Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 151/2021-T
Data da decisão: 2021-12-06  IVA  
Valor do pedido: € 568.026,24
Tema: IVA - direito à dedução; operação de reestruturação empresarial.
Versão em PDF

 

 

Sumário

 

  • O direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA sendo garante de uma correcta aplicação do princípio basilar da neutralidade do imposto e não pode, em princípio, ser limitado, de onde decorre que qualquer limitação ao mesmo deve ser interpretada restritivamente.
  • É acto claro que se adquire o direito à dedução do IVA suportado nos denominados actos preparatórios.
  • Em conformidade com a jurisprudência do TJUE, ainda que possa não existir um link directo e imediato das operações a montante com as operações a jusante, a dedução do IVA será ainda assim permitida desde que as operações a montante possam ser enquadradas no conjunto das despesas gerais relacionadas com a actividade económica do sujeito passivo.
  • Resulta dos factos provados que as prestações de serviços cuja dedução do IVA é controvertida foram efectuadas à Requerente quando esta, mediante a aquisição da participação no capital social de outra empresa, tinha a intenção (objectivamente comprovada) de, no contexto de um processo de fusão, exercer uma actividade económica que consistia em prestar-lhe serviços tributados em IVA, pelo que as despesas relativas à realização de serviços que extravasam a mera gestão de participações sociais devem ser dedutíveis.

 

 

Decisão Arbitral

 

 

Os Árbitros Juiz José Poças Falcão (Árbitro-Presidente), designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, Professora Doutora Clotilde Celorico Palma e Dr. António Lima Guerreiro (Árbitros Vogais) designados pelas partes para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. Relatório

 

1. A..., S.A R.L., com sede em ... LUXEMBURGO, matriculada no registo comercial do Grão-Ducado do Luxemburgo sob o número ... (adiante Requerente ou A...), titular do Número de Identificação Fiscal português..., cuja sede se situa na área de competência territorial do Serviço de Finanças de Lisboa ..., na qualidade de sociedade incorporante da B..., SA (adiante abreviadamente designada por “B...”), veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 5.º e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), bem como dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, pretendendo que o Tribunal aprecie e se pronuncie sobre a legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, no âmbito da qual a Requerente solicitou o reconhecimento do direito à dedução do IVA suportado nos períodos compreendidos entre o terceiro trimestre de 2017 e o terceiro trimestre de 2018, no valor de EUR 568.026,24, e a consequente:

  • Anulação total das seguintes liquidações adicionais feitas com base em correcções efectuadas pelos SIT da Direcção de Finanças do Porto: liquidação n.º..., com referência ao período 2017/03T, liquidação n.º ..., com referência ao período 2017/06T, liquidação nº ..., com referência ao período 2017/09T, liquidação n.º …, com referência ao período 2017/12T e liquidação n.º..., com referência ao período 2018/03T;
  • Anulação das seguintes demonstrações de liquidação de IVA e demonstrações de liquidação de juros de IVA: demonstração de liquidação de IVA n.º 2019..., no valor de EUR 130.686,29 e demonstração de acerto de contas n.º 2019 ..., no mesmo montante, demonstração de liquidação de juros de IVA .n.º 2019..., no valor de EUR 6.960,38 e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2019 ..., no mesmo valor, todas com referência ao período 2017/06T e demonstração de liquidação de IVA n.º 2019..., no valor de EUR 13.455,87 e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., no mesmo valor, demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2019..., no valor de EUR 585,42 e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., no mesmo montante, todas com referência ao período 2017/09T.

 

A Requerente solicita ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

2. No pedido de pronúncia arbitral, com fundamento nos artigos 5.º, n.º 3, alínea b), 6.º, n.º 2, alínea b) e 10.º, n.º 2, alínea g), do RJAT, a Requerente designou como Árbitra a Senhora Professora Doutora Clotilde Celorico Palma.

Nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do mesmo RJAT, a Requerida indicou como Árbitro o Senhor Dr. António Lima Guerreiro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16 de Março de 2021.

Os Árbitros designados pelas partes comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo apresentado requerimento para que o Árbitro-Presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico. A 31 de Maio de 2021 o Senhor Presidente do Conselho Deontológico notificou os Árbitros designados pelas partes da designação do Senhor Juiz José Poças Falcão como Árbitro-Presidente, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT, que aceitou em 1 de Junho de 2021 o encargo, nos termos dos artigos 4.º e 6.º do Código Deontológico do CAAD, não se verificando quaisquer impedimentos previstos no artigo 8.º do RJAT.

Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, e conforme comunicação do Senhor Presidente do CAAD, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 16 de Julho de-2021.

 

3.  Em 19 de Julho de 2021, veio o Presidente do Tribunal Colectivo exarar o seguinte Despacho: “Nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17º, do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), notifique-se a Sra. Diretora Geral da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional.”

 

4. Em 14 de Outubro de 2021, veio o Presidente do Tribunal Colectivo exarar o seguinte Despacho: “I. À luz do disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis, fica dispensada a reunião do Tribunal com as partes, considerando que (i)se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e (ii)  que não foram invocadas exceções ou questões prévias.

II – Alegações finais

Encerrada que está a fase instrutória do processo, considerando que os autos contêm os elementos de prova essenciais para a decisão, ambas as partes apresentarão, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias [(artigos 29º, do RJAT,  91º-5 e 91º-A, do CPTA, versão republicada em anexo ao DL nº 214-G/2015, de 2-10)], alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito. 

III – Data para prolação e notificação da decisão final

Prevê-se a prolação e notificação da decisão final até 16-12-2021.

(…)

 

5. Peticiona a Requerente no pedido de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, peticionando que, a final, lhe seja reconhecido o direito à dedução do IVA suportado nos períodos compreendidos entre 2017/03T e 2018/03T, no valor de EUR 568.026,24, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com as demais consequências legais, nomeadamente a declaração de ilegalidade das liquidações acima identificadas, com a consequente devolução do imposto suportado no montante de EUR 151.687,96 e correspondentes juros indemnizatórios.

Invoca sobretudo para o efeito a jurisprudência sobre actos preparatórios, em particular a Decisão do Tribunal Arbitral a respeito desta temática, emitida no âmbito do Processo n.º 404/2018-T, de 23 de Abril de 2019, que versou sobre uma outra sociedade do Grupo de sociedades no qual se encontra integrada a Requerente, numa situação similar.

Como alega, a questão subjacente é que, ainda que um sujeito passivo não venha a exercer uma actividade económica, o IVA incorrido nas actividades preparatórias é dedutível excepto se provar que houve abuso, desde que haja uma conexão com a actividade económica exercida.

Assim, invoca essencialmente o seguinte:

21.º No âmbito da sua atividade, a B... adquiriu, em março de 2017, as partes sociais representativas da totalidade do capital social da C... (22), que, por sua vez, detém participações em sociedades operacionais detentoras de diversos parques eólicos.

22º Com a aquisição da C..., a B... passou assim a integrar o que adiante se designará por Grupo D.../ E... .

23º De referir que esta operação se enquadrou no âmbito da estratégia de crescimento e investimento definida por esta sociedade, ao integrar um grupo de referência no setor energético, concretizada através da detenção, direta e indireta, de participações sociais em diversas sociedades operacionais que exercessem a mesma atividade (v.g., a produção de eletricidade de origem eólica, geotérmica, solar e de outras origens renováveis).

24º Com efeito, tal como é referido no Relatório e Contas da B... do exercício de 2016 (23) , a B... manter-se-ia atenta a novas oportunidades no setor das energias renováveis, com o objetivo de otimizar os resultados operativos e financeiros do Grupo, tendo assim em conta as diretrizes da sua acionista(24) , enquadrando-se a aquisição da C... e, consequentemente, a sua integração no Grupo D.../E..., no âmbito do aludido objetivo.

25º De referir que, no contexto da operação de aquisição de participações sociais em referência, a B... incorreu em despesas relacionadas com a realização da mesma, nomeadamente com a aquisição de serviços de consultoria e assessoria contabilística, fiscal e bancária.

26º Com efeito, a operação de aquisição da C..., denominada de “Projeto ...,” pela sua relevância e dimensão, foi precedida de rigorosas auditorias técnica, jurídica, financeira e fiscal, tendo tais serviços sido inequivocamente necessários e indispensáveis não só à tomada de decisão, como à própria formalização e concretização da operação.

27º Acresce que, mesmo após a aquisição, a B..., na qualidade de nova acionista, incorreu em custos com serviços de assessoria para efeitos da reestruturação dos serviços do grupo empresarial, otimização dos níveis de endividamento e otimização da estrutura de capitais.

28º Por conseguinte, entre o primeiro trimestre de 2017 e o primeiro trimestre de 2018, a B..., no âmbito da aquisição dos referidos serviços, suportou o IVA correspondente no valor total de EUR 568.026,24, o qual foi objeto de um pedido de reembolso.

29ºA este respeito, importa ainda referir que, em julho de 2018, se realizou a operação de fusão transfronteiriça da B... na A..., ora Requerente.

30º Sucede que, tal como explicitamente detalhado no âmbito do projeto de fusão registado(25) , a aludida operação de fusão se enquadrou numa lógica de simplificação da estrutura societária do grupo, bem como numa lógica de racionalização de recursos, redução de gastos e maximização da eficácia da gestão.

31º Com efeito, conforme cabalmente detalhado no mencionado projeto de fusão, a operação em apreço conduziu à simplificação jurídica, fiscal, financeira, administrativa e funcional do Grupo D.../E..., permitindo reduzir os respetivos custos operacionais e obter poupanças, decorrentes de uma gestão integrada, bem como uma abordagem ao mercado mais eficiente, ao mesmo tempo que permitiu ainda ao Grupo D.../E... centrar-se no desenvolvimento e aquisição de novos ativos, evitando e reduzindo o tempo dedicado a planear a estrutura financeira e operacional.

(…)

50ºCom efeito, a AT entendeu que a B... se comportou como uma verdadeira holding, não tendo interferido ativamente na gestão das suas participadas, pelo que, ao abrigo da jurisprudência do TJUE, não sendo a aquisição e detenção de participações sociais considerada uma verdadeira atividade económica, a B... não assumiria a qualidade de sujeito passivo de IVA e, por conseguinte, não estaria autorizada a deduzir ou recuperar o imposto suportado a montante – dedução essa que constitui prerrogativa exclusiva dos sujeitos passivos de IVA –, uma vez que não realizou operações tributáveis.

(…)

52º Ora, a Requerente não pode senão discordar diametralmente da posição assumida pela AT, que continua a fazer uma interpretação enviesada da jurisprudência do TJUE sobre esta matéria, nomeadamente no que respeita a dois aspetos fulcrais: o facto de (i) ser entendimento do TJUE que assiste aos sujeitos passivos o direito a deduzir o IVA suportado em atividades preparatórias, ainda que não cheguem nunca a realizar atividades tributadas e, bem assim, o facto de que (ii) ao abrigo do princípio da neutralidade e da igualdade de tratamento fiscal, não poderá ser negado à B... o direito a deduzir o IVA em virtude de se ter realizado uma operação de fusão.

(…)

62º A este respeito, importa destacar no seio da jurisprudência europeia o Caso Rompelman(39) , no âmbito do qual o TJUE concluiu que o IVA suportado em atividades preparatórias poderá ser deduzido imediatamente, não existindo necessidade de se esperar que a atividade comece efetivamente para deduzir o imposto, mas exigindo-se apenas que as aludidas atividades possam ser enquadradas no conceito de “atividade económica.”

(…)

72º Com efeito, no Caso Gabalfrisa, o TJUE defendeu que, em respeito ao princípio da neutralidade do IVA relativamente ao encargo fiscal de uma empresa, as despesas de investimento (i.e., as atividades preparatórias) efetuadas e necessárias à criação de um sujeito passivo (i.e., necessárias ao início da sua atividade) deverão ser qualificadas como atividade económica, pelo que a dedutibilidade do IVA não se encontra condicionada a uma exploração efetiva por parte da empresa, não podendo, consequentemente, um Estado-Membro retardar o momento da dedução ao início efetivo da realização habitual das operações tributáveis.

73º Sublinhe-se, aliás, que o entendimento supra do TJUE vai ainda mais longe, sustentando que o direito à dedução, uma vez adquirido, subsiste mesmo que a atividade económica projetada não dê origem a operações tributáveis ou o sujeito passivo, por motivos alheios à sua vontade, não tenha podido utilizar os bens ou serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações tributáveis(43) , posição esta que foi novamente confirmada no já referido Caso Inzo(44) e no Caso Ghent Coal Terminal(45) .

