivo de serviços de corte e costura. Isto face às matérias primas enviada pelo sujeito passivo para à B... .

 

- Incoerências no domicílio fiscal constante nas faturas (moradas);

 

- Indicação de viatura na Guia de Transporte emitida pela B... de um trator propriedade de um particular;

 

- Não apresentação de suportes alusivos às efetivas operações realizadas com outros fornecedores.

 

Por esse motivo, procede-se à correção dos valores declarados, quer em sede de IRC, pela não aceitação do gasto declarado inerente à contabilização das faturas, nos termos do disposto no artigo 23º do Código do IRC, quer em sede de IVA, pela desconsideração do imposto indevidamente deduzido, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 19º do Código do IVA, nos montantes a seguir discriminados por imposto e respetivos períodos (...)”.

 

 

  1. Resulta, ainda, do RIT que (pp 32-58):

 

“O sujeito passivo apresentou guias de transporte (GT) de matérias-primas para a B... e desta para si. Exibiu ainda os planos de fabrico que disse corresponderem aos serviços subcontratados à B... .

 

(...)

 

Analisaram-se os documentos de transporte dos bens para os clientes finais e no que diz respeito aos clientes intracomunitários, verificou-se que a sua maioria têm a mesma data da fatura (...)”.

 

(...)

 

“(1) De acordo com a Guia Transporte “SP →B...: cortar + gaspear “ e “SP →B...: corte + costura (forros já cortados)” só foi enviado pele e solas, a restante matéria-prima (nomeadamente, forros, entretela, espuma, fita de reforço, cordões e ilhós) constante dos planos/ordens de fabrico para corte e costura não constam na guia. E foram enviadas solas que constam do plano de fabrico para a realização da montagem/acabamento sendo que os serviços faturados pela B... são de corte e costura.

 

(2) De acordo com a guia Transporte “SP →B...: corte + costura –“ só foi enviado pele e solas, a restante-matéria prima constante dos planos/ordens de fabrico para corte e costura não constam na guia. E foram enviadas solas que constam do plano de fabrico para a realização da montagem/acabamento.

 

(...)

 

(3) A fatura para cliente final (Intracomunitário, tendo o documento de transporte data da fatura) tem data anterior à guia de transporte da “B...→ SP”. Ora, não era possível ao sujeito passivo, transmitir o que ainda não tinha na sua posse.

 

(4) Não existem GT B...→ SP. Assim sendo, "os artigos faturados foram colocados à disposição do adquirente em 30-04-2014" (conforme menção da fatura) e, tendo a fatura emitida pelo sujeito passivo ao cliente final (*intracomunitário) data de 24-04-2014, não era possível ao sujeito passivo transmitir o que ainda não tinha na sua posse.

 

(5) De acordo com a Guia Transporte SP → B...: corte + costura e forros já cortados - foi enviado peles, ilhós, ponteiras e solas. A restante matéria-prima constante dos planos/ordens de fabrico para corte e costura não constam da guia. Esta GT difere das anteriores, aqui supostamente foram enviados outros materiais para o mesmo tipo serviço "corte e costura" (ou gaspear) o que demostra não existir coerência das matérias-primas constantes nas diversas guias de transporte do “SP →B... ".

 

(...)

 

(6) De acordo com a GT B...→ SP os pares de calçados cortados e costurados foram entregues nas instalações da A... no dia 16/05/2014 pelas 17h48m, na mesma data a A... emite fatura ao seu cliente final (*intracomunitário). Além dos serviços de corte e costura é necessário ainda a montagem e o acabamento do calçado, não sendo razoável que, o sujeito passivo no mesmo dia que recebe cortes costurados, ainda tivesse tempo de os acabar, para no próprio dia os enviar para o cliente final.

 

(7) De acordo com a GT “B...→ SP” os pares de calçados cortados e costurados foram entregues nas instalações da A... em 11/06/2014, dias depois da(s) fatura(s) que a A... emite ao seu cliente final final (*intracomunitário, tendo os documentos de transporte datas de 23-05-2014 (MI2014/148) e 06-06-2014 (MI2014/150). Ora, não era possível ao sujeito passivo, transmitir o que ainda não tinha na sua posse.

 

(8) De acordo com as GT's SP → B..., foram remetidos cortes para gaspear e solas (não foram remetidos outros materiais que constam no plano de fabrico para a costura e foram enviadas as solas para montagem/acabamento). No entanto, a fatura emitida pela B... continua com mesmo descrito de "pares de cortes costurados...", não havendo distinção dos serviços que supostamente foram de corte + costura (faturas com datas anteriores) ou só costura.

