Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 197/2021-T
Data da decisão: 2021-12-12  ISV  
Valor do pedido: € 6.668,62
Tema: ISV - Artigo 11.º n.º 1 e n.º 3 do CISV - Incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria.
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DECISÃO ARBITRAL

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

A Signatária, Dra. Elisabete Louro Martins Cardoso, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, o qual foi constituído em 16 de junho de 2021.

 

  1. Relatório

 

1. A..., titular do número de identificação fiscal ..., residente na ..., ..., ..., ...-... Fonte Santa (doravante, Requerente), apresentou no dia 6 de abril de 2021 pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida).

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pede:

(a) a anulação parcial da liquidação do ISV — a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) N.º 2021/..., de 2021-03-12, emitida pela Alfândega do Freixieiro — de forma a aplicar-se a redução da liquidação do ISV para o valor resultante da aplicação do método alternativo através da fórmula em vigor, ou seja, € 3.665,74; (doravante, ato impugnado); e

(b) a condenação da Requerida a restituir à Requerente a quantia de € 6.668,62, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição.

 

2. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 7 de abril de 2021, e foi automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 25 de maio de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 2 alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 25 de maio de 2021, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não  tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 16 de junho de 2021.

 

6. Em 16 de junho de 2021, o Tribunal Arbitral proferiu despacho arbitral ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste despacho foi a Requerida notificada na mesma data.

 

7. A Requerida veio aos autos apresentar Resposta e juntar o processo administrativo em 2 de setembro de 2021.

 

8. Em 9 de setembro de 2021, foi proferido despacho arbitral (notificado às partes na mesma data) com o seguinte teor:

Por aplicação do princípio da celeridade processual, notifica-se a Requerente para:

(1)  Se pronunciar por escrito relativamente à matéria de exceção alegada pela Requerida na sua Resposta; e

(2)  informar os autos se mantém interesse na inquirição das testemunhas arroladas no pedido de pronúncia arbitral e, em caso afirmativo, indicar quais os factos que deverão ser objeto desse meio de prova.

Prazo: 10 dias.”.

 

9. em 21 de setembro de 2021, a Requerente veio (i) responder à exceção alegada pela Requerida, e (ii) informar os autos que prescinde da inquirição das testemunhas indicadas no seu requerimento inicial.

 

10. Em 27 de setembro de 2021, foi proferido (e notificado à Requerente e à Requerida) despacho arbitral com o seguinte teor:

Uma vez que a Requerente (i) já respondeu por escrito à matéria de exceção alegada pela Requerida e (ii) prescindiu da produção de prova testemunhal arrolada na PI, ao abrigo do disposto no art.º 16.º als. c) e e) do RJAT, e do disposto no art.º 29.º n.º 2 do do RJAT:

1) Dispensa-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT;

2) Faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentar alegações escritas sucessivas — prazo de 10 dias.

3) A decisão final será proferida até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT (até 16 de dezembro de 2021 — 5ª feira) devendo a Requerente, até 10 dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente.

4) Notifica-se ainda a Requerente e a Requerida para juntarem aos autos as peças processuais em formato word”.

 

11. Em 29 de setembro de 2021, a Requerente veio aos autos informar que “uma vez que os autos já dispõem de todos os elementos necessários para a decisão e a Requerente já teve a oportunidade de nos seus articulados fundamentar a sua pretensão, não irá apresentar alegações”. E em 1 de outubro de 2021, a Requerente veio aos autos juntar o comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

12. Em 4 de novembro de 2021, a Requerida veio requerer a junção aos autos da decisão arbitral proferida no processo n.º 117/2021-T, por alegadamente a mesma versar sobre matéria idêntica à matéria dos autos.

 

13. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente fundamenta o seu pedido, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

- “a Requerente tendo efetuado as contas ao ISV que iria pagar através da aplicação do método alternativo, calculado pela fórmula aprovada pela Lei 75-B/2020 de 31 de dezembro, optou por adquirir o veículo melhor identificado no art. 1º. Tendo, em 15.02.2021 comprado a referida viatura na Alemanha, conforme fatura que junta acompanhada da respetiva tradução – DOC. 2. Posteriormente à compra, submeteu o pedido de homologação nacional da viatura, pedido esse que lhe foi confirmado em 18.02.2021, conforme documento do IMT que junta – DOC. 3. Acontece porém que, em 24.02.2021, a Requerente tomou conhecimento que tinha sido publicada no Diário da República, I Série, nº 38, de 24.02.2021, a Declaração de Retificação nº 6/2021, que procedeu à alegada retificação da fórmula de cálculo do método alternativo que tinha entrado em vigor com a Lei nº 75-B/2020 de 31 de dezembro. Retificação que produziu efeitos retroativos à data de 1 de janeiro de 2021. A alteração desta fórmula alterou radicalmente o método de cálculo do ISV através da aplicação deste método, tendo a Requerente sido confrontada que da liquidação por este método resultaria o valor de ISV a pagar de € 12.727,47. Enquanto pela fórmula que estava em vigor esse valor era de € 4.000,20. Perante o valor elevado que resultaria da aplicação do método alternativo através da fórmula alegadamente retificada, a Requerente requereu que o ISV referente à sua viatura fosse liquidado pelo método previsto no nº 1 do art. 11º do CISV, ou seja, através da aplicação da tabela de desvalorização pelo número de anos de uso do veículo. Do que resultou um ISV a pagar no valor de € 10.334,36, que a Requerente pagou, conforme a DAV que junta – DOC. 4. Tendo pois pago um ISV por um valor que excedeu em € 6.364,16, o valor que pagaria se o imposto fosse aplicado pela fórmula que, no seu entender, estava em vigor”.

A Requerente entende que:

  1. a Declaração de Retificação nº 6/2021 — publicada no Diário da República, I Série, nº 38, de 24.02.2021 — que procedeu à alegada retificação da fórmula de cálculo do método alternativo previsto no artigo 11.º n.º 3 do CISV, aprovado pela Lei 75-B/2020 de 31 de dezembro, não pode ser enquadrada como tal, pois não preenche os requisitos do art. 5º da Lei nº 74/98 de 11 de novembro, com a redação introduzida pela Lei nº 43/2014 de 11 de julho, na medida em que não se trata de um “lapso gramatical, ortográfico, de cálculo ou de natureza análoga ou para correção de erros materiais provenientes de divergências entre o texto original e o texto do diploma publicado”;
  2. A alteração desta fórmula padece pois de um vício de inconstitucionalidade orgânica, pois promoveu uma alteração legislativa em matéria de competência relativa da Assembleia da República – art. 165º, nº 1, alínea i) da CRP. Padece igualmente de uma inconstitucionalidade material, face aos efeitos retroativos que lhe foram atribuídos – art. 103º nº 3 da CRP. Efeitos retroativos que violaram as legítimas expectativas da Requerente que estiveram na base da decisão de adquirir a viatura automóvel, já que o preço que se dispôs a pagar quando procedeu à sua aquisição, foi calculado com base na fórmula de cálculo do ISV que vigorava à data da compra (ver fatura junta como doc. 2). O princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, expressamente consagrados no art. 2º da CRP, enquanto princípios classificadores do Estado de Direito, foram grosseiramente violados com a atribuição dos efeitos pretendidos a esta alegada retificação;
  1. mesmo que se considerasse que a retificação da fórmula era admissível, o que por cautela de patrocínio se admite, o certo é que a aplicação desta fórmula esvazia por completo a aplicação do método alternativo, pois da mesma resultaria sempre a liquidação de um ISV, sejam quais forem as características dos veículos em questão, muito superior ao que resulta do obtido através da aplicação do método tradicional previsto no nº 1 do art. 11º do CISV. O que traduz mais um incumprimento por parte do Estado Português do citado acórdão Gomes Tadeu e, consequentemente, do art. 110º do TFUE. Todavia, se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110º do TFUE, deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado.

 

14. Na sua Resposta, sumariamente, a Requerida reitera a legalidade do ato impugnado, defendendo:

(i) Exceção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, por considerar que “considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a “atos de liquidação de tributos”, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa”; “Isto é, a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, não é da competência do tribunal arbitral”;

(ii)A Requerente não requereu, como se disse, junto da Alfândega competente, em alternativa à liquidação efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 11.º, que o cálculo do imposto fosse efetuado com recurso à fórmula constante do n.º 3, sendo que, além de os documentos ora apresentados com o PPA, sob os n.ºs 6 e 7, não se referirem à DAV da Requerente, mas a uma DAV identificada com o n.º 2021/..., o documento n.º 8 não tem qualquer relevância porquanto a liquidação não resultou da aplicação da fórmula, conforme se extrai do teor da DAV n.º 2021/...”; “Mas, ainda que a Requerente tivesse requerido, conforme resulta do n.º 3 do artigo 11.º, ao diretor da alfândega que o imposto fosse calculado de acordo com a fórmula nele indicada, sempre seria de aplicar ao caso concreto a fórmula retificada constante da Declaração de Retificação porquanto, conforme se retira do n.º 4 do artigo 5.º da Lei n.º 74/98, os efeitos da retificação reportam à data da data da entrada em vigor do texto retificado”;

(iii) Não haver lugar à condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios; e a inadmissibilidade da prova testemunhal requerida pela Requerente.

    

  1. Saneamento

    

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram‑se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. Matéria de Facto

III.1    Factos Provados

    

  1. A Requerente introduziu em Portugal em 10.03.2021 o veículo automóvel, usado, marca ..., modelo ..., movido a gasóleo, a que foi atribuída a matrícula ..., proveniente da Alemanha e com a primeira matrícula registada nesse país;

 

  1. O ISV foi liquidado, nos termos do artigo 11.º n.º 1 do CISV, através da DAV N.º 2021/... de 2021-03-12 emitida pela Alfândega do Freixieiro;

 

  1. A Requerente, sabendo que a liquidação a efetuar ao abrigo do n.º 3 do artigo 11.º do CISV iria aplicar a fórmula de cálculo do imposto retificada e que dessa aplicação da fórmula resultaria uma liquidação de um imposto de valor muito superior ao que resultaria da aplicação do método normal, optou por requerer a liquidação através deste último método (o método normal);

 

  1. Antes de requerer a liquidação do ISV, a Requerente comunicou à Requerida (através de requerimento remetido em 04.03.2021 ao Sr. Diretor da Alfandega do Freixieiro) que “não requer a liquidação do ISV pelo método alternativo como prevê o artº 11, nº 3 do CISV, pelo facto de a AT não aplicar a fórmula aprovada na Lei 75-B/2020 de 31 de Dezembro, Artº 391, (orçamento estado para 2021), mas, aplicando sim a fórmula corrigida por declaração de retificação da Assembleia da Republica 6/2021 de 24/ de Fevereiro”;

 

III.2    Factos não Provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.

 

III.3    Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, e no processo administrativo.

 

  1. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

 

Em primeiro lugar, importa conhecer da exceção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria suscitada pela Requerida na sua Resposta.

 

Ora, o artigo 11.º n.º 1 do CISV prevê que: “1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente: TABELA D  Componente cilindrada  Componente ambiental”.

 

Efetivamente, conforme a Requerida refere na sua Resposta, a Requerente impugna no  presente PPA a liquidação formalizada através da DAV N.º: 2021/... de 2021-03-12 (emitida nos termos do disposto no artigo 11.º n.º 1 do CISV, que é a designada liquidação provisória de ISV), a qual pede que seja anulada parcialmente.

