DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
A..., Lda., pessoa coletiva e contribuinte n.º ... com sede na ..., n.º ..., ...-... Porto, apresentou, no dia 09-12-2020, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e com fundamento no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), pedido de pronúncia arbitral, com vista à anulação:
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Do ato de liquidação de IVA n.º 2020 ... (período 2016 12T), no valor 47.342,28 euros, praticado pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira em 28-07-2020;
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Do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ..., no valor de 6.454,11 euros, relativos ao imposto liquidado no ato anterior.
Para fundamentar o seu pedido, a Demandante alega, em síntese:
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Realizada ação inspetiva à Demandante incidente sobre o ano de 2016, foi na sua sequência efetuada correção ao IVA referente ao período 2016 12T, em virtude de a AT considerar a diferença entre o valor dos inventários finais de 2015 (declarados pela Demandante na IES do ano de 2015) e o valor dos inventários iniciais de 2016 (declarados pela Demandante na IES do ano de 2016), no montante de 208.497,52 euros, justificativa da aplicação da presunção contida no art.º 86.º do CIVA, em virtude de não existir um negócio formal de transmissão dos ativos em causa.
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No curso da ação inspetiva, porém, a Demandante logrou ilidir a presunção legal do art.º 86.º do CIVA, demonstrando cabalmente que os bens em causa não tinham sido objeto de qualquer transmissão sujeita a IVA, mas tinham-se simplesmente deteriorado e perdido o seu valor.
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Ao não levar em consideração a prova que a Demandante efetuou com vista a ilidir a presunção do art.º 86.º do CIVA, o ato de correção da matéria coletável sofre de vício de violação de lei.
É demandada no pedido a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Demandada”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente “AT”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 10-12-2020.
Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 01-02-2021, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 03-05-2020.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para o efeito, apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido, com base nas seguintes alegações, apresentadas em síntese:
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De acordo com as normas contabilísticas aplicáveis, quando, na data do balanço, haja obsolescência, deterioração, física parcial, quebra de preços ou quaisquer outros factos que determinem um preço de mercado inferior ao custo de aquisição ou de produção, o valor dos inventários deve ser objeto de ajustamento através de uma subconta específica, sendo a correção de períodos anteriores excluída dos resultados do período em que esse erro é descoberto (cf. § 41 da NCRF n.o 6 – “Politicas Contabilísticas, Alterações nas Estimativas Contabilísticas e Erros”);
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Na justificação apresentada pelo sujeito passivo é referido o seguinte:
“O inventário final de 2015 e o inicial de 2016 manteve-se igual ao inventário de 2004 uma vez que não existiu qualquer movimento (anexo DOC1).”
“...procedemos então à venda do mesmo (já em estado de decomposição) para sucata e queima. (Factura no 1/1 de 30-12-2016).”
- “Aquando do encerramento das contas de 2016, consideramos o valor dos inventários, como perda e não como custo das mercadorias vendidas” e “na declaração IES de 2016, não preenchemos o quadro 05191-A, mas o valor está mencionado no quadro 061-A em Perdas em Inventários” (sublinhado nosso).
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Esta justificação não pode acolher aceitação para se considerar fiscalmente a referida perda.
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O facto de as mercadorias se apresentarem danificadas “(já em estado de decomposição) para sucata e queima”, não significa que não possam ter valor de mercado, sendo este um factor que não pode ser desprezado para efeitos fiscais.
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O artigo 86º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) presume como transmitidos os bens não encontrados em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua atividade, salvo prova em contrário.
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Quando pela realização de inventário, ou através da verificação de livros e registos dos sujeitos passivos, for evidenciada a falta de bens adquiridos, importados ou produzidos nas instalações onde se desenvolve a atividade, presume-se a sua transmissão, dando lugar à respetiva liquidação do imposto.
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Se os bens, até 2015-12-31, estavam registados em inventários, então os mesmos foram adquiridos, importados e produzidos pelo sujeito passivo em momento anterior (e nesse momento deram lugar à dedução de imposto). Se o sujeito passivo assume que há uma divergência no inventário físico de mercadorias e matérias primas, a lei determina que se presume a sua transmissão, facto sujeito a tributação em sede de IVA.