74º A este respeito, refira-se ainda a decisão do TJUE no âmbito do Caso Ryanair(46) , onde se discutia o direito à dedução do IVA pago a montante sobre despesas efetuadas no âmbito de uma aquisição da totalidade das participações sociais de uma sociedade que acabou por não se concretizar.

(…)

83º A este respeito, cumpre mencionar as decisões arbitrais proferidas pelo CAAD(50) , em 20 de outubro de 2015, no âmbito do Processo nº 15/2015-T, e em 28 de setembro de 2016, no âmbito do Processo nº 16/2016-T, bem como a decisão do TCA(51) , no Acórdão proferido em 6 de abril de 2017, no âmbito do Processo 07097/13, que confirmam a posição defendida pela Requerente.

84º Acresce que a Requerente não pode ainda deixar de referir a decisão do Tribunal Arbitral a respeito desta temática, emitida no âmbito do Processo nº 404/2018-T, de 23 de abril de 2019, e que versou, inclusive, sobre uma outra sociedade do Grupo de sociedades no qual se encontra integrada a Requerente.

(…)

95º A decisão proferida pela AT no âmbito da reclamação graciosa sub judice, assenta numa premissa errada, já que se entende que a atividade da B... “não foi mais do que a aquisição do capital da sociedade “C..., SA”. Assim, não tendo realizado qualquer atividade que implicasse transações sujeitas a IVA, não reúne as condições para puder deduzir ou a recuperar imposto suportado a montante, nos termos do artigo 20º do CIVA”.

96º Ou seja, a AT parece ainda ignorar a natureza jurídica da operação que levou à cessação da atividade da B... .

97º Com efeito, a atividade da B... não se extinguiu com a operação de fusão, pelo que nunca se poderá argumentar que a mesma se esgotou na aquisição do capital social da C... .”

Por sua vez, no que tange ao conceito de actividade económica, a Requerente vem invocar que: “123º Quer isto dizer que, ainda que possa não existir um link direto e imediato das operações a montante com as operações a jusante, a dedução do IVA será ainda assim permitida desde que as operações a montante possam ser enquadradas no conjunto das despesas gerais relacionadas com a atividade económica do sujeito passivo.”

124º Na verdade, citando o Caso SKF(65) “admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo.”

125º Por sua vez, no âmbito do caso Portugal Telecom(66) , considerou também o TJUE que “para o IVA ser dedutível, as operações efetuadas a montante devem apresentar um nexo direto e imediato com operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito a dedução do IVA que incide sobre a aquisição de bens ou de serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução (…)”.

126º Acrescentando que “porém, admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (…)”(67) .

(…)

152º Na mesma senda, também o Acórdão do CAAD, proferido no âmbito do Processo nº 128/2012-T, de 23 de abril de 2013, concluiu que “no caso em apreço, provou-se a aquisição de participações e os estudos relacionados com elas, bem como a intervenção de colaboradores da Requerente em sociedades participadas, fiscalizando a atividade desenvolvida e a formação de recursos humanos destas, se inserem na sua estratégia global de comercialização dos seus produtos (…)”, pelo que “apesar de não se ter provado um nexo direto e imediato entre as despesas de consultadoria que foram objeto das correções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, provou-se que a existência de um nexo direto e imediato entre essas despesas e o conjunto da atividade económica da Requerente, pelo que os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta, tratando-se, portanto, de custos com «um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo», o que, na perspetiva da referida jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia basta para conferir o direito à dedução”.

(…)

156ºDe salientar que esta é a posição uniformemente adotada pela jurisprudência nacional, referindo-se, a título exemplificativo, as decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral junto do CAAD, em 28 de setembro de 2016, no Processo nº 16/2016-T, em 30 de setembro de 2016, no Processo nº 178/2016-T, em 5 de janeiro de 2016, no Processo nº 316/2015-T, em 27 de dezembro de 2012, no âmbito do Processo nº 77/2012-T, e em 27 de fevereiro de 2018, no âmbito do Processo nº 269/2017-T (88) .

 157º Nesta senda, não pode ainda a Requerente deixar de voltar a referir a decisão do Tribunal Arbitral no âmbito do Processo nº 404/2018-T, de 23 de abril de 2019, na qual se entendeu que “quanto ao tratamento a conceder à gestão (aquisição, detenção e alienação) de participações sociais para além do caso das holdings, no contexto das participações de uma sociedade-mãe em filiais ou associadas, decore da jurisprudência do TJUE que as operações relativas às ações ou participações em sociedades são abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA quando efetuadas no quadro de uma atividade comercial de negociação de títulos ou quando constituem o prolongamento direito, permanente e necessário da atividade tributável.”

(…)

167ºE, quanto a este aspeto, refira-se que a resposta é positiva, conforme resulta inequivocamente do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Requerente e a sua participada F..., S.A. (92)(93) , cujo capital social é detido integralmente pela Requerente,

 167º No âmbito do qual a A... presta à sua subsidiária, nomeadamente, serviços de administração geral, serviços de gestão, serviços de desenvolvimento comercial e serviços financeiros, mediante o pagamento de um fee.

168º Conforme decorre, aliás, das várias faturas emitidas pela Requerente à sua participada entre os períodos de tributação compreendidos entre 2018 e 2020(94).

169º Por fim, importa ainda referir que a posição ora defendida pela Requerente foi já adotada no âmbito de um relatório de conclusão de atos de inspeção realizados pela mesma Direção de Finanças a uma outra sociedade do Grupo D..., a G... (95) , numa situação em tudo similar à da Requerente.”

Tal como reitera nas alegações escritas apresentadas em 5 de Novembro de 2021, “ 4. Efetivamente, e salvo melhor opinião, caberá a este douto Tribunal aferir da legitimidade da dedução do IVA incorrido pela Requerente na aquisição de serviços de assessoria jurídica, financeira, fiscal e de auditoria, no âmbito da aquisição da C..., S.A. (“C...”).

5. E, como de seguida a Requerente tratará de demonstrar, resulta provado nos autos que a B...  não só tinha a intenção, objetivamente comprovada, de prestar serviços tributados em IVA à C..., como tal intenção veio ulteriormente a materializar-se, após a fusão por incorporação da B... na ora Requerente e após a fusão por incorporação da C... na H..., S.A. (atualmente, designada F..., S.A. – “F...”), pelo que o imposto suportado pela B... nos serviços adquiridos no âmbito da aquisição da C... é integralmente dedutível à luz da interpretação conferida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) às normas de cariz comunitário e nacional que disciplinam o direito à dedução deste imposto.

6.Com efeito, ao considerar que a única atividade que a B... realizou consistiu na aquisição da participação social na C... e que a B... não pode deduzir o IVA suportado no âmbito daquela aquisição, uma vez que não efetuou nem tinha qualquer intenção, objetivamente comprovada, de prestar serviços tributados em IVA à C..., a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) demonstra desconhecer por completo os efeitos jurídicos de uma operação de fusão, bem como os ensinamentos da abundante jurisprudência do TJUE e deste Tribunal Arbitral a respeito desta temática.

7.Neste sentido, e com o devido respeito, não deverá este douto Tribunal aceitar, como pretende a AT, que seja negado o direito à dedução do IVA suportado pela Requerente, ao arrepio da jurisprudência consolidada do TJUE e dos tribunais nacionais, e em clara violação do disposto na Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do IVA (“Diretiva IVA”) e no Código do IVA e do princípio da neutralidade, norteador do funcionamento deste imposto.”

Neste contexto, tal como a Requerente invoca e reitera nas suas alegações, “71. No Acórdão do TJUE referente ao Caso Inzo, já aqui citado pela Requerente, é referido que: «Neste contexto, há que sublinhar, como fez a Comissão, que a qualidade de sujeito passivo só é definitivamente adquirida se a declaração de intenção de iniciar as actividades económicas projectadas foi feita de boa fé pelo interessado. Em situações fraudulentas ou abusivas, em que, por exemplo, o interessado simulou desenvolver uma actividade económica especial, mas procurou, na realidade, fazer entrar no seu património privado bens que podem ser objecto de dedução, a administração fiscal pode pedir, com efeitos retroactivos, a restituição das quantias deduzidas, uma vez que essas deduções foram concedidas com base em falsas declarações.».

72. Ora, não tendo a AT, em momento algum, colocado em causa a boa-fé da B... na definição do seu CAE e do seu objeto social, nem tendo sequer alegado a existência de um comportamento abusivo ou fraudulento por parte da Requerente, não pode, pura e simplesmente, colocar em causa a intenção objetivamente comprovada pelo CAE e pelo objeto social da B... de realizar atividade tributada em IVA e a sua qualidade de sujeito passivo do imposto.

73. Considerando o exposto, é forçoso concluir que, à data da aquisição dos serviços de consultoria e assessoria contabilística, fiscal e bancária, necessários à aquisição da C..., a B... tinha a intenção, comprovada por elementos objetivos, de desenvolver uma atividade tributada em IVA, por via da prestação de diversos serviços à C... e à suas participadas, configurando, nessa medida, um sujeito passivo de IVA e não uma holding pura.

 

6. A Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, apresentou resposta, na qual impugnou a factualidade alegada e os documentos juntos, e peticionou, por não provado, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Juntou, igualmente, o processo administrativo.

Na sua resposta apresentada em 30 de Setembro de 2021, a AT veio essencialmente invocar que: “53. Em momento algum no procedimento inspetivo, ou mesmo ulteriormente na fase de revisão dos atos tributários, foi carreada prova documental que sequer identificasse qual a atividade económica associada ao IVA suportado com as supra descritas despesas de consultoria na aquisição das participações sociais da C... .

54. Como se diz no RIT, a Requerente «em momento algum no procedimento demonstrou a existência de um nexo direto, causal e imediato entre as operações já suportadas a montante e a intenção concreta de essas operações virem a relevar numa atividade tributada para efeitos de IVA» 

55. Sendo que, como a própria jurisprudência do TJUE conclui, lhe cabia a ela «a demonstração com elementos objetivos de que as operações relacionadas com a aquisição daqueles serviços de assessoria serão canalizados para operações tributadas.»

56. Na verdade, compulsados os autos, para além da remissão que a Requerente faz para os seus objeto social e CAE, encontramos apenas uma referência a um Relatório e Contas da B..., do exercício de 2016, segundo o qual «a B... manter-se-ia atenta a novas oportunidades no setor das energias renováveis, com o objetivo de otimizar os resultados operativos e financeiros do Grupo»,

57. sendo certo que, em tal relatório, não há qualquer referência concreta à aquisição da C... ou tão-pouco à perspetiva de intervenção na gestão de outras sociedades que se concretizasse na realização de transações sujeitas a IVA, como a prestação de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos.

 58. No parágrafo 23.º do ppa, a Requerente diz que aquela operação se enquadrou «no âmbito da estratégia de crescimento e investimento definida por esta sociedade, ao integrar um grupo de referência no setor energético, concretizada através da detenção, direta e indireta, de participações sociais em diversas sociedades operacionais que exercessem a mesma atividade (v.g., a produção de eletricidade de origem eólica, geotérmica, solar e de outras origens renováveis).»

59. Mas tal proclamação não é suportada por qualquer outro elemento de prova, que nos permita, designadamente, aferir da realização a jusante de transações sujeitas e não isentas de IVA.

60. Como se lê no RIT, a Requerente «não logrou demonstrar documentalmente com elementos objetivos a intenção clara de exercer qualquer atividade económica na verdadeira aceção do artigo 4.º da Sexta Diretiva.» 6

61. Acrescenta o RIT, a este respeito, que «pelo contrário, os contornos da operação [os seus elementos objetivos] induzem em sentido inverso, de que as aquisições de serviços referidas se deram no exclusivo interesse da exponente, que no âmbito da sua atividade de gestão e administração de participações sociais pretendia obter elementos que lhe permitissem decidir se certos investimentos deveriam ser concretizados ou não.»

62. Com efeito, tratando-se de uma aquisição de participações sociais, que não é acompanhada de elementos objetivos e contemporâneos que apontem para um nexo com operações tributáveis a jusante, o que se nos apresenta é a atuação da B... como holding pura.

63. Uma muito singela análise dos factos (elementos objetivos), designadamente à fugaz existência de uma B... sem qualquer infraestrutura, durante a qual se limitou a adquirir as participações sociais da C..., e a obter serviços de assessoria no âmbito de tal aquisição, sugere a utilização daquela como veículo na aquisição do grupo E... pela sociedade gestora de ativos australiana, que detém a I... S.A.R.L..

64. Ora, essa atuação como holding pura, a confirmar-se, não permitira a dedução do IVA suportado com os serviços de assessoria em apreço.

66. Como se lê no RIT, com base na factualidade disponível (i.e. ausência de elementos objetivos que concorram em sentido contrário), «a B... comportou-se efetivamente como uma holding e se na declaração de início de atividade tivesse declarado corretamente a atividade exercida o enquadramento em sede de IVA teria sido diferente».

67. É consabido que o TJUE tem recorrentemente entendido que não tem a qualidade de sujeito passivo de IVA, na aceção Diretiva IVA, uma sociedade cujo único objeto é a tomada de participações noutras empresas, sem intervir direta ou indiretamente na gestão destas empresas.

68. À luz daquela jurisprudência, a mera aquisição e a mera detenção de participações sociais não constituem, em si, uma atividade económica, na aceção da Diretiva IVA, que confira ao seu adquirente ou detentor a qualidade de sujeito passivo, uma vez que a simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma exploração de um bem com o fim de gerar receitas com caráter permanente.

(…)

112. Mais tarde – i.e. depois da conclusão do procedimento inspetivo, da emissão das liquidações adicionais e até mesmo da decisão que indeferiu a reclamação graciosa! – a Requerente informou a Direção de Finanças da existência de um contrato entre a Requerente (então designada I..., S.A.R.L.) à H... S.A., para prestação de serviços designados “Management service agreement between the companies”.

113. Como já referimos, a circunstância de a incorporante prosseguir uma atividade tributada não dispensa o sujeito passivo de demonstrar o nexo entre as despesas em concreto que originaram o IVA que pretende deduzir e essa atividade económica.

114. No presente caso, em vão tentamos discernir o nexo entre as despesas de consultoria suportadas pela B... e a prestação de “management services” à sociedade H... . Em que medida aquelas despesas com assessoria na aquisição da C... contribuem para tais prestações de serviços à H...? É quantificável essa ligação nos preços praticados ao abrigo daquele contrato?”

Nas suas alegações apresentadas em 9 de Novembro de 2021, vem a AT aditar que, “23. Também não é legítima a comparação com o processo de inspeção à sociedade G..., SA (que a Requerente junta como documento 18), alegando a Requerente estarmos perante uma «situação em tudo similar à da Requerente», tendo a DF do Porto decidido de forma diferente.

24. Ainda que a situação fosse similar – que não é, porque ali se provou que a incorporante prestou serviços diretamente às sociedades cujas participações foram adquiridas pela incorporada (J... S.A. K..., S.A.) – o que se decidiu naqueloutro processo não autoriza uma extrapolação para o presente caso, desde logo porque está em causa matéria de prova, que depende de uma apreciação casuística, em concreto de conexão entre despesas de assessoria e operações tributárias a jusante.

 

7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

II. Thema decidendum

 

O thema decidendum em causa nos presentes autos prende-se, em substância, com a aferição da dedutibilidade em IVA, nos termos do disposto no artigo 20.º do Código do IVA, dos referidos gastos com a aquisição de serviços de consultoria e assessoria contabilística, fiscal e bancária, matéria de que decorre, assim, o julgamento sobre a legalidade ou ilegalidade do decisão de indeferimento da reclamação graciosa e dos actos subjacentes de autoliquidação objecto das declarações periódicas de IVA entregues com referência ao período compreendido entre 2017/03T e 2018/03T e, consequentemente, sobre a devolução do imposto suportado e correspondentes juros indemnizatórios.

A questão essencial no presente processo consiste assim em aferir se as despesas se podem considerar relacionadas com uma actividade económica sujeita a IVA, nomeadamente se a Requerente tinha ou não intenção de desenvolver uma actividade económica tributada em IVA e se não houve abuso.

As prestações de serviços cuja dedução do IVA é controvertida foram efectuadas à B... quando esta, mediante a aquisição da participação no capital social da C..., tinha a intenção (objectivamente comprovada) de exercer uma actividade económica que consistia em prestar à C... serviços tributados em IVA?

Dada a jurisprudência do TJUE, se concluirmos nesse sentido, a Requerente tem razão, tendo a B... agido enquanto sujeito passivo, quando adquiriu as despesas relacionadas com essas prestações de serviços?

Nestes termos, a matéria fulcral sujeita à cognição deste Tribunal Arbitral prende-se com o facto de se verificar, em atenção aos factos alegados e às pretensões processualmente formuladas, se os gastos suportados e o IVA correspondentemente incorrido com os serviços objecto das facturas que são apresentadas pela Requerente com a sua PI satisfazem os pressupostos legais necessários ao exercício do direito à dedução do IVA nos aludidos períodos decorridos entre 2017/03T e 2018/03T no quadro do circunstancialismo material invocado do processo de fusão.

 

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

 

1. Factos provados

 

Note-se que relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, em face das alegações constantes das peças processuais apresentadas, da prova documental produzida, quer a que foi junta com a PI, quer a que consta do PA junto aos autos, o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

 

  • A B..., S.A. (B...), era uma sociedade anónima, constituída a 26 de Agosto de 2016, com sede e direcção efectiva no território nacional, com um capital social de 50.000,00€ dividido em acções de valor unitário de 1,00€, detida na totalidade por uma sociedade gestora de activos australiana, através da subsidiária  I...S.A.R.L., com sede no Luxemburgo.
  • O objecto social da B... consistia na produção de electricidade de origem eólica, geotérmica, solar e de origem renovável, incluindo participações em sociedades ou agrupamentos complementares de sociedades que prossigam as mesmas actividades.
  • A B... encontrava-se inscrita com a actividade principal de produção de electricidade de origem eólica, geotérmica, solar e de origem renovável (CAE 35113-R3).
  • Em sede de IVA, a B... encontrava-se enquadrada no regime de periodicidade normal trimestral.
  • No âmbito da sua actividade, em Novembro de 2016 a I... S.A.R.L., celebrou um acordo para a compra do Grupo E... .
  • Em Março de 2017, a B... procedeu à aquisição da totalidade do capital da sociedade “ C..., SA”, com um capital social de 250.000,00€ e detentora dos parques eólicos de..., ... e ... (através da participada L..., SA) e ... (através da participada M..., SA).
  • Com a aquisição da C..., a B... passou assim a integrar o designado Grupo D.../E..., tendo tal operação ocorrido no âmbito da estratégia de crescimento e investimento definida por esta sociedade.
  • No contexto da aludida operação de aquisição de participações sociais, a B... incorreu em despesas relacionadas com a realização da mesma, nomeadamente com a aquisição de serviços de consultoria e assessoria contabilística, fiscal e bancária.
  • Após a aquisição, a B..., na qualidade de nova accionista, incorreu em custos com serviços de assessoria para efeitos da reestruturação dos serviços do grupo empresarial, optimização dos níveis de endividamento e optimização da estrutura de capitais.
  • Entre o primeiro trimestre de 2017 e o primeiro trimestre de 2018, a B..., no âmbito da aquisição dos referidos serviços, suportou o IVA correspondente no valor total de EUR 568.026,24, o qual foi objecto de um pedido de reembolso.
  • Em Julho de 2018, realizou-se a operação de fusão transfronteiriça da B... na A..., ora Requerente, tendo sido realizada na modalidade de transferência global do património da B... para a esfera da A..., nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 97.º e seguintes, bem como no artigo 117.º-A, ambos do CSC.
  • A B... entregou a respectiva declaração de cessação de actividade em Julho de 2018.
  • A B... tinha intenção de realizar uma actividade tributada em IVA, mais concretamente a produção de electricidade através de diversas fontes para posterior comercialização e a participação em sociedades que prosseguissem a mesma actividade, por forma a, assim, deter, directa ou indirectamente, participações em sociedades operacionais, prestando-lhes os necessários serviços de gestão e administração, tributados em IVA.
  • Em 5 de Dezembro de 2018, a Requerente e a F... celebraram um “Services Agreement”, anexo como doc. n.º 16 à PI, no âmbito do qual a Requerente se obriga a prestar à F... e/ou às suas subsidiárias serviços de administração geral, de gestão, de desenvolvimento comercial e financeiros, mediante o pagamento de um fee.
  • A prestação dos referidos serviços deu lugar à emissão de várias facturas pela Requerente à F... entre os períodos de tributação compreendidos entre 2018 e 2020, que se reportam nas facturas juntas como doc. n.º 17 à PI no contexto do aludido contrato de prestação de serviços anexo como doc. n.º 16 à PI.
  • Na sequência do pedido de reembolso do IVA suportado pela B... na aquisição da C... e posterior reestruturação do Grupo, a referida sociedade foi alvo de um procedimento externo de inspecção ao período 2018-03T pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), da Direcção de Finanças do Porto, em conformidade das OI2018... e OI2018....
  • Em resultado do procedimento de inspecção, a A..., na qualidade de sociedade incorporante, foi notificada, através do Ofício nº 2018.../..., de 16 de Novembro de 2018 , do projecto de correcções do relatório da inspecção instaurada à B..., no âmbito do qual os SIT da Direcção de Finanças do Porto propuseram o indeferimento do pedido de reembolso do IVA suportado, por considerarem que “só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações sujeitas a imposto e dele não isentas.”
  • A AT conclui nesse contexto que a actividade exercida pela B... “no período em que esteve coletada (setembro de 2016 a julho de 2018) esgotou-se na aquisição da totalidade do capital da sociedade “C..., SA,” não tendo sido, essa aquisição, acompanhada de qualquer intervenção directa ou indirecta na gestão da sociedade adquirida, ”não tendo assim a B...“prestado qualquer serviço nem realizado qualquer operação ativa tributável,” não seria de aceitar a aludida dedução do imposto.
  • Da referida acção inspectiva resultaram correcções em sede de IVA no montante total de 568.026,24€ relativamente aos períodos de 2017-03T, 2017-06T, 2017-09T, 2017-12T e 2018-03T.
  • A Requerente apresentou, em 4 de Dezembro de 2018, o seu direito de audição.
  • A 31 de Dezembro de 2018, a Requerente foi notificada do relatório final da acção de inspecção, através do Ofício nº 2018..., de 27 de Dezembro de 2018, no qual a AT manteve a posição no sentido do indeferimento do pedido de reembolso.
  • A Requerente foi notificada, a 9 de Janeiro de 2019, da decisão final de indeferimento do pedido de reembolso do imposto suportado, da qual apresentou recurso hierárquico em 7 de Fevereiro de 2019.
  • A 14 de Janeiro de 2019, a Requerente foi igualmente notificada das liquidações adicionais feitas com base em correcções dos SIT.
  • A 21 de Janeiro de 2019, a Requerente foi notificada das demonstrações de liquidações de IVA e de juros de IVA.
  • A Requerente, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 9.º LGT, pagou o imposto e respectivos juros em causa nas demonstrações de liquidações de IVA e de juros de IVA em causa, no valor total de EUR 151.687,96.
  • A Requerente apresentou reclamação graciosa a 6 de Maio de 2019.
  • A 16 de Novembro de 2020, a Requerente foi notificada da projecto de decisão emitido pela AT, no âmbito do qual esta propôs o indeferimento da aludida reclamação graciosa apresentada com base no argumento de que a B..., “não tendo realizado qualquer atividade que implicasse transações sujeitas a IVA, não reúne as condições para poder deduzir ou recuperar imposto suportado a montante, nos termos do artigo 20º do CIVA”.
  • Não tendo exercido o seu direito de audição, a Requerente foi notificada, em 24 de Dezembro de 2020, da decisão final que confirmou o indeferimento da reclamação graciosa.

 

2. Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

IV. Matéria de direito

           

Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra. Interessa, em especial, decidir quanto à principal questão a analisar nos presentes autos, a saber: aferir se os gastos suportados e o IVA correspondentemente incorrido com os serviços em apreço satisfazem os pressupostos legais necessários ao exercício do direito à dedução do imposto nos aludidos períodos atento o contexto material invocado de fusão empresarial.

Esta questão será decisiva para aferirmos se a Requerente tem ou não direito à dedução do imposto suportado relativamente a estas despesas, questão nuclear nestes autos.

Importa em especial ter em consideração em termos de matéria de direito as questões do exercício do direito à dedução nos denominados actos preparatórios, bem como nas operações de aquisição de participações sociais no contexto de reorganização empresarial.

Interessa, pois, indagar se as despesas em causa deverão ou não ser dedutíveis para efeitos de IVA, tendo em consideração as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respectiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Com efeito, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia. Vejamos:

 

1. Enquadramento em IVA

 

A este respeito cumpre desde logo denotar que o Tribunal Arbitral já se pronunciou sobre situações similares nos Processos n.ºs  128/2012-T, de 23 de Abril de 2013, 269/2017-T, de 27 de Fevereiro de 2018 e 404/2018-T, de 23 de Abril de 2019, tratando-se neste último caso de uma situação similar que, como o referido, versou sobre uma outra sociedade do Grupo de sociedades no qual se encontra integrada a Requerente.

Assim sendo, passamos a transcrever as passagens mais significativas de decisão exarada no Caso do Proc. 404/2028-T:

O princípio da neutralidade do IVA, no que se refere à carga fiscal da empresa, exige, pois, que as despesas de investimento efectuadas para as necessidades e para os objectivos de uma empresa sejam consideradas actividades económicas que dão lugar a um direito a dedução imediata do IVA. Nestes termos, um particular que adquire bens para os efeitos de uma actividade económica na acepção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Directiva IVA, age como sujeito passivo, mesmo que os bens não sejam imediatamente utilizados para essas actividades económicas.

Como o TJUE salientou na Caso Inzo e desenvolveu na sua jurisprudência posterior, na ausência de circunstâncias fraudulentas ou abusivas e sob reserva de eventuais regularizações em conformidade com as condições previstas na Directiva IVA, o direito à dedução, uma vez constituído, permanece adquirido.

Como declarou a este propósito o Tribunal de Justiça, quando o sujeito passivo não tenha podido utilizar os bens ou serviços que deram origem a dedução no âmbito de operações tributáveis, por razões alheias à sua vontade, o direito à dedução mantém-se, pois, nesse caso, não há nenhum risco de fraude ou de abuso que possa justificar o reembolso posterior dos montantes deduzidos.

Em contrapartida, em situações fraudulentas ou abusivas, em que, por exemplo, o interessado simulou desenvolver uma actividade económica especial, mas, na realidade, procurou fazer entrar no seu património privado bens que podem ser objecto de dedução, a Administração Fiscal pode pedir, com efeitos retroactivos, a restituição das quantias deduzidas, uma vez que essas deduções foram concedidas com base em falsas declarações. Como o TJUE faz questão de recordar, a verificação da existência de uma prática abusiva está sujeita a duas condições. Por um lado, as operações em causa, apesar da aplicação formal das condições previstas nas disposições pertinentes da Directiva IVA e da legislação nacional que a transpõe, devem ter por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária ao objectivo prosseguido por essas disposições. Por outro lado, deve igualmente resultar de um conjunto de elementos objectivos que a finalidade essencial das operações em causa é a obtenção de uma vantagem fiscal

(…)

Isto é, não é possível deduzir o IVA suportado a montante caso este respeite à actividade do sujeito passivo que não reveste a natureza de actividade económica na acepção da DIVA.

Para que o IVA possa ser dedutível, exige-se que se verifique uma relação directa e imediata entre as despesas suportadas e o exercício da actividade económica do sujeito passivo. No que se reporta à amplitude do conceito de “relação directa e imediata” entre os inputs que contêm IVA objecto de dedução e as operações tributadas do sujeito passivo, o TJUE tem vindo a acolher uma interpretação cada vez mais abrangente, nomeadamente, no que se refere à gestão de participações sociais, sendo que o estabelecimento de um nexo causal entre o IVA dedutível e uma determinada operação, individualizada e concretizada, não poderá ser acolhido.

De acordo com a jurisprudência do TJUE, “admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo”.

Contudo, importa, em particular, salientar que é imperativo que exista uma relação com a actividade económica do sujeito passivo, subsistindo a necessidade da sua demonstração inequívoca.

Como se notou no Caso Cibo , “1) A interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na medida em que implique a realização de transacções sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado nos termos do artigo 2.° dessa directiva, tais como o fornecimento, pela holding às suas filiais, de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos.

2) As despesas efectuadas por uma holding com os vários serviços que adquiriu no âmbito de uma tomada de participação numa filial fazem parte das suas despesas gerais, pelo que têm, em princípio, um nexo directo e imediato com o conjunto da sua actividade económica. Portanto, se a holding efectuar tanto operações com direito a dedução como operações sem direito a dedução, decorre do artigo 17.°, n.°5, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva 77/388 que pode unicamente deduzir-se a parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.” (cfr. §§ 1 a 3 das conclusões).

 Para os efeitos que ora nos ocupam, interessa em particular sublinhar que o TJUE, no Caso Gabalfrisa, recorrendo a uma “linha jurisprudencial consolidada”, defendeu que, em respeito ao princípio da neutralidade do IVA relativamente ao encargo fiscal de uma empresa, as despesas de investimento efectuadas e necessárias à sua criação deverão ser qualificadas como actividade económica, não estando sequer a dedutibilidade do IVA condicionada à exploração efectiva por parte da empresa. Por outro lado, como se extrai das conclusões do Caso I/S Fini y Skatteministeriet, os pagamentos que uma empresa tenha de efectuar durante o período de liquidação, após o encerramento da sua exploração efectiva, fazem parte do conceito de actividade económica, na medida em que o lapso de tempo seja o estritamente necessário para levar a bom termo a operação de liquidação e se acredite que não existe a intenção de actuar de forma fraudulenta ou abusiva (no caso concreto a operação de liquidação durou cinco anos). Consequentemente, não se poderá efectuar uma distinção arbitrária entre os gastos efectuados por uma empresa antes da sua exploração efectiva e durante esta, e os gastos incorridos para colocar fim à referida exploração.

(…)

Quanto ao tratamento a conceder à gestão (aquisição, detenção e alienação) de participações sociais para além do caso das holdings, no contexto das participações de uma sociedade-mãe em filiais ou associadas, decorre da jurisprudência do TJUE que as operações relativas às acções ou participações em sociedades são abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA quando efectuadas no quadro de uma actividade comercial de negociação de títulos ou quando constituem o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável.

Sendo a aquisição de participações sociais uma operação passiva, para aferirmos da dedutibilidade do IVA relativa às despesas associadas teremos, necessariamente, de analisar em que medida aquela participação é detida e quais são as operações a jusante que decorreram daquelas despesas – serão ou não tais operações actividades económicas sujeitas e não isentas de IVA?

Como refere Rui Bastos, “Assim sendo, a aquisição de participações numa perspectiva pura de investimento, tendo em vista a obtenção de receitas como dividendos, remete a sua detenção para fora do conceito de actividade económica, sendo que a aquisição num contexto de comercialização de títulos remeteria para o exercício de uma actividade sujeita, embora isenta.

O mesmo não deverá suceder num contexto de aquisição de uma participação que represente o prolongamento natural e necessário da actividade comercial ou industrial da sociedade adquirente, num contexto de reestruturação empresarial ou num processo de expansão, optando pela aquisição de uma filial, em detrimento da constituição de um estabelecimento estável, o mesmo não sucedendo num contexto de intervenção na gestão das participadas e, concomitantemente, em actividades tributadas por elas exercidas.”

No Caso SKF, o TJUE, invocando o princípio da igualdade de tratamento e neutralidade fiscal, conclui pela natureza económica das tomadas de participações acompanhadas com a interferência pela sociedade-mãe na gestão das participadas que deve ser estendida às situações de transmissão de participações que põem termo a essa interferência.

No quadro da transmissão de acções, considera o TJUE no Caso SKF que o direito à dedução do IVA pago a montante sobre prestações destinadas a realizar uma transmissão de acções é conferido, por força do artigo 168.° da DIVA, se existir uma relação directa e imediata entre as despesas relacionadas com as prestações a montante e o conjunto das actividades económicas (tributadas) do sujeito passivo, as denominadas “despesas gerais”.

Naquele processo, a transmissão de acções em causa, realizada com vista à reestruturação de um grupo de sociedades pela sociedade-mãe, foi considerada uma operação de obtenção de receitas com carácter permanente de actividades que excedem o quadro da simples venda de acções. Esta operação apresentava um nexo directo com a organização da actividade industrial exercida pelo grupo e constitui assim o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável do sujeito passivo, pelo que aquela operação de venda de acções seria abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA, susceptível de conferir direito à dedução do IVA dos respectivos inputs.

O TJUE considera que estas prestações têm uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo, permitindo o direito à dedução da totalidade do IVA das referidas prestações.

Debateu-se se os inputs associados à alienação de participações sociais poderão ser susceptíveis de permitir a dedução do IVA, por via da respectiva qualificação como despesas gerais da actividade, no caso daquela alienação não estar sujeita a IVA, situação mais frequente, como vimos, nas holdings, ou então, estar sujeita mas isenta, como acontece com a sociedademãe que gere um grupo de sociedades.

No caso da não sujeição, o Advogado-geral, apoiando-se nas conclusões do Caso Krettztechnik, n.º 36, considera susceptível este tipo de despesas serem qualificadas como despesas gerais, possuindo portanto uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo, possibilitando a sua dedução.

Pelo contrário, no caso de a alienação de participações sociais se qualificar como isenta de IVA, tal como aconteceu no Caso SKF, o Advogado-geral, apoiando-se nas conclusões do Caso BLP Group, considerou que o IVA pago a montante das prestações adquiridas possuem uma relação directa e imediata com a operação isenta, interrompendo assim a cadeia do IVA.

Ora o TJUE, no Caso SKF, vem pôr o acento tónico no facto de se saber se a sociedade que é sujeito passivo do IVA está ou não envolvida na gestão das sociedades em que tiver ocorrido a tomada de participação, sociedades estas que desenvolvem actividades tributadas.

Neste sentido, considerou o Tribunal que recusar o direito à dedução de IVA pago a montante por despesas de consultoria ligadas a uma transmissão de acções isenta em razão da envolvência na gestão da sociedade cujas acções são cedidas e admitir este direito à dedução para tais despesas ligadas a uma transmissão que se situa fora do âmbito da aplicação do IVA pelo facto de constituírem despesas gerais do sujeito passivo, levaria a um tratamento fiscal diferente de operações objectivamente semelhantes, em violação do princípio da neutralidade fiscal.

No que toca à dedução do IVA, o TJUE já concluiu no Caso Kretztechnik  que numa emissão de acções (apesar de ser, por si só, uma operação que não é abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA, dado não se qualificar como transmissão de bens ou prestação de serviços) efectuada num contexto de reforço de capital em proveito da actividade económica geral de uma sociedade, se considera que os custos das prestações adquiridas por uma sociedade fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos seus produtos.

Como decidiu o TJUE neste Caso, “O direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução (…).

Porém, admite-se igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo.” (cfr. §§ 57 e 58)

“Por fim, importa lembrar que o direito à dedução é conferido relativamente ao IVA pago a montante pelas prestações realizadas no quadro de operações financeiras se o capital adquirido com estas últimas operações tiver sido afectado às actividades económicas do interessado. Por outro lado, as despesas relacionadas com as prestações a montante têm uma ligação directa e imediata com as actividades económicas do sujeito passivo nos casos em que são exclusivamente imputáveis a actividades económicas efectuadas a jusante e, portanto, são parte apenas dos elementos constitutivos do preço das operações abrangidas pelas referidas actividades (v. acórdão Securenta, já referido, n.os 28 e 29).

Decorre do que antecede que deve responder-se  à terceira questão que o direito à dedução do IVA pago a montante sobre prestações destinadas a realizar uma transmissão de acções é conferido, por força do artigo 17.°, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva, na redacção resultante do seu artigo 28.° F, n.° 1, e do artigo 168.° da Directiva 2006/112, se existir uma relação directa e imediata entre as despesas relacionadas com as prestações a montante e o conjunto das actividades económicas do sujeito passivo.” (cfr. §§ 71 a 73)

Como salienta Rui Bastos, “Não se deverá ver condicionado o direito à dedução das despesas gerais susceptíveis de ser imputadas à componente tributada da actividade económica do sujeito passivo (serviços de apoio à gestão), como poderá acontecer com assistência jurídica contratada a terceiros, estudos em matéria de internacionalização do grupo, gastos administrativos, etc., desde que se comprove a afectação de recursos, como poderão ser os recursos humanos, à referida actividade tributada, qualificando-se aqueles encargos como gastos gerais da actividade e, como tal, respercutíveis no preço das operações tributadas e, portanto, susceptíveis de conferirem integral dedução do IVA, sendo que não se vislumbra, a este nível, nenhuma razão para um tratamento diferenciado de uma holding mista de uma sociedade operacional”.

Como nota o autor, seja numa holding mista, seja numa sociedade-mãe, seja ao nível da aquisição ou detenção, ou no plano da sua alienação, o tratamento em sede de IVA da dedutibilidade dos inputs deverá ser o mesmo. Tratar de forma diferente a dedutibilidade do IVA de inputs consoante a opção estratégia de organização empresarial ou um plano de negócios de expansão de uma actividade económica, seja pela constituição de uma filial ou a criação de uma mera sucursal, gerir directamente uma actividade tributada ou, por via indirecta, mediante a intermediação de uma participação, conduziria a um tratamento discriminatório de situações objectivamente idênticas.

Por sua vez, como o TJUE notou no Caso Abbey, “fazem parte das despesas gerais do sujeito passivo e, como tais, são elementos constitutivos do preço dos produtos de uma empresa. Com efeito, mesmo no caso de transferência de uma universalidade de bens, quando o sujeito passivo não realiza mais operações após a utilização dos referidos serviços, os custos destes últimos devem ser considerados inerentes ao conjunto da actividade económica da empresa antes da transmissão.” (cfr. § 35)

(…)

qualquer outra interpretação (…) seria contrária ao princípio que exige que o sistema do IVA seja de uma perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas da empresa, na condição de estas estarem elas próprias sujeitas ao IVA, e poria a cargo do operador económico o custo do IVA no âmbito da sua actividade económica sem lhe dar a possibilidade de o deduzir (ver neste sentido, acórdão Gabalfrisa (…)). Assim, proceder-se-ia a uma distinção arbitrária entre, por um lado as despesas efectuadas para os fins de uma empresa antes da exploração efectiva desta e das efectuadas no decurso da referida exploração e, por outro lado, as despesas efectuadas para pôr termo a esta exploração. Os diversos serviços utilizados (…) para os fins da transferência duma universalidade de bens ou de parte dela mantêm portanto, em princípio, uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica deste sujeito passivo.” (cfr. §§ 35 e 36)

Igualmente em Processo similar ao controvertido (Processo n.º 128/2012-T) já outro Tribunal Arbitral deste CAAD teve ocasião de se pronunciar, em 23 de Abril de 2013, sobre a dedutibilidade de despesas suportadas por uma sociedade operacional, “que tem como actividades principais a fabricação de … e produtos destinados à sua produção e adquire participações noutras sociedades e intervém na sua gestão com o objectivo de potenciar a sua actividade principal, designadamente expandindo internacionalmente a sua área de vendas a novos mercados e assegurando condições para a comercialização dos seus produtos.” A questão que se colocou foi a de saber se a Requerente poderia deduzir o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços necessários à aquisição dessas participações sociais e intervenção noutras empresas. Neste Caso invocou-se o Acórdão do TJUE de 6 de Setembro de 2012 proferido no Caso Portugal Telecom 50, que conclui no sentido de o direito à dedução nascer de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados pela Requerente em actividades que conferem direito à dedução, o IVA será dedutível, independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa actividade no confronto com a totalidade dos proveitos. Como se nota, a interferência da Requerente «na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica», para efeitos de tributação em IVA, estando a Requerente autorizada a deduzir o IVA pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito à dedução. Para além disso, como se refere no mesmo Acórdão, «admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo».

Nestes termos, concluiu aquele Tribunal que “Assim, tem cobertura legal a dedução pela Requerente de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo directo e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo directo e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais da Requerente que tenham nexo directo e imediato com o conjunto da sua actividade económica.”

(…)

Os serviços cuja dedução a AT não aceitou têm uma relação directa e imediata com as operações de financiamento e de fusão, encontrando-se directamente relacionados com a actividade económica prosseguida pela Requerente – uma actividade económica tributada em IVA, pelo que o IVA incidente sobre os mesmos deve ser directamente deduzido, conforme o explicitado supra, caso se possa devidamente comprovar a existência de um nexo entre as despesas (ainda que gerais) e a actividade económica da Requerente (ainda que no seu conjunto). Nomeadamente, importa verificar se os serviços em apreço foram prestados no contexto da operação de reestruturação e da gestão da actividade da Requerente ou foram por si suportados fazendo parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens e serviços que fornece. Isto é, se existe na situação controvertida um nexo de causalidade entre o imposto suportado e dedutível e a realização, por parte do sujeito passivo, de operações sujeitas a imposto e dele não isentas e se verificam os demais requisitos consagrados nos artigos 19.º e 20.º, n.º 1, do CIVA, para o exercício do direito à dedução do IVA incidente sobre os serviços adquiridos pela Requerente para efeitos da operação de reestruturação.”

No que toca concretamente aos efeitos da fusão, tal como se faz notar na decisão em apreço, Considerando-se que a transmissão do estabelecimento constitui em si mesma uma actividade económica, mantem-se o direito à dedução do IVA suportado a montante. Com efeito, embora a aquisição ou transmissão da totalidade de um património/fusão por incorporação configure uma operação não sujeita a IVA nos termos do artigo 19.º da DIVA, considera-se que tal operação mantém uma relação directa e imediata com a actividade económica do sujeito passivo, assistindo-lhe, nomeadamente, o direito de deduzir o IVA incluído nas despesas suportadas para efeitos daquela operação, ainda que não haja lugar a liquidação de imposto ao abrigo daquele normativo.

Assim, desde que as sociedades envolvidas numa fusão por incorporação não tenham limitações no seu direito à dedução e que a sociedade incorporante não seja um sujeito passivo misto, realizando apenas operações tributadas que conferem direito à dedução o facto de não se liquidar IVA na transmissão não prejudica nem produz qualquer impacto no direito à dedução do IVA suportado a montante para efeitos dessa operação de transmissão de património. Como nota Cidália Lança a este propósito, “A não sujeição da transmissão da universalidade de bens não invalida que as despesas efectuadas pelo transmitente para permitir a realização dessa operação confiram direito à dedução, uma vez que fazem parte das despesas gerais desse sujeito passivo, mantendo uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica por si desenvolvida (cf. acórdão do TJUE de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colect., p. I-1361, n.ºs 35 e 36).

Do princípio de continuidade subjacente à operação de fusão decorre que a sociedade resultante da fusão assume os direitos e obrigações das sociedades fundidas, incluindo, como reconhecido pela doutrina e acolhido genericamente na jurisprudência, os respeitantes a matérias fiscais. Como vem afirmando o STA em várias decisões, “independentemente da posição que se assuma acerca da natureza jurídica da fusão (…), a extinção da personalidade jurídica própria da sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres, antes, por expressa disposição legal estes se “transmitem” para a sociedade incorporante, seja porque esta sucede aquela, em conformidade com a teoria da sucessão universal, seja porque as situações jurídicas de que era titular a sociedade incorporada permanecem inalteradas ao longo do processo de fusão para se reunirem numa nova entidade, em conformidade com a teoria do acto modificativo”. Neste sentido, conclui que, “(…) por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do CSC, para a sociedade incorporante “se transmitem” ou nela “se reúnem”, como efeito da inscrição da fusão no registo comercial, os direitos e obrigações da sociedade incorporada, não sendo as obrigações fiscais excepção a essa regra (…).”

No que respeita especificamente ao IVA, a assunção pela sociedade resultante da fusão dos direitos e obrigações das sociedades fundidas implica passar a incumbir-lhe dar cumprimento às obrigações impostas pela legislação deste imposto pela actividade que desenvolve, ainda que tais obrigações respeitem a factos tributários ocorridos na esfera das sociedades fundidas antes da fusão, bem como responder pelas dívidas fiscais daquelas.

Como salienta Cidália Lança, “Na mesma ordem de ideias, entende-se que a sociedade resultante da fusão pode, nos termos previstos nos artigos 19.º e seguintes do CIVA, exercer o direito à dedução do imposto suportado para a realização de operações efectuadas pelas sociedades fundidas em data anterior à fusão, desde que tal direito não tenha já sido exercido na esfera destas últimas. Estarão nestas circunstâncias facturas cuja emissão possa ocorrer já após a fusão, mas também facturas com data anterior mas que sejam recepcionadas pela sociedade fundida após aquela data. O direito à dedução do IVA inserido em tais facturas deve ser exercido em declaração periódica apresentada pela sociedade resultante da fusão relativa ao período em que ocorreu a sua recepção ou a período posterior àquele. Importa referir que a circunstância de a factura estar emitida em nome de uma sociedade fundida não deve obstar ao exercício do direito à dedução pela sociedade resultante da fusão; tal é uma decorrência de nela terem sido incorporados os direitos das sociedades fundidas, mas também do efeito de neutralidade que está inerente à aplicação da regra de não sujeição a tais tipos de reestruturações empresariais.”

 

2. Do pagamento de juros indemnizatórios

 

Nestas circunstâncias, preconiza a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que deve encontrar-se preenchido o pressuposto do “erro imputável aos serviços” que o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, reclama para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios.

Como se refere no Acórdão do STA, no Processo n.º 049/16, de 10 de Maio, que acompanhamos: “Foi esta a solução sustentada pelo citado acórdão de 02-12-2015, do Pleno desta Seção, Proc. 01524. Como se escreveu no acórdão deste STA, de 30-05-2012, proc. 410:

“Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.

Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».

Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPTT.

Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531..)

O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.

Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.

Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.”

 

 

V. Aplicação ao caso concreto

 

Atendendo ao que vimos referindo, e considerando a matéria dada como provada, importa aferir da legitimidade da pretensão da Requerente para deduzir o IVA suportado nos serviços em causa.

Desde logo, importa notar que a actividade da B... não se extinguiu com a operação de fusão, pelo que nunca se poderá argumentar que a mesma se esgotou na aquisição do capital social da C... .

Em nosso entendimento, estamos no caso concreto perante uma operação de reestruturação que deve ser vista como um acto de gestão conducente a uma acrescida racionalidade económica, devendo os serviços em apreço e a aquisição de participações sociais ser devidamente analisada neste contexto.

Como vimos, o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA sendo garante de uma correcta aplicação do princípio basilar da neutralidade do imposto e não pode, em princípio, ser limitado, de onde decorre que qualquer limitação ao mesmo deve ser interpretada restritivamente.

Por outro lado, é acto claro que se adquire o direito à dedução do IVA suportado nos denominados actos preparatórios.

Regra geral, para serem passíveis de dedução os bens ou serviços adquiridos a montante devem apresentar uma relação directa e imediata com as operações a jusante que conferem direito à dedução, sendo indiferente o objectivo final prosseguido pelo sujeito passivo.

Como vimos, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, ainda que possa não existir um link directo e imediato das operações a montante com as operações a jusante, a dedução do IVA será ainda assim permitida desde que as operações a montante possam ser enquadradas no conjunto das despesas gerais relacionadas com a actividade económica do sujeito passivo.

Com efeito, no que se reporta à amplitude do conceito de “relação directa e imediata” entre os inputs que contêm IVA objecto de dedução e as operações tributadas do sujeito passivo, o TJUE tem vindo a acolher uma interpretação cada vez mais abrangente, nomeadamente, no que se refere à gestão de participações sociais, sendo que o estabelecimento de um nexo causal entre o IVA dedutível e uma determinada operação, individualizada e concretizada, não poderá ser acolhido.

Assim, de acordo com a jurisprudência do TJUE, “admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo.”

Como começámos por referir, a questão essencial no presente processo consiste em aferir se a Requerente tinha ou não intenção de desenvolver uma actividade económica tributada em IVA e se não houve abuso. Ora, resulta dos factos provados que as prestações de serviços cuja dedução do IVA é controvertida foram efectuadas à B... quando esta, mediante a aquisição da participação no capital social da C..., tinha a intenção (objectivamente comprovada) de exercer uma actividade económica que consistia em prestar à B... serviços tributados em IVA.

Dada a aludida jurisprudência do TJUE, conclui-se que a Requerente tem razão, tendo a B... agido enquanto sujeito passivo quando adquiriu as despesas relacionadas com essas prestações de serviços.

Resulta dos factos que a B... tinha intenção de desenvolver uma actividade económica e foram emitidas facturas que o comprovam (cf. docs n.ºs 16 e 17), pelo que as despesas devem ser dedutíveis. O contrato de prestação de serviços em causa (doc. n.º16) prevê expressamente a realização de serviços que extravasam a mera gestão de participações sociais e as facturas referem-se expressamente ao acordo, pelo que se afigura existir um nexo entre as despesas e a realização da actividade económica no sentido preconizado pelo TJUE.

             Termos em que entendemos igualmente que deve proceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios por se encontrarem verificados os respectivos requisitos.

 

VI. Decisão

 

Termos em que se decide:

 

  • Julgar procedente o pedido arbitral quanto à ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa no referente ao IVA dedutível no montante de valor de EUR 568.026,24, e a consequente:
  • Anulação total seguintes liquidações adicionais feitas com base em correcções efectuadas pelos SIT da Direcção de Finanças do Porto: liquidação n.º ..., com referência ao período 2017/03T, liquidação n.º..., com referência ao período 2017/06T, liquidação nº..., com referência ao período 2017/09T, liquidação n.º ..., com referência ao período 2017/12T e liquidação n.º ..., com referência ao período 2018/03T;
  • Anulação das seguintes demonstrações de liquidação de IVA e demonstrações de liquidação de juros de IVA: demonstração de liquidação de IVA n.º 2019..., no valor de EUR 130.686,29 e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., no mesmo montante, demonstração de liquidação de juros de IVA .n.º 2019..., no valor de EUR 6.960,38 e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., no mesmo valor, todas com referência ao período 2017/06T e demonstração de liquidação de IVA n.º 2019..., no valor de EUR 13.455,87 e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., no mesmo valor, demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2019..., no valor de EUR 585,42 e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., no mesmo montante, todas com referência ao período 2017/09T.

 

  • Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios relativamente ao IVA dedutível no montante de EUR 151.687,96, contados a partir da data do indeferimento da reclamação graciosa.

 

VII. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 568.026,24, (quinhentos e sessenta e oito mil, vinte e seis euros e vinte e quatro cêntimos).

 

VIII. Custas

 

Não tendo sido o Tribunal constituído nos termos previstos no nº 1 e na alínea a) do nº 2, do artigo 6º, do RJAT, não tem lugar a fixação do montante das custas e sua repartição pelas partes (Cfr artigo 22º-4, do RJAT).

 

Notifique-se.

 

 

 

Lisboa, 6 de Dezembro de 2021

Os Árbitros

 

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

 

António Lima Guerreiro

(Vencido conforme declaração junta)

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

1-Em meu entender, a Requerente não tem direito à dedução pretendida porque, ao adquirir as partes sociais em causa da C... SA, não agiu como sujeito passivo do IVA, mas como consumidor final dos serviços prestados. Essa conclusão resulta de uma interpretação meramente declarativa, assente no seu teor literal, portanto não restritiva, das normas do sistema comum IVA que regulam o direito de dedução do IVA, que a maioria do tribunal arbitral optaria por não considerar.

 

A jurisprudência do TJUE, Acórdão de 14/11/2000, proc. C-142/99 (Caso

 Floridienne), entenderia não ter a qualidade de sujeito passivo do IVA e a titularidade do  direito à dedução referido no art. 19º  da Sexta Diretiva uma “holding” cujo único objeto, ainda que meramente de facto,  seja  a tomada de participações noutras empresas sem que essa interfira direta ou indiretamente na gestão das empresas, com ressalva dos direitos que a dita “holding” detenha na sua qualidade de acionista ou de sócia. Esta conclusão funda-se, nomeadamente, no reconhecimento de que a simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma atividade económica na aceção da Sexta Diretiva (Acórdãos de 20/7/91, proc. C-69/90, caso Polysar, e de 22/6/93, proc. C-333/91, caso Sofitam). No período entre a que se reporta o pedido de reembolso, desde a aquisição das partes sociais da C... SA até à cessação de atividade resultante da incorporação I..., S.A.R.L, a Requerente agiu como “holding” de facto, não tendo exercido qualquer atividade para além da detenção dessas participações sociais, da qual podem ter resultado dividendos não tributáveis em  IVA.

 

Segundo tal jurisprudência, apenas ocorre uma atividade económica se a participação é acompanhada pela interferência direta ou indireta, com carácter reiterado e não meramente ocasional,   na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participação, através da prestação de serviços sujeitos a IVA,  sem prejuízo dos direitos que o detentor das participações tenha na qualidade de acionista ou de sócio. Tais serviços, como se referiu, não foram prestados pela Requerente à participada até à cessação de atividade.

 A prova do direito à dedução cabe a quem o invoca e não daquele contra quem esse direito é invocado (Acórdão do TJUE de 21/12/2018, proc. C-664/16, caso Lucre.iu Hadrian Vadan, nºs 43 a 45).

Como é sabido, as atividades económicas sujeitas a IVA podem consistir numa sucessão de atos consecutivos, independentemente da forma jurídica de que estes se possam revestir, com  a consequente extensão do âmbito do imposto a todas as fases de produção e distribuição dos bens e das prestações de serviços.  Tais atos podem ser anteriores à fase operacional da vida da empresa, inserir-se nessa fase operacional ou integrarem já a liquidação do seu património.

A neutralidade do IVA, com efeito, reclama que as despesas de investimento iniciais, efetuadas em função das necessidades da empresa, sejam consideradas como atividade económica para efeitos do exercício do direito à dedução.

Assim. o IVA incidente sobre os bens e serviços adquiridos antes do início da realização pelo sujeito passivo de operações ativas sujeitas a imposto, mas cuja aquisição seja considerada necessária a essas hipotéticas operações futuras, é dedutível.

Essa é uma doutrina pacífica.

A inadmissibilidade da dedução do IVA suportado nos atos preparatórios não foi, no entanto, fundamento da liquidação controvertida, mas a inobservância dos requisitos legais de que essa dedução do IVA, não se compreendendo, assim, a pronúncia do Tribunal Arbitral sobre essa falsa questão.

2-Tal doutrina da dedutibilidade do IVA suportado em atos preparatórios seria iniciada nos nºs 22 e 23 do Acórdão do TJUE de 4/2/85, proc. C-268/83 ,  caso Rompelman, com fundamento no  Parágrafo 1º  do art. 4º da então 6ª Diretiva, que  definiria  como sujeito passivo  qualquer pessoa que exercesse de modo independente em qualquer lugar uma das atividades referidas no nº 2, independentemente do fim ou resultado dessa atividade.

Segundo o nº 24 desse Acórdão, cuja jurisprudência seria continuada, entre muitos outros, pelo Acórdão C-664/18, é à entidade que invoca o direito à dedução que cabe demonstrar, sempre que necessário, relativamente a cada concreta operação, a condição de sujeito passivo do IVA.

Quando a administração fiscal o exija, deve, deste modo, a entidade que invoca o direito à dedução justificar, através de elementos seguros, a sua qualidade de sujeito passivo do imposto, “máxime” por  os atos de investimento preparatórios do início de atividade  estarem estreitamente ligados entre si e serem  necessários à futura exploração do bem. 

Assim, o IVA suportado a quando da aquisição de partes sociais apenas é dedutível quando o adquirente demonstre através de elementos objetivos,  a intenção do exercício de uma atividade económica, consistente na  prestação à sociedade participada desse tipo de serviços( contabilísticos, administrativos ou financeiros, neste caso, desde que não incluídos na isenção do art. 9º, 27º do CIVA, como é o caso da concessão de crédito, prestação de garantias e intermediação em contratos celebrados pelas participadas).

Na verdade, resulta claramente dos arts. 26º a 32º da Resposta da Requerida que esta não põe em causa o exercício do direito à dedução antes do início da atividade tributada, mas antes a inexistência de elementos objetivos que suportem essa intenção.

 

Tal interpretação  de acordo com a qual é  ao sujeito passivo do IVA que cabe confirmar com elementos objetivos a intenção  do exercício de uma atividade económica enquanto necessário pressuposto do direito à dedução a preencher a quando da aquisição dos bens e serviços sujeitos a IVA,  seria confirmada pela jurisprudência nacional(Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul   de  8/1/2015,  proc. 08165/14  , e 29/4/2021, proc. 37210.9BELLE), o que está de harmonia com o direito fiscal interno. [1]Na medida em que o investimento pode ter, mas não tem de ter necessariamente como objetivo a exploração económica de um bem, como evidencia o nº 12 desse Acórdão do TJUE proc. C-268/83, a declaração de vontade dos sujeito passivos evidenciada na declaração periódica não é, com efeito, suficiente para o exercício do direito à dedução, devendo ser concretizada por outros fatos e circunstâncias. Essa doutrina seria, mais recentemente, reforçada -e não abalada, pelo nº 18 do Acórdão do TJUE de 17/10/2018, proc. C‑249/17, o chamado Caso Ryanair, e jurisprudência aí referida,   que declara dever ser considerada sujeito passivo apenas a  pessoa que, a quando da aquisição dos serviços,  tenha a intenção, confirmada por elementos objetivos, de iniciar de modo independente uma atividade económica e que, para esse fim, efetue as primeiras despesas de investimento.

 

Também a maioria do tribunal arbitral optaria por não considerar esta jurisprudência, para a qual é elemento decisivo do direito à dedução a comprovação da intenção do exercício de uma atividade económica a quando da aquisição dos serviços, fundamentando-se a sua posição em que a administração fiscal não demonstrou qualquer comportamento abusivo ou fraudulento da Requerente.

 

Ora, de acordo com essa jurisprudência do TJUE, a não comprovação com elementos objetivos da intenção do exercício de uma atividade económica implica necessariamente a recusa da dedução, não sendo de exigir à administração fiscal provas adicionais de abuso ou fraude, que, ainda quando possíveis, seriam sempre desnecessárias.

 

Caso a entidade não tenha adquirido o bem na qualidade de sujeito passivo, não pode deduzir o imposto suportado a quando da posterior utilização ou transmissão , ainda que estas sejam efetuadas já na condição de sujeito passivo que entretanto adquirira em virtude de ter passado a realizar operações tributáveis (Acórdão do TJUE de 2/6/2005,  proc. C-378/02, caso Watershap ZeeuW Vlaanderen). Na mesma linha, o Acórdâo de 11/7/91, do TJUE, proc. nº C-97/90, caso Hansgeorg Lennartz, esclareceria  o  nº 2 do art. 2º, da Sexta Diretiva, que diz respeito aos ajustes das deduções do IVA inicialmente feitas  em relação aos bens de capital, se limitar a  estabelecer o procedimento de cálculo dos ajustes à dedução inicial, não podendo, portanto, dar origem a qualquer novo direito de deduzir ou converter o imposto pago por uma pessoa tributável em relação às suas transações não tributáveis em impostos que sejam  dedutíveis no sentido do art. 17º. Para que essa norma seja aplicável, com o consequente reconhecimento do direito à dedução, é  necessário que uma pessoa adquira bens de capital no exercício da sua  capacidade como pessoa tributável, ou seja, enquanto sujeito passivo, e  os venha a alocar, ainda que não  necessariamente de modo imediato,  à sua atividade económica no sentido do art. 4º da Sexta Diretiva.

 

Assim, a realização de operações sujeitas a IVA posteriormente à dedução inicial que deva ser considerada indevida em virtude da inexistência, a quando da aquisição,  de qualquer efetiva intenção do exercício de uma atividade económica,  não confere retroativamente à entidade adquirente  a condição de sujeito passivo do IVA agindo nessa qualidade, juízo que  aparentemente o presente  Acórdão contraria.

 

3- Nenhum elemento objetivo confirma que a aquisição das partes sociais da C... SA visou a prestação de serviços contabilísticos, administrativos e financeiros sujeitos a IVA, que, pelos motivos a seguir expostos, seria sempre proibida.

 

No momento dessa aquisição, a Requerente não prestava, com efeito, quaisquer serviços contabilísticos, administrativos ou financeiros sujeitos a IVA, quer a outras sociedades participadas, quer a terceiros e em boa verdade não exercia qualquer atividade económica direta ou indireta, já que se mantinha em situação de total inatividade [2]

 

Segundo o respetivo contrato de sociedade, a atividade da B... consistia  na produção de energia eólica, geotérmica, solar ou de outra origem   renovável ou qualquer atividade conexa com essa produção  , incluindo  a participação  em sociedades ou agrupamentos complementares de sociedades que prosseguissem as mesmas atividades, não contendo qualquer menção à prestação de serviços intra-grupo de natureza administrativa, contabilística e financeira.

 

Em conformidade, a B... encontrava-se inscrita com a atividade principal de produção de produção de energia elétrica correspondente à Classificação de Atividade Económica (“CAE”) 35113-R3 .

 

Dos factos provados não resulta, no entanto, que, até à fusão por incorporação da Requerente na I..., S.A.R.L. , ocorrida a 24/7/2018,   aquela    tivesse exercido efetivamente a atividade de produção de eletricidade e que dispusesse ou sequer tivesse procurado  reunir os meios humanos e materiais necessários ao seu desempenho.

