DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 21-04-2021, a A..., LDA, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o n.º ..., (doravante, abreviadamente designada Requerente), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação atual (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a anulação da demonstração de liquidação de IRC n.º 2020..., e da demonstração de liquidação de juros n.º 2020... e da demonstração de acerto de contas n.º 2020 ... do ano de 2018, com valor a pagar de 13.945,42 €.
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Em 21-04-2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6 e da alínea a) do n.º 1 do art.º 11 do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 06-09-2021, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11 do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 29-06-2021.
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No dia 16-09-2021, a AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
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Em 17-09-2021, a AT juntou o Processo Administrativo.
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Por despacho de 2021-09-24 foram as partes notificadas da designação da data para a realização da reunião a que alude o art.º 18 do RJAT. Reunião que foi remarcada, (por indisponibilidade das instalações) pelo despacho de 15-10-2021 para o dia 16-11-2021.
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No dia 16-11-2021, teve lugar a realização da reunião prevista no art.º 18 do RJAT, na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido ouvido em declarações da parte, nos termos do art.º 466 do CPC o sócio/gerente Senhor B... e ouvida a testemunha indicada pela Requerente. Foi concedido a ambas as partes o prazo simultâneo de 20 (vinte) dias para apresentação de alegações finais escritas.
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Foi igualmente fixado o dia 16-12-2021 como data-limite previsível para a prolação e notificação da decisão final.
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Em 06-12-2021 a Requerente e a AT apresentaram alegações finais escritas nas quais reiteram a posição adotada na PPA e na resposta, respetivamente.
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O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído e é competente.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos arts. 4 e 10 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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O processo não enferma de nulidades e assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, com sede com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o n.º..., e exerce a sua a atividade desde 2007.
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As CAE que estão no cadastro da Requerente são a CAE 46771 (comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos), como atividade principal, e a CAE 38321 (valorização de resíduos metálicos), como atividade secundária.
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Estas duas CAE são as que foram atribuídas na constituição da sociedade em 2007 e nunca mais foram atualizados.
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A Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva ao abrigo da ordem de serviço n.º 012020..., referente ao período de tributação de 2018 (IRC e IVA), que teve como objetivo o controlo e verificação dos pressupostos de aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) nomeadamente quanto à Classificação de Atividade Económica (CAE) da requerente.
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Desta ação inspetiva resultou a desqualificação da dedução à coleta inscrita pela A... no Campo 355 do Quadro 10 da Mod. 22 do ano de 2018, no valor de 13.375,25 €.
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Em causa está a legitimidade do benefício fiscal por investimentos realizados no ano, ao abrigo do RFAI previsto no Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31/10. Os investimentos ascenderam a 53.501,00 €, dos quais 20.581,00 € em instalações da empresa e 32.920,00€ em equipamento.
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Essa desqualificação da dedução à coleta que foi realizada pela AT, e como é mencionado no RTI, corresponde a 25% daqueles valores e ficou a dever-se ao facto de não se verificar o requisito previsto no n.º 1 do art.º 22 do Código Fiscal ao Investimento (CFI), em virtude de nenhum dos códigos de atividade associados à A... se enquadrar nos que foram definidos pela Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, a que se refere o n.º 3 do artigo 2.º do CFI:
h) “Na sequência de dita inspeção, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) procedeu à emissão da da demonstração de liquidação de IRC n.º 2020..., da demonstração de liquidação de juros n.º 2020... e da demonstração de acerto de contas n.º 2020... do ano de 2018, com valor a pagar de 13.945,42€.
i) Sobre as correções em sede de IRC do ano de 2018, consta do relatório de inspeção o seguinte:
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“Na declaração Mod.22 do ano de 2018, a A... deduziu à coleta (campo 355 do Q10) o montante de €13.375,25 ao abrigo do Decreto Lei 162/2014, de 31/10. Cfr. informação prestada, aquele valor reporta-se a investimentos realizados no ano de 2018 nas instalações da empresa (€20.581,00) e na compra de equipamentos (€32.920,00.