No dia 21-10-21, realizou-se a reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, com a inquirição das testemunhas arroladas pela Demandante.
As Partes apresentaram alegações finais escritas, em que reafirmaram os argumentos já expendidos em sede de articulados.
II. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 2º, e do nº 1 do artigo 10º, ambos do RJAT e é materialmente competente.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4º e nº2 do artigo 10º, do mesmo diploma e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
III. Questões a apreciar
Constitui questão a apreciar no presente processo arbitral saber se a Demandante logrou, através da prova documental e testemunhal produzida, demonstrar não ter transmitido os bens que integravam o seu inventário de 31-12-2015, dessa forma ilidindo a presunção estabelecida no art.º 86.º do CIVA, de que foram transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade.
IV. Fundamentação
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Matéria de facto
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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A Demandante exerceu a atividade de comércio de madeira bruta e produção de derivados desde a sua criação em 1969, até ao seu encerramento de facto, em junho de 2004;
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A Demandante desenvolveu a sua atividade de produção de derivados numa unidade fabril (fábrica de serração) localizada em ..., ..., em três prédios contíguos: o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ... (extinta), sob o n.º ...; o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ... (extinta), sob o n.º ...; e o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de ... (extinta), sob o n.º...;
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A principal parte da atividade de produção de derivados da Demandante consistia na produção de madeira serrada para cercas destinada a exportação para o Reino Unido;
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A Demandante cessou a sua atividade, de facto, em junho de 2004;
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À data em que a Demandante encerrou de facto a sua atividade, em junho de 2004, encontrava-se inscrito no seu inventário um conjunto de produtos de madeira formado por toros de pinho destinados a transformação, madeira serrada, serrim e casca, com o valor de 208.497,52 euros a preços de custo;
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A Demandante alienou os três prédios sobre os quais se encontrava instalada a sua unidade fabril sita em ...– ... em 21-04-2006, a B..., C..., D..., E... e F... .
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Em finais do ano de 2016, foi efetuada pelo antigo funcionário da Demandante Sr. G..., a pedido do gerente da Demandante Sr. H..., uma avaliação ao conjunto de produtos de madeira que se encontravam depositados nas instalações da unidade fabril da Demandante localizada em ..., ...;
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No momento da avaliação efetuada ao conjunto de produtos de madeira que se encontravam depositados nas instalações da unidade fabril da Demandante localizada em ..., ..., efetuada pelo antigo funcionário Sr. G..., encontravam-se depositados no local toros de pinho e madeira serrada, em avançado estado de deterioração;
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Em 30 de dezembro de 2016, a Demandante vendeu à sociedade I..., Lda., 301 toneladas de toros de pinho, que se encontravam depositados nas instalações da unidade fabril da Demandante localizada em ..., ..., pelo preço de 14.000,00 euros, emitindo por essa venda a fatura n.º 1/1;
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A sociedade I..., Lda. pagou o preço da venda à Demandante em numerário;
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Nos dias 12, 13, 15 e 18 de dezembro de 2017, a sociedade I... vendeu à sociedade J..., LDA. 301 toneladas de toros de pinho que havia comprado à Demandante em 30 de dezembro 2016, pelo preço de 12.040,00 euros acrescidos de IVA.
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A sociedade J... pagou à sociedade I... o preço dos produtos de madeira transacionados através do cheque n.º ..., no valor de 14.809,20 euros, sobre o Banco K...;
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Os produtos vendidos pela sociedade I..., Lda. à sociedade J..., LDA. em dezembro de 2017 foram retiradas em dezembro de 2017 das instalações da fábrica que havia sido da Demandante sita em ..., ... .