 

Contudo, na causa de pedir, a Requerente não imputa à liquidação impugnada qualquer vício, uma vez que os vícios que constituem a causa de pedir do PPA são, na sua totalidade, imputados à Declaração de Retificação nº 6/2021 — que procedeu à retificação da fórmula de cálculo do método alternativo que tinha entrado em vigor com a Lei nº 75-B/2020 de 31 de dezembro, previsto no n.º 3 do artigo 11.º do CISV — a qual, na verdade, não foi aplicada pela Requerida aquando da emissão do ato impugnado, por opção da Requerente, que informou a própria Requerida que “não requer a liquidação do ISV pelo método alternativo como prevê o artº 11, nº3 do CISV, pelo facto de AT não aplicar a fórmula aprovada na Lei 75-B/2020 de 31 de Dezembro”.

 

Efetivamente, o artigo 11.º n.º 3 do CISV prevê:

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

ISV = (V/VR) x Y + (U/UR) x C

em que:

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o 'custo de impacte ambiental', aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela, bem como ao agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º;

U é o número de dias de tempo de uso da viatura;

UR é a média do número de dias de tempo de uso dos veículos contados desde a data da primeira matrícula até à data do cancelamento da matrícula dos veículos em fim de vida abatidos nos três anos civis anteriores à data de apresentação da DAV.

 

A este respeito, convém ainda referir o número 4 do artigo 11.º do CISV que prevê que: “Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume--se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1”.

 

O que significa que, tendo em conta o quadro legal exposto, resulta dos autos que se a Requerente considera que o ISV apurado dos termos do n.º 1 do artigo 11.º do CISV excede a aplicação da fórmula do número 3 do artigo 11.º do CISV (ainda que na versão anterior à Declaração de Retificação nº 6/2021), então a Requerente poderia ter acionado o procedimento previsto no artigo 11.º n.º 3 (“requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto”) — e, por não concordar com a liquidação resultante do procedimento do artigo 11.º n.º 3 do CISV, a Requerente poderia ter impugnado a referida liquidação com base nos argumentos alegados no PPA.

 

Nesse sentido, existem meios legais ao dispor da Requerente quer para intimar a Requerida a praticar o ato tributário devido (designadamente a emissão da liquidação ao abrigo do artigo 11.º n.º 3 do CISV), quer para impugnar judicialmente o silêncio da Requerida (designadamente, a impugnação do indeferimento tácito).

 

Posto isto, este Tribunal terá de dar razão à Requerida na medida em que aquilo que a Requerente pretende com o PPA é suscitar a questão da natureza e conformidade jurídico-constitucional da Declaração de Retificação n.º 6/2021 — e, concomitantemente, do artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento para 2021), que, entre outros, alterou o artigo 11.º n.º 3 do CISV — com a lei, com a Constituição e com os Tratados da União Europeia, quando o ato impugnado não foi praticado ao abrigo do referido artigo 11.º n.º 3 do CISV retificado pela Declaração de Retificação n.º 6/2021. Naturalmente, o conhecimento desta questão extravasa a competência do tribunal arbitral em razão da matéria, delimitada pelo artigo 2.º n.º 1, do RJAT, uma vez que esta questão não é imputada ao ato impugnado — é imputada à interpretação do artigo 11.º n.º 3 do CISV na versão retificada pela Declaração de Retificação n.º 6/2021 que a própria Requerente confirma que não foi aplicado pela Requerida no caso concreto.

 

O artigo 2.º do RJAT prevê:

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

 

Assim, tendo em consideração todo o exposto na presente Decisão, o Tribunal conclui que é materialmente incompetente para conhecer o presente PPA. A infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, e a incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.

 

Determina o atual artigo 278º do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 al. e) do RJAT) que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, quando julgue procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal, sendo, por conseguinte, a Requerida absolvida da instância.

    

  1. DECISÃO

    

Termos em que se decide julgar totalmente PROCEDENTE a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria do Tribunal Arbitral, sendo assim a Requerida absolvida da instância.

    

  1. VALOR DO PROCESSO

    

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A  n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 6668,62.

    

  1. CUSTAS

    

O montante das custas — a cargo da Requerente — é fixado em EUR 612,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

    

Notifique-se.

Lisboa, 12 de dezembro de 2021.

 

Elisabete Louro Martins Cardoso

(Árbitro Singular)