SUMÁRIO:
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Um regime fiscal relativo à tributação automóvel com critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em fatores ambientais constituem critérios objetivos que podem ser utilizados no sistema de tributação, mas, da sua utilização não poderá resultar uma discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares.
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O artigo 11.º do Código do ISV não está em conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP) na parte em que não considera aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra Marisa Almeida Araújo, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 12 de julho de 2021, decide:
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Relatório
A..., Lda., NIPC ..., com sede na ..., ..., Vila Real, (adiante apenas “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”).
A Requerente pretende que o Tribunal declare a anulação parcial da liquidação de imposto sobre veículos e seja a AT condenada a reembolsar o Requerente no montante de € 29.605,16, acrescida de juros indemnizatórios nos termos do art.º 43.º da LGT.
A Requente alega, sumariamente, que procedeu à importação de diversos veículos automóveis usados no período compreendido entre 31.01.2019 e 15.08.2020 que entraram em território nacional provenientes da Alemanha, Bélgica, França e Luxemburgo.
A Requerente suscita que, sobre a componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de dedução sendo que a norma jurídica que esteve na base da respetiva liquidação – art. 11.º do CISV – viola o art. 110.º do TFUE.
Apesar disso, o Requerente, procedeu ao pagamento da totalidade do ISV.
A Requerente, não se conformando com a liquidação respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, por não ter sido aplicada qualquer percentagem de dedução nos termos legais que entende aplicáveis, requereu em 12.01.2021, junto da Alfândega do Peso da Régua, a revisão da liquidação dos impostos liquidados aos veículos em apreço nos autos, o que foi indeferido e notificado à Requerente em 21 de abril de 2021.
O Requerente considera que a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2 uma vez que, na sua perspetiva, a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – o art. 11º do CISV – viola o art. 110.º do TFEU (Tratado de Funcionamento da União Europeia).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 30 de abril de 2021 tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 3 de maio de 2021 e seguiu a sua normal tramitação.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitra do Tribunal Arbitral Singular, aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes, notificadas dessa designação em 22 de junho de 2021, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 12 de julho de 2021.
Em 28 de setembro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por exceção e pugna pela improcedência do pedido e consequente absolvição do pedido quanto às liquidações identificadas no âmbito da matéria de exceção, e juntou o processo administrativo. Quanto a esta matéria de exceção veio a Requerente responder, notificada para o efeito, em 6 de outubro de 2021.
Posteriormente a Requerida veio, a 12 de outubro de 2021, juntar requerimento aos autos acrescentando que, para além das impugnações a que fez referência em sede de resposta, o veículo identificado com a matrícula ... não tem a Requerente como proprietária invocando, desta forma, a respetiva ilegitimidade processual.
Considerando a invocação de matéria de exceção, foi concedido à Requerente novo prazo para, querendo, responder àquela matéria, o que a Requerente fez a 25 de outubro de 2021 e veio prescindir da prova testemunhal indicada na sua petição.
A Requerida, em 16 de novembro de 2021 veio aos autos juntar cópia do processo de revisão oficiosa.
A 21 de novembro de 2021 foi dispensada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e considerando que o estado dos autos foram dispensadas as alegações escritas. Foi ainda designado o dia 21 de dezembro de 2021 para a prolação da decisão final.
Não obstante, a 24 de novembro de 2021, a Requerida juntou aos autos alegações pronunciando-se, agora, quanto ao pedido de restituição do imposto e do pedido de juros indemnizatórios.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não há nulidades para conhecer.
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Fundamentação
III.I. Matéria de facto
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Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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A Requerente procedeu à sua importação e deu entrada com o mesmo em território nacional – com exceção do veículo identificado no ponto 3. infra - dos seguintes veículos automóveis, todos usados, e provenientes de diversos Estados Membros (Alemanha (DE), Bélgica (BE), França (FR) e Luxemburgo(LU)):
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As liquidações resultantes das DAVs descritas infra foram apresentadas em duplicado:
2.1. Liquidação resultante da DAV n.º 2019/..., com data de aceitação de 13.05.2019, relativa ao veículo a que foi atribuída a matrícula...;
2.2. Liquidação resultante da DAV n.º 2019/..., com data de aceitação de 12.06.2019, relativa ao veículo a que foi atribuída a matrícula...;
2.3. Liquidação resultante da DAV n.º 2019/..., com data de aceitação de 06.08.2019, relativa ao veículo a que foi atribuída a matrícula ...;
2.4. Liquidação resultante da DAV n.º 2019/..., com data de aceitação de 16.11.2019, relativa ao veículo a que foi atribuída a matrícula ...;
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A liquidação correspondente à DAV n.º 2019/... não consta a Requerente como proprietária do automóvel, mas sim a B..., correspondente a € 639,76
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No Quadro R da referidas DAVs, alusivo ao cálculo ISV, o cálculo desse imposto foi efetuado, com recurso à aplicação da tabela aplicável.
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Do valor total de imposto, inclui-se a parte relativa à componente cilindrada e à componente ambiental.
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No que concerne à componente cilindrada, ao valor apurado é deduzido a quantia correspondente às percentagens de redução, consoantes os anos de uso, constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do CISV, aplicável aos veículos usados.
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No que concerne ao montante respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.
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A Requerente apresentou reclamação graciosa à qual foi atribuído o n.º de processo ...2021... em relação à qual foi proferido despacho de indeferimento a 21/04/2021.
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A Requerente procedeu ao pagamento do imposto relativo às liquidações referidas no n.º 1, com exceção do montante apurado das liquidações apresentadas em duplicado (referidas no n.º 2 e que perfaz o valor total de € 2.019,36 e da liquidação referida no n.º 3, no valor total de € 639,76.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 12 de julho de 2021.
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Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.
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Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes, mormente processo administrativo.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.
III.II Matéria de Direito (fundamentação)
Quanto às exceções invocadas:
A Requerida na sua resposta a falta de causa de pedir e ilegitimidade quanto ao pedido de reembolso relativo às liquidações resultantes das DAV n.º 2019/..., de 15.05.2019, nº 2019..., de 19.06.2019, nº 2019/..., de 07.08.2019 e nº 2019/..., de 16.11.2019 uma vez que foram apresentadas em duplicado as seguintes liquidações:
- Liquidação resultante da DAV n.º 2019/..., com data de aceitação de 13.05.2019, relativa ao veículo a que foi atribuída a matrícula...;
- Liquidação resultante da DAV n.º 2019/..., com data de aceitação de 12.06.2019, relativa ao veículo a que foi atribuída a matrícula...;
- Liquidação resultante da DAV n.º 2019/..., com data de aceitação de 06.08.2019, relativa ao veículo a que foi atribuída a matrícula...;
- Liquidação resultante da DAV n.º 2019/..., com data de aceitação de 16.11.2019, relativa ao veículo a que foi atribuída a matrícula ...;
Concluindo que, relativamente às indicadas DAV, os valores de 380,47 €, 1049,43, € 505,81, e 83,65 €, respetivamente, que totalizam o montante de 2.019,36 €, foram indevidamente peticionados porquanto não existe causa de pedir e legitimidade que sustente a pretensão da Requerente quanto à restituição do referido montante (2.019,36€), peticionado em dobro.
Por outro lado, no requerimento de 12 de outubro veio a Requerida invocar que relativamente ao veículo identificado com a matrícula ..., que foi declarado através da DAV n.º 2019/..., com data de aceitação em 29.10.2019, consta na casa B2, como proprietária, a B... e não a Requerente.
Concluindo a Requerida, que a Requerente não tem legitimidade, nesta parte, para deduzir o pedido de reembolso formulado contra a Requerida o qual corresponde a 639,76.
Cumpre apreciar,
Considerando a matéria de facto dada como provada, verifica-se que, de facto, assiste razão à Requerida.