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A Demandante cessou formalmente a sua atividade para efeitos de IVA em 03-01-2017;
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Na sua IES (informação empresarial simplificada) do ano de 2015, a Demandante declarou um inventário final no valor de 208.497,52 euros a preços de custo;
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Na sua IES (informação empresarial simplificada) do ano de 2016, a Demandante declarou um inventário inicial de 000,00 euros;
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Na sua escrita contabilística de 2016, a Demandante reconheceu a diferença de valor de 208.497,52 euros entre o inventário final de 2015 e o inventário final de 2016 como perda em inventários, por crédito das contas 32.1.000 (mercadorias) no valor de 89.783,62 e 33.1.000 (matérias primas) no valor de 118.713,90. Euros;
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As existências declaradas na escrita contabilística da Demandante como fazendo parte do inventário final de 2015 incluíam:
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Matérias primas: 2600 toneladas de toros com um preço unitário de 42,45 euros por tonelada e o valor total de 110.370,00 euros;
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Mercadorias: 613841 m3 de Madeira para venda com um preço total de 87.392,31 euros;
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Subprodutos: 160 toneladas de lenha com o preço de 29,00 euros/tonelada; 80 m3 de casca com o preço unitário de 2,70 euros/m3; e 180 toneladas de serrim com o preço unitário de 5,00 euros/tonelada
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Em 31-12-2016, a Demandante registou/reconheceu o valor de 208.497,52 euros como “perdas em inventários”;
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A Demandante foi alvo de um procedimento de inspeção tributária interna ao abrigo da ordem de Serviço n.º OI2019..., com âmbito material limitado ao Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e âmbito temporal limitado ao exercício de 2016;
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No âmbito da ação de inspeção, o órgão de inspeção, através do Ofício n.º 2019..., notificou o Sr. H..., na qualidade de representante da cessação da Demandante, para, no prazo de dez dias:
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Justificar e comprovar documentalmente as divergências entre os inventários finais de 2015 e os inventários iniciais de 2016;
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Remeter os inventários finais de 2015 e os inventários iniciais de 2016, devidamente quantificados e valorados;
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Apresentar balancetes analíticos antes e após apuramento de resultados de dezembro de 2015 e de janeiro de 2016;
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Apresentar cópias de todos os documentos de suporte contabilísticos, subjacentes aos movimentos dos inventários finais de 2015 e iniciais de 2016;
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Apresentar ficheiro SAF-T (PT) (Standard Audit File for Tax Purposes – Portuguese version) relativo à contabilidade do ano de 2016, em suporte digital e validado através de aplicação informática disponibilizada para o efeito no sítio da Autoridade Tributária e Aduaneira, na Internet (em suporte digital);
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Em resposta a este pedido, a Demandante entregou ao órgão de inspeção tributária, em 14-08-2019, um conjunto de documentos constituído por:
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Lançamento contabilístico, efetuado em 2016-12-30, da fatura 1/1 relativa à venda de mercadorias no valor de 14.000,00 euros, acrescida de IVA à taxa normal (23%) no montante de 3.220,00 euros;
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Cópia da fatura n.º 1/1, emitida em 2016-12-30, pela Demandante à sociedade relacionada “I...”, com o descritivo “Madeiras serradas, lenhas, serrim, casca – material em adiantado estado de decomposição para sucata e queima – Existência sita nas instalações industriais desativadas sitas em ...–...”, mencionando a quantidade de “2 000 unidades”, o preço de venda unitário de 7,00 euros, o preço total sem IVA de 14.000,00 euros, e a taxa de IVA de 23%;
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Lançamento contabilístico, efetuado em 2016-12-31, pelo qual é reconhecida uma perda no valor de 208.497,52 euros, debitado na conta 68.4.8 (Outros gastos e perdas – Perdas em inventários – Outras) por crédito das contas 32.1.000 (Mercadorias) no valor de 89.783,62 euros e 33.1.0000 (Matérias primas) no valor de 118.713,90 euros;
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Balancete analítico – Contabilidade Geral – Mês: 15º - Ano de 2016;
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Balancete analítico – Contabilidade Geral – Mês: Dezembro - Ano de 2016;
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Balancete analítico – Contabilidade Geral – Mês: 15º - Ano de 2015;
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Balancete analítico – Contabilidade Geral – Mês: Dezembro - Ano de 2015;
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Balancete analítico – Contabilidade Geral – Mês: Abertura - Ano de 2016.
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No mesmo dia 14-08-2019, a Demandante fez chegar ao órgão de inspeção uma comunicação de correio eletrónico, subscrita por L..., com o seguinte teor:
“Na sequência da V/ notificação (Ofício nº 2019...) efectuamos hoje nesse departamento a entrega dos documentos solicitados comprovada pela entrada de documentos no 2019... .
Conforme nos foi solicitado no momento da entrega dos documentos enviamos os seguintes esclarecimentos: - a Sociedade A..., Lda desativou a sua unidade fabril em 2004.
- em 2006 foi esta mesma unidade fabril alienada.
- entretanto, e com permissão do comprador da unidade fabril, os materiais que existiam à data da venda foram ficando no local.
- em 2016 fomos contactados pelo comprador da unidade fabril, no sentido de proceder à retirada de todo o material restante à data, uma vez que iria dar inicio à construção de edifícios habitacionais no local.
- procedemos então à venda do mesmo (já em estado de decomposição) para sucata e queima. (Factura nº 1/1 de 30-12-2016)
- aquando do encerramento das contas de 2016, consideramos o valor dos inventários, como perda e não como custo das mercadorias vendidas.
- na declaração IES de 2016, não preenchemos o quadro 05191-A, mas o valor está mencionado no quadro 061-A em Perdas em Inventários.
- cessamos a atividade da empresa em 03-01-2017 nos termos do artº 34 º nº 1 a) do CIVA.
Esclarecemos ainda que não procedemos à entrega dos inventários finais de 2015 e iniciais de 2016, quantificados uma vez por um lado não cumpriamos os requisitos da necessidade decomunicação dos mesmos, e por outro porque não temos modo de quantificar os materiais devido ao estado de decomposição dos mesmos.
Também não entregamos os respectivos ficheiros SAFT-T(PT) pois não eram exigidos à data, e para actualizar o software será necessário proceder à introdução das taxomias.
Ao dispor para qualquer esclarecimento adicional que julguem necessário
L...”
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Em 20-08-2019, o órgão de inspeção tributária remeteu à Demandante comunicação de correio eletrónico em que;
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Se informava que se encontravam em falta o inventário final de 2015 e o inventário final de 2016, bem como dos anos anteriores, e que, devendo os mesmos fazer parte do dossier do contribuinte, deveriam os mesmos ser enviados discriminados e valorados;
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Se informava que se encontrava em falta o Ficheiro SAFT (PT) da contabilidade do ano de 2016;
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Se solicitava o envio dos seguintes documentos: Cópia do extrato bancário relativo ao pagamento da fatura n.º 1/1 de 30-12-2016, no valor de 14.000,00 + IVA; Identificação da matrícula do veículo em que foi feito o transporte dos bens alienados na fatura referida em a); Cópia da documentação de suporte à determinação do valor realizável liquido; Em face do “estado de decomposição” dos inventários, justificação técica do facto de as demonstrações financeiras dos anos de 2005 a 2015 mencionarem a existência de Inventários no total de 208.497,52 € (Matérias Primas subsidiárias e de consumo no valor de 118.713,90 € e Mercadorias no valor de 89.783,62 €), quando quer o parágrafo 99 da Estrutura Concetual quer o parágrafo 9 da NCRF 18 – Inventários, determinam que os inventários devem estar mensurados pelo custo ou valor realizável liquido, dos dois o mais baixo.
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Em reunião realizada no dia 27-09-2019, na Direção de Finanças do Porto, com a Sra. L..., foi por esta entregue ao órgão de inspeção o inventário do mês de dezembro de 2004 da Demandante, assinado por aquela na qualidade de gerente;
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Na mesma data, o órgão de inspeção remeteu à Demandante nova comunicação de correio eletrónico, com o seguinte teor:
“Conforme acordado na reunião havida hoje nas instalações da Direção de Finanças do Porto, solicita-se que com urgência sejam prestados os seguintes esclarecimentos:
1. Em face das siglas utilizadas nos cabeçalhos do mapa dos inventários do ano de 2014, que nos foi entregue em mão e cuja cópia se anexa, deverá remeter novo mapa contendo a legenda que permita uma leitura inequívoca dos cabeçalhos de cada uma das colunas.
2. Clarificação da unidade de medida dos bens descritos na V/ fatura n.o 1/1 emitida e m 2016-12-30, no valor de 14.000 + IVA;
Relembramos que deverá ser dada resposta ao n/ email de 20/agosto/2019, no qual são solicitados os elementos/esclarecimentos abaixo transcritos, devendo apresentar todos os documentos probatórios que concorram para o seu pleno esclarecimento:
1. Estão em falta os elementos solicitados no ponto 2 (o inventário final de 2015 e inicial de 2016, bem como dos anos anteriores, devem fazer parte do dossier do contribuinte, pelo que, devem os mesmos ser enviados devidamente discriminados e valorados) e no ponto 5 (Ficheiro SAFT(PT) da contabilidade do ano de 2016) da notificação efetuada através do ofício n.o 2019..., de 2019-07-31.
2. Em complemento ao mail infra (V/ email de 14/08/2019), deverá remeter a estes serviços:
a) Cópia do extrato bancário relativo ao pagamento da fatura n.o 1/1 de 30-12-2016, no valor de 14.000,00 + IVA; b) Identificar a matrícula do veículo em que foi feito o transporte dos bens alienados na fatura referida em 2.a).
c) Cópia da documentação de suporte à determinação do valor realizável liquido.
d) Em face do “estado de decomposição” dos inventários, deverá justificar tecnicamente o facto de as demonstrações financeiras dos anos de 2005 a 2015 mencionarem a existência de Inventários no total de 208.497,52 € (Matérias Primas subsidiárias e de consumo no valor de 118.713,90 € e Mercadorias no valor de 89.783,62 €), quando quer o parágrafo 99 da Estrutura Concetual quer o parágrafo 9 da NCRF 18 – Inventários, determinam que os inventários devem estar mensurados pelo custo ou valor realizável liquido, dos dois o mais baixo.”
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No dia 09-10-2019, foi rececionado pelo órgão de inspeção tributária uma comunicação de correio eletrónico enviada pela Sra. L..., com o seguinte teor:
“Em resposta ao v/ email de 27-09-2019 esclarecemos:
1. Em anexo enviamos novamente o mapa de inventários devidamente legendado (DOC1)
2. A unidade de medida dos bens descritos na Fatura 1/1 de 2016-12-30 é a tonelada. A quantidade 2000 referida na fatura está por lapso incorreta. A estimativa ao tempo realizada foi de cerca de 20 cargas e quem fez a fatura optou por a descrever assim.
Em referência ao v/ email de 20-08-2019:
1.O inventário final de 2015 e o inicial de 2016 manteve-se igual ao inventário de 2004 uma vez que não existiu qualquer movimento (anexo DOC1). Anexamos ainda a declaração de existências em 31-12-2015 que consta do nosso dossier fiscal (DOC2).
O software de contabilidade Sage na versão que utilizamos ainda não permite elaborar o SAFT-PT.
2. Em complemento:
a) Não existe extrato bancário que reflita o pagamento da fatura referida, uma vez que o mesmo foi feito pela conta 11 Caixa, cuja cópia anexamos em DOC3.
b) À data da fatura os produtos não foram retirados do local pelo que não houve qualquer transporte, conforme já explicamos pessoalmente.
c) Não existe documentação de suporte à determinação do valor realizável liquido. A avaliação foi feita, por pessoa experiente e avalizada e tendo em conta do avançado estado de decomposição dos produtos.
Conforme explicamos na reunião de 27-09-2019, a existência constante dos inventários mantinha-se no local desde o encerramento da unidade fabril em junho de 2004. Esclarecemos ainda que esta operou durante mais de 50 anos e como tal principalmente as matérias primas e subprodutos também refletiam o eventual erro de calculo acumulado ao longo de todos esses anos. A madeira é um material vivo que perde peso constantemente, apodrece e perde valor servindo essencialmente para queima. Sendo adquirida à tonelada e colocada em parque, e sendo logisticamente impossível calcular o seu peso no final de cada mês, a empresa foi registando ao longo dois anos os valores mensais apresentados pelo encarregado fabril.
d) O inventário foi sempre incluído nas demonstrações financeiras ao preço de custo, eventualmente de forma incorreta mas com a atividade encerrada, não foi dada a devida atenção ao normativo.
ANEXOS:
DOC 1
DOC 2
DOC 3
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Na sua IES-DA (Informação Empresarial Simplificada / Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal) do ano de ano de 2016, a sociedade relacionada (da Demandante) I... declarou possuir inventários no valor de 14.000,00 EUR, sendo este valor coincidente com o dos bens adquiridos à Demandante através da fatura n.º 1/1, emitida em 2016-12-30;
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Na IES-DA do ano de 2017, a sociedade relacionada (da Demandante) I... declarou a inexistência de inventários, declarou vendas e serviços prestados no valor total de 12.040,00 EUR e declarou um custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas de 14.000,00 EUR;
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Em 26-08-2019, o órgão de inspeção emitiu o Despacho n.º DI2019... e através dele notificou a sociedade J..., LDA” para apresentar extrato da conta corrente do fornecedor I..., com referência ao ano de 2017, acompanhada das respetivas faturas e meios de pagamento.
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Em 2019-09-16, deu entrada na Direção de Finanças do Porto a resposta da sociedade J..., datada de 12-09-2019, à qual se encontram anexos o extrato da conta corrente do ano de 2017 do fornecedor I..., no qual estão registadas compras no valor total de 14.809,20 EUR,
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A resposta da sociedade J... ao órgão de inspeção tributária tem anexas cópias de 15 faturas emitidas pela I..., todas relativas à transmissão de 301 toneladas de “Toros para lenha”;
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Das faturas referidas no facto anterior consta a informação de que os bens vendidos foram carregados em ...–..., transportados na viatura com a matrícula..., propriedade da adquirente J... e descarregados na Av. ..., n.º ..., em ….
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Através do Despacho n.º DI2019..., foi solicitada à J..., em 2019-10-21, por correio eletrónico, informação complementar, nomeadamente:
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Disponibilização de cópia (frente e verso) do cheque n.º..., no valor de 14.809,20 € (catorze mil oitocentos e nove euros e vinte cêntimos), emitido em 2017/12/20, s/ Banco K..., à ordem da I..., LDA;
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Que fosse esclarecido inequivocamente, com referência às 301 toneladas de “Toros para lenha” adquiridos à I..., cujo transporte foi efetuado na viatura com a matrícula ... (propriedade da J...), quais os locais em que os mesmos se encontravam e as características dos bens adquiridos.
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Em 04-11-2019, o órgão de inspeção recebeu comunicação da sociedade J... com os esclarecimentos pedidos, em que se lê:
“Em resposta ao e-mail enviado por V.Exa., e cumprindo com o nosso dever de colaboração, vimos, pelo presente, informar V. Ex.a. do seguinte:
1) Anexamos cópia do nosso cheque n.º..., frente e verso, conforme nos foi fornecido pelo banco.
2) As 301 toneladas de “toros para lenha” encontravam-se nos terrenos da antiga fábrica de serração localizada na freguesia do ... do concelho de .... Tratavam-se de toros de madeira de pinheiro azulada, de diversos diâmetros e já com bicho próprio da madeira, cujo aproveitamento já não vai além do corte para lenha.”
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O órgão de inspeção tributária elaborou um projeto de correções a efetuar em sede de IVA em que, aplicando a presunção constante do art.º 86.º do CIVA, se considerava presumida uma transmissão de bens constantes do inventário inicial de 2016 da Demandante, no valor de 195.720,07 euros, apurando-se imposto (IVA) não entregue nos cofres do Estado no valor de 45.015,62 euros;
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A Demandante exerceu o direito de audição prévia, apresentando pronúncia sobre projeto de correções do órgão de inspeção tributária;
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Na sequência da pronúncia apresentada pela Demandante em sede de audição prévia, o órgão de inspeção tributária solicitou a um dos adquirentes da unidade fabril de ...–..., B..., os seguintes esclarecimentos:
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Qual o estado dos prédios à data da transmissão;
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Em quais dos prédios a Demandante exercia a sua atividade de “comércio por grosso de madeira em bruto e produção de derivados”;
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Se à data da compra existiam nos prédios onde a Demandante exercia a atividade bens relacionados com a atividade da sociedade vendedora, incluindo madeiras, toros de madeira, cascas de madeira e serrim.
