SUMÁRIO
Consideram-se reunidos todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento
tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efectuado a revisão e anulado parcialmente a liquidação relativa ao ano de 2016, mas apenas em relação a esta, pois quanto à respeitante ao ano de 2015 não foi apresentado tempestivamente pedido de revisão.
Justificando-se, por isso, a anulação do indeferimento tácito, na parte respeitante à liquidação relativa ao exercício de 2016, bem como a anulação desta liquidação, nos termos
do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Decisão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs, Professor Doutor Vasco António Branco Guimarães e licenciado Arlindo José Francisco, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I - RELATÓRIO
1. A..., com NIPC[1] ... e com sede no ..., ..., n.º..., ...-... ..., área fiscal do ... Serviço de Finanças de Oeiras, veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nºs. 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT[2] do Dec-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com vista a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa l apresentado contra as liquidações de IMI[3] nºs 2015..., 2015..., 2015..., 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018... e 2018..., referentes aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, e a AT[4] condenada a reembolsar a Requerente do valor do imposto pago em excesso, no montante global de € 161.939,72, respeitante às aludidas liquidações e ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do aludido montante.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à AT em 28/04/2021.
Nos termos e para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico foram designados, em 16/06/2021, os árbitros, sendo a Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, árbitro Presidente, e o Professor Doutor Vasco António Branco Guimarães e o licenciado Arlindo José Francisco, árbitros auxiliares, que comunicaram no prazo legalmente estipulado a aceitação dos respetivos encargos.
As partes foram notificadas das referidas designações, não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de as recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 06/07/2021, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro.
2.O pedido dirige-se à anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de IMI já identificadas, por, no entender da Requerente, tais atos tributários serem contrários à Lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e direito.
A Requerente suporta o seu ponto de vista, a título principal, em síntese, no facto dos valores patrimoniais dos terrenos para construção que serviram de base às aludidas liquidações, terem sido apurados com a aplicação dos coeficientes, previstos nos artigos 41º,42º, 43º e 44º do CIMI[6], que não faziam parte da fórmula de cálculo do valor patrimonial dos terrenos para construção, prevista no artigo 45.º do mesmo Código à data do facto tributário relevante para efeitos de liquidação do IMI.A fundamentar a sua orientação a Requerente enumera ampla jurisprudência do STA e, também, no mesmo sentido a Decisão arbitral proferida no processo n.º 554/2019-T.
A título subsidiário a Requerente pede que “Seja desaplicado, no caso concreto, a norma pretensamente se extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.”
Por sua vez, a Requerida, em defesa por exceção, defende que os atos de fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa estavam consolidados à data das liquidações, não podendo estas serem anuladas com fundamento em alegados erros ocorridos nas avaliações dos referido terrenos para construção. Por outro lado, e mesmo que se admitisse a revisão oficiosa dos atos de avaliação através dos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT[7], o prazo de 3 anos previsto no nº 4 já se encontrava ultrapassado relativamente às liquidações respeitantes a 2015.
A Requerida termina, quanto ao fundo, pedindo a improcedência dos pedidos principal e subsidiário.
3.Em 09/10/2021, foi proferido seguinte Despacho a dispensar a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. Mais foram as partes notificadas para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho, sendo que se concede à Requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo. Foi designado o dia 6 de janeiro de 2022 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
Não foram produzidas alegações.
II - SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2º nº1 e artigo 5º nº 1 e 2 do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4º e 10º nº 2, ambos do RJAT.
Foi suscitada matéria de exceção que será analisada mais adiante.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar e decidir.
III – FUNDAMENTAÇÃO
-
– Questões a dirimir
Da alegada impugnabilidade dos atos de liquidação com base em vícios da fixação do valor patrimonial tributário.
A título principal a questão central prende-se com a analise e decisão sobre o ato tributário de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de IMI nºs 2015..., 2015..., 2015..., 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018... e 2018..., referentes aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, deverá ser anulado por ser contra a lei, por padecer de erro nos pressupostos de facto e direito, como pretende a Requerente ou se pelo contrário o mesmo é legal e deverá permanecer na ordem jurídica como pretende e Requerida.
Em caso de a decisão vir a ser favorável à Requerente, esta também solicita o reembolso do valor de € 161.939,72, que deverá ou não ser acompanhado de Juros indemnizatórios nos termos legais.