Quanto às liquidações referidas na resposta e supra elencadas as mesmas estão, de facto, em duplicado. Desta forma, relativamente às indicadas DAV, os valores de 380,47 €, 1049,43€ 505,81 € e 83,65 €, respetivamente, que totalizam o montante de 2.019,36 €, foram indevidamente peticionados já que se referem a factos – suportados pelos aludidos documentos – já em apreço nos autos.
Desta forma, conclui-se que, em relação às liquidações referidas, a Requerente considerou-as duas vezes para o cômputo do valor do pedido. Desta forma entende-se que existe um evidente erro de cálculo resultante da duplicação dos valores resultantes das liquidações, pelo que se reduz o valor do pedido em 2.019,36 €, corrigindo-se, desta forma, a aludida duplicação.
Quanto à matéria de exceção invocada no requerimento de 12 de outubro assiste razão à Requerida. De facto, a liquidação correspondente à DAV n.º 2019/... não consta a Requerente como proprietária do automóvel, mas sim a B... . Não tendo a Requerente, quanto a esta, interesse direto e, portanto, não é parte legítima. Verifica-se, nos termos do preceituado no art. 577.º e) do CPC uma exceção dilatória.
Desta forma, absolve-se a Requerida da instância, face à matéria de exceção em apreço, deduzindo-se um total de € 2.659,12 ao montante do reembolso peticionado.
Quanto ao mérito da causa:
O presente pedido de pronúncia arbitral fundamenta-se na ilegalidade da norma do artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos, relevante nas liquidações ora impugnadas, por violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia (TFUE).
A questão que se coloca é se as liquidações de ISV, relativas às viaturas usadas, provenientes de Estados Membros, identificadas nos autos, padecem ou não de ilegalidade parcial devendo, em caso afirmativo, anular-se parcialmente aqueles atos tributários (conforme defende o Requerente) ou se, pelo contrário deverão aqueles atos de liquidação de ISV ser integralmente mantidos na ordem jurídica, por não enfermarem de qualquer ilegalidade.
Questiona-se se a referida norma, aplicável aos veículos portadores de matrículas comunitárias com vista a contemplar no cálculo do imposto devido a desvalorização comercial média dos veículos usados no mercado nacional, prevê uma redução percentual pelo número de anos de uso do veículo, mas apenas na componente cilindrada, deixando de lado a componente ambiental.
Segundo a Requerente, a norma aplicada na liquidação sub judice conduz a que seja cobrado sobre os veículos “importados” de outros Estados Membros da União Europeia um imposto determinado com base em valor superior ao valor real do veículo onerando-os com uma tributação superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.
De acordo com o disposto no Código do ISV, estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros (…)” [artigo 2.º, n.º 1, alínea a)], sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando -se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos” (artigo 3.º, n.º 1).
O artigo 5.º do Código do ISV, “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, sendo que, para este efeito, de acordo com o n.º 3 alínea a) do mesmo artigo, “(…) entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional”.
No que diz respeito à exigibilidade do imposto, de acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea b, “o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada (…) no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares”, sendo que “a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” (n.º 3).
Quanto à introdução no consumo, estabelece o artigo 17.º, n.º 1 do referido Código que “a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)”, sendo que nos termos do nº 3, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam sujeitos ao processamento da DAV”.
De acordo com o disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código do ISV, “os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV (…)” nos prazos aí previstos, sendo que, nos termos do seu n.º 2, se enumeram os documentos que a devem acompanhar.
As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel, mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados, nos termos do disposto nos artigos 7.º a 11.º do Código do ISV.
Assim, no que diz respeito à tributação do ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira componente prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda componente estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.
O cálculo do ISV devido por veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, o artigo 11.º, n.os 1 e 2 do Código do ISV dispõe que “o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional (…)”.
Os n.os 3 e 4 do referido artigo 11.º do Código do ISV referem que “sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula (…) [aí] indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa (…) que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto (…)”, sob pena de se presumir “(…) que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1”.
Quanto a esta matéria sufragamos a posição vertida na decisão n.º 572/2018 do CAAD (in www.caad.org.pt).
Nos termos desta decisão, que aqui adotamos, em sede de ISV, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados.