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Relativamente ao prédio urbano com o artigo 119 que compunha o lote de três prédios vendidos em 2006 pela Demandante e no qual se encontrava instalada a fábrica da Demandante, foi aí realizada uma operação de loteamento anteriormente à data de 12-11-2015;
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Em 06-01-2016, as edificações inicialmente existentes nos três prédios vendidos em 2006 pela Demandante e no qual se encontrava instalada a fábrica da Demandante, edificações constantes dos registos da Conservatória de ..., sob as descrições n.º ... e ..., freguesia de ..., ... e ... (extinta freguesia de ...), encontravam-se demolidas, no âmbito das obras previstas em operação de loteamento.
Factos não provados
Não existem factos alegados e não provados com relevância para a decisão do mérito da causa.
Motivação
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a matéria que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (artigo 123º, nº 2 do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (artigo 607.º, n.º 5 do CPC).
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não vale na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nos depoimentos das testemunhas.
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Discussão
No momento do encerramento de facto da sua atividade, em junho de 2004, a Demandante tinha inscrito no seu inventário final um valor de mercadorias e matérias primas de 208.497,52 euros a preços de custo.
Até 30 de dezembro de 2015, a Demandante não efetuou qualquer transação ou utilização daqueles bens constantes do inventário final de 2004, nem procedeu ao ajustamento do valor desses bens em função do seu valor realizável atual, pelo que o valor do inventário final desse ano de 2015 se manteve em 208.497,52 euros.
Contudo, em dezembro de 2016, a Demandante considerou que aquele valor de inventário se encontrava perdido na sua totalidade, por deterioração natural e eventualmente furto, tendo em consequência reconhecido, nas suas contas de encerramento, uma perda em inventários no valor de 208.497,52 euros
Estabelece o art.º 86.º do Código do IVA que se presumem adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e se presumem transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais.
É o caso dos bens que formavam o inventário da Demandante quer em 2004, quer em dezembro de 2015. Tratava-se de bens parcialmente adquiridos (matérias-primas) e parcialmente produzidos (mercadorias) pela Demandante. E no final do exercício de 2016, a Demandante reconhece que esses bens não se encontram nas suas instalações, ao eliminá-los do inventário.
Ao abrigo do art.º 86.º do CIVA, a Autoridade Tributária aplicou a presunção aí estabelecida e considerou existir transmissão dos bens eliminados do inventário.
O Código Civil (CC) trata as presunções a propósito das “provas”. As presunções constituem um meio de prova.
O CC distingue entre presunções legais, às quais se refere no art.º 350º, e presunções judiciais, tratadas por sua vez no art.º 351º.
A presunção judicial (comum ou de homem) consiste no raciocínio, originado por uma regra de experiência, através do qual, com base num facto conhecido, o julgador deduz um facto desconhecido.
As duas espécies de presunções mencionadas têm força probatória distinta. E por terem força probatória distinta, a sua ilisão obedece também a regras diferentes, sendo a ilisão da presunção legal mais exigente.
Enquanto a presunção judicial constitui uma prova simples, não definitiva, baseada nos dados da experiência e cuja apreciação se deixa à prudência do julgador, a presunção legal é uma prova legal ou vinculada, que não depende da livre apreciação do tribunal. Pelo contrário, a sua força probatória, legalmente tabelada, proporciona ao julgador uma verdade formal (cf. Domingos de Andrade, M, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra, 1976, p. 280).
Em matéria de distribuição do ónus da prova, estipula o art.º 342º, n.º 1 do CC que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. É a regra geral sobre o ónus da prova.
O art.º 346º do CC, sob a epígrafe “contraprova”, determina que “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.”
Ou seja, recaindo sobre uma das partes ónus probatório, à parte contrária basta opor “contraprova”, sendo esta uma prova destinada a tornar duvidosos os factos alegados pela primeira. E basta a formação desta dúvida, para que a questão seja decida contra a parte onerada com a prova. Como afirma Anselmo de Castro, A., “Direito Processual Civil Declaratório”, III, Almedina, Coimbra, 1982, p. 163, a consequência do ónus probatório é que a parte sobre quem o mesmo recai deve suportar as desvantagens da incerteza que permaneça sobre os factos que tenta provar.