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Efetivamente, o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31/10 (entretanto objeto de retificação pela Declaração de Retificação n.º 49/2014, de 1 de dezembro) aprovou o Código Fiscal do Investimento (CFI) que contempla um conjunto de incentivos para a promoção da competitividade da economia nacional e manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, à criação de emprego e ao reforço dos capitais próprios das empresas.
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De entre estes, prevê o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) que instituir um benefício fiscal ao investimento em ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis, consubstanciado em deduções à coleta de IRC de 25% do valor investido.
De acordo com o n.º 1 do artigo 22.º do Decreto-lei n.o 162/2014, de 31/10, o RFAI aplica-se aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria. Nos termos do n.º 3 da mesma norma, essas atividades vieram a ser concretizadas pela Portaria 282/2014, de 30/12, abrangendo exclusivamente os seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Ver.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.o 381/2007, de 14 de novembro:
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“a) Indústrias extrativas – divisões 05 a 09) Indústrias transformadoras – divisões 10 a 33; c) Alojamento – divisão 56;
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d) Restauração e similares – divisão 56;
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e) Atividades de edição – divisão 58;
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f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão – grupo 591;
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g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas – divisão 62;
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h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web – grupo 631;
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i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento – divisão 72;
j) Atividades com interesse para o turismo – subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;
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k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas – classes 82110 e 829”
Nestes termos, é desde logo condição essencial à elegibilidade no âmbito do RFAI, que a(s) CAE(s) da entidade que fez o investimento se enquadre(m) nas atividades definidas na Portaria, Ora, nem a atividade principal (CAE 46771) nem a secundária (CAE 38321) da A... têm cabimento nas divisões e classes antes especificadas como delimitadoras do âmbito de aplicação setorial do RFAI pelo que é inválido o benefício fiscal considerado pelo SP na autoliquidação de IRC do exercício de 2018.
NOTA: As CAE 46771 e 38321 enquadram-se, respetivamente nas divisão 46 e 38, sendo que nenhuma delas foi abrangida pela delimitação prevista na Portaria que regulamenta o CFI.
Face ao exposto, desconsidera-se a dedução à coleta de € 13.375,25 indicada no campo 355 do Q10 da declaração Mod. 22 de 2018, por incumprimento do requisito do Art.º 22.º Decreto Lei 162/2014, de 31/10 em conjugação com os n.os 2 e 3 do Art.º 2.º do referido Decreto Lei e também do Art.º 2.º da Portaria 282/20014, de 30/12”.
j) As aplicações relevantes de suporte ao RFAI 2018, correspondem essencialmente aos investimentos realizados no ano de 2018 nas instalações da empresa (€20.581,00) e na compra de equipamentos (€32.920,00), sem que seja especificado se estes investimentos foram afetos à atividade principal ou à atividade secundária da Requerente.
l) As correções promovidas pela AT resultaram da desconsideração dos investimentos para efeitos de RFAI por entenderem que a Requerente não exerce uma atividade que se possa considerar como indústria transformadora.
A matéria de facto fixada por este tribunal e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
A.2. Factos não provados
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
De mencionar que as declarações de parte e da testemunha não contribuíram para a formação da convicção deste tribunal pois não lograram explicar cabalmente os factos relativos ao processo de transformação que a Requerente realiza, ficando-se ambos por afirmações genéricas que em nada contribuíram para a determinação da atividade concreta de transformação que a Requerente alega realizar.
Assim, quanto ao depoimento prestado pelo Sr. B..., sócio-gerente da Requerente, desde a sua constituição, apenas afirmou que esta pratica e sempre praticou atividades de transformação. Afirmou que “a A... foi criada com o objetivo de reciclagem de metais principalmente não ferrosos, mas trabalha com tudo, ferrosos, ferro, cartão, plástico mas o principal é a cablagem automóvel, cabelagem elétrica, cobre ... reciclagem tem a ver com transformação” (...). Referiu ainda que a A... recebe os materiais, transforma, tem unidades de trituração, de enfardamento, para depois vender. Consideramos que estas afirmações nada referem em concreto sobre o circuito de produção da Requerente. Ficou-se assim por afirmações genéricas sobre a dita atividade de transformação levada a cabo pela Requerente, sem concretizar com factos que tenha presenciado e conhecimento.