2 – Matéria de facto provada e não provada e fundamentação
A matéria de facto que considerámos relevante para a decisão é a seguinte:
- A Requerente nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 era proprietária de diversos terrenos para construção situados nas freguesias de ... (artigos urbanos ..., ... e ...) e ... (artigos urbanos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...), área do ... serviço de finanças de Oeiras.
- A Requerente foi notificada oportunamente das respetivas liquidações de IMI, respeitantes aos aludidos anos que continham o imposto apurado referente aos indicados terrenos para construção.
- Os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção em causa eram os constantes a 31 de dezembro de cada um dos referidos anos, calculados tendo em conta os coeficientes de localização, afetação e de qualidade e conforto usados nas respetivas avaliações.
- A Requerente não solicitou segundas avaliações, nem impugnou os atos de avaliação oportunamente levados a efeito.
- A AT veio a corrigir o procedimento usado nas avaliações dos terrenos para construção, deixando de aplicar os referidos coeficientes, notificando os proprietários em 2020 das reavaliações de correção dos referidos valores patrimoniais, mas que apenas têm sido usados nas liquidações posteriores às reavaliações.
- As diferenças entre os valores patrimoniais usados nas liquidações de 2015, 2016, 2017 e 2018 e os que deveriam ter sido usadas, face à correção feita pela AT, traduz-se no pagamento de IMI em excesso de € 41 368,91 em 2015, € 40857,63 em 2016, € 39 619,52 em 2017 e € 40 093,66 em 2018, o que perfaz um valor global de € 161.939,72.
- A Requerente fez o pagamento atempado da totalidade das liquidações, embora não se conformando com o valor pago, apresentou em 25 de novembro de 2020, ao abrigo do artigo 78º da LGT, um pedido de revisão oficiosa destes atos tributários, que veio a presumir-se tacitamente indeferido, nos termos do nº 5 do artigo 57º da LGT.
Estes são os factos que o Tribunal considerou provados com base nos documentos juntos aos autos pelas partes, cuja realidade não foi por elas posta em causa e, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre tudo o que por elas foi alegado, selecionou os factos que entendeu relevantes para a decisão e discrimina a matéria provada da não provada, conforme artigo 123º nº 2 do CPPT[8] e artigo 607º, nº3 do CPC[9], aplicável ex. vi artigo 29º nº 1 alíneas a) e e) do RJAT.
O Tribunal não considerou a existência de factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.
3- Matéria de Direito
Estamos perante uma impugnação de atos tributários de liquidação de IMI que, no entender da Requerente, estão suportados em erros ocorridos na avaliação que fixou os valores patrimoniais tributários sobre os quais recaiu a liquidação, uma vez que, na referida avaliação, a AT aplicou indevidamente uma fórmula de cálculo inaplicável aos terrenos para construção, ao usar coeficientes multiplicadores de VPT[10] que o artigo 45º do CIMI não contempla.
3.1 – Da possibilidade ou não de usar o procedimento impugnatório contra liquidações de IMI, com base em erros de atos de fixação de valores patrimoniais
Na perspetiva da AT a Requerente não aponta qualquer erro específico aos atos tributários de liquidação do IMI em causa, questionando tão só o valor patrimonial tributário que suportou as mesmas, enquanto ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa do procedimento de liquidação.
Considera que sendo a avaliação direta dos prédios urbanos uma regra conforme estabelece no nº2 do artigo 15º do CIMI e que, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 86º da LGT, a mesma é suscetível de impugnação contenciosa direta, tal como também prevê o artigo 134º do CPPT, concedendo, para o efeito, um prazo de 90 dias após a sua notificação, com fundamento em qualquer ilegalidade. Deste modo, entende que os atos de fixação dos valores patrimoniais são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, quando inseridos num procedimento de liquidação de tributos, o que afasta a possibilidade de apreciação do valor patrimonial fixado, na impugnação do ato de liquidação.
