|
|
Versão em PDF |
DECISÃO ARBITRAL
-
Notas introdutórias
-
A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, da área de jurisdição do Serviço de Finanças de Lisboa ... (doravante designada por Requerente), veio em 2021-02-01 requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1,alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, a constituição de Tribunal Arbitral com o objetivo de obter a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação adicional de IRC e correspondentes juros compensatórios praticados pela senhora Diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), que a seguir poderá ser designada por Requerida, relativamente ao período de tributação de 2015 – Liquidação de IRC n.º 2019 ... e Liquidação de Juros n.º 2019 ... – no montante global de € 249 242,76 –, bem como da decisão de indeferimento proferida em 23 de outubro de 2020 pelo Senhor Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa no procedimento de Reclamação Graciosa n.º ...2020..., onde a aqui Requerente pedia a anulação das mencionadas liquidações.
-
Tais liquidações vêm na sequência de um procedimento de inspeção promovido pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) cujos resultados, conclusões e propostas começaram por ser expostos num Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (doravante PRIT) notificado à Requerente para efeitos de exercício do direito de audição nos termos do art.º 60.º da Lei Geral Tributaria (LGT) – e que, após alterações subsequentes à pronúncia do sujeito passivo, acabaram a final descritos e formuladas, com alterações relativamente ao PRIT, num Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT) elaborado em 9 de dezembro de 2019.
As liquidações assim fundamenadas no RIT referem-se a rendimentos financeiros (juros) no montante global de € 1 190 825,40, relativos a financiamentos concedidos pela Requerente e que os SIT entenderam que esta deveria ter contabilizado e incluído no lucro tributável relativamente ao período de 2015, entendimento com que a Requerente discorda, alegando que os financiamentos eram gratuitos e, logo, os rendimentos inexistentes.
Estão em causa financiamentos subsequentes, quanto à posição credora da Requerente, a um processo de reestruturação empresarial concretizado em 19 de março de 2013 e que envolveu, para além da Requerente, o Banco B.../C... (que a seguir serão designados por Banco), o Fundo de Capital de Risco D..., controlado totalmente pelo Banco (adiante designado por Fundo), a E..., S.G.P.S., S.A. (adiante designada por E...) e a F..., S. A., sociedade de direito brasileiro (a seguir designada por F...).
-
A divergência das partes em litígio consiste essencialmente em que, por um lado, a AT entende que os financiamentos em causa eram remunerados porque assim consta dos contratos escritos celebrados entre as partes, enquanto, por outro lado, a Requerente sustenta que, não obstante o clausulado dos contratos iniciais, os financiamentos deixaram de vencer juros a partir da reestruturação operada em 2013, por alegado acordo entre as partes – acordo que, no entanto, não foi reduzido a escrito até ao final do procedimento de inspeção.
-
O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi aceite em 3 fevereiro de 2021 e notificado por email automático, à Requerente e à Requerida.
-
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, tendo estes aceite a designação; e as partes, devidamente notificadas, não manifestaram vontade de recusar qualquer das designações.
-
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 22 de junho de 2021.
-
A Requerida, notificada para o efeito, veio apresentar resposta em 9 de setembro de 2021, onde se defende por impugnação.
-
Em 26 de outubro de 2021 procedeu-se à inquirição da única testemunha arrolada.
-
As partes, notificadas para, querendo, alegarem, vieram a fazê-lo.
-
Desenvolvendo a posição das partes
-
Quanto à principal divergência entre as partes, que consiste na questão de serem ou não devidos juros pelos financiamentos da Requerente à F..., a Requerente alega que tais financiamentos (sejam os que assumiu como resultado de um processo de reestruturação empresarial, sejam financiamentos que posteriormente lhe concedeu) eram gratuitos no período de 2015, não obstante a falta da correspondente formalização escrita, porque assim teria sido acordado entre as partes, em correlação com o que sucedeu relativamente aos financiamentos da Requerente, como devedora, perante o Banco e/ou o Fundo – condições em que, diz a Requerente, a AT estaria a tributar rendimentos inexistentes.
Enfatiza que assim sucedeu porque a Requerente era um mero veículo de concretização do processo de reestruturação e que, ficando a deter a totalidade do capital social da F..., o seu interesse no investimento nesta entidade se realizaria, seja quanto ao capital social, seja quanto a qualquer outro tipo de financiamento, por via dos resultados do projeto empresarial da referida F... e não pela remuneração imediata dos capitais dados de empréstimo, acrescentando que todas as entidades envolvidas sabiam que a F... não teria possibilidade de pagar os eventuais custos dos financiamentos.
Esclarecendo que havia dois tipos de financiamento de si para com a F...– (i) por via de debêntures (obrigações) e (ii) através de suprimentos – alega a Requerente que, tendo havido formalização escrita quanto à dispensa de juros relativamente ao financiamento na modalidade de debêntures, esta decorreu de imposição da lei brasileira, acrescentando que, no quadro de uma relação de domínio total (a Requerente detinha a F... a 100%), “não houve uma preocupação imediata com a formalização escrita das alterações às cláusulas relativas à remuneração dos suprimentos” (quanto aos financiamentos assumidos no quadro do processo de restruturação) e que “Por outro lado, em virtude de um lapso resultante da reprodução das minutas anteriores, dois dos vários contratos de suprimentos celebrados pela REQUERENTE e pela F..., já depois da reorganização da estrutura de participações, referem erroneamente a existência de juros (que as mesmas nunca quiseram aplicar”, salientando a propósito a falta de exigência legal de forma escrita para os contratos de suprimentos.
Alega também a Requerente que nunca ela mesma ou a F... reconheceram contabilisticamente quaisquer juros a partir da reestruturação, para invocar a seu favor a disposição do art.º 75.º da LGT quanto à presunção de verdade dos “dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita”.
Considera que “ ... a empresa não tinha direito a receber quaisquer juros no exercício de 2015 e, portanto, não pode ser tributada sobre proveitos inexistentes, o que determina a ilegalidade dos atos por violação do disposto nos artigos 3.º, 4.º e 17.º do Código do IRC e do artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.”.
E em síntese conclui que “Em consequência, a REQUERENTE não obteve qualquer proveito resultante dos contratos aqui em causa e os atos de liquidação emitidos pela Administração Tributária assentam num lucro inexistente”, pelo que, em seu entender, as liquidações de imposto e juros compensatórias são ilegais, devendo ser anuladas.
-
A Requerente alega também que “Ao exposto acresce que a correção que a Administração Tributária se propõe realizar corresponde a uma ficção de proveitos, que só pode ser levada a cabo nos termos do regime de apuramento da matéria tributável por métodos indiretos, previsto no artigo 57.º do Código do IRC e nos artigos 87.º a 94.º da Lei Geral Tributária”.
-
E a propósito da liquidação de juros compensatórios – para lá da referência a que os mesmos não serão devidos pela mera circunstância de, na sua tese, não ser devido o imposto, dado a contrario o que dispõe o art.º 35.º/n.-º1 da LGT e o art.º 102.º/n.º 1 do CIRC – a Requerente alega que os mesmos não seriam devidos mesmo que procedam os fundamentos da liquidação de imposto, por inexistência de comportamento censurável na sua atuação (pressuposto subjetivo da liquidação dos juros compensatórios), invocando a propósito o “Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo em 22 de janeiro de 2014, no Processo 01490/13”.
-
Por fim, perante a necessidade que teve de prestar garantia para obter a suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2020..., instaurado para a cobrança coerciva dos valores de imposto e juros aqui em causa, a Requerente arroga-se o direito a ser indemnizada por prestação de garantia indevida, apelando ao disposto no art.º 53.º/n.ºs 1 e 2 da LGT e no art.º 171.º do CPPT.
-
Considerando que, entretanto, havia promovido a instauração do processo de reclamação graciosa supra referido para apreciação pela AT das questões aqui em causa e aí foi confrontada com despacho de indeferimento – tudo visto a Requerente veio pedir “A DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE E CONSEQUENTE ANULAÇÃO DOS ATOS TRIBUTÁRIOS ACIMA IDENTIFICADOS E DA DECISÃO DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA QUE OS MANTEVE NA ORDEM JURÍDICA, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEADAMENTE O PAGAMENTO À REQUERENTE DE UMA INDEMNIZAÇÃO PELO PREJUÍZO RESULTANTE DA PRESTAÇÃO INDEVIDA DA GARANTIA OFERECIDA PARA SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL N.º ...2020..., QUE CORRE TERMOS NO SERVIÇO DE FINANÇAS DE LISBOA –...”.
-
E porque posteriormente procedeu ao pagamento do imposto e dos juros, a Requerente veio ainda, por via de requerimento de 15 de setembro de 2021, requerer a ampliação do pedido à “CONDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA AO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS A CONTAR DA DATA DO PAGAMENTO INDEVIDO DA LIQUIDAÇÃO DE IRC E DE JUROS.”
-
A Requerida apresentou resposta à petição inicial e posteriormente declarou não se opor à ampliação do pedido pretendida pela Requerente.
-
Na sua resposta, a Requerida – concordando com as teses da Requerente de que não seria obrigatório que os suprimentos efetuados à F... fossem a título oneroso e que a lei não impõe que a sua contratação obedeça à forma de documento escrito – começa por evidenciar que, no caso, os suprimentos foram mesmo “efetuados com base num contrato escrito” e que “Deste modo, é expetável que a vontade das partes seja manifestada seguindo este mesmo registo, ou seja, que as alterações e retificações de tais contratos, sejam também elas reduzidas a escrito. Ou que, pelo menos haja documentação contemporânea a essa vontade que a manifeste - o que, conforme se refere no RIT, nunca foi apresentada pela Requerente.”
Depois, salienta que só num documento datado de 28.02.2020, disponibilizado como documento 5 anexo à petição de reclamação graciosa, se faz referência à dispensa de juros com efeitos a partir de 19 de março de 2013 – documento elaborado, segundo a tese da Requerente, “em virtude de se ter verificado a existência de lapsos nas minutas de dois contratos de suprimentos e, também, para contrariar a posição defendida pela Administração Tributária”
E assim, sendo para si de considerar que os juros dos suprimentos eram devidos, sustenta a Requerida que bem andaram os SIT nas conclusões que extraíram no RIT, e a AT ao proceder às liquidações de imposto e juros compensatórios, atuando a coberto do disposto nos art.ºs 17.º, 18.º e 20.º do CIRC.
-
Relativamente à questão da via direta ou indireta de determinação da matéria tributável diz a Requerida que “Ora, também a este respeito não assiste razão à Requerente, pois como resulta do relatório da inspeção, não se verifica qualquer dificuldade em comprovar e quantificar de forma direta e exata os elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável, pois conhecem-se, e estão bem quantificados, os montantes dos instrumentos financeiros em questão, assim como a taxa de juro que deve incidir sobre esses montantes, a qual resulta dos contratos celebrados, assim como os períodos em que o cálculo dos juros deve ser apurado.”
-
E a propósito da alegação da Requerente de que a liquidação dos juros compensatórios seria ilegal mesmo que o imposto seja devido, a Requerida sustenta que “não lhe assiste razão, quer por não existir qualquer falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, quer por o acórdão indicado não conter a posição atual do STA ou da arbitragem tributária sobre esta matéria”.
-
Questões a decidir
-
Perante as posições das partes, o Tribunal identificou as seguintes questões a decidir:
-
Serem ou não de incluir no lucro tributável do período de 2015 os juros relativos aos financiamentos da Requerente à F... na modalidade de suprimentos, que a Requerente não contabilizou e a que diz não ter direito;
-
Natureza (direta ou indireta) dos procedimentos de determinação da matéria tributável que a AT aplicou;
-
Avaliação da verificação dos pressupostos e da fundamentação da liquidação dos juros compensatórios;
-
Procedência da fundamentação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa;
-
Direito da Requerente à indemnização por prestação indevida de garantia; e
-
Direito da Requerente a juros indemnizatórios.
-
Da matéria de facto
-
Com interesse para a decisão, o Tribunal considerou provados os factos seguintes:
-
Antes de 19 de março de 2013, o Fundo e a E... detinham, respetivamente, 20% e 80% do capital da F... – a par de financiamentos a título de empréstimos, em favor da mesma F..., nas modalidades de debêntures (obrigações) e de suprimentos.
-
Na decorrência de um processo de reestruturação empresarial, que incluiu a constituição da Requerente como sociedade comercial com pedido de registo apresentado em 15/3/2013, a partir de 19 de março de 2013 ficou constituído o seguinte esquema de participações: o Banco participa a 100% no Fundo, este participa a 100% na Requerente, e a Requerente participa a 100% na F..., que por sua vez participa a 100% em quatro sociedades – todas de direito brasileiro, como ela mesma.
-
Desde essa mesma data de 19 de março de 2013, a Requerente, por transmissões de créditos no âmbito do referido processo de reestruturação, assumiu a posição de credora da F... por financiamentos na modalidade de debêntures e na modalidade de suprimentos relativamente aos quais foram reconhecidos contabilisticamente juros contados até à mencionada data de 31 de março de 2013 em função das condições contratualmente acordadas com os credores iniciais, pelos montantes de € 2 787 556,31, e de € 662 063,11 respetivamente quanto a debêntures e a suprimentos, no total de € 3 449 619,42.
-
Correlativamente com o facto anterior, a Requerente ficou, desde a mesma data de 19 de março de 2013, devedora perante o Banco e/ou o Fundo, relativamente aos valores que passou a utilizar para financiar a F... .
-
Por contrato de mútuo de 20 de março de 2013, a Requerente concedeu à F... um novo financiamento no valor total em euro equivalente a 5 173 780,00 reais (Valor Principal), cuja concretização se previa satisfazer de forma diferida através de três parcelas, a primeira correspondente a 25%, a segunda a 50% e a terceira a 25% do Valor Principal.
-
Nesse contrato consta que sobre o Valor Principal “incidirão juros remuneratórios pós-fixados, equivalentes a 100% (cem por cento) da taxa media referencial dos depósitos interfinanceiros de um dia (CDI Extragrupo), apurada pela CETIP – Câmara de Custódia e Liquidação e divulgada pela Resenha Diária da ANBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, calculados diariamente soba a forma de capitalização composta, com base em um ano de 252 dias úteis, capitalizados a partir da data de desembolso e acrescida do spread de 3,5% a. a. (três inteiros e cinco décimos por cento ao ano)” e que “Os juros remuneratórios serão pagos semestralmente, a partir do 19.º (décimo nono) mês a contar da data de ingresso dos recursos no Brasil provenientes da primeira parcela de desembolso.”
-
Por contrato de mútuo de 31 de julho de 2013, a Requerente concedeu mais um empréstimo à F..., no montante de € 400 000,00; e nesse contrato consta que sobre o Valor Principal “incidirão juros remuneratórios pós-fixados, equivalentes a 100% (cem por cento) da taxa media referencial dos depósitos interfinanceiros de um dia (CDI Extragrupo), apurada pela CETIP – Câmara de Custódia e Liquidação e divulgada pela Resenha Diária da ANBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, calculados diariamente soba a forma de capitalização composta, com base em um ano de 252 dias úteis.” e que “Os juros remuneratórios serão pagos, em conjunto com o Valor Principal, na Data de Vencimento”.
-
A Requerente concedeu ainda, posteriormente, outros financiamentos à F..., titulados por novos contratos de mútuo, sem qualquer referência a juros remuneratórios.
-
A partir da data de 20 de março de 2013, e especialmente quanto ao período de tributação em IRC correspondente ao ano de 2015, a Requerente não reconheceu quaisquer juros como rendimentos com referência aos financiamentos concedidos à F...– seja quanto aos contratados na modalidade de debêntures, seja quanto aos formalizados na modalidade de mútuos/suprimentos, antes ou depois de 19 de março de 2013.
