I – Relatório
1. No dia 28.02.2014, o Requerente ..., contribuinte número ..., com domicílio na Rua ..., …, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação parcial do ato de liquidação de IMI referente ao artigo urbano nº ..., da freguesia de …, Concelho do …, respeitante ao ano de 2012, a que corresponde o documento nº 2012 ..., da qual resultou uma coleta no valor de 507,12 €.
A anulação parcial pretendida é no montante de 219,91 €, peticionando-se ainda o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento, que a Requerente considera indevido.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o Senhor Dr. Marcolino Pisão Pedreiro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 7.05.2014.
3. A reunião prevista no artigo 18º do RJAT teve lugar no dia 18.06.2014 2014, pelas 9.30 horas.
4. A Requerente, como fundamento da sua pretensão, sustentou estar o ato de liquidação inquinado do vício de violação de lei por ofensa ao nº 1 do art. 15º-O do Decreto-lei nº 287/2003, de 12 de Novembro.
5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, sustentando não se verificar a ilegalidade apontada pelo Requerente.
7. As partes apresentaram alegações escritas nas quais mantiveram as suas posições.
8. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
II – A matéria de facto relevante
9. O tribunal considera provados os seguintes factos:
1. O Requerente consta da matriz como proprietário do prédio urbano inscrito sob o artigo U-..., da Freguesia de …, Concelho do ….
2. Trata-se de um prédio em regime de propriedade vertical, cuja construção foi concluída em 3.03.1966, composto de rés-do-chão, primeiro e segundo andar, tendo em cada um dos pisos duas partes suscetíveis de utilização independente destinadas a habitação.
3. Em Março de 2013 o Requerente foi notificado de liquidação de IMI respeitante a 2012 com base no valor patrimonial tributário de 8.467,42 €, correspondente a avaliação ocorrida antes da entrada em vigor do CIMI, do qual resultou, relativamente a este imóvel, uma coleta de 59,27 €.
4. A liquidação respeitante ao ano de 2011, havia sido fixada pela Requerida no valor de 57,13 €.
5. Em 25 de Março de 2013, o Requerente foi notificado de avaliação do prédio, nos termos do CIMI, no âmbito do procedimento geral de avaliação geral de prédios urbanos, do qual resultou o novo valor patrimonial tributário de 186.920,00 €, correspondente à soma do valor patrimonial tributário dos rés-do-chão esquerdo e direito, cada um com o valor patrimonial tributário de 31.400,00 €, e das restantes quatro frações, cada uma com o novo valor patrimonial tributário de 31.030,00 €.
6. Em 7.05.2013, a AT efetuou nova liquidação de IMI referente a 2012, através do documento nº 2012 ..., do qualquer resultou uma nova coleta para este prédio no valor de 507,12 €, com base na aplicação da taxa de 0,40% àquele valor patrimonial tributário, mas corrigindo o valor assim obtido, com a aplicação da regime de salvaguarda, previsto no art. 15º-O do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, aditado pela Lei nº 60-A/2011, de 30-11, tratando o imóvel em questão como prédio com partes autónomas suscetíveis de utilização independente.
7. O aumento por parte suscetível de utilização independente teve como limite o valor de 75 €, por cada uma, a que Requerida adicionou, para efeito de liquidação, o valor de 9,6 € relativo ao IMI devido do ano anterior, respeitante a cada uma das partes do rés-do-chão direito e do rés-do-chão esquerdo, tendo adicionado às restantes o valor de 9,48 €, por cada uma, também respeitante ao IMI devido do ano anterior.
8. Do que resultou a liquidação de 507,12 € correspondendo 84,60 € ao valor patrimonial tributário de cada uma das partes do rés-do-chão e 84,12 € a cada uma das restantes quatro partes autónomas.
9. Sem aplicação do regime de salvaguarda, da aplicação da taxa legal de 0,40 € ao valor patrimonial tributário de todas as partes autónomas do prédio, resultaria a coleta de 747,68 €.
10. Apesar do prédio, antes e depois desta avaliação, sempre ter tido a mesma composição, o valor patrimonial tributário de cada parte suscetível de utilização independente não estava devidamente discriminado na matriz, sendo o IMI devido do ano de 2011 por cada parte autónoma, obtida pela Requerida mediante a divisão da mesma pelos seis partes suscetíveis de utilização independente.
11. De acordo com o documento nº 2012 ... à nova coleta foi deduzido o valor de 59,27 € resultante da coleta anterior, do que resultou um valor a pagar de 447,85 €.
10.Não se provaram, nem foram alegados, outros factos com interesse para a decisão da causa.
11.A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se na alegação de factos invocados pelo Requerente e não impugnados pela Requerida, nos documentos constantes do processo apresentados pelas partes e constantes do processo administrativo, designadamente a caderneta predial do imóvel e as notificações das liquidações efetuadas respeitante ao ano de 2012, sendo de salientar não ter sido manifestada pelas partes qualquer divergência relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.
-III- O Direito aplicável
12.O art. 15º-O do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, aditado pela Lei nº 60-A/2011, de 30-11, sob a epigrafe “Regime de Salvaguarda de prédios urbanos” estabelece o seguinte no seu nº 1 o seguinte:
“A colecta de IMI respeitante aos anos de 2012[1] e 2013 e liquidado nos anos de 2013 e 2014, respectivamente, por prédio ou por parte de prédio urbano objecto de avaliação geral, não pode exceder a colecta de IMI devido no ano imediatamente anterior adicionada , em cada um desses anos, do maior dos seguintes valores:
a) € 75; ou
b) Um terço da diferença entre o IMI resultante do valor patrimonial tributário fixado na avaliação geral e o IMI devido no ano de 2011 ou que o devesse ser, no caso de prédios isentos.”
13. Resulta, assim, da previsão da norma em questão que, consoante o caso concreto, a mesma é aplicável a um prédio urbano ou a parte do prédio urbano objeto de avaliação geral.
14.Esta norma deve ser aproximada do art. 12º, nº 3 do CIMI que estabelece que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, o qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”[2], uma vez que é desta norma que resulta quais as partes de prédio urbano que são objeto de avaliação, o que implicará a discriminação do respetivo valor patrimonial tributário.
15.Da conjugação do nº 1, do art. 15º-O do Dec-Lei nº 287/2003 com o art. 12º, nº 3, do CIMI, resulta, assim, que cada andar ou parte de andar suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, que discrimina, também, o respetivo valor patrimonial tributário, sendo o regime de salvaguarda previsto no mencionado art. 15º-O, aplicável por cada andar ou parte suscetível de utilização independente.
Conforme se escreve na decisão arbitral proferida no proc. 245/2013-T[3]:
“No mesmo sentido da individualização, para efeitos tributários, das partes autónomas de prédios urbanos, releva ainda a norma do n.º 1 do art. 15.º- O, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, aditado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30/11.
(…) De acordo com o preceituado na referida norma, a cláusula de salvaguarda relativa ao agravamento da tributação em IMI decorrente da avaliação geral dos prédios urbanos, é aplicável por prédio ou parte de prédio urbano que seja objecto da referida avaliação.”
16. Acontece que, apesar do prédio em questão ser constituído por partes suscetíveis de utilização independente, os respetivos valores patrimoniais tributários não estavam discriminados na matriz, ao arrepio do art. 12º, nº 3, do CIMI.
Por esta razão, entende o Requerente que não deve ser aplicável o regime de salvaguarda para prédio com partes suscetíveis de utilização independente.
17. Entende-se, porém, que tal circunstância não retira ao prédio a característica de ser composto por partes suscetíveis de utilização independente, havendo, tão-só, uma incorreção matricial.
A própria lei prevê a existência de prédio urbanos por andares ou divisões de utilização autónoma, em que ocorre a omissão de discriminação do valor patrimonial tributário relativamente a tais partes.
Na verdade dispõe o art. 130º, nº 3, do CIMI que:
“Os sujeitos passivo referidos no nº 1 podem, a todo o tempo, reclamar [4] de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, nomeadamente com base nos seguintes fundamentos:
(….)
h) Não discriminação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos por andares ou divisões de utilização autónoma”.
Desta norma decorre, assim, com clareza, que o CIMI trata a omissão em causa como uma mera incorreção, não deixando o prédio de ser aquilo que, em substância, é: um prédio urbano por andares ou divisões suscetíveis de utilização autónoma.
18. Daqui resulta que o prédio em causa não se “transformou” em prédio urbano com partes ou andares suscetíveis de utilização independente pela avaliação realizada em 2013. Já o era anteriormente.
19. O regime se salvaguarda prevista no art. 15º-O, prevê a sua aplicação a duas situações distintas, sendo certo que a realidade dos factos do caso sub judice se subsume numa dela: “parte de prédio urbano objecto da avaliação geral”.
20. O regime de salvaguarda toma como referência a coleta de IMI do ano anterior, sendo que, como já se referiu, em tal ano se verificava a incorreção consistente na omissão da descriminação do valor patrimonial tributário relativo a cada parte autónoma.
Também é de notar que, em rigor, não existe uma coleta para cada parte suscetível de utilização independente.
Nos termos do art. 119º, nº 1, do CIMI “Os serviços da Direção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios”.
Daqui decorre que não existe propriamente uma coleta por parte autónoma, mas apenas que, da discriminação desta parte e do respetivo valor patrimonial tributário resulta, por linear operação aritmética, a parte da coleta que lhe corresponde, o que não acontece se aquele valor não estiver discriminado.
21. Na ausência desta discriminação, a AT procedeu à divisão da coleta de 2011 do prédio pelas seis frações imputando a cada uma das partes autónomas do rés-do chão 9,60 € e a cada uma das demais 9,48 €, respeitantes ao IMI devido no ano anterior, e considerou ser esse IMI devido por cada uma delas no ano imediatamente anterior, para efeitos dos cálculos pertinentes à regime de salvaguarda, prevista no art. 15º-O do Dec.-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro.
22. Assim, para determinar a aplicação da regime de salvaguarda ao caso concreto a AT aplicou a taxa de 0,4% ao valor patrimonial tributário de cada parte suscetível de utilização independente e obteve os valores de 125,60 € para uma das partes do rés-do-chão e o valor de 124,12 € para cada uma das outras quatro partes.
De seguida, subtraiu a cada uma das partes autónomas do rés-do chão 9,60 € e a cada uma das demais 9,48 €, respeitantes ao IMI devido no ano anterior, após o que dividiu o produto dessa subtração por três, tendo concluído que tal valor era inferior a 75.000 €, pelo que, nos termos do nº 1, do artigo 15º-O do Dec.-Lei nº 287/2003 de 12 de Novembro, aplicou para efeitos de regime de salvaguarda o valor de 75.000 €.
23. O Requerente sustenta, na prática, que o regime de salvaguarda não deve ser aplicável, no caso, às partes de prédio urbano com partes suscetíveis de utilização independente, e que deveria utilizar-se para o cálculo do mesmo o IMI total do prédio, quer o devido no ano de 2011, quer o aplicável para o ano de 2012, resultante da avaliação de 2013.
24. Como consequência desta posição, entende o Requerente que:
“Dado que o legislador ordenou a comparação entre as coletas de 2011 e 2012, a regime de salvaguarda limitaria o aumento de IMI a:
-75 €; ou
-Diferença entre as coletas de IMI de 2011 e 2012:
O somatório dos valores patrimoniais de 2012 corresponde a 186.920 €
Aplicando a taxa de 0,4% temos uma coleta de IMI de 747,68 €.
A diferença entre coletas é: 747,68 -57,13 = 690,55
E 1/3 dessa diferença é igual a 690,55/3= 230,18 €
(…) O valor mais elevado é 230,18 €. Logo, o aumento da coleta de IMI do prédio U-... não poderia aultrapassar 230,18 €.
Pelo que a coleta seria de 57,13+230,18 = 287,21 €.”
25. Acontece que, à realidade substantiva do prédio em causa o regime de salvaguarda impõe a consideração individualizada de cada parte autónoma e estas já existiam materialmente, não tendo sido “criadas” pela avaliação, como já se sublinhou.
26. Acresce que, não parece que a solução aplicada pela AT, de dividir a coleta do prédio respeitante a 2012 pelas seis partes autónomas, na ausência de discriminação do valor patrimonial própria de cada fração naquele ano, seja destituída de fundamento ou tenha prejudicado o Requerente por comparação ao Valor patrimonial tributário que teria sido discriminado caso o Requerente tivesse usado preteritamente da prerrogativa prevista no art. 130º, nº 3, al. h) do CIMI, ou a própria AT o tivesse promovido nos termos do nº 5 do mesmo preceito.
Na realidade, o valor patrimonial tributário discriminado de cada uma das frações seria o que foi considerado na liquidação sub judice e admitindo que pudesse não ser fosse exatamente o mesmo, a diferença seria sempre de valor reduzidíssimo, para não dizer irrelevante, sendo que o valor patrimonial total do prédio seria sempre o mesmo, pelo que o valor da coleta nunca seria diferente do que foi obtido.
27. Por outro lado é de observar que, mesmo em caso de descriminação do valor patrimonial tributário de cada parte autónoma, a referência à coleta de cada uma é em rigor uma ficção pois que, na realidade, do art. 119º , nº 1 do CIMI não resulta que ocorra uma “coleta” por parte autónoma, mas apenas que a parte da coleta que é imputado a cada uma é determinável aritmeticamente, ocorrendo, ainda, que o legislador no art. 15º-O, nº 1, não refere “coleta de IMI do ano imediatamente anterior”, mas sim “IMI devido no ano imediatamente anterior”, expressão mais abrangente e que é compatível com uma coleta não individualizada por prédio, permitindo a consideração por “parte de prédio”, prevista na norma.
28. A não consideração da realidade substantiva do imóvel não só violaria a letra e o espírito do nº 1 do art. 15º-O, como lesaria o princípio da igualdade fiscal por comparação com imóvel equivalente em que não tivesse ocorrido a incorreção matricial prevista no art. 130º, nº 3, al. h), ou em que, tendo-se verificado a mesma, tivesse sido corrigida por iniciativa do sujeito passivo, prevista nessa norma, ou promovida oficiosamente pela AT, nos termos do nº 5 do mesmo artigo.
Tal solução é, ainda, a que melhor se harmoniza com o princípio da justiça material.
29. Assim sendo, há que a concluir que o regime de salvaguarda prevista no art. 15º-O, nº 1 do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, foi corretamente aplicado, não estando a liquidação sub judice em desconformidade com a lei e, portanto, não devendo ser anulada.
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral:
a) Julgar improcedente a impugnação, não se declarando a pretendida anulação parcial do ato de liquidação.
b) Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
Valor da ação: 219,91 € (duzentos e dezanove euros e noventa e um cêntimos) nos termos do disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerida, no valor de 306,00 € (trezentos e seis euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Lisboa, CAAD, 29 de Julho de 2014.
O Árbitro
(Marcolino Pisão Pedreiro)
[1] Nos termos do art. 15º-D, nº 4 deste diploma:”Os valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos que tenham sido objeto de avaliação geral entram em vigor:
a) Em 31 de Dezembro de 2012, para efeitos do Imposto Municipal sobre imóveis.
(…)
[2] Idêntica norma constava já do art. 13º, nº 2, do Código da Contribuição autárquica que dispunha que “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente será considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discriminará também o respectivo valor tributável” mas não do correspondente artigo do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (art. 155º)
[3] Disponível em http://www.caad.org.pt/
[4] O nº 5 do mesmo artigo estabelece, também, que “O chefe do serviço de finanças pode, a todo o tempo, promover a correção de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, (…)”