 

Do mesmo modo, a B... não invocou  quaisquer razões  alheias  à sua vontade que  a tivessem impedido ou sequer dissuadido, por razões empresariais, o exercício da atividade de produção de energia elétrica

 

Por outro lado, não era a B...  estatutariamente, por o seu objeto ser uma atividade económica direta, a produção de energia elétrica, uma sociedade gestora de participações sociais em sociedades (SGPS) (“CAE” 64201 e 64202 R3), não estando, assim, abrangida pelo regime do DL nº 495/88, de 30/12. Caso fosse, ser-lhe ia permitida a realização concentrada e especializada de serviços intra-grupo sujeitos a IVA no âmbito da gestão dessas participações.

 

A   atividade  principal da Requerente é , aliás , expressamente proibida às  SGPSs , nos termos do nº 1 do art. 1º desse DL, que declara estas  terem   por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, constituindo o exercício de uma atividade económica direta  por SGPS fundamento de responsabilidade contra-ordenacional e da dissolução pelo tribunal , nos termos respetivamente do  art. 13º e da  2ª parte do nº 2 do art. 8º desse DL:

 

Para efeito dessa proibição, apenas não são considerados atividade económica direta, nos termos do nº 1 do art. 4º, os serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas das sociedades em que possuam a participação prevista no nº 2 do art. 1º ou com as quais tenham celebrado contrato de subordinação e não a produção de energia elétrica.

 

Em consequência de não ser uma SGPS e o seu objeto social ser a produção de energia elétrica, não podia, nos termos da 1ª parte do nº 1 do art. 8º do DL nº 495/88, ter como único objeto de facto a gestão de participações sociais sob pena igualmente de dissolução pelo tribunal e aplicação das sanções previstas no art. 13º

 

 É de referir que, segundo o nº 35 do Acórdão do TJUE de 20/6/96, proc. C-155/94 (caso Well Come, Trusts, Ltd.) não deve inferir-se haver intenção do exercício de uma atividade económica, quando esta seja proibida pela legislação do Estado membro onde é exercida.

 

Assim, a prestação de serviços contabilísticos, administrativos e financeiros a uma sociedade participada por uma sociedade que, tendo outro objeto contratual, atue exclusivamente como  “holding” de fato,  não é suscetível de revelar a intenção do exercício de qualquer atividade económica, o que não foi considerado pela maioria dos membros deste Tribunal Arbitral.. 

 

Ainda que tais proibições legais não fossem aplicáveis, a Requerente não provou a existência de qualquer vínculo contratual vigente no momento da aquisição da sociedade participada através do qual se comprometesse futuramente a prestar-lhe, a título oneroso, serviços contabilísticos, administrativos e financeiros, interferindo na sua gestão, o que apenas seria possível, dado o não efetivo exercício de qualquer outra atividade económica, caso fosse estatutariamente uma SGPS.

 

A não ser que se considere elemento objetivo confirmativo do direito à dedução o facto de esta ter sido exercida a quando da declaração periódica, ou qualquer justificação “ad  hoc” , não confirmada por quaisquer elementos objetivos, do alegado sujeito passivo, o que seria  falacioso, não se vislumbra  como a Requerente , a quando da aquisição,    tenha comprovado a intenção da prestação às participadas . serviços contabilísticos, administrativos e financeiros, com a consequente interferência na sua gestão, o que seria encargo seu.

 

4-- Tem sido jurisprudência do TJUE ( nº 21 do Acórdão de 29/2/96, proc. 110/94, Caso Inzo), que, a  partir do momento em que a administração fiscal aceitou, com base nos dados fornecidos por uma empresa, que lhe seja atribuída a qualidade de sujeito passivo, este estatuto já não pode, em princípio, ser‑lhe depois retirado com efeitos retroativos devido à ocorrência ou não ocorrência de determinados acontecimentos alheios à sua vontade  , salvo em caso de fraude ou abuso.

 

É, assim, a aquisição de bens ou serviços por um sujeito passivo agindo nessa qualidade que determina a aplicação do regime do IVA e, portanto, do mecanismo da dedução., que apenas pode ser alterado com fundamento quando se demonstre o sujeito passivo ter obtido esse estatuto indevidamente. 

 

Segundo o nº 39 do Acórdão de 18/2/2018, proc. C-672/16(Caso Miramofloresmira — Investimentos Imobiliários S.A), a utilização que é dada aos bens, ou que lhes é destinada, apenas determina o montante da dedução inicial a que o sujeito passivo tem direito, nos termos do art. 168.o da Diretiva IVA, e o âmbito das eventuais regularizações nos períodos seguintes, mas não afeta o surgimento do direito à dedução.

 

Daqui resulta, segundo o nº 40 desse Acórdão, que o direito a essa dedução subsiste, em princípio, mesmo que, posteriormente, em razão de circunstâncias estranhas à sua vontade, o sujeito passivo não faça uso dos referidos bens que deram origem à dedução no âmbito de operações tributadas[3].

 

Como resulta da citada jurisprudência , a sua doutrina pressupõe que  a não afetação posterior  à aquisição dos bens ou serviços  a uma atividade tributada por sujeito passivo que obteve o seu estatuto regularmente  lhe não   seja imputável em nomeadamente em  virtude de a atividade prevista não ser permitida ou não ter  sido autorizada ,  ou , em consequência da realização de estudos posteriores ou outros elementos entretanto conhecidos, não se terem verificado as condições  de que dependia a passagem do projeto à fase operacional. circunstâncias que caberia, no presente caso ao sujeito passivo que invoca a titularidade do direito à dedução provar, o que não fez.

 

Não compreende os casos de obtenção indevida do estatuto de sujeito passivo pela inexistência de qualquer intenção a quando da aquisição justificada por critérios objetivos de afetação dos bens ou serviços a uma atividade tributada.

 

Uma opção de gestão posterior de afetação dos bens e serviços a uma atividade tributada, ainda que legítima, não confere retroativamente à entidade que não comprovou a existência dessa intenção a quando da dedução inicial,  

 

5- À obtenção indevida do estatuto de sujeito passivo aplica-se a doutrina do Acórdão do TJUE de 17/9/2020, proc. C-791/18, que prevê a totalidade da dedução inicialmente efetuada a título desse bem seja objeto de uma regularização numa única vez, se, no momento dessa primeira utilização, se verificar que essa dedução não corresponde àquela a que o sujeito passivo tinha direito com base na utilização efetiva do referido bem, que, aliás, fundamenta a liquidação impugnada.

 

Com efeito, mesmo que a Requerente, a quando da aquisição, tivesse atuado como sujeito passivo, a verdade é que a utilização prevista para os bens ou serviços adquiridos ,   não é  suficiente para que se considere preenchido o direito à dedução . Essa intenção deve ser posteriormente concretizada, salvo quando a não concretização se deva a razão independente da vontade do sujeito passivo, ou seja, a causas reais e não fictícias.

 

Com efeito, a utilização efetiva desses bens ou serviços deve corresponder à utilização prevista: caso contrário, uma vez demonstrado o imposto ter sido indevidamente  deduzido, cabe à administração fiscal reagir, promovendo , as necessárias regularizações e,  se for o caso, a competente liquidação adicional[4].

 

Como salientariam os nºs 51 a 53   do Acórdão do TJUE de 12/12/2020, proc. C-42/19,  caso Sonaecom, SGPS, SA,o direito de deduzir o imposto pago a montante, consagrado nos arts. 17º e sgs. da 6ª Diretiva- atuais 167º e sgs. da Diretiva IVA - por fazer parte do mecanismo do IVA, não podendo, em princípio ser limitado, e podendo ser exercido de imediato em relação à totalidade do imposto que tiverem onerado as operações a montante, baseia-se  numa perspetiva que assenta eminentemente na utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos pelo sujeito passivo,  que prevalece sobre a utilização planeada antes do início da atividade operativa. 

 

Estava em causa a dedução do IVA suportado a montante na aquisição de serviços remunerados através de uma comissão paga a uma instituição de crédito pela organização e montagem de um empréstimo obrigacionista destinado a realizar investimentos num determinado setor, consistentes na aquisição de participações sociais em outra sociedade, quando, em consequência de uma prospeção do mercado entretanto concluída ,  esses investimentos tenham  acabado por não se concretizar e o capital obtido através desse empréstimo tenha sido integralmente  concedido sob a forma de empréstimo à sociedade-mãe do grupo, que integra o tipo de operações isentas sem direito à dedução abrangidas pela alínea a) do 27º do era. 9º do CIVA.

 

Entendeu o TJUE que deveria prevalecer, sobre a utilização planeada, a posterior utilização efetiva dos fundos obtidos com o empréstimo obrigacionista numa operação isenta de imposto, com o consequente afastamento do direito à dedução.[5]

 

Essa conclusão extrair-se-ia desde logo de a alínea a) do nº 2 do art.17º  da Sexta Diretiva, correspondente ao art.173º da atual  Diretiva IVA autorizar o sujeito passivo a  deduzir o imposto pago a montante, apenas desde que os bens e os serviços «sejam utilizados» para os fins das próprias operações tributáveis e não para os fins de operações não tributáveis, sujeitas ou, ainda que não sujeitas, isentas sem direito à dedução.

 

Essa  relação seria  necessária para que fosse reconhecido ao sujeito passivo o direito a dedução do IVA pago a montante e para determinar a extensão de tal direito. [6]

 

Assim,  segundo os  nºs 57  e 58º do mesmo  Acórdão C-42/2019, que evocariam para o efeito. o   nº 6 do art. 20.° da Sexta Diretiva e o nº55 das Conclusões da Advogada- geral, no obrigatório ajustamento do imposto a montante, a dedução deve ser adaptada com a maior exatidão possível à utilização efetiva, a fim de se evitarem «vantagens ou [...] prejuízos injustificados» para o sujeito passivo.

 

Assim, a 6ª Diretiva basear-se-ia na lógica de que a dedução do imposto pago a montante pelo sujeito passivo deve corresponder com a maior exatidão possível à utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos por aquele. Em caso de inexistência dessa correspondência, independentemente da boa fé do sujeito passivo, o direito à dedução não pode ser reconhecido.

 

De acordo com o nº 59 do Acórdão C-42/19, uma utilização efetiva dos bens e dos serviços prevalece necessariamente sobre a intenção inicial.[7]

 

Ora, os serviços que originaram o imposto devido não foram utilizados no exercício de uma atividade sujeita a IVA mas no âmbito de uma atividade não compreendida no campo do imposto, a saber, a detenção de participações sociais, sem qualquer interferência na gestão das sociedades participadas.

 

6-Invoca a Requerente que, antes da fusão por incorporação, já exercia uma atividade económica através da prestação de serviços contabilísticos, administrativos e financeiros às participadas e que, com a fusão por incorporação, a sociedade incorporante visaria prosseguir  essa atividade, sucedendo-lhe, motivo pelo qual  inexistiria fundamento para qualquer regularização e consequente realização da liquidação impugnada.

 

No entanto, para efeitos do direito à dedução, releva a intenção objetiva da prossecução de uma atividade económica a quando da aquisição dos bens, que a Requerente não demonstrou. A ter havido opção pelo exercício de uma atividade económica através da prestação de serviços contabilísticos, administrativos e financeiros às participadas, ela foi posterior à aquisição dos bens e serviços que originou a dedução do IVA e à própria fusão por incorporação.

 

Mesmo que assim fosse, inexiste a sucessão da I..., S.A.R.L.na atividade desenvolvida pela Requerente. 

 

É certo que o Acórdão do TJUE de 27/11/2003, proc. C-497/01, nº 29, caso Paper Consult SRL, o nº 8 do art. 5º da Sexta Diretiva prevê, na primeira fase, que os Estados-Membros possam  considerar que a transmissão de uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e que o beneficiário sucede à pessoa do cedente, possibilidade exercida pelo Estado português no nº 4 do art. 3º do CIVA. Assim, quando um Estado-Membro fizer uso desta faculdade, a transmissão de uma universalidade de bens ou de parte dela não é considerada entrega de bens para efeitos da Sexta Diretiva, mas a mera continuação do exercício de uma atividade económica. 

 

A sucessão da sociedade incorporante nos direitos resultante da atividade da sociedade incorporada pressupõe, no entanto, não apenas que a sociedade incorporada dispusesse dos meios necessários para o exercício dessa atividade, como que o início desta fosse anterior à incorporação.