 

(...)

 

(9) De acordo com a GT “B...→ SP” os pares de calçados cortados foram entregues nas instalações da A... no dia 19-09-2014, no mesmo dia que emite fatura ao seu cliente final (*Intracomunitário, tendo o documento de transporte data da fatura).

 

(10) De acordo com as GT's SP →B..., foram remetidos cortes para gaspear e solas (que constam do plano de fabrico para a realização da montagem/acabamento) e não foram remetidos outros materiais que constam no plano de fabrico para a costura. Esta fatura aparece com um descritivo diferente das faturas com datas anteriores "pares de cortes gaspeados...".

 

(11) De acordo com as GT's SP → B..., foram remetidos cortes para gaspear e solas (constam do plano de fabrico para a realização da montagem/acabamento) e não foram remetidos outros materiais que constam no plano de fabrico para a costura. Estas faturas aparecem com um descritivo diferente das faturas com datas anteriores "serviço de costura referente ao v/ plano...”

 

  1. De acordo com as GT “SP →B...”, foram remetidos cortes para costurar ou gaspear esolas (não foram remetidos outros materiais que constam no plano de fabrico para a costura e foram enviadas solas que constam do PF para montagem/acabamento). A fatura emitida pela B... volta a ter o descritivo "pares de cortes costurados...", não havendo distinção dos serviços que supostamente foram de corte + costura (conforme faturas com datas anteriores) ou só costura.

 

(...)

 

  1. De acordo com a Guia Transporte SP →B...: foram remetidos cortes para costurar ou gaspear, solas (que constam do PF para a realização da montagem/solas) e fita têxtil vermelha, a restante matéria-prima constante dos planos/ordens de fabrico para costura não constam na guia. Esta GT difere das anteriores, aqui supostamente foram enviados outros materiais para o mesmo tipo serviço "costura" (ou gaspear) que demostra não existir coerência das matérias-primas constantes nas diversas guias de transporte do SP → B... .

 

  1. As guias de transporte SP →Cliente final (Português), GT 2015A/92 e 97, remessa de 728 e 12 pares, têm data de 24 e 27 de julho, data anterior à fatura da B...→SP. Não existindo GT B...→ SP, "os artigos faturados foram colocados à disposição do adquirente em 28-07-2015" (conforme menção da fatura). Ora, não era possível ao sujeito passivo transmitir o que ainda não tinha na sua posse.

 

(4) Não existem GT B...→ SP assim sendo, "os artigos faturados foram colocados à disposição do adquirente em 13-08-2014" (conforme menção da fatura). Assim sendo, tendo as faturas do sujeito passivo ao cliente final (português) data de 13-08-2015 e 14- 08-2015, dizendo respeito a venda de calçado (produto final) e os serviços faturados pela B.. apenas costura. Não parece razoável que a A..., ainda na próprio e mesmo no dia a seguir, fizesse a montagem e o acabamento do calçado, para a faturar ao cliente final no próprio dia e em dia seguinte à entrega do calçado costurado pela B... (também não existem guias de transporte SP →Cliente Final).

 

(...)

 

  1. De acordo com as GT's SP → B..., foram remetidos cortes para costurar ou gaspear e solas (não foram remetidos outros materiais que constam no plano de fabrico para a costura e foram enviadas as solas que constam do PF para a montagem/acabamento). A fatura emitida pela B... passa a ter o descritivo "serviço sub/contratado em gaspeados e cosidos incluídos..." apesar dos serviços serem os mesmos dos faturados em 2015 (costura).

 

(...)

 

  1. De acordo com a Guia Transporte “SP →B...”: foram remetidos cortes para costurar ou gaspear, solas, pares de cordão e/ou ilhós, a restante matéria-prima constante dos planos/ordens de fabrico para costura não constam na guia. Esta GT difere das anteriores, aqui supostamente foram enviados outros materiais para o mesmo tipo serviço "costura" (ou gaspear) que demostra não existir coerência das matérias-primas constantes nas diversas guias de transporte do SP →B... .

(...)

 

  1. A fatura do sujeito passivo ao cliente final (*intracomunitário) tem data de 18-03-2016, dizendo respeito à venda de calçado (produto final), os serviços faturados pela B... apenas costura (ou gaspear), entregues no dia 17.03.2016, pela GT no A13/580.  parece razoável que a A..., ainda no próprio e mesmo no dia a seguir, fizesse o acabamento e a montagem do calçado, para a faturar ao cliente final.

 

(...)

 

  1. De acordo com as GT SP → B..., foram remetidos cortes para costurar ou gaspear, solas e metros de fita de reforço (não foram remetidos outros materiais que constam no plano de fabrico para a costura e foram enviadas solas que constam do PF para a realização da montagem/acabamento). A fatura emitida pela B... passa a ter o descritivo "srv. sub/contratado em costura v/modelo..." apesar dos serviços serem os mesmos dos faturados em 2015 e 2016 (costura).

 

(...)

 

  1. De acordo com as GT SP → B..., foram remetidos cortes para costurar ou gaspear,

solas e ilhós (não foram remetidos outros materiais que constam no plano de fabrico para a costura e foram remetidas solas que constam do PF para a realização da montagem)”

 

 

  1. Inquirida a testemunha sobre os artigos 49.º e 51.º, 53.º a 58.º do pedido de pronuncia arbitral, esta não conseguiu justificar as diversas inconsistências entre as guias de transportes e as faturas emitidas.

 

  • A Requerente não concordou com as correções efetuadas, tendo apresentado reclamação graciosa, a qual foi indeferida.

 

  1. A Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, com vista à declaração de ilegalidade das liquidações de IRC e de IVA em causa e, bem assim, do despacho que indeferiu a reclamação graciosa, dando origem ao processo arbitral em apreço.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem outros factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental, testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

 

B. DO DIREITO

 

  1. Da cumulação de pedidos

 

A Requerida AT invoca a exceção dilatória da cumulação ilegal de pedidos considerando no artigo 5.º da resposta que O facto de os pedidos resultarem da mesma ação inspetiva não implica que estejamos perante a possibilidade legal de cumulação de pedidos prevista no artigo 3.º n.º 1 do RJAT uma vez que os pedidos formulados nos presentes autos respeitam a diferentes actos tributários, mais concretamente a liquidações de IRC e de IVA, e não dependem da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito. E, mais acrescenta no artigo 10 da resposta: No caso em apreço verifica-se uma situação de cumulação ilegal de pedidos, na medida em que no mesmo pedido de pronúncia arbitral são deduzidos pedidos de anulação de dois tributos diferentes, IVA e IRC, sendo que cada uma das pretensões de anulação são diferentes”. E a AT defende que deve ser julgada procedente a exceção de cumulação ilegal de pedidos.

A este respeito, o art. 3.º, n.º 1, do RJAT, dispõe que “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

De mencionar ainda que o art.º 104, n.º 1 do CPPT aponta em sentido idêntico, permitindo a cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos, desde que, cumulativamente, “a) Aos pedidos corresponda a mesma forma processual; e b) A sua apreciação tenha por base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório de inspeção tributária, ou sejam suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.”

No caso sub judice não existem dúvidas que ambos os pedidos correspondem à mesma forma processual, estando em causa, em ambos os pedidos, a apreciação de circunstâncias idênticas de facto, como, aliás, resulta da matéria dada como provada, evidenciadas no mesmo relatório de inspeção tributária.

Como tal, encontra-se verificado o disposto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.

Considerando ainda o disposto no artigo 104.º do CPPT que prevê que a cumulação de pedidos é admissível em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.

Apreciando, o Tribunal Arbitral verifica que, no presente caso, as liquidações de IRC e IVA de que se pede a anulação pela Requerente A..., Lda, se apoiam na mesma factualidade, que se consubstancia em desconsiderar os valores das faturas emitidas pela B... à Requerente para efeitos de IRC e de IVA, dado que a Requerida, no RIT, considerou existirem indícios suficientes da falsidade desses documentos e que a Requerente não logrou provar o contrário.

E para a fundamentar a convicção deste Tribunal no caso sub judice concordamos com o afirmado no Proc. n.º 191/2018-T, quando refere: “como tem sido entendido pela doutrina, a referida identidade de facto não terá de ser absoluta: “Os factos serão essencialmente os mesmos quando forem comuns as pretensões do autor (...) de forma a que se possa concluir que, se se provarem os alegados relativamente a um ato, existirá suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência das pretensões de todos os pedidos(Jorge Lopes de Sousa em “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, in: Guia da Arbitragem Tributária, 2013, p. 147).

No mesmo sentido, se pronuncia Fernando Lança Martins quando afirma que “A cumulação de pedidos no processo de arbitragem tributária”, in: Arbitragem Tributária, n.º 1, 2014, pp. 28), “para aferir da identidade dos factos relevantes será pois necessário considerar a factualidade da qual resulta, no entender do contribuinte, a ilegalidade dos atos objeto do processo.

Neste contexto, será necessário considerar os elementos materiais dos factos tributários subjacentes aos actos tributários controvertidos ou a atuação da Administração Tributária no procedimento tributário subjacente à emissão desses actos.

Na medida em que, para aferir da legalidade de ambos os atos tributários seja necessário considerar uma única realidade material transversal aos diversos factos tributários em questão, ou a uma única atuação procedimental da Administração Tributária da qual resultam os vários atos tributários em litígio, a matéria de facto a apreciar para aferir a ilegalidade desses actos poderá ser essencialmente a mesma.

Assim, as diligências probatórias necessárias para aferir a legalidade de um dos actos poderão ser aproveitadas para aferir a legalidade de outro acto objecto do processo, assim potenciando a uniformidade das decisões relativamente à mesma questão de facto em benefício da segurança jurídica que deve nortear a resolução de litígios no âmbito do processo de arbitragem tributária”.

Neste caso sub judice, as circunstâncias de facto subjacentes às liquidações em causa são essencialmente as mesmas, e consideramos que não é possível separar as liquidações de IVA e de IRC em causa, dado que no RIT têm por base os mesmos factos e documentos: “Atentos ao relatado, concluímos que a B... contabilizou faturas, maioritariamente relativas a subcontratos, que se concluiu serem falsas. Além disso, não existe qualquer evidência de que tenha recorrido a outras entidades, para lhe prestarem os serviços, como sejam comprovativos de pagamentos efetuados ou transporte de mercadorias para outros locais.”

Não tendo recorrido a terceiros para lhe prestarem os serviços, impunha-se verificar se a própria B... tinha condições para realizar os serviços que faturou, relativos a serviços de corte e costura de milhares pares de sapatos.

Pela análise dos gastos, concluímos que seria de todo impossível à B... prestar aqueles serviços, uma vez que não tinha uma estrutura empresarial.”.

E, na pág. 14 do RIT é afirmado: “III.1.1 - Conclusões da ação de inspeção à empresa B... Lda No âmbito dos procedimentos. inspetivos ao sujeito passivo B..., LDA (doravante designada por. B...), NIPC..., foram detetadas irregularidades que  demonstram um modus operandi usado em todos os períodos, do qual resultou a conclusão de que as faturas que titulam gastos contabilizados pela B..., respeitantes a subcontratação de serviços relacionados com a produção de calçado, são todas fictícias e consequentemente os serviços prestados também não titulam operações reais”.

De mencionar ainda, que a invocada decisão arbitral proferida no Processo n.º 73/2014-T não se opôs à cumulação com base nos fundamentos que aqui foram referidos, uma vez que nela se disse que “é manifesto que o pedido de declaração de ilegalidade de liquidações de IVA e de IRC, por não terem verificado vendas que a Autoridade Tributária e Aduaneira presumiu terem ocorrido, não é incompatível com o pedido de declaração de ilegalidade de liquidação por despesas efectuadas estarem conexionadas com a obtenção dos proveitos ou ganhos ou manutenção da fonte produtora, já que as duas ilegalidades podem existir concomitantemente”. Na decisão arbitral proferida no Processo n.º 73/2014-T, de 11de julho de 2014 foram “impugnados actos diferentes, de liquidação de IVA e IRC e, quanto a este último imposto, para além de serem invocadas ilegalidades que decorrem dos factos invocados para efeitos de IVA respeitantes a vendas de mercadorias, há outras relativas a despesas de representação, que nada têm a ver com aquelas. (...)E a decisão foi no sentido deque não é possível cumular o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA com o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC, na parte em que este se reporta a correção à matéria tributável derivada de despesas de representação.”

No mesmo sentido que defendemos, decidiu a decisão arbitral proferida no Processo n.º 209/2015-T: “no âmbito do regime jurídico da arbitragem tributária, e tendo por referência o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do respectivo Regime, a admissibilidade da cumulação de pedidos afigura-se não estar já dependente da natureza dos tributos (independentemente da interpretação que se subscreva relativamente ao artigo 104.º do CPPT), outrossim, fazendo-a depender da “identidade de situações e de questões de direito a apreciar”.

A norma sob escrutínio faz depender a possibilidade de cumulação de pedidos da verificação de dois requisitos também eles cumulativos: (i) que a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e, (ii) que a procedência dos pedidos dependa essencialmente da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

Assim, estando em causa a apreciação dos mesmos factos, justificar-se-á, por via de regra, a cumulação de pedidos, no pressuposto de que as questões de direito (potencialmente distintas perante tributos diferentes) não sejam elas próprias objecto de controvérsia”.