Na perspetiva da Requerente, estribando-se nas disposições contidas no artigo 99º do CPPT, em doutrina e jurisprudência, que sustentam o seu ponto de vista, considera que a impugnação dos atos tributários de liquidação de IMI aqui em apreciação não pode ser posta em causa pela suscetibilidade de os atos destacáveis de fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção em causa poderem ter sido objeto de uma impugnação autónoma pela Requerente, relativamente à aplicação ilegal dos coeficientes de localização, afetação e conforto, impugnação que nunca ocorreu. Entende que a exceção ao princípio da impugnação autónoma prevista para os atos destacáveis em procedimento tributário, não poderá ser invocada, no caso em apreço, para justificar o impedimento de impugnação dos atos tributários de liquidação do IMI pela Requerente, sob pena de violação grave do princípio da tutela jurisdicional efetiva bem como a falta de base legal que o justifique.
Na solução da questão iremos acompanhar, com as necessárias adaptações, o Acórdão do Tribunal Coletivo, presidido pelo Exm. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, proferido no processo do CAAD nº 487/2020, que transcrevemos na parte aplicável: “… Afigura-se correcto este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Na verdade, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que – «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (nº1); e
– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (nº.7)
Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir
o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previsto no procedimento de avaliação.
No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo76.º, n.º 1,do CIMI).Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do
CPPT(artigo77.º,n.º1doCIMI). Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos. Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes factos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT. Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).
A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT,
previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributáriode1991, querem sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se
pelos seguintes acórdãos:
– de 30-06-1999, processo n.º023160;
– de 02-04-2003, processo n.º02007/02;
– de 06-02-2011, processo n.º037/11;
– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12
– de 5-2-2015, processo n.º08/13;
– de 13-7-2016, processo n.º0173/16;
– de 10-05-2017, processo n.º0885/16.
Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de
anulação das liquidações de IMI. Os princípios constitucionais invocados pela Requerente, designadamente os princípios da legalidade tributária, da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da igualdade, não contendem com tal regime de impugnação autónoma dos actos de avaliação de valores patrimoniais. Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação o poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS , IRC e Imposto do Selo o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.
Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária. O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto na lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo102.º do CPPT…)”.
Deste modo, improcede o ponto de vista da Requerente no que respeita à impugnação de atos tributários de avaliação consolidados na ordem jurídica a 31 de Dezembro de cada ano de tributação de IMI (2015, 2016, 2017 e 2018), uma vez que há muito se encontra ultrapassado o prazo de 3 meses concedidos para o efeito.
Estando os Tribunais arbitrais obrigados a decidir em consonância com o direito constituído, entende-se que as liquidações de IMI em causa não poderão ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações que fixaram os valores patrimoniais dos terrenos para construção, perfeitamente consolidados à data das liquidações.
Porém, o artigo 78º da LGT, nos seus nºs 4 e 5, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
Veremos de seguida se os condicionalismos previstos nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT estão verificados por forma a admitir a revisão oficiosa, seguindo também aqui a jurisprudência vertida na Decisão arbitral proferida no processo n.º 487/2020-T.
Relativamente ao prazo de 3 anos, posteriores ao do ato tributário que terminam no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário, verifica-se, desde já, que relativamente ao ano de 2015 o pedido de revisão da matéria tributável já não poderia ser autorizado, uma vez que a liquidação foi emitida em 26/02/2016 e o pedido de revisão só foi apresentado em 25/11/2020, portanto extemporaneamente uma vez que o prazo para a sua apresentação terminou em 31 de dezembro de 2019.
No que concerne às liquidações respeitantes aos anos de 2016, 2017 e 2018, o prazo de 3 anos ainda não estava esgotado e o dirigente máximo do serviço ainda poderia autorizar o pedido de revisão da matéria tributável e consequentemente corrigir as respetivas liquidações em conformidade com a revisão autorizada.
Assim sendo, verificada a tempestividade do pedido teremos que apreciar se a fixação dos valores patrimoniais resultam de qualquer informação incorretamente prestada pela Requerente, relativamente à natureza dos prédios, o que não se verifica, uma vez que a avaliação foi realizada pela AT, com base numa fórmula prevista na Lei, sem qualquer intervenção da Requerente. Esta circunstância afasta qualquer comportamento negligente da sua parte. Antes pelo contrário, o erro tem que ser completamente imputável à AT, na medida em que utilizou na avaliação e fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção, as normas legais aplicáveis aos prédios edificados, o que nos permite concluir que os erros apontados pela Requerente na fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa, só poderão ser exclusivamente imputáveis à AT.