A legalidade foi questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, “(...) porquanto esta entendia que as normas portuguesas então vigentes não observavam o disposto no artigo 95.º do Tratado de Roma e, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter protecionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos (...)”.
O Acórdão do TJCE (de 22-02-01) denominado “Gomes Valente”, proferido a título prejudicial, veio criar as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do número de anos de uso.
“Neste âmbito [conforme se extrai daquela decisão], embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao referido artigo 95.º do Tratado de Roma, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros fatores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a referida tabela refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objetivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional”.
Conforme resulta daquela decisão do CAAD cuja fundamentação aderimos “esta jurisprudência veio a ser reforçada com o Acórdão do TJCE nº 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin, no qual foi considerado que o artigo referido artigo 95.º, primeiro parágrafo do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90.º, primeiro parágrafo) permitia a um Estado Membro (EM) aplicar aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o valor tributável é determinado por referência ao valor aduaneiro definido, mas obsta a que o valor tributável varie em função da fase de comercialização quando daí possa resultar, pelo menos, em determinados casos, que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional”.
Acrescentando que “(...) na sequência do designado Acórdão “Gomes Valente”, a jurisprudência tem entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adote ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório”.
O atual artigo 110.º do TFUE opõe-se a que um Estado Membro aplique aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.
“Quando um EM aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstrato com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório”, como se extrai da decisão que temos vindo a seguir.
Em 2006, no âmbito do sistema de tributação Húngaro, no Acórdão do TJUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), no caso Nádasdi, foi analisada pela primeira vez a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia.
Refere aquela decisão que “(...) o sistema fiscal Húngaro ignorava a desvalorização do veículo e tratava de forma igualitária todos os veículos que tivessem a mesma motorização e comportamento ambiental”.
Contudo, o referido Acórdão veio declarar que “o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida — em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e — em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. Não é relevante proceder a uma comparação com os veículos usados postos em circulação no Estado-Membro em questão antes da introdução desse imposto”, como resulta da decisão do CAAD a que aderimos.
“Adicionalmente [acrescenta esta decisão], considerou-se que os Estados-Membros (EM) têm liberdade para selecionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objetivos aplicados, sendo que tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da UE se, por um lado, prosseguirem objetivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e, se por outro, as formas que vierem a revestir sejam de molde a evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, das “importações” provenientes dos outros EM, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes”.
Assim, em termos gerais, concluindo nos termos da decisão do CAAD que temos vindo a seguir “(...) no âmbito de um regime fiscal relativo à tributação automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em fatores ambientais constituem critérios objetivos e possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poderá resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um EM de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EM é contrária ao artigo 110.º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.”
Mais acrescentando que “em 2009, interpretando o mesmo artigo 110.º do TFUE, o TJUE, no Acórdão de 19 de Março de 2009 (que opôs a Comissão Europeia à Finlândia), considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios”.
No que a Portugal diz respeito, “(...) nos termos do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é diretamente aplicável em território nacional, sem desenvolver qualquer fundamentação, fez eco uma comunicação da Comissão Europeia em que se informava que esta tinha encetado, no TJUE, um processo contra Portugal, no sentido de defender que era censurável o artigo 11.º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem é considerada nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão to TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, acima já referido”.
Com efeito, em matéria de direito internacional, o artigo 8.º, n.º 4 da CRP estabelece que “as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático”.
A Decisão Arbitral n.º 577/2016-T, de 1 de Junho de 2017, refere, neste âmbito que “(…) apesar de só os Estados Membros terem competência em matéria de impostos diretos, o Tribunal de Justiça (TJ) tem sustentado, através das suas decisões, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia. Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente (…) a livre circulação de mercadorias (artigos 28.º e seguintes do TFUE) (…). Ora, é precisamente através da proteção de cada uma destas liberdades, diretamente aplicáveis, que ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades. (…) O direito português consagra uma cláusula de receção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação (…). Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados perante os tribunais”.
Enfatizando que “os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária. Esta superioridade decorre não só dos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8.º n. os 1 e 2 da CRP. Apresenta-se, pois, como claro que, para que a convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar. Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas. Sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa”.
O artigo 110.º do TFUE (na esteira do artigo 90.º do Tratado de Roma), preceitua que “nenhum EM fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares”.
Nos termos da decisão cuja fundamentação temos vindo a perfilhar acrescenta-se que “sobre a interpretação deste artigo face aos direitos nacionais já o TJUE se pronunciou por diversas vezes precisando o seu alcance dado que a admissão nos mercados nacionais de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da EU”.
“Por isso, dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além da opinião da Comissão Europeia, enquanto entidade a quem cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que se vai produzindo.
E tanto assim é que o Estado Português, interpelado pela Comissão Europeia em 2009/2010, quanto à forma como eram tributados os veículos usados admitidos em Portugal provenientes da UE (porque contrária ao previsto no referido e citado artigo 110.º do TFUE), se viu forçado a alterar a legislação em vigor em matéria de ISV, em concreto o artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV (naquela data vigente), através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2011), no sentido de:
“O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respetivo custo de impacte ambiental”.
Contudo, como refere a aludida decisão “(...) não foi contemplada, com a referida alteração legislativa, a questão da desvalorização dos veículos usados, oriundos de outro EM, com menos de um ano e mais de cinco, surge então o já citado Acórdão do TJUE n.º C–200/15, de 16 de Junho de 2016 , visando diretamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11.º do Código do ISV (na redação em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que “a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE”.
E assim, o legislador nacional foi forçado a alterar o referido artigo 11.º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização referida no ponto anterior, através da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, mas excluindo de novo da redação do artigo a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental do ISV.
Assim, os atuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11.º, n.º 1 Tabela D, o previsto no artigo 110.º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90 do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios”.
A situação descrita levou a Comissão Europeia a dar início a um procedimento contra Portugal, conforme se extrai da decisão arbitral e que aqui assumimos, “por este EM não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados “importados” de outros EM, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional”.
Assim,
De acordo com o artigo 4.º do TFUE, “(…) as competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados-Membros” (n.º 1), sendo que “os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União” (n.º 4).
Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1 do TFUE, “a Comissão promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito. A Comissão vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas instituições por força destes. Controla a aplicação do direito da União, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia. (…)”.
Por sua vez, de acordo com o artigo 258.º do TFUE, “se a Comissão considerar que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações. Se o Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia”.
Como se extrai da decisão 572/2018, “(...) uma eventual infração à legislação europeia for identificada pela Comissão ou denunciada por queixa, esta última tenta resolver o problema que lhe está subjacente através do diálogo com o EM em causa, com o objetivo de encontrar uma solução rápida que esteja em conformidade com a legislação da UE e evitar assim o recurso a um processo formal por infração.
No caso de o EM não concordar com a Comissão ou não tomar medidas para retificar a eventual violação da legislação da UE, a Comissão pode abrir um processo formal por infração, sendo que este processo compreende várias etapas.
Neste âmbito, a Comissão Europeia convida, através de notificação por carta, as autoridades nacionais do EM a pronunciarem-se sobre o problema de incumprimento identificado, no prazo máximo de dois meses, sendo que, em caso de ausência de resposta ou de resposta não satisfatória, a Comissão indicará as razões por que considera que o EM violou a legislação da EU e as autoridades nacionais dispõem de um prazo máximo de dois meses para dar cumprimento à legislação europeia.
Não obstante, em caso de ausência de resposta ou resposta não satisfatória, a Comissão pode pedir ao TJUE que abra um procedimento contencioso ao EM incumpridor, decidindo o TJUE, em média, no prazo de dois anos, sobre a existência de uma infração à legislação europeia”.
No âmbito dos presentes autos, e de acordo com a factualidade dada como provada, Portugal não tem conta nenhuma redução sobre a componente ambiental do ISV no cálculo do imposto incidente sobre veículos usados “importados” de outros EM.
os atuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11.º, n.º 1 Tabela D, o previsto no artigo 110.º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90 do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios”.
Ainda que se suscite o princípio da proteção do ambiente consagrado no artigo 191.º do TFUE devendo interpretar-se o art. 110.º do TFUE à luz do disposto no artigo 191.º do mesmo tratado, sob pena de conflitualidade entre as duas normas. Para além dos preceitos constitucionais referidos que ficam em crise com uma interpretação discordante com a da Requerida, a verdade é que este artigo 191.º do TFUE teve origem no artigo 174.º daquele Tratado e também a jurisprudência do TJUE se referiu em diversos momentos às questões ambientais na interpretação do referido artigo 90.º, nomeadamente, no processo C-290/05.
Por seu turno o Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, como se extrai da decisão arbitral “refere que “este artigo (110.º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)”.
A posição da Requerida, no entender do Tribunal, importa uma violação ao aludido art. 110.º e, ao contrário do que defende, não é compatível com um modelo de tributação que se impõe que seja expurgado de qualquer efeito discriminatório.
Sendo, por isso, que o atual artigo 110.º do TFUE se opõe a que um Estado Membro aplique aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.
Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que, o que deverá aqui relevar é que o artigo 11.º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE não havendo, de acordo com os fundamentos da Requerida, qualquer interpretação desconforme à Constituição, porquanto os fins que visa não se podem assegurar com base num sistema tributário discriminatório.
Em consequência, entende-se que o artigo 11.º do Código do ISV não estão em conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de anular parcialmente o ato tributário de ISV objeto do pedido porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE.
Do pagamento dos juros indemnizatórios
A par do pedido de declaração da ilegalidade parcial das liquidações de ISV identificadas no processo, a Requerente peticiona ainda juros indemnizatórios.
No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do ato tributário.
De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Na sequência da declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação de ISV identificado na medida do peticionado pelo Requerente, e nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso parcial do montante pago pelo Requerente, relativos ao ISV na parte em que a liquidação se deve considerar anulada, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade já assinalada.
Assim, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia de ISV paga indevidamente, os quais serão contados de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 61.º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser repartida entre a Requerente e a Requerida, tendo em consideração a proporção do respetivo decaimento. Considerando a procedência da matéria de exceção, que se calcula no valor total de € 2.659,12, a proporção do decaimento da Requerente corresponde a 8,99% e, em relação à Requerida, 91,01%, considerando-se esta percentagem para efeitos de repartição das respetivas custas do processo.
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DECISÃO
Nestes termos, este Tribunal Arbitral Singular decide
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Absolver a Requerida da instância em relação às liquidações resultantes das DAVs n.os 2019/..., 2019/..., 2019/... e 2019/... exclusivamente na parte em que foram calculadas/consideradas em duplicado e que perfaz o valor total de € 2.019,36.
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Absolver a Requerida da instância em relação à liquidação correspondente à DAV n.º 2019/..., no valor de € 639,76, por falta de legitimidade ativa da Requerente.
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Com exceção das alíneas anteriores, julgar procedente o pedido de anulação parcial das liquidações de ISV identificadas no pedido arbitral (com exceção da liquidação referida na al. b)), com as devidas consequências, nomeadamente o reembolso à Requerente da quantia paga em excesso (com exceção do valor referido na al. a) por ter sido considerado em duplicado) em conformidade com o peticionado;
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Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, em relação ao valor calculado nos termos da al. c), calculados desde a data de pagamento até à data da emissão da respetiva nota de crédito;
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Condenar a Requerente e Requerida no pagamento das custas do presente processo, na proporção correspondente a 8,99% para a Requerente e 91,01% em relação à Requerida.
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Notificação ao Ministério Público
Notifique-se o Ministério Público, representado pela Senhora Procuradora-Geral da República, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e 185.º-A, n.º 2, do CPTA, subsidiariamente aplicável.
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Valor do processo:
Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 29.605,16.
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Custas:
Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 1.530,00, sendo € 137,55 a cargo da Requerente e € 1.392,45 a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 17 de dezembro de 2021
A Árbitra,
(Marisa Almeida Araújo)