E como decido no Processo. n.º 720/2014-T, de 23 -03- 2015 é ainda de mencionar que “o alcance do artigo 3.º n.º 1, ao não exigir uma absoluta identidade de questões de facto e de direito mas apenas uma identidade quanto ao que é essencial”. Voltando  ao caso concreto em análise, a verdade é que o pedido de anulação formulado pela Requerente, quer quanto às liquidações adicionais de IRC, quer quanto ao IVA tiveram origem nas mesmas ações inspetivas levadas a cabo pela AT (...) as quais terão detetado as irregularidades mencionadas supra e que necessariamente tiveram reflexo em sede de IVA e IRC e apesar de se referirem a dois impostos distintos são contudo indiciáveis, e que estiveram na origem das liquidações adicionais que a Requerente põe em causa no presente pedido de pronúncia arbitral sem ter em conta a comprovação feita pela AT da existência de faturas falsas.

Ainda é de salientar, que resulta igualmente da jurisprudência arbitral que as regras sobre cumulação de pedidos têm subjacentes razões de economia processual, pelo que devem ser interpretadas teleologicamente não com a perspetiva de colocação de obstáculos à apreciação das pretensões dos contribuintes, mas sim, com o alcance de viabilizarem a cumulação sempre que as razões de economia se verifiquem.

Assim, e face ao exposto concluímos pela legalidade da cumulação de pedidos formulados pela Requerente, improcedendo consequentemente a exceção da ilegalidade da mesma suscitada pela AT no âmbito da sua resposta.” No sentido desta decisão podemos mencionar as decisões arbitrais proferidas no Processo n.º 209/2015-T, Processo n.º 191/2018-T, Processo n.º 730/2019-T, Processo n.º 333/2019-T, Processo n.º 442/2020-T, Processo 350/2020-T e Processo n.º 720/2014-T.

 

 

  1. Da não aceitação dos gastos declarados inerentes à contabilização das faturas e desconsideração do imposto indevidamente deduzido.

 

  1. Enquadramento

 

O Relatório da Inspeção Tributária (RIT) conclui da seguinte forma (pp. 62-63):

 

"III.1.7 – CONCLUSÃO

Os factos descritos nos pontos anteriores constituem indícios sérios de que as faturas contabilizadas, emitidas pela B... Lda, não correspondem a transações reais, nomeadamente:

-A estrutura empresarial evidenciada pela empresa B... não permite o exercício de uma atividade comercial que permita estabelecer uma conexão com os serviços prestados constantes das faturas, isto é, a falta de instalações, equipamento ou funcionários para prestarem os serviços constantes das faturas, quer através de recursos próprios ou mesmo subcontratando;

-Inconsistências detetadas na racionalidade das operações, tais como:

  • Entrega do serviço ao cliente final antes da entrega da B...;
  • Envio de materiais à B... que não correspondem em todo ou parte aos planos de fabrico que constam das faturas e das guias de transporte emitidas quer pela B... quer pelo sujeito passivo

- Inconsistências no descritivo das faturas emitidas pela B... nomeadamente, para serviços de costura, o mesmo descritivo de serviços de corte e costura. Isto face às matérias-primas enviada pelo sujeito passivo para à B... .

- Incoerências no domicílio fiscal constante nas faturas (moradas);

- Indicação de viatura na Guia de Transporte emitida pela B... de um trator propriedade de um particular;

- Não apresentação de suportes alusivos às efetivas operações realizadas com outros fornecedores.

 Por esse motivo, procede-se à correção dos valores declarados, quer em sede de IRC, pela não aceitação do gasto declarado inerente à contabilização das faturas, nos termos do disposto no artigo 23º do Código do IRC, quer em sede de IVA, pela desconsideração do imposto indevidamente deduzido, de acordo com o disposto no nº3 do artigo 19º do Código do IVA, nos montantes a seguir discriminados por imposto e respetivos períodos (…)"

 

Das conclusões fundamentadoras do RIT resulta que são relevantes para o caso as seguintes normas fiscais:

 

“CIRC

Artigo 23.º Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação; b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento;

f) De natureza fiscal e parafiscal

 g) Depreciações e amortizações;

h) Perdas por imparidade;

i) Provisões;

j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros;

k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

l) Menos-valias realizadas; m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