-
A Requerente também não reconheceu, quanto ao tempo posterior a 19 de março de 2013, quaisquer custos relativos a juros pelos financiamentos junto do Fundo e/ou do Banco para lhe possibilitar o financiamento da F... .
-
A F... não reconheceu, quando ao tempo posterior a 19 de março de 2013, quaisquer custos relativos aos financiamentos de que era devedora perante a Requerente.
-
No PRIT vinha proposto, a título de juros, um acréscimo ao lucro tributável do período de 2015 pelo montante global de € 3 012 064,16, que se repartia em € 1 821 238,76 quanto aos financiamentos na modalidade de debêntures e € 1 190 825,40 quanto aos financiamentos na modalidade de suprimentos, com exclusão daqueles contratos de suprimentos em que não era feita referência a juros remuneratórios.
-
Os valores referidos no facto anterior foram apurados, quanto aos financiamentos anteriores à operação de reestruturação, por acolhimento das regras de cálculo até então aplicadas, e quantos aos financiamentos posteriores com respeito pelas regras estabelecidas nos respetivos contratos.
-
No PRIT não vinham propostas quaisquer correções ao lucro tributável quanto aos financiamentos cujos contratos não fazem quaisquer referências a juros remuneratórios [conforme facto 8) supra].
-
Notificada em 2019-11-15 para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição sobre o PRIT, nos termos do art.º 60.º da LGT, a Requerente
-
requereu a prorrogação do prazo, alegando a escassez do que lhe foi concedido, e solicitou uma diligência adicional que veio a ocorrer em 2019-12-06.
-
apresentou em 2019-12-09 um documento datado de 21 de dezembro de 2015, para sustentar que os financiamentos na modalidade de debêntures nunca teriam vencido juros a favor da Requerente, já que teria havido alteração das condições contratuais nesse sentido. Sustenta que a formalização escrita de tal alteração decorreu das exigências da lei brasileira;
-
E no requerimento da constituição do Tribunal Arbitral veio alegar que“... só não apresentou na Inspeção os elementos adicionais sobre a alteração dos suprimentos que posteriormente se juntaram à Reclamação Graciosa porque não teve oportunidade de o fazer – atento o prazo de caducidade do direito à liquidação, os Serviços de Inspeção tinham urgência em encerrar o procedimento e as alterações aqui em causa ocorreram há mais de 6 anos, implicando uma recolha de elementos naturalmente demorada”
-
Não obstante o documento justificativo tivesse sido entregue em 2019-12-09, para lá do prazo de 15 dias com início em 2019-11-15, e estivesse datado 2015-12-21, os SIT deram por provado que as condições de financiamento na modalidade de debêntures tinham efetivamente sido alteradas quanto aos juros com efeito, para o que aqui importa, relativamente ao período de 2015, pelo que vieram propor no RIT que o montante de € 1 821 238,76 relativo a juros de financiamento concedidos nessa modalidade fosse desconsiderado no cômputo do acréscimo ao lucro tributável.
-
No RIT foi, todavia, mantida a correção ao lucro tributável relativa aos juros apurados quanto aos financiamentos na modalidade de suprimentos, no montante de € 1 190 825,40 – entendendo os SIT que, ao contrário do concluído quanto às debêntures, a Requerente não tinha feito prova de que também tivessem sido alteradas as condições dos financiamentos nessa modalidade.
-
As liquidações de imposto e juros aqui em causa foram processadas com base na correção à matéria tributável referida no facto anterior.
-
A Requerente apresentou petição de reclamação graciosa, pedindo a anulação de tais liquidações, que deu origem ao procedimento que tramitou com o n.º ...2020... e onde em 23-10-2020 o Senhor Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa proferiu despacho de indeferimento total, acolhendo os fundamentos em que no RIT se sustenta a proposta de correção ao lucro tributável.
-
Com a petição de reclamação graciosa referida no facto anterior, a Requerente juntou um documento designado de “FORMALIZAÇÃO DE ALTERAÇÃO E DE RETIFICAÇAO CONTRATUAL”, datado de 28 de fevereiro de 2020, para sustentar a sua tese de que desde a concretização do processo de reestruturação empresarial (19/3/2013) os financiamentos por si concedidos à F... na modalidade de suprimentos não vencem juros – documento onde se refere (i) quanto aos suprimentos que vêm de antes da reestruturação, que “Não obstante, dada a relação de domínio total que se estabeleceu entre a A... e a F..., não houve uma particular preocupação com a formalização escrita das alterações às clausulas relativas à remuneração dos suprimentos” e (ii) quanto aos suprimentos constituídos posteriormente a 13/3/2013, que “Por outro lado, em virtude de um lapso resultante da reprodução das minutas anteriores, dois dos vários contratos de suprimentos celebrados pelas Partes já depois da Transmissão referem erroneamente a existência de juros (que as Partes nunca quiseram aplicar)” – para sustentar a alteração das Cláusulas Terceiras de todos os contratos de tais suprimentos no sentido de que “As Partes convencionaram que o presente contrato não será onerado com juros remuneratórios”.
-
No documento referido no facto anterior consta que “As alterações das Cláusulas Terceiras dos contratos identificados no ponto 1.1. supra [são os que vêm de antes da reestruturação] vigoram desde 19/03/2013” e que “As retificações das Cláusulas Terceiras dos contratos identificados no ponto 1.2. supra [são os celebrados posteriormente à reestruturação] produzem efeitos desde a data da celebração destes dois contratos”.
-
O Tribunal não considerou provado que antes da elaboração do documento supra referido no facto provado 21), e designadamente desde a data de 20/03/2013, a Requerente e a F... tenham acordado na gratuitidade dos suprimentos.
Não foram dados por provados ou não provados outros factos julgados relevantes para a decisão do pleito.
-
Quanto aos factos provados, o Tribunal assentou a sua convicção na análise dos documentos juntos aos autos (não impugnados), na descrição (não controvertida) dos mesmos expressa na petição inicial da Requerente e na resposta da Requerida, e no depoimento da única testemunha arrolada e inquirida.
-
Com referência ao facto não provado, o Tribunal não nega, em abstrato, razoabilidade à hipótese de, no invocado quadro de participação da Requerente em 100% do capital social da F..., os financiamentos da primeira à segunda serem gratuitos – na esteira, aliás, do pensamento da AT, (i) que já no PRIT se absteve de propor correções quanto aos contratos de financiamento na modalidade de suprimentos que não faziam referência a juros, e (ii) que nos ajustamentos subsequentes ao exercício do direito de audição no procedimento de inspeção recuou na proposta de acréscimos relativos a juros dos empréstimos na modalidade de debêntures, aceitando a prova documental que a Requerente entretanto disponibilizou.
E não se contesta que o contrato de suprimento não esteja obrigatoriamente sujeito a forma escrita.
Porém, não são esses os aspetos em questão. O Tribunal entende que, havendo contratos escritos de financiamento na modalidade de suprimentos que previam a obrigação de juros remuneratórios, seria expectável, como a AT sustenta, que a alteração das suas cláusulas no sentido de dispensar o pagamento de juros cumprisse a mesma forma escrita; ou então essa alteração deveria, pelo menos, vir por outra via demonstrada em termos convincentes.
Ora, não só não foram alterados os contratos anteriores ao processo de reestruturação, eliminando a cláusula dos juros, como foram ainda celebrados mais dois contratos, um em 20 de março de 2013 e outro em 31 de julho de 2013, onde vem expressamente prevista a exigência de juros remuneratórios, sendo de salientar (i) que as respetivas disposições preveem taxas de juro diferentes e datas de vencimento concetualmente formuladas em termos diferentes e (ii) que o primeiro dos referidos contratos dispõe quanto ao vencimento dos juros em termos específicos ajustados à especificidade das condições que no mesmo vêm estabelecidas quanto ao desembolso, em parcelas, do “Valor Principal”.
Dadas estas circunstâncias, associadas ainda ao facto de terem sido formalmente alteradas as condições remuneratórias quanto aos financiamentos na modalidade de debêntures, entende o Tribunal, ao contrário do que argumenta a Requerente, ser pouco credível que a Requerente e a F... tenham acordado em março de 2013 na dispensa de juros e que apenas (i) “dada a relação de domínio total que se estabeleceu entre a A... e a F..., não [tenha havido] uma particular preocupação com a formalização escrita das alterações às clausulas relativas à remuneração dos suprimentos” e (ii) “Por outro lado, em virtude de um lapso resultante da reprodução das minutas anteriores, dois dos vários contratos de suprimentos celebrados pelas Partes já depois da Transmissão referem erroneamente a existência de juros (que as Partes nunca quiseram aplicar (Sublinhado acrescentado).
Acresce que a circunstância de a Requerente ter solicitado prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição, de mesmo fora do prazo, em 2019-12-09, ter vindo ao procedimento de inspeção entregar o documento supra referido no ponto 15) b) do probatório e de só em 2020-02-28 ter formalizado com a F... [ponto 21) do probatório] a alteração das clausulas de juros nos contratos de suprimentos aponta para um período de indefinição do regime. De facto, não se afigura que o caso tivesse complexidade suficiente para não poder ser resolvido no prazo de 15 dias concedido para o exercício do direito de audição.
Tudo visto, o Tribunal não considera provado, ao contrário do que sustenta a Requerente, que “a empresa não tinha direito a receber quaisquer juros no exercício de 2015 e, portanto, [esteja a ser] tributada sobre proveitos inexistentes”.
Importa a propósito salientar que, estando provada a previsão contratual da exigência dos juros, o facto que haveria a provar era o acordo quanto ao afastamento de tal previsão – e a prova de tal facto incumbia à Requerente, que o invoca, nos termos do art.º 74.º/n.º 1 da LGT.
-
Do enquadramento jurídico
-
A Requerente alega, em primeira linha, a “ilegalidade dos atos [de liquidação de imposto e juros] por violação do disposto nos artigos 3.º, 4.º e 17.º do Código do IRC e do artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária” por considerar que “a empresa não tinha direito a receber quaisquer juros no exercício de 2015 e, portanto, não pode ser tributada sobre proveitos inexistentes”.
Todavia, por um lado, o Tribunal não deu como provada a alegada falta de direito a receber juros no exercício de 2015 e consequente inexistência de proveitos.
E, por outro lado, à presunção de verdade da escrita prevista no n.º 1 do art.º 75.º da LGT, contrapõe-se a disposição do n.º 2/alínea a) do mesmo artigo, segundo a qual “2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando: a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”
Ora, do probatório assente resulta que a contabilidade da Requerente enferma da omissão do registo de rendimentos relativos aos juros dos financiamentos que concedeu à F..., pelo que está afastada a sua presunção de verdade.
Por aqui se conclui pela improcedência da alegação de ilegalidade das liquidações em crise por inexistência do rendimento.
-
Depois, diz a Requerente que “os atos aqui contestados são ilegais, por violação do disposto nos artigos 57.º do Código do IRC e dos artigos 87.º e seguintes da Lei Geral Tributária, e devem ser anulados” por considerar que “a correção feita pela Administração Tributária assenta no apuramento indireto do rendimento (os Serviços de Inspeção ficcionaram a existência de juros, com base num método aplicado por uma terceira entidade) sem, no entanto, ter sido concretizada com recurso ao procedimento especial de apuramento da matéria coletável através de métodos indiretos”.
Ora, ao contrário do que a Requerente pretende sustentar, a Administração Tributária apurou os rendimentos que acresceu ao lucro tributável, (i) por um lado, com base nas condições estabelecidas nos contratos celebrados entre a F... e os anteriores titulares dos créditos, que aliás serviram para a contabilização dos juros capitalizados até 19 de março de 2013, condições em cujos direitos e obrigações a Requerente ficou investida em resultado do processo de reestruturação e, (ii) por outro lado, com base nas condições expressas nos contratos diretamente celebrados entre a Requerente e a F... .
Trata-se de um processo de apuramento efetuado por via direta, como tinha de ser sob pena de violação – no caso de avaliação indireta, sim – das normas que a Requerente diz terem sido violadas, porque o que está em causa não é avaliar o quantum do rendimento eventualmente com o recurso a uma via presuntiva, mas julgar sobre o direito da Requerente a receber um rendimento cujo cômputo está processado por via direta.
Não é pela circunstância de os juros serem apurados “com base num método [não controvertido] aplicado por uma terceira entidade” – cujos direitos, insiste-se, foram transmitidos à Requerente – que a quantificação é operada por via indireta, ou seja, não releva a circunstância de o cômputo dos juros ter sido processado “replicando o método que tinha sido usado pelo Fundo”.
Por aqui se conclui pela improcedência da alegação de ilegalidade das liquidações em crise pela pretensa necessidade de recurso à avaliação indireta, e, logo, da tese de vinculação da AT à concessão de um prazo para regularizar a escrita, nos ternos do art.º 57.º do CIRC, que aliás só prevê a concessão de prazo para regularizar a escrita no caso de atrasos de escrituração ou não exibição imediata dos livros.
A Requerente sustenta ainda que, no caso de o Tribunal Arbitral não reconhecer com segurança a falta do direito da Requerente a receber juros e, logo, que o imposto questionado incide sobre rendimento inexistente, sempre deveria anular as liquidações impugnadas em cumprimento do disposto no art.º 100.º do CPPT, por dúvidas quanto à existência do facto tributário.
Porém, também por aqui a Requerente não tem razão. O que o Tribunal Arbitral entende é (i) que está documentalmente provado, e assumido pelas partes, que a Requerente tinha direito a juros remuneratórios segundo os contratos da constituição dos financiamentos, (ii) que a prova do eventual afastamento desse direito antes de 2015 – aliás desde 19 de março de 2013, segundo a alegação – incumbia à Requerente e (iii) que um documento elaborado, na perspetiva de documentar a petição de reclamação graciosa, quase três meses depois de ter terminado o procedimento de inspeção não tem a virtualidade de fazer essa prova, considerando além do mais, reitera-se, que dois dos mencionados contratos de financiamento, em cujo clausulado se preveem condições especificas quanto a taxas de juro e a prazos de vencimento, foram elaborados posteriormente à referida data de 19 de março de 2013.
-
Prosseguindo, a Requerente pretende sustentar que, mesmo no caso de improcedência da sua tese de ilegalidade da liquidação do imposto, sempre seria ilegal a liquidação dos juros, “por padecer de vícios próprios (a violação do disposto no artigo 35.º da Lei Geral Tributária e no artigo 102.º do Código do IRC), uma vez que a Administração Tributária não demonstrou (nem podia demonstrar) que o retardamento da liquidação de imposto se deveu a uma conduta culposa da REQUERENTE”, invocando em auxílio da sua tese o Acórdão proferido em 22 de janeiro de 2014 no processo n.º 01490/13 pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de cujo texto salienta a seguinte passagem: “...constitui entendimento jurisprudencial pacífico (…) que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e que, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação“.
Vejamos.
No douto Acórdão invocado pela Requerente também se escreveu o que segue:
“Refira-se que a ... resultou da transformação dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento (SMAS) da Câmara Municipal de ... numa empresa pública municipal, ao abrigo da Lei nº 58/98, de 18/8, e que nas empreitadas em que havia figurado o SMAS como dona da obra a taxa de IVA aplicável era de 5% face ao disposto no art. 18º, nº 1, al. a) do CIVA, conjugado com a verba 2.17 da sua Lista I, que abrangia «As empreitadas de bens imóveis em que são donos da obra autarquias locais, associações de municípios ou associações e corporações de bombeiros, desde que, em qualquer caso, as referidas empreitadas sejam directamente contratadas com o empreiteiro». Ou seja, quanto aos contratos de empreitada outorgados com os Serviços Municipalizados, os empreiteiros liquidavam o IVA à taxa reduzida de 5%, ao abrigo do referido art. 18º, nº 1, al. a) do CIVA, pois que esses Serviços constituíam um órgão da autarquia e a autarquia era, assim, a verdadeira e directa dona da obra.
Sendo que, após a transformação dos ditos Serviços (SMAS) em empresa municipal, a impugnante continuou a liquidar-lhe IVA à mesma taxa (5%), com o natural assentimento daquela, nenhuma (nem a sociedade construtora/empreiteira nem a dona da obra) tendo atentado na diferente natureza jurídica das empresas municipais constituídas ao abrigo da Lei nº 58/98 e na essência dessa nova realidade jurídica: empresas que, diversamente do que sucedia com os Serviços Municipalizados, deixaram de constituir órgãos da autarquia e passaram a sociedades de capitais exclusivamente públicos, gozando de personalidade jurídica e sendo dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (art. 2º), estando sujeitas a tributação directa e indirecta nos termos gerais (art. 36º). Empresas que deixaram, portanto, de se confundir juridicamente com a autarquia local, constituindo-se como entidade de direito privado, ainda que possuam, por atribuição legal, o exercício de poderes públicos.
Ora, como se diz no acórdão fundamento (com cuja fundamentação se concorda e é aqui totalmente aplicável), «nada indicia que a falta de consideração e ponderação deste aspecto jurídico de relevo para a liquidação do IVA tenha sido propositado ou intencional por parte das empresas envolvidas (empreiteiro e dona da obra) ou, sequer, que tenha havido negligência ou má-fé da sua parte ao abraçarem o pressuposto de que a dona da obra continuava a ser a autarquia local. Pelo contrário, a específica configuração de toda esta situação, que envolve a apreensão de questões estritamente jurídicas, como seja a natureza legal de uma empresa municipal e a compreensão do alcance jurídico e fiscal da transformação de um órgão municipal numa empresa municipal, indica que todas as entidades envolvidas terão agido convencidas da legalidade da sua actuação.
Com efeito, não pode esquecer-se a específica configuração desta situação, para a qual contribui o facto de a transformação dos SMAS na AGEM constituir, à primeira vista, uma mera transformação formal, traduzida na reorganização do serviço público de abastecimento de água e de saneamento básico. Ou seja, a modificação verificada na organização do serviço municipal de águas e saneamento de ...não foi particularmente visível, pois que se traduziu na transformação de um serviço até então organizado como um órgão municipal, isto é, como uma empresa pública municipal sem personalidade jurídica, num serviço organizado como entidade dotada de personalidade jurídica, numa empresa pública personalizada. E, neste contexto, não admira que essas entidades não tenham detectado logo o exacto alcance e sentido dessa modificação e que, por essa razão, tenham (ainda que erradamente) continuado a aplicar a taxa reduzida nas empreitadas contratadas após a transformação dos SMAS na AGEM.
Aliás, repare-se que nem a própria Administração Fiscal terá detectado logo o alcance fiscal da transformação verificada, pois como decorre do teor da “Informação nº 80”, dimanada do gabinete do Subdirector-Geral dos Serviços do IVA em 1/08/2002 e que mereceu despacho de concordância do SEAF em 7/08/2002, só nessa altura a Administração equacionou e resolveu a questão de saber se nas empreitadas em que os donos da obra eram empresas municipais se devia ou não continuar a liquidar o IVA à taxa de 5%. Não obstante, dois anos mais tarde os Serviços do IVA prestaram a informação documentada a fls. 61 a 64, a propósito de um pedido de “reactivação de crédito do IVA” que a AGEM apresentara em 17/03/03 em nome dos Serviços Municipalizados da Câmara de ..., informação que foi sancionada por despacho do Director de Serviços do IVA em 8/07/04 e onde se concluía que «Os Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de ... e a empresa Águas de ..., EM, são um único e mesmo sujeito passivo, ainda que, com números de identificação diferentes para além da designação social pelo que em vez de ter procedido à entrega duma declaração de cessação de actividade, e simultaneamente, ter entregue a outra declaração de início de actividade, deveria ter procedido à entrega de uma declaração de alterações de acordo com o art. 31º do CIVA. (...) Tratando-se do mesmo sujeito passivo, não existe qualquer objecção à utilização da Comunicação de Crédito cuja reactivação é solicitada, pelo que, para os devidos efeitos, se deverá dar conhecimento à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA».
O que manifestamente denota que em meados de 2004 continuava a não haver, por parte da Administração Fiscal, uma percepção clara e definitiva do exacto alcance e sentido da referida transformação, pois nessa altura ainda afirma que os Serviços Municipalizados e a AGEM são um único e mesmo sujeito passivo, tendo-lhe reconhecido, por essa razão, o direito comunicação de créditos.
Por fim, há ainda a salientar que a Impugnante pagou o IVA logo que é alertada pela Administração Fiscal para o erro que vinha cometendo na liquidação do IVA à taxa reduzida, o que não pode deixar de constituir um elemento evidenciador da boa-fé e da confiança na actuação de um ente público como é a AGEM, na medida em que esta empresa pública continuou a aceitar a liquidação do IVA à taxa de 5% e a pagar apenas esse imposto que lhe é liquidado pelo empreiteiro.
Neste concreto enquadramento, e sabido que por força do preceituado nos artigos 35° da LGT e 89° do CIVA constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de um atraso na efectivação da liquidação e a imputabilidade (culposa) desse atraso à actuação do contribuinte, julgamos que não se pode considerar preenchido este último requisito, isto é, a culpa por parte do sujeito passivo de IVA, atenta a natural e compreensível falta de percepção, por todas as entidades envolvidas, nomeadamente por parte da Administração Fiscal, de que o dono da obra deixara de ser a autarquia, com a consequente falta de noção de que cessara a situação que permitia a aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 18º conjugado com a verba 2.17 da Lista I, ambos do Código do IVA.”
Bem se vê que no tal Acórdão estava em apreciação um caso em que havia boas razões para que as entidades envolvidas (fornecedor e cliente) admitissem que tinham tido um comportamento conforme à lei, pois que até à própria AT se levantaram dúvidas de interpretação, acrescendo que o sujeito passivo, alertado pela AT, de imediato regularizou a sua situação.
Volvendo ao nosso caso, temos por claro que houve atraso na liquidação do imposto, dado que o montante de IRC relativo ao período de 2015 que aqui está em causa deveria ter sido autoliquidado pela Requerente até 31 de maio de 2016, nos termos art.º 90.º do CIRC, e só veio a ser liquidado em 11-12-2019, na sequência e por causa da intervenção da AT em procedimento de inspeção – e assim é seguro o nexo de causalidade adequada entre o comportamento (de omissão praticada na declaração de rendimentos) do sujeito passivo e o retardamento da liquidação.
Por outro lado, o que vem provado é que a Requerente deixou de reconhecer contabilisticamente rendimentos que assim não incluiu, ao contrário do que devia, no lucro tributável e tal comportamento contrário à lei não vem justificado por qualquer divergência interpretativa razoável, dado que segundo a matéria de facto assente os rendimentos omitidos à contabilidade decorriam do estrito cumprimento de contratos em cuja outorga a Requerente interveio e/ou bem conhecia, sendo que a tese de lapso de falta de formalização de alegado acordo no sentido da dispensa dos juros remuneratórios – se acolhida pelo Tribunal, o que não sucede – relevaria quanto à própria liquidação do imposto e não especificamente quanto aos juros. E já supra se entendeu que não releva.
Em termos de fundamentação formal, de facto e de direito, refira-se que no RIT se diz (i) que “As inexatidões praticadas pelo sujeito passivo ao preencher a declaração de rendimentos mod/22 que apresentou para o exercício de 2015, infringindo o disposto nos artigos 17.º, 18.º e 20.º do CIRC e detetadas no âmbito do presente processo inspetivo, estão previstas e serão punidas nos termos do art.º 119.º do RGIT” e (ii) que na Demonstração de Liquidação de Juros consta: ”Juros compensatórios – Retardamento da liquidação (art.ºs 102.º do CIRC e 35.º da LGT) – assim se dando devida nota do facto de que decorre a liquidação dos juros, da sua imputação à Requerente e da censura do seu comportamento no plano contraordenacional, bem como das disposições legais que sustentam a liquidação dos juros.
Tudo visto, conclui-se também pela improcedência da tese de ilegalidade da liquidação de juros compensatórios por vícios próprios.
-
A Requerente apresentou reclamação graciosa onde o Senhor Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa proferiu despacho de indeferimento com os mesmos fundamentos que sustentam as liquidações de imposto e juros em crise, pelo que o Tribunal entende que as razões em que supra vem sustentada a improcedência da alegada ilegalidade destas determina que se conclua pela improcedência do pedido de revogação do despacho do Senhor Diretor de Finanças.
-
Ponderadas as conclusões supra expressas quanto à improcedência das alegações de ilegalidade das liquidações de imposto e juros compensatórios, estas devem ser mantidas na ordem jurídica, pelo que fica prejudicada a apreciação das questões relativas ao direito a indemnização por prestação de garantia indevida e ao direito a juros indemnizatórios.
-
Decisão
-
Nos termos supra expostos, o Tribunal Arbitral decide:
-
julgar integralmente improcedente o pedido Arbitral formulado quanto à declaração de ilegalidade das liquidações de IRC e respetivos juros compensatórios relativas ao período de 2015 e quanto à revogação do despacho do Senhor Diretor de Finanças Adjunto, no processo de reclamação graciosa – devendo manter-se as mencionadas liquidações processadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira; e
-
não se pronunciar quanto aos pedidos de indemnização por prestação de garantia indevida e de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
-
Valor do processo
-
Fixa-se ao processo o valor de € 249 242,76, nos termos do artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, do art.º 97º-A, nº 1, alínea a) do CPPT e do art.º 306º, nºs 1 e 2 do CPC
-
Custas
-
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4 284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, que será integralmente a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi julgado totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º/n.º 2, e 22.º/ n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º/n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 03 de dezembro de 2021.
O Árbitro Presidente
(Manuel Luís Macaísta Malheiros)
O Árbitro Vogal
(Manuel Pires)
O Árbitro Relator,
(Gaspar Vieira de Castro)
|
|