Tais erros conduziram ao apuramento de valores patrimoniais dos terrenos para construção não correspondentes ao legalmente previsto no artigo 45º do CIMI e consequentemente aos atos de liquidação de IMI desproporcionalmente superiores aos legalmente exigíveis o que se traduz em «injustiça grave ou notória», ficando, deste modo, preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 4 do artigo 78º da LGT.
Aqui chegados constamos a verificação de todos os requisitos exigíveis para a revisão da matéria tributável prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, pelo que, a Requerida, ao invés de deixar operar o indeferimento tácito, deveria ter proferido despacho de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa, com a consequente anulação parcial das liquidações respeitantes aos anos 2016, 2017 e 2018, e indeferimento do pedido, por intempestivo, relativamente às liquidações respeitantes a 2015.
Nesta perspetiva justifica-se a anulação do indeferimento tácito relativamente às liquidações respeitantes aos anos 2016, 2017 e 2018 e a sua consequente anulação parcial, ao abrigo do artigo 163º, nº 1 do CPA[11], subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c) da LGT e ainda a impossibilidade de anulação da liquidação respeitante a 2015.
Esta conclusão leva, por isso, à manutenção na ordem jurídica da liquidação respeitante ao ano de 2015 e à anulação do IMI respeitante aos anos de 2016,2017 e 2018, quantificado pela Requerente no valor global de € 120 571,81, valor não contestado pela AT.
3-2 – Questões de conhecimento prejudicado
Procedendo, ainda que parcialmente, o pedido de pronúncia arbitral, nos termos mencionados, que se reflete na ilegalidade da liquidação impugnada, que assegura eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas, em especial as de inconstitucionalidade, de harmonia com os artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
4. Juros Indemnizatórios
A Requerente pede ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto indevidamente pago, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT artigo 43.º, n.º 1 e no CPPT artigo 61.º, n.º 5.
Porém, resulta da matéria de facto que a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 25/11/2020, situação que conduz a que os juros indemnizatórios sejam devidos nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT, isto é, quando a revisão do ato tributário ocorra para além de um ano sobre o pedido, sendo, por isso, devidos juros indemnizatórios, apenas a partir de 26/11/2021 até ao reembolso do IMI indevidamente pago no montante de € 120 571,81, calculados à taxa legal supletiva nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
IV - DECISÃO
Face ao exposto, o Tribunal Coletivo acorda o seguinte:
-
Declarar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, no sentido da anulação do indeferimento tácito relativamente às liquidações respeitantes aos anos 2016, 2017 e 2018 e a sua consequente anulação parcial, ao abrigo do artigo 163º, nº 1 do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c) da LGT;
-
Consequentemente anular parcialmente as liquidações de IMI em questão, respeitantes a 2016 no valor de € 40 857,63; a 2017 no valor de € 39 619,52 e a 2018 no valor de € 40 093,66, o que perfaz o valor global a anular de € 120 571,81, a ser reembolsado à Requerente acompanhado de juros indemnizatórios calculados a partir de 26/11/2021 até à data do seu integral pagamento, à taxa legal supletiva;
-
Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte referente às liquidações de 2015 e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos respetivos pedidos.
V-VALOR DO PROCESSO
Fixar o Valor do Processo em € 161.939,72, de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC, artigo 97º-A do CPPT, e artigo 3º, nº2, do RCPAT[12].
VI- CUSTAS
Fixar em custas do Processo, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT no montante de € 3 672,00, ficando a cargo da Requerente o montante de € 2 733,96 e cargo da Requerida o montante de € 938,04, valores correspondentes aos respetivos decaimentos.
Notifique.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2021.
O Tribunal Coletivo
Fernanda Maçãs
(Presidente)
Professor Doutor Vasco António Branco Guimarães
(Árbitro Auxiliar)
Lic. Arlindo José Francisco
(Árbitro Auxiliar-relator)
[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa Coletiva
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária
[3] Acrónimo de Imposto Municipal sobre Imóveis
[4] Acrónimo de Autoridade Tributária
[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[6] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis
[7] Acrónimo de Lei Geral Tributária
[8] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[9] Acrónimo de Código de Processo Civil
[10] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário
[11] Acrónimo de Código do Procedimento Administrativo
[12] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária