Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 199/2014-T
Data da decisão: 2014-09-30  Selo  
Valor do pedido: € 32.244,80
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Imóvel em propriedade total
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Requerentes: A, B e C

Requerida: AT - Autoridade Tributária e Aduaneira

I - RELATÓRIO

A, contribuinte n.º ..., residente na …;

B, contribuinte n.º ..., residente na …; e

C, contribuinte n.º ..., residente na …, cabeça de casal da herança de D, contribuinte n.º ...,

Apresentaram, em 27-02-2014, ao abrigo do disposto no art.º 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista a:

-        Anulação das liquidações de Imposto do Selo (IS) sobre as partes suscetíveis de utilização autónoma afetas a “habitação” que compõem o prédio em propriedade total inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo ..., referentes ao ano de 2012 (cujas cópias foram juntas à petição inicial como “documento 1”, “documento 2” e “documento 3”);

-        O reconhecimento do direito dos Requerentes ao reembolso do montante pago respeitante às liquidações impugnadas, acrescido de juros indemnizatórios.

Os Requerentes alegam, no essencial, o seguinte:

-        O prédio de que os Requerentes são comproprietários e sobre o qual incidiram as liquidações em causa está constituído em propriedade total e é composto por 39 andares e divisões suscetíveis de utilização independente, das quais 35 se encontram afetas a “habitação”;

-        Os Requerentes consideram que as referidas liquidações se encontram feridas de vício de violação de lei ordinária, concretizado em erro nos pressupostos da aplicação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), e de vício de violação de lei constitucional, por ofensa do princípio da igualdade;

-        O facto de ter sido liquidado imposto individualmente sobre cada fração com utilização independente, revela que a Administração Tributária considera que o requisito do valor estabelecido na verba 28 da TGIS deve ser aferido por referência à soma dos VPT’s de todos os andares e divisões independentes;

-        Os Requerentes consideram que a Requerida comete um erro de interpretação da lei ao aferir deste modo o VPT para efeitos da aplicação da verba 28 da TGIS;

-        Com efeito, a verba 28 da TGIS abrange a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000. E o número 1 dessa verba acrescenta “por prédio com afetação habitacional – 1%”.

-        Portanto, para haver sujeição à verba n.º 28 deverão estar reunidos dois requisitos: (i) ser um prédio urbano com afetação habitacional e (ii) ter um VPT igual ou superior a €1.000.000,00;

-        As frações objeto das liquidações do IS têm, todas elas, afetação habitacional;

-        Quanto ao modo de apuramento do VPT relevante para efeitos da norma há que recorrer ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), em face da remissão operada pelo n.º 2, do artigo 67.º do CIS;

-        De acordo com o artigo 12.º, n.º 3 do CIMI, cada andar ou parte independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo VPT individual;

-        Por outro lado, o artigo 7.º, n.º 2, al. b) do CIMI determina que “as liquidações anuais de IMI são efetuadas por referência a cada andar suscetível de utilização independente e não por referência à globalidade do prédio”;

-        O CIMI não faz qualquer distinção entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade total;

-        Assim, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade total constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente nos termos do CIMI obedece às mesmas regras de inscrição de imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respetivo IMI, bem como o novo IS, por remissão, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo;

-        Pelo que a incidência da verba 28 da TGIS apenas tem lugar se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afetação habitacional apresentar um VPT igual ou superior a €1.000.000,00;

-        Recorrendo ao elemento teleológico da interpretação, também haverá que concluir que o legislador não pretendeu tributar a globalidade de um prédio que não estivesse constituído em propriedade horizontal;

-        Claramente o legislador entendeu que o valor de 1 000 000 de euros, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar / divisão com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média que justifica a necessidade de realização de um esforço contributivo adicional;

-        Assim, só fará sentido aplicar tal verba quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédios em propriedade horizontal ou total com afetação habitacional possua um VPT igual ou superior a €1.000.000,00;

-        No caso em apreço, nenhum dos andares / divisões que foram objeto das liquidações em crise tem um VPT igual ou superior a €1.000.000,00, pelo que as liquidações são ilegais por violação da verba 28.1 da TGIS;

-        O entendimento da Requerida, concretizado nas liquidações em crise, produz resultados incompreensíveis do ponto de vista legal, pois conduz a que um cidadão que é proprietário de um prédio constituído em propriedade total destinado a habitação composto por unidades autónomas que individualmente têm um VPT inferior a €1.000,000,00, mas em que a soma de todos os VPT ́s é igual ou superior a €1.000.000,00 seja tributado pela nova verba 28.1 da TGIS (como sucedeu no caso em apreço), enquanto outro cidadão que detenha um prédio com as mesmas características, mas que tenha sido constituído em propriedade horizontal, composto por unidades autónomas que individualmente têm um VPT inferior a €1.000.000,00, mas em que a soma de todos os VPT ́s é igual ou superior a €1.000.000,00 não seja tributado pela nova verba 28.1 da TGIS, gerando distinções de tratamento ostensivamente violadoras do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP);

-        Pelos motivos expostos deverá considerar-se que as liquidações em crise - porque incidem sobre andares / divisões com utilização independente com VPT inferior a €1.000.000,00 - estão feridas de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de aplicação da verba 28.1 da TGIS e vício de violação de lei constitucional, mais concretamente do princípio de igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, devendo, consequentemente, ser anuladas.

Na sua resposta ao pedido de pronúncia apresentado pelos Requerentes, a Requerida AT - Autoridade Tributária e Aduaneira pugna pela improcedência do pedido, alegando, em síntese, o seguinte:

-        A situação do prédio dos Requerentes subsume-se, linearmente, o que quer dizer literalmente, na previsão da verba 28.1 da TGIS;

-        Da noção de prédio do artigo 2º, n.º 4 do CIMI resulta que só as frações de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios;

-        Encontrando-se o prédio de que são proprietários os Requerentes em regime de propriedade total, não possui o mesmo frações autónomas, que possam ter a qualificação de prédios;

-        Os Requerentes não são proprietários de 35 frações autónomas, mas de um único prédio;

-         A propriedade horizontal e a propriedade plena vertical têm regimes diferentes no direito civil, tendo tal diferenciação sido transposta para o direito fiscal;

-         Ao intérprete do direito não é lícito equiparar estes regimes, em consonância com a regra segundo a qual os conceitos jurídicos têm no direito tributário o sentido que lhes cabe nos ramos do direito de que são oriundos (de acordo com o art.º 11º, n.º 2 da Lei Geral Tributária);

-        Não é, pois, de admitir uma interpretação segundo a qual, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, as partes de prédio suscetíveis de utilização independente de prédios em propriedade plena vertical possam ser tratadas como se fossem frações autónomas de prédios em regime de propriedade horizontal;

-        Encontrando-se um prédio em regime de propriedade plena vertical, cada parte suscetível é considerada separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte;

-        O facto de o IMI ser apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente não afeta a unidade do prédio;

-        Sendo assim, o valor que releva para a aplicação da verba 28.1 da TGIS só pode ser o valor total do prédio, que resulta da soma das suas partes com utilização económica independente;

Quanto à questão da violação do princípio da igualdade, alega a Requerida:

-         A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados;

-        O legislador pode submeter a um regime jurídico distinto, logo discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e os prédios em regime de propriedade vertical, em especial beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

II – SANEAMENTO

Este Tribunal Arbitral singular foi constituído em 05.05.2014, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respetivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. A) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.

A coligação de autores é admissível, por se verificarem os seus pressupostos legais, estabelecidos no art.º 12.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, aplicável ex vi do art.º 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

Foi dispensada, com a concordância das partes, a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, por ser considerada desnecessária.

As partes prescindiram de apresentar alegações escritas.

Não existem exceções nem questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito da causa.

III – QUESTÕES A DECIDIR

São as seguintes as questões a decidir pelo Tribunal:

-        A aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos em propriedade plena vertical formados por partes suscetíveis de utilização independente considerados como um todo, com a consequência de que o valor patrimonial tributário a ter em conta para efeitos de incidência do imposto será, em caso de resposta afirmativa, o valor patrimonial tributário do prédio;

-        A constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, se interpretada no sentido de abranger os prédios urbanos em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e avaliadas separadamente, em face do princípio constitucional da igualdade;

 

IV – FUNDAMENTAÇÃO

A - FACTOS PROVADOS CONSIDERADOS RELEVANTES

Com base nos documentos juntos pelos Requerentes e que fazem parte do processo administrativo, consideram-se provados os seguintes os factos considerados relevantes para a decisão:

-        Os Requerentes são comproprietários de um prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo n.º ...;

-        O prédio em causa encontra-se descrito como prédio em propriedade plena vertical (total), sendo composto por 39 frações suscetíveis de utilização independente;

-        Das 39 frações suscetíveis de utilização independente, 35 estão afetas a habitação;

-        Os Requerentes foram notificados de 35 liquidações de Imposto do Selo referente à verba 28.1 da TGIS, respeitantes às 35 frações com afetação habitacional (Documentos 1, 2 e 3 juntos à petição inicial);

-        As 35 liquidações tomam por base o valor patrimonial tributário total do prédio, o qual ascende a 3 224 480,00 euros;

-        Neste valor incluem-se os valores patrimoniais tributários de duas frações afetas a estacionamento, de uma fração afeta a comércio e de uma fração afeta a serviços;

-        A soma dos valores patrimoniais tributários das frações suscetíveis de utilização independente é inferior a 1.000.000 de euros;

-        Os Requerentes procederam ao respetivo pagamento (Documentos 1, 2 e 3 juntos à petição inicial).

Não existem factos considerados não provados com relevância para a decisão.

 

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1        Questão da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos em propriedade total, considerados como um todo, quando formados por partes consideradas separadamente na inscrição matricial

É o seguinte o teor da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo:

28. “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional – 1%”

Sustentam os Requerentes que a incidência da verba 28 da TGIS apenas tem lugar se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afetação habitacional apresentar um VPT igual ou superior a 1.000.000 de euros.

Esta sua tese interpretativa baseia-se, por um lado, numa alegada paridade de tratamento, que existiria no âmbito do CIMI, entre os prédios em propriedade horizontal e os prédios em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e, por outro lado, no elemento teleológico da interpretação, já que, através da verba 28.1 da TGIS, o legislador pretendeu tributar as habitações de valor superior a 1.000.000 de euros.

Quanto a este ponto, cremos que a tese dos Requerentes não é de aceitar, porquanto não existe uma paridade de tratamento, no âmbito do CIMI, entre prédios em propriedade plena vertical (também designada propriedade total) compostos por partes suscetíveis de utilização independente, por um lado, e prédios em propriedade horizontal, por outro.

Com efeito, o artigo 2º, n.º 4 do CIMI determina expressamente que, “para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”. Portanto, não resta qualquer dúvida de que, para efeitos de CIMI e, consequentemente, para efeitos de IS, as frações de prédios constituídos em propriedade horizontal são havidos como prédios.

Tal qualificação implica que não só as frações autónomas de prédios em propriedade horizontal são avaliadas separadamente, como o imposto incide separadamente sobre cada fração, tomando essa liquidação por base, unicamente, o valor da fração autónoma.

Já no que diz respeito às partes suscetíveis de utilização independente integradas em prédios em regime de propriedade total, não existe no CIMI uma norma correspondente à do art.º 2º, n.º 4.

É certo que o Código do IMI determina (artigo 12º, n.º 3) que as partes de prédio suscetíveis de utilização permanente sejam consideradas separadamente na inscrição matricial, cabendo-lhes um valor patrimonial tributário próprio.

Mas diz por outro lado o artigo 7º, n.º 2, al b) do mesmo Código que, no caso de prédio formado por partes economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.

Portanto, enquanto as frações de prédios em propriedade horizontal têm a consideração de prédios para efeitos de IMI, tal não acontece com as partes que compõem os prédios em propriedade total.

E não pode haver dúvida de que, não sendo as partes suscetíveis de utilização independente consideradas como prédios, e incidindo o IMI sobre o valor patrimonial dos prédios (art.º 1º do CIMI), o IMI não incide sobre as partes suscetíveis de utilização independente de prédios em propriedade total, mas sim sobre o prédio em que essas partes se integram.

É certo que a administração fiscal emite um documento de liquidação de IMI por cada parte que compõe o prédio em propriedade total, criando com isso a aparência de que o IMI incide sobre as partes suscetíveis de utilização independente. Mas este procedimento não tem apoio direto na lei. Trata-se de uma prática da administração, quiçá questionável. Pois não há dúvida de que, no caso de propriedade plena vertical, existe um único prédio e, consequentemente, um único ato de liquidação e uma única obrigação tributária.

 No caso concreto, a administração fiscal considerou existir, também, um único prédio, e tomou como valor base para a liquidação o valor patrimonial tributário do prédio. Emitiu depois documentos de liquidação separados para as diferentes partes com afetação habitacional.

Mas, ao contrário do que acontece em relação ao IMI, neste caso não foi liquidado imposto sobre a totalidade do valor do prédio, pois foi excluído o valor das partes não afetas a habitação.

Esta exclusão das partes não afetas a habitação está em insanável contradição com a consideração do prédio como um todo para efeitos de IS. Incidindo o IS da verba 28.1 da TGIS sobre a propriedade de prédios, e concluindo-se que as partes que formam o prédio em propriedade plena vertical não são prédios, o IS não incide sobre as partes, mas sobre o todo. Neste caso, porém, o IS não incidiu sobre todo, mas apenas sobre a parte afeta a habitação. Ora, não se vê que exista qualquer base legal para este procedimento.

Em todo o caso, não é defensável que a verba 28.1 da TGIS deva ser aplicada às partes de prédio suscetíveis de utilização independente, porque estas partes não têm consideração de prédios para efeitos de IMI, como já se demonstrou.

Sendo assim, não consideramos que seja possível, para efeitos da interpretação da verba 28.1 da TGIS, partir da existência de uma igualdade de tratamento entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com partes consideradas separadamente na inscrição matricial, com base num paralelo com a igualdade de tratamento entre as mesmas realidades no âmbito do IMI, uma vez que esta última igualdade não existe.

E assim sendo, há que interpretar o termo “prédio” constante da verba 28.1 da TGIS, a fim de determinar se o mesmo se aplica a prédios em propriedade plena vertical composto por partes suscetíveis de utilização independente.

Sobre esta questão, e nos exatos termos em que aqui se coloca, se pronunciou a decisão proferida no processo n.º 14/2014, em que fomos árbitro. Por não vermos razão para nos afastarmos da solução aí adotada, limitamo-nos a transcrever o que aí ficou exarado.

Posto isto, há que partir do artigo 1.º, n.º 6 do Código do IS, segundo o qual, para efeitos deste imposto, “o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”.

O artigo 2º, n.º 1 do CIMI, por seu turno, define prédio como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico”.

Sendo os prédios urbanos classificados como “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros”, conjugada esta classificação com a definição constante do art.º 2º, n.º 1, conclui-se que os prédios habitacionais são necessariamente edifícios ou construções incorporados ou assentes numa fração de território.

Apesar desta definição, segundo o n.º 4 do artigo 2º, as frações autónomas no regime de propriedade horizontal são havidas como prédios para efeitos do imposto, mas o mesmo não é possível dizer das partes de prédios em propriedade total consideradas separadamente na inscrição matricial, pois elas nem cabem na definição do art.º 2º, n.º 1 nem são expressamente consideradas como tal.

As partes de prédios em propriedade total consideradas separadamente na inscrição matricial não são, pois, prédios para efeitos do IMI, não o sendo, também, por conseguinte, para efeitos do Imposto do Selo. E assim sendo, o facto tributário do IS não pode ser outro senão a propriedade do prédio considerado no seu todo, pois este é um prédio, no sentido do artigo 2º, n.º 1 do CIMI”.

Há pois que concluir que a situação de propriedade de um prédio em regime de propriedade total composto por partes suscetíveis de utilização independente se subsume literalmente na previsão da verba 28.1 da TGIS.

Improcede, portanto, o pedido de anulação das liquidações em crise fundado em erro nos pressupostos de direito, concretizado na inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios em propriedade total com partes consideradas separadamente na inscrição matricial.

2        Questão da constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, quando interpretada no sentido de abranger os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando formados por partes consideradas separadamente na inscrição matricial, em face do princípio constitucional da igualdade

Os Requerentes suscitam a questão da violação do princípio constitucional da igualdade por parte da verba 28.1 da TGIS, quando interpretada no sentido de abranger os prédios urbanos em propriedade total compostos por partes consideradas separadamente na inscrição matricial.

Esta mesma questão foi também objeto de pronúncia na decisão arbitral referida, que passamos a reproduzir.

O princípio da igualdade, consagrado no art.º 13º da CRP postula que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente (acórdão do TC n.º 437/2006).

No entanto, para aferir a igualdade ou diferença entre duas realidades diferentes, do ponto de vista tributário, é necessário um parâmetro – “o critério que há de servir de base à comparação” – o qual é dado pela capacidade contributiva (acórdão do TC n.º 197/2013).

A capacidade contributiva constitui, pois – a par de outras vertentes ou funções do princípio veja-se o acórdão do TC n.º 197/2013 – o critério através do qual há que comparar diferentes sujeitos passivos, para efeitos de determinar se os mesmos devem receber tratamento tributário idêntico ou diferente.

Desta maneira, o princípio da capacidade contributiva (numa das suas vertentes) concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária (acórdão do TC n.º 84/2003), pressupondo o tratamento tributário igual em relação a pessoas com a mesma capacidade contributiva e um tratamento tributário desigual em relação a pessoas com diferente capacidade contributiva.

Em decorrência do princípio da capacidade contributiva, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (Acórdão do TC n.º 197/2013).

É esta dimensão do princípio da capacidade contributiva, como proibindo o tratamento tributário diferente de pessoas com a mesma capacidade contributiva e o tratamento tributário igual de pessoas com capacidade contributiva diferente, que interessa particularmente ao caso vertente.

Está em causa, mais concretamente, a diferença de tratamento dada, pelo Código do IS na verba 28.1 da TGIS, aos prédios em propriedade horizontal e aos prédios em propriedade total, compostos por partes consideradas separadamente na inscrição matricial.

Vimos anteriormente que as frações autónomas de prédios em propriedade horizontal são consideradas prédios para efeitos de IMI (art.º 2º, n.º 4 do CIMI), sendo-o também [para efeitos de Imposto do Selo], por força do artigo 1º, n.º 6 do Código do IS.

Sendo assim, o IS da verba 28.1, no caso de prédios em propriedade horizontal, só pode aplicar-se se o valor patrimonial tributário da fração autónoma for igual ou superior a 1.000.000 de euros. Por outro lado, o valor resultante da soma dos valores patrimoniais tributários das diversas frações habitacionais não pode ser tido em conta para efeitos de aplicação do imposto.

Mesmo que uma única pessoa seja proprietária de todas as frações de um prédio em propriedade horizontal, e que a soma dos valores patrimoniais das frações habitacionais do prédio seja igual ou superior a 1.000.000 de euros, tal proprietário não ficará sujeito a IS sobre esse património.

Ora, entre as duas situações descritas – prédio habitacional em propriedade horizontal e prédio habitacional em propriedade total composto por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial – não existe nenhuma diferença substancial, sendo a diferença apenas formal. Diferença formal que não afeta, de nenhum modo, a capacidade contributiva dos respetivos proprietários. 

Com efeito, a propriedade de um prédio habitacional em propriedade total, composto por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial, com um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 de euros, não revela nenhuma especial capacidade contributiva que a propriedade de várias frações autónomas habitacionais, em que a soma dos valores patrimoniais tributários seja igual ou superior a 1.000.000 de euros, não revele também.

(…)

Outro entendimento, que procure desconsiderar a identidade substancial económica entre as situações de prédios em propriedade horizontal e de prédios em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial, e atender apenas à diferença formal entre ambas as situações, resultaria numa violação do princípio da substância sobre a forma, que teria como consequência uma violação do princípio constitucional da capacidade contributiva”.

Tal como na decisão transcrita, também no caso vertente há que concluir, em face do exposto, que é procedente o pedido de anulação das liquidações impugnadas fundado em violação do princípio constitucional da igualdade (tributária) pela norma de incidência constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando interpretada no sentido em que nela se incluem os prédios urbanos habitacionais em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial.

 

V.                DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Verificada a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados, pelos fundamentos expostos, e tendo a Requerente pago integralmente o imposto liquidado, tem a Requerente direito, em conformidade com os artigos 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de 54.555,92 euros.

Quanto aos juros indemnizatórios, o artigo 43º da LGT estipula que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Quanto à existência, no caso, de erro imputável aos serviços, este erro considera-se verificado, segundo jurisprudência uniforme do STA (vejam-se, neste sentido, os Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167; de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09) sempre que procederem a reclamação graciosa ou impugnação da liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral 218/2013-T).

Por conseguinte, têm os Requerentes direito a serem ressarcidos através do recebimento de juros indemnizatórios, contados nos termos do art.º 43.º, n.º 1 da LGT e do art.º 61º, números 2, 3 e 5, sobre as quantias pagas referentes às liquidações anuladas.

 

VI. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, o presente Tribunal decide:

-        Anular todos os atos de liquidação de Imposto do Selo impugnados pela Requerente.

-        Declarar a Autoridade Tributária obrigada, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, a restabelecer a situação que existiria se os atos de liquidação anulados não tivessem sido praticados, adotando os atos e operações necessários para o efeito, através da restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos e do pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em 32 244,80 euros.

 

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 836,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 30 de setembro de 2014.

 

 

O Árbitro Único

 

 

(Nina Aguiar)