Relativamente ao depoimento prestado pela testemunha Senhor C..., na nossa convicção demonstrou um total desconhecimento dos factos em causa. Assim, quando foi questionado sobre a relação que mantém com a Requerente afirmou tratar-se de uma relação de amizade, uma vez que “conhece as pessoas há muitos anos”. Referiu ainda que foi cliente da Requerente no início da atividade desta.
Afirmou que foi arrolado como testemunha por lhe ter sido pedido pela Requerente para testemunhar em tribunal, ao que a testemunha acedeu, afirmando que tendo para o efeito passado pelas instalações da Requerente, “apanhei meia dúzia de amostras, meti num saco e vim para aqui”. E, foram esses pequenos sacos de plástico que exibiu perante o tribunal, sem explicar como os conteúdos desses pequenos sacos de plástico foram obtidos. E, sobre a atividade da A..., referiu-se-lhe de um modo genérico sem nunca mencionar que presenciou quaisquer factos concretos dessa atividade.
Pelo exposto concluímos que o sócio gerente e a testemunha não transmitiram um conhecimento concreto e direto dos factos que relataram relativos à alegada atividade de indústria transformadora da Requerente, pelo que não contribuíram para a formação da convicção deste tribunal.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
No que concerne à matéria de facto, o tribunal arbitral não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123, n.º 2, do CPPT e art.º 607, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi art.º 29 n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior art.º 511, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual art.º 596, aplicável ex vi art.º 29, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art.º 110, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
B. DO DIREITO
1. Questão decidenda
A questão material controvertida nos autos prende-se com o saber se, em conformidade com o disposto nos n.º 2 e 3 do art.º 2, n.º1 do art.º 22 do Código Fiscal do Investimento (CFI) e o art.º 2 da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, os investimentos realizados pela Requerente, em 2018, têm o seu objecto compreendido numa das atividades económicas consideradas elegíveis, nos termos dos citados normativos, com respeito pelas limitações de natureza sectorial das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no J.O. da U.E. n.º C 209, de 23/07/2013 (OAR) e do Regulamento (EU) N.º 651/2014 da Comissão de 16/06/2014 que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107 e 108 do Tratado (RGIC).
Trata-se de averiguar se o projeto de investimento traduzido na realização de despesas com melhoria das instalações no valor de 20.581,00 € e com aquisição de equipamento no valor de 32.920,00 €, tem o seu objeto compreendido em atividades do sector das “indústrias transformadoras” previsto na alínea a) do n.º 2 do art.º 2 do CFI e na alínea b) do art.º 2 da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, diploma que, nos termos do n.º 3 do art.º do CFI, define os códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro, correspondentes às atividades elegíveis para o acesso ao Regime de Benefícios Contratuais ao Investimento Produtivo e ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI).
Vejamos.
1. Aplicação ao caso das normas legais e da interpretação jurisprudencial, em face da factualidade provada
O RFAI encontra-se previsto nos artigos 22 a 26 do Código Fiscal do Investimento (CFI), que é aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014 sendo regulado pela Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro e pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014 (RGIC).
Este é aplicado pelos sujeitos passivos consoante o cumprimento das regras e condições estabelecidas na lei, não estando dependente de decisão de concessão pela administração fiscal.
O art.º 1º, n.º 2 do CFI menciona que: “O regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e o RFAI constituem regimes de auxílios com finalidade regional aprovados nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC)”.
Assim, o âmbito de aplicação do RFAI tem de ser analisado não só à luz do CFI (e da regulamentação constante das portarias referentes ao RFAI), como também do Regulamento ao abrigo do qual o regime foi criado.
De acordo com o número 1 do art.º 22 do CFI, "O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no número 2 do artigo 2, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's e do RGIC."
A portaria para a qual remete o art.º 22, n.º 1 do CFI é a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que definiu os códigos da Classificação Portuguesa das Atividades Económicas (CAE-Rev.3) relativos aos setores de atividade elegíveis para a concessão de benefícios fiscais e, por força desta remissão é, também, aplicável ao RFAI.