 4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

 7 - Os gastos respeitantes a ações preferenciais sem voto classificadas como passivo financeiro de acordo com a normalização contabilística em vigor, incluindo os gastos com a emissão destes títulos, são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da entidade emitente. “

 

CIVA

“Artigo 19.º
Direito à dedução

 

“1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

b) O imposto devido pela importação de bens;

c) O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h), i), j), l) e m) do n.º 1 do artigo 2.º; 

d) O imposto pago como destinatário de operações tributáveis efectuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham facturado o imposto;

e) O imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o n.º 6 do artigo 15.º

2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:

a) Em faturas passadas na forma legal; 

b) No recibo de pagamento do IVA que faz parte das declarações de importação, bem como em documentos emitidos por via eletrónica pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos quais constem o número e a data do movimento de caixa. 

c) Nos recibos emitidos a sujeitos passivos enquadrados no «regime de IVA de caixa», passados na forma legal prevista neste regime. 

3 - Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura. 

4 - Não pode igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada.

5 - No caso de faturas emitidas pelos próprios adquirentes dos bens ou serviços, o exercício do direito à dedução fica condicionado à verificação das condições previstas no n.º 11 do artigo 36.º. 

6 - Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos. 

7 - Não pode deduzir-se o imposto relativo a bens imóveis afectos à empresa, na parte em que esses bens sejam destinados a uso próprio do titular da empresa, do seu pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma. 

 8 - Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação. “

 

 

A Requerente, no Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), invoca jurisprudência, e sublinha ser entendimento jurisprudencial pacífico que, para a desconsideração de faturas tidas como falsas ou fictícias, “compete à AT fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto” (acórdão do TCAN de 18/10/2018, Proc. 00451/09.5BEVIS).

 

Prossegue, referindo que no dizer do mesmo acórdão, “impõe-se, portanto, à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração”.

 

E conclui que os “factos e motivos invocados no RIT para tentar desconsiderar os valores das facturas emitidas pela B... à Requerente para efeitos de IVA e de IRC não constituem indícios suficientes da falsidade desses documentos, não afastando a presunção de verdade dos elementos declarados e contabilizados pela Requerente (art.º 75.º da LGT)”

 

Por seu turno, a Requerida, socorre-se também de jurisprudência, afirmando que o Tribunal Central Administrativo Norte, em Acórdão de 12 de outubro de 2011 (Processo n.º 1550/05) sancionou o seguinte: “No âmbito do dever de indagação oficiosa da Administração Tributária, esta deve socorrer-se de indícios baseados em dados objetivos e externamente sindicáveis para concluir que as declarações e a contabilidade do sujeito passivo não refletem a matéria tributária real. Uma vez recolhidos esses indícios, recai sobre o sujeito passivo o ónus de confirmar os dados declarados por si e infirmados pela Administração, deixando de gozar da presunção do declarado”.

 

Acrescenta, ainda, os acórdãos do STA proferidos em 19-10- 2016, no Proc. n.º 0511/15 e em 2019-02-27, no Proc. 01424/05.2BEVIS 0292/18, , onde se expressa que: “Estando em causa custos titulados por “faturas falsas”, e tendo a ATA cumprido o que lhe era exigido quanto ónus probatório que sobre si recaía, reunindo indícios sérios de que a empresa que emitiu as faturas referentes aos custos desconsiderados (art. 23.º CIRC) não prestou os serviços supostamente titulados pelas mesmas, o que estava autorizada a fazer com recurso a fiscalização cruzada, cabia à Recorrente provar, para além de qualquer dúvida, a sustância da prestação dos serviços em causa, o que não logrou fazer.”

 

Por fim, cita ainda a Requerida a decisão vertida no Processo 03152/10.8.BEPRT, de 12-05-2016 do TAF do Porto: “A administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas. Terá de ser uma probabilidade suficientemente forte para abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.”

 

 

  1. Aplicação ao acaso das normas legais e da interpretação jurisprudencial, em face da factualidade provada

 

Ao socorrer-se de indícios com suporte em dados objetivos para concluir que as declarações e a contabilidade de um sujeito passivo não refletem a matéria tributária real, a AT tem de efetuar uma análise documental que é essencial para a obtenção de tais indícios.

 

Essa base documental não tem de ser apenas composta por faturas ou recibos, mas por todos os documentos que permitem verificar a congruência e racionalidade do circuito económico -produtivo dos bens ou serviços.

 

Assim, se numa certa entidade, sujeita ao IRC, se fabricam produtos do tipo B, que exigem para sua produção a matéria-prima A, e se não havendo documentos que provem qualquer tipo ou forma de entrada da matéria A nessa entidade e, nestas condições, ainda assim se faturam produtos do tipo B, algo de incongruente se evidencia entre a realidade material o acervo de prova documental. Ou, no mesmo caso, se se recebe um produto semiacabado num certo dia/hora, ao qual terão de ser acrescentadas várias operações de acabamento, e nesse mesmo dia /hora se fatura o produto final, então uma similar falta de congruência económica se verificará. Acrescentem-se ainda outras situações possíveis, ilustrativas dessa divergência entre documentos e realidade material das operações. Exibindo-se documentação que provou que produtos do tipo C foram transportados num veículo cuja propriedade pertence a um particular residente no estrangeiro e nenhuma relação tem com a dita atividade empresarial, algo de incongruente se denota. Ou, ainda, se se mostra que moradas postais de clientes e fornecedores não correspondem a instalações onde formal e substancialmente se exerça atividade económica correspondente, tal se afigura economicamente ilógico.

 

Enfim, o que se quer afirmar é a necessidade de os elementos de prova da incongruência ou da irracionalidade económica das transações, que abalem a presunção de verdade declarativa, terão se ser suficientemente sólidos para formar no tribunal a convicção de que a Autoridade Tributária cumpriu devidamente o dever prova que lhe é exigido pelo artigo 75.º da LGT.

 

 

2.3. “Análise das faturas emitidas pela B..., Lda., e documentos de transporte”

 

O RIT começa por apresentar um longo excerto do Relatório que resultou de procedimento inspetivo à entidade B... Lda., no qual se evidencia que esta entidade, fornecedora da aqui Requerente, não tinha a estrutura empresarial necessária para o cumprimento de tarefas produtivas e comerciais que a sua faturação implicaria.

 

Sendo que a alegação da falta de aderência à realidade das operações assenta, em larga medida, em controlo cruzado entre fornecedores e clientes, entende o tribunal que a análise às caraterísticas da B... é relevante no caso em apreço.

 

Depois da exposição detalhada das faturas emitidas por este fornecedor da Requerente, o Relatório da inspeção e a factualidade provada permitem ao Tribunal concluir que:

- Em diferentes exercícios económicos a B... Lda. apresentava diversas moradas, não cumprindo tais moradas ou instalações as condições técnicas que permitissem a atividade que o dito fornecedor supostamente desenvolveria;

- existem guias de transporte em que se indicam viaturas que não poderiam, plausivelmente, transportar tais mercadorias (v.g., o trator agrícola pertencente a um particular residente em Santarém), ou nem se indica qualquer transporte;

- existem discrepâncias notórias entre as moradas de carga e descarga dos bens transportados.

 

 

2.4. “Análise efetuada ao circuito documental dos bens”

 

Na análise efetuada pela AT ao circuito documental dos bens, tal como descrito nos documentos de suporte coligidos pela inspeção tributária, surgem inequívocos sinais de inconsistência e de falta de lógica económica, e uma sequência de transações que levam a concluir pela existência de fortes indícios de que a realidade material das operações não é coincidente com a que se extrai do circuito documental.

 

Na verdade, as divergências provadas entre as operações documentadas, as matérias enviadas  e as operações técnico-fabris que exigiriam; as datas de transmissão de certos bens para clientes intracomunitários face à data em que a Requerente teria tais bens na sua posse; a faturação de bens a clientes cujo tempo de acabamento de tarefas fabris (ainda não executadas) desses bens não é credível; a incoerência entre as guias de transporte e as matérias necessárias à execução de determinadas tarefas técnico-produtivas; a suspeição que se suscita em face dos prazos que mediaram entre a receção de produtos semiacabados e a faturação final aos clientes dos produtos finais deles resultantes; tudo isto evidenciado em largas páginas do RIT, com junção da documentação em causa, resulta, para o Tribunal, em indícios objetivos e sólidos de que a verdade material das operações se afasta da que emerge da avaliação documental.

 

 

3. Apreciação e decisão

 

A análise da AT invoca e evidencia factos que traduzem uma probabilidade forte de as operações que aqui se analisam não serem conformes à realidade material das transações. E julga-se que se está em presença de uma probabilidade suficientemente elevada para colocar em causa a presunção legal de veracidade das declarações do contribuinte e dos dados constantes da respetiva contabilidade.

Em face destes elementos verificados, tribunal acompanha o que se afirmou no Processo 685/13.8BELRS, decidido no TACS em 25-02-2021, onde se lê:

“(…) constitui jurisprudência fiscal assente a de que:


- Os indícios de facturação falsa postulam, normalmente, a realização de fiscalização cruzada, seja no emitente, seja no utilizador, por forma a descaracterizar o circuito económico e financeiro subjacente às facturas invocadas.

- A desconsideração da declaração tributária é determinada pela Administração Fiscal em nome de uma interpretação mais ajustada à realidade do rendimento, isto é, da capacidade contributiva efectiva daquele contribuinte. O afastamento da presunção de veracidade da declaração exige a recolha de indícios sérios, consistentes e credíveis de que é outra a realidade do rendimento.

- A ATA não tem o encargo de provar a falsidade das facturas; basta-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as facturas são «falsas» para cumprir o seu ónus da prova (art.º 74º/1 e 75º/2, a) LGT). Demonstrados estes indícios, a lei faz cessar a presunção de boa fé creditada às declarações e contabilidade do contribuinte e devolve-lhe o encargo de provar a veracidade das operações subjacentes à facturação indiciada.

 

No caso em apreço, em face dos elementos coligidos nos autos, verifica-se que existem indícios consistentes de procedimentos da Requerente, materializados em circuitos físicos e documentais, com vista a registar custos que não correspondem à sua efetiva realidade económico-produtiva. Tais indícios resultam da incongruência da atividade do emitente das faturas, da inexistência de elementos que comprovem uma lógica e congruente materialidade das transações, e ainda de um circuito documental com traços de fortes de desajustamento às operações a que se refere.

No entender do Tribunal, ficou provado que a atividade da Requerente se revela economicamente incongruente no seu circuito técnico-documental. Mostra, além disso, fatores indiciadores de inconsistência das transações (v.g., nos momentos temporais, nos circuitos documentais que as formalizam, nos meios de transporte dos bens) que caracterizam essa atividade.

Com efeito, não se pode validar a tese segundo a qual as operações sob análise (que foram objeto de suspeição por parte da AT quanto à sua realização efetiva e regular, e conexão com a atividade) estão inseridas numa forma de exercício de um objeto social, ou escopo societário, que respeita as exigências de um circuito técnico-económico que assente em documentação e características específicas que demonstrem uma natureza de normalidade ou regularidade transacional.

Para mais, a justificação primordial que aos autos foi trazida nas peças processuais da Requerente, e na inquirição da testemunha, assenta numa suposta necessidade de secundarizar o formalismo das exigências legais e documentais em face da celeridade que haveria que imprimir às operações e às exigências da clientela. Ora, a subscrever-se tal tese, boa parte das normas fiscais perderia a sua razão de ser.

Tais normas existem para, precisamente, proporcionar o controlo da regularidade económica e do cumprimento de obrigações jurídico-tributárias que as transações económicas impõem às empresas que as levam a cabo. Não se pode erigir em fator que permita contornar ou ignorar exigências legais os eventuais traços de uma relação de negócio com fornecedores e clientes.

Em síntese, a AT cumpriu o que na jurisprudência se exige nos seguintes termos: 

“A administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas. Terá de ser uma probabilidade suficientemente forte para abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.”

 

Sendo jurisprudência assente que a condição geral de dedutibilidade  dos gastos, contida no artigo 23.º do CIRC, exige  a sua relação com a atividade dos entes sujeitos ao imposto, daqui resulta que entre os gastos documentados – quer pelos documentos próprios, como as faturas,  quer pelos outros documentos que  configuram o circuito económico aferido pela inspeção tributária - e a atividade empresarial dos entes sujeitos ao IRC terá de existir  uma relação comprovável, congruente e economicamente lógica.

Ora, a atividade efetiva ou real é, no caso em apreço, diversa daquela que documentalmente se evidencia. Então a relação dos gastos com a atividade da Requerente não é devidamente comprovada. O que implica a desconsideração fiscal dos gastos efetuada pela AT.

Além de que existindo indícios sólidos, provados, segundo os quais de verifica uma realidade económica efetiva que não corresponde à que resulta do acervo documental e declarativo da Requerente, o IVA dos documentos que titulam tais gastos não é dedutível.

 

Julga-se, pois, improcedente o pedido arbitral.

 

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado e, em consequência:

  1. Absolver a Requerida do pedido; e
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.           

 

D. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 95.520,15, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 de dezembro de 2021

 

 

A Árbitro Presidente

 

(Regina de Almeida Monteiro)

 

O Árbitro Vogal

 

 

(António Martins)

 

O Árbitro Vogal

 

(Hélder Faustino)



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.