 

Ora, como ficou amplamente demonstrado, antes da incorporação, a Requerente  nunca exerceu qualquer atividade económica , seja de produção de eletricidade, seja de gestão de participações  sociais, através da  prestação de serviços contabilísticos, administrativos e financeiros à sociedade  participada, nem dispunha nem procurou  meios para o fazer.

 

Em especial, tais serviços contabilísticos, administrativos e financeiros jamais viriam a ser prestados pela Requerente à sociedade participada, nem se provou qualquer intenção efetiva daquela primeira sociedade   de futuramente os prestar.

 

Tal é confirmado pelo “Services Agreement” de 5/12/2018, junto pela Requerente a quando da reclamação graciosa que obriga apenas a sociedade incorporante L., a prestar à sociedade cessada H... SA e/ou às suas subsidiárias serviços de administração geral, de gestão, de desenvolvimento comercial e financeiros, que, na totalidade, estão sujeitos a IVA, mediante o pagamento de um fee  e não a sociedade cessada prestar serviços dessa natureza  à sociedade incorporante.

 

Tais serviços foram prestados à Requerente pela I..., S.A.R.L., ao contrário da Requerente,  uma “holding” financeira de direito luxemburguês destinada à rentabilização dos investimentos dos seus membros através de serviços que na sua maior parte, estão sujeitos e não isentos de IVA , e não pela Requerente  à participada . Ao contrário da Requerente, a “holding “ luxemburguesa já anteriormente à incorporação dispunha dos meios técnicos e humanos necessários para prestar às participadas serviços sujeitos a IVA para cuja aquisição eventualmente suportou IVA dedutível.

 

A interpretação  de que esse “Services Agreement” visa assegurar a continuidade pela sociedade incorporante da atividade da prestação de serviços às participadas que alegadamente vinha sendo desenvolvida pela sociedade incorporada não tem, deste modo, qualquer  fundamento  por ausência total de atividade desta anterior à incorporação.

 

Tal “Services Agreement” tem efeitos retroativos, a partir de 1/12/2018, anteriormente, assim, à fusão por incorporação, e foi contratado entre a I..., S.A.R.L  e Requerente, a quando da celebração do contrato já na  situação de cessada desde o 24/7/2018 .

 

No termo do ano de 2018, após o a conclusão da ação inspetiva, a sociedade incorporante debitou à sociedade cessada e de atividade entretanto não reiniciada, a Requerente, serviços prestados no ano de 2018, no montante total de € 1.955.615,72 mencionando na respetiva fatura o IVA ser devido pelo adquirente(“reverse charge”).

 

A Requerente não refere se, por esses serviços, auto- liquidou IVA, nos termos da alínea a) do nº 6 do art. 6º do art. 6º do CIVA, sendo certo, no entanto, tal documento a condição de adquirente- e não prestadora- dos serviços aí referidos.

 

Assim, de acordo com  o “Services Agreement” junto, a Requerente apenas foi beneficiária e não prestadora de serviços prestados pela sociedade incorporante e não realizou quaisquer operações ativas antes da incorporação.

 

Finalmente, na fusão por incorporação transmitem-se para a sociedade incorporante apenas os direitos da sociedade incorporada efetivamente existentes a quando da operação (“ nemo plus iuris tranferrre potest quam ipse habet”), em que não incluíria o direito à dedução do IVA.

 

De modo algum se pode concluir da fusão por incorporação resultar para a sociedade incorporada um estatuto retrospetivo de sujeito passivo que não tinha desde a aquisição dos bens e serviços até à incorporação e que abrange o próprio período em que estava cessada . Não tem sustentação a tese de a atividade da sociedade incorporante constituir o prolongamento direto, permanente e necessário da atividade de uma sociedade incorporada inativa, sem quaisquer meios para desenvolver uma atividade sujeita a IVA.

 

 

                                                         O árbitro

 

 

                                     (António de Barros Lima Guerreiro)

 

 



[1]Na verdade,  nos termos do nº 1 do art. 74º da Lei Geral Tributária (LGT) e nº 1 do art. 342º do Código Civil(CC), é ao titular do direito à dedução que cabe demonstrar os seus pressupostos  perante a administração fiscal e não a esta que cabe  provar o facto negativo da inexistência de

 

 

[2] De acordo com o 2.2.3.2. do Acórdão do STA de 28/4/2021, proc. 0252107.5BEPRT, citando abundantemente a  jurisprudência do TJUE  , o nexo com a atividade económica, inexistente  quando a holding se dedique apenas à gestão de participações sociais , manifesta-se  com a posterior prestação  à sociedade a adquirir serviços remunerados intra-grupo que a “holding  já anteriormente vinha a realizar. Tal seria  critério bastante para que a aquisição das participações sociais se considerasse  uma atividade económica e, como tal, o IVA dos encargos com a sua aquisição possa também ser deduzido Fora desses casos,  quando a gestão das participações sociais não era  exercida antes da aquisição nem tinha enquadramento nos estatutos do sujeito passivo, esse gestão situa-se fora do campo do IVA, o que seria suficiente para a exclusão do direito à dedução no caso discutido no presente processo.

 

 

[3] O  nº 41 desse Acórdão rejeitaria  a interpretação adotada pela Autoridade Tributária e Aduaneira portuguesa de acordo com a qual  o facto de um edifício estar desocupado por um determinado período interromperia  a afetação do imóvel aos fins da empresa, obrigando o sujeito passivo a proceder à regularização do imposto deduzido, mesmo se se provasse que este último teve sempre a intenção de continuar a exercer uma atividade tributada

No entanto, segundo o nº 42 do mesmo Acórdão, resulta da jurisprudência referida nos n.os 39 e 40 anteriores  que um sujeito passivo mantém o direito à dedução, uma vez que esse direito surgiu, ainda que esse sujeito passivo não possa, por razões independentes da sua vontade, utilizar os bens  que estão na origem da dedução no âmbito de operações tributada .

Com efeito, prosseguiria o nº 46 que, embora seja verdade que a necessidade de proceder à regularização do imposto deduzido pode igualmente existir devido a circunstâncias independentes da vontade dos sujeitos passivos não é menos certo que esta disposição não deve pôr em causa os princípios fundamentais em que assenta o sistema instituído pela Diretiva IVA.

Concluiria o nº 47 que contrariamente ao que sustenta o Governo português, considerar que basta, para demonstrar a existência de «alterações» na aceção do artigo 185.o da Diretiva IVA, que um imóvel tenha permanecido vazio, após a cessação de um contrato de arrendamento de que era objeto, devido a circunstâncias independentes da vontade do seu proprietário, mesmo que esteja provado que este último teve sempre a intenção de o explorar para os fins de uma atividade tributada e empreendeu as diligências necessárias para esse efeito, equivaleria a restringir o direito à dedução através das disposições aplicáveis em matéria de regularizações.

Embora, refere o nº 48, o nº 2 do  arts 137. da Diretiva IVA confira aos Estados‑Membros um amplo poder discricionário que lhes permite determinar as modalidades de exercício do direito de opção e mesmo suprimi‑lo , os Estados‑Membros não podem utilizar esse poder para infringir os arts.  167.° e 168.° desta diretiva, revogando um direito à dedução já adquirido.

 

[4] A regularização aqui referida aplica- se apenas, em princípio, aos bens corpóreos, imóveis ou móveis.

No entanto, os serviços equiparáveis a bens de capital podem ser, para efeitos das regras de regularização dos arts. 24º e seguintes do CIVA, considerados bens de investimento.

O art.  190º da Diretiva IVA permite, com efeito, aos Estados-membros tratar tais   serviços como bens de capital para a aplicação das regras de ajustamento.

Esta faculdade foi introduzida pela Diretiva 2006/69/CE, de 24/7/2006 justificada, nos termos do quinto considerando do seu preâmbulo, para permitir ajustamentos durante a vida útil do ativo fixo global, de acordo com o seu uso real, no contexto do objetivo da mesma Diretiva de conferir aos  Estados-membros poderes para lidar com situações de evasão ou evasão fiscais.

 Assim, o ajuste das deduções relativas a bens de capital pode aplicar-se igualmente a serviços — desde que tenham a natureza similar à dos bens de investimento e sejam tratados como tal. Em  causa estão os  dispêndios  relativos a serviços relacionados com  ativos fixos tangíveis( Xavier de Basto e Odete Oliveira, Problemas de aplicação das regras de regularização das deduções do IVA “,Revista  da Faculdade da Universidade Lusófona, nº 1, Lisboa, 2021),em que se incluem nomeadamente   os recursos ou assunção de passivos, a  aquisição,  desenvolvimento, manutenção ou melhoria de conhecimentos científicos ou técnicos, a conceção e implementação de novos  processos ou sistemas e as  licenças, a propriedade intelectual  e marcas e objetivos comerciais (incluindo nomes comerciais  e títulos de publicações), na condição de que se trate de ativos identificáveis,  com capacidade de controlo dos respetivos benefícios futuros, e que satisfaçam  os critérios de reconhecimento exigíveis aquando da respetiva aquisição  separada.

Não é o caso, que se saiba, dos instrumentos financeiros que, por natureza, não são depreciáveis com o mero decurso do tempo , não sendo  de natureza comparável aos bens de investimento propriamente ditos. A sua afetação a uma atividade não tributada, quando tiver havido dedução do imposto, implica, assim independentemente do tempo decorrido após a aquisição, a liquidação adicional, sem qualquer dedução, já que o valor de tais instrumentos financeiros não se degrada com o decurso do tempo, não sendo amorizáveis.

 

 

[5] Estava em causa a dedução do IVA   suportado a montante na aquisição de serviços remunerados através de uma comissão paga a uma instituição de crédito pela organização e montagem de um empréstimo obrigacionista  destinado a realizar investimentos num determinado setor, consistentes na aquisição de participações sociais em outra sociedade,  quando, em consequência de uma prospeção do mercado entretanto concluída ,  esses investimentos tenham  acabado por não se concretizar e o capital obtido através desse empréstimo tenha sido integralmente  concedido sob a forma de empréstimo à sociedade-mãe do grupo, que integra o tipo de operações isentas sem direito à dedução abrangidas pela alínea a) do 27º do era. 9º do CIVA.

Entendeu o TJUE que deveria prevalecer, sobre a utilização planeada, a posterior utilização efetiva dos fundos obtidos com o empréstimo obrigacionista, numa operação isenta de imposto nos termos do art. 9º, 27º, alínea a), do CIVA.

[6] Tal princípio da utilização efetiva estaria igualmente refletido nas alíneas a) a d) do terceiro parágrafo do nº 5 do mesmo art. 17º da 6ª Diretiva, sobre as   medidas que os Estados Membros podem adotar para correção do “pro-rata “ de dedução , tendo em conta as características específicas próprias das atividades dos sujeitos passivos O princípio da utilização efetiva   com a consequente correção da utilização planeada com base na qual foi apurada a dedução inicial está  igualmente na base do nº 1 do art. 20º dessa Diretiva(art. 187º da atual Diretiva IVA),     que dispõe que  a dedução inicialmente operada é ajustada segundo as modalidades fixadas pelos Estados Membros, designadamente quando superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito ou quando, posteriormente à declaração, se verificarem alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, designadamente no caso de anulação de compras ou de obtenção de redução nos preços.

 

[7] Consequentemente, refere o nº 60 desse mesmo Acórdão, uma abordagem segundo a qual o direito à dedução do IVA pago a montante se baseasse unicamente na intenção do sujeito passivo quanto à utilização dos bens e dos serviços adquiridos, e não na utilização efetiva destes, poderia comprometer o próprio funcionamento do sistema do IVA.

A aplicação deste princípio implica, assim, por um lado, que todos os sujeitos passivos que efetuaram operações tributáveis durante o mesmo período fiscal têm   direito à dedução do imposto pago a montante unicamente em relação a bens e a serviços relacionados com operações a jusante sujeitas a IVA. Pelo contrário, quando os bens ou os serviços adquiridos por um sujeito passivo estiverem  relacionados com operações isentas ou não  abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode haver cobrança do imposto a jusante nem dedução deste a montante, não sendo relevante a intenção do sujeito passivo.

Finalmente, segundo o nº 65 do Acórdão .seguindo literalmente  o nº 58 das Conclusões da Advogada- geral , um direito à dedução do imposto pago a montante baseado unicamente na intenção prévia do sujeito passivo de realizar operações sujeitas a IVA e que, portanto, não tome em consideração a natureza das operações que foram efetivamente realizadas por este proporcionar‑lhe‑ia uma vantagem concorrencial em relação às outras empresas que realizaram operações semelhantes, o que, por conseguinte, seria contrário ao princípio da neutralidade fiscal.