O art.º 22 do CFI estabelece o seguinte:
“Âmbito de aplicação e definições
1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
2 - Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:
a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:
v) Equipamentos sociais;
vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa;
(...)
(...)”
Por outro lado, o número 1 do artigo 2º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que regulamenta o RFAI, refere que “Para efeitos da determinação do âmbito setorial estabelecido na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do Código Fiscal do Investimento, aplicam-se as definições relativas a atividades económicas estabelecidas no artigo 2º do RGIC”.
E, em conformidade com o descrito no RIT, “nem a atividade principal (CAE 46771) nem a secundária (CAE 38321) da A... têm cabimento nas divisões e classes antes especificadas como delimitadoras do âmbito de aplicação setorial do RFAI pelo que é inválido o benefício fiscal considerado pelo SP na autoliquidação de IRC do exercício de 2018”, sendo que as divisões 46 e 38 da CAE-Rev.3 em que se enquadram aquelas atividades não constam da lista do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 e nos presentes autos a Requerente apesar de alegar não logrou fazer prova de que a atividade de facto que desenvolve possa ser considerada como uma indústria transformadora e como tal abrangida pelo RFAI.
Sobre esta matéria destacamos o Acórdão de 11-11-2021, proferido no Proc. n.º 78/19.3BCLSB que menciona:
“3.2.5. Nos termos do art.º 22.º, n.º 1, do CFI: “O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do art.º 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC”.
3.2.6. Por sua vez, o art.º 2.º do CFI dispõe, no seu n.º 2 que «Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:
“a) indústria extrativa e indústria transformadora;
(...)
h) atividades de centros de serviços partilhados”.
Uma das condições para a dedução dos 25% do valor do investimento feito no âmbito de uma indústria transformadora pressupõe desde logo que a empresa desenvolva uma atividade que se possa considerar como de transformação.
Ora, a Requerente não logrou provar, quer com os documentos juntos quer com as declarações de parte do seu sócio gerente Senhor B..., e com o depoimento da testemunha Senhor C..., que exerce uma atividade de indústria de transformação. Não é mencionado em concreto quais os investimentos realizados e se foram realizados na atividade da Requerente alegadamente afeta à transformação de resíduos, dado que a Requerente tem como informa que tem no seu objeto social várias atividades como consta da certidão permanente junta aos autos, doc. n.º 5, com as alterações realizadas nos seu objeto social em 10-02-2021, tendo desde essa data como atividade principal a de “comércio e reciclagem de sucatas metálicas e não metálicas; comércio de todo o tipo de resíduos susceptíveis de serem reciclados; tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos, desmantelamento de REEFS, (resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos) em fim de vida; valorização de resíduo metálicos; valorização de resíduos não metálicos”.
2. Da constitucionalidade da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro
Pode questionar-se a constitucionalidade da Portaria n.º 282/2014 de 30 de dezembro, mas pelo exposto supra, entendemos que esta questão não se coloca nos presentes autos uma vez que se concluiu pela exclusão das atividades da Requerente do conceito de indústrias transformadoras previstas no art.º 2, n.º 2 do RFAI, não só por a atividade exercida em 2018, pela Requerente não estar incluída nos CAEs correspondentes a atividades de indústrias transformadoras mas também por a Requerente não ter logrado provar o exercício de atividades secundárias que se enquadrem no âmbito das “Indústrias transformadoras”, pelo que fica assim afastada neste processo a discussão sobre a constitucionalidade das normas constantes da referida Portaria.
Porém, não obstante o anteriormente mencionado, sobre esta matéria consideramos que a definição do âmbito setorial das atividades económicas elegíveis para o acesso aos benefícios fiscais contratuais e ao RFAI resulta desde logo da definição constante do art. 2 n.º 2 a) do RFAI.
E concordamos com o afirmado no Proc. n.º 220/2020-T, de 2020-10-12: “(...) atendendo ao teor do art.º 2 n.º 3 do CFI, o legislador remeteu para a portaria foi somente a definição dos “Códigos de Atividade Económica (CAE), “correspondentes às atividades referidas no número anterior” e não a definição dessas actividades, o que se compreende, por nem ser constitucionalmente admissível a definição do âmbito objetivo de benefícios é matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, como decorre do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1 alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b) da CRP”. (...) “a Portaria n.º 282/2014 não faz uma interpretação restritiva mas antes uma interpretação e rigorosa e precisa que alcança o sentido da norma que institui o benefício fiscal conjugando de forma irrepreensível os normativos legais aplicáveis à factualidade apurada;
– resulta do n.º 1 do artigo 22.º do CFI é que o benefício fiscal RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR) e do RGIC;
– sendo as designações das atividades constantes do citado n.º 2 do art.º 2.º do CFI heterogéneas, ou seja, não possuindo um grau suficientemente preciso para que se possam considerar como bastantes para, per se, fundamentar a aplicação do benefício em casos concretos, o legislador optou por remeter, através do n.º 3 do mesmo artigo, para portaria específica a concretização dos códigos de atividade económica (CAE) aos quais o benefício será aplicável, o que veio a ser concretizado através da Portaria n.º 282/2014, de 30.12;
– salvaguardadas as limitações inscritas no quadro legislativo europeu em matéria de auxílios estatais de finalidade regional, não emanam da Lei n.º 44/2014 quaisquer orientações ou diretivas precisas sobre as concretas atividades económicas que poderiam beneficiar dos incentivos fiscais ao investimento;
– foi remetida para o Governo a tarefa de definição do elenco dos sectores de atividades, cujos investimentos seriam elegíveis para os incentivos fiscais do RFAI, em articulação com as prioridades estabelecidas nas opções estratégicas de política económica, de consolidação da competitividade da economia portuguesa e de política de desenvolvimento regional, tendo o legislador definido o leque dos sectores de atividade - no n.º 2 do artigo 2.º e no n.º 1 do artigo 22.º, do CFI - mas de forma condicionada;
– ficou claro que as atividades económicas para as quais se dirigem os incentivos do RFAI seriam apenas as previstas na Portaria a publicar, à qual incumbiria fixar disposições regulamentares necessárias à boa execução dos incentivos fiscais;
– a Portaria n.º 284/2014 não limita o CFI, mas, isso sim, responde à necessidade de conformar o direito nacional com o direito comunitário, atentas as regras do RGIC e das OAR aplicáveis, como de resto a lei de autorização legislativa determina;
– inexiste uma reserva absoluta de lei formal que exclua o desenvolvimento da disciplina legal por decreto-lei não autorizado ou por regulamento, revestindo os regulamentos emitidos pelo Governo em matéria de impostos (decretos regulamentares, resoluções do Conselho de Ministros, portarias, despachos normativos ou despachos simples com conteúdo regulamentar) de enorme importância na gestão do sistema fiscal;
– os princípios constitucionais da legalidade tributária, da tipicidade e da reserva de lei formal não exigem que tenha de constar da lei fiscal a totalidade do critério de decisão dos elementos relevantes para efeitos da incidência dos impostos, exigindo apenas que seja assegurada aos interessados uma suficiente densificação que sirva de critério orientador à actividade administrativa e à dos próprios tribunais, quando chamados a controlar o uso de tais conceitos pela Administração;
– a Portaria n.º 282/2014 não invade o campo de incidência dos incentivos fiscais do RFAI, porque as normas habilitantes – os n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 22.º do CFI – são normas de aplicação condicionada criadas por decreto-lei que executa uma autorização legislativa que não especifica os sectores de atividade elegíveis, subordinando-os apenas à legislação europeia relevante, em matéria de auxílios de Estado”.
C. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos este Tribunal Arbitral decide julgar integralmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado e, em consequência:
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Absolver a Requerida do pedido; e
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Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 13.375,25 €, nos termos do art.º 97-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 3 do art.º 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918.00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12, n.º 2, e 22, n.º 4, do RJAT, e dos arts 4, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de dezembro de 2021
A Árbitro
(Regina de Almeida Monteiro)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.