Não assim, contudo, quando a prova em causa resulta de uma presunção legal.
De acordo com o art.º 350 do CC, a parte a favor da qual exista uma presunção legal, a qual constitui prova plena, não tem que provar o facto a que ela conduz. Não tem, portanto, quanto a esse facto, qualquer ónus probatório.
Nesta situação, a ilisão da presunção obedecerá já não à regra do art. 346º, mas à regra do art.º 347º do CC: “a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto”.
O que significa que não basta à parte contrária opor à presunção legal uma mera “contraprova”, que torne os factos alegados duvidosos. A parte que pretende ilidir a presunção legal tem que mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são verdadeiros.
Aplicadas estas regras ao caso dos autos, conclui-se que recai sobre a Demandante o ónus de provar, a fim de ilidir a presunção que decorre do artigo 86º do CIVA, que os bens que formavam o inventário não foram transmitidos. Mas tem que fazer essa prova de modo que não reste qualquer incerteza de que a transmissão desses bens não é um facto verdadeiro. Ou seja, exige-se à Demandante, neste caso, uma prova especialmente exigente.
Analisemos então como a Demandante procura ilidir a presunção do art.º 86.º do CIVA.
A Demandante prova que, em Dezembro de 2016, existia nas instalações do que fora a sua fábrica de serração situada em ..., ..., um conjunto de produtos de madeira, correspondentes às descrições do inventário (madeira serrada para vedações e toros de pinheiro) que se encontravam em quase total estado de deterioração pela ação natural do tempo.
Contudo, a Demandante não prova, e nem sequer alega, em rigor, que esse conjunto de produtos de madeira que se encontra nas instalações em dezembro de 2016 correspondia a todos os bens que formavam o inventário de 2004.
O que, isso sim, se prova é que, em 2016, no momento em que foi efetuada uma avaliação ao conjunto de produtos de madeira existentes nas instalações da unidade fabril localizada em ..., se encontravam lá produtos de madeira, nomeadamente toros e madeira serrada que, uma vez carregados para transporte em camiões, perfizeram 15 cargas.
Prova-se também que essa madeira foi vendida pela Demandante, em dezembro de 2016, à sua relacionada I..., pelo preço de 14.000,00 euros.
Ficou também provado, através do depoimento da testemunha G..., mas também da prova documental anexa ao RIT, que na madeira vendida pela Demandante à I... em dezembro de 2016 se incluíam 301 toneladas de toros de pinheiro.
Também se demonstrou através da prova produzida que a madeira vendida pela Demandante à I... em dezembro de 2016 era madeira que se encontrava depositada nas instalações da unidade fabril localizada em ... desde o seu encerramento de facto, em 2004.
Igualmente ficou demonstrado que essa madeira, que ficou exposta à ação do tempo durante doze anos, pelas suas características próprias, se encontrava muito deteriorada e perdeu grande parte do seu valor.
Porém, a prova apresentada pela Demandante não demonstra, de todo em todo, que a madeira que se encontrava depositada nas instalações da unidade fabril localizada em ... em dezembro de 2016 era toda a madeira que integrava o inventário físico em 2004, com um valor de 208.497,52 euros.
Ou, colocado de outra forma, não existe prova de que os produtos constantes do inventário em dezembro de 2004, no valor de 208.497,52 euros (a preços de custo), se encontravam, na sua totalidade ou maioria, nas instalações da Demandante em dezembro de 2016, ainda que em avançado estado de decomposição.
A própria Demandante admite que em dezembro de 2016 não se encontravam depositados nas instalações todos os produtos que integravam o inventário em 2004, ao dizer, na sua pronúncia em sede de direito de audição prévia sobre o projeto de correções no âmbito do procedimento de inspeção, que “o que foi possível vender, vendeu-se (...) o resto foi perdido por deterioração, perda de peso, eventualmente furtado para lenha doméstica.
E também na sua petição inicial (artigo 40º), a Demandante volta a admitir como hipótese que “como se não bastasse a própria e inevitável degradação natural, com toda a probabilidade, abandonada e não vigiada, uma parte significativa da madeira em causa terá sido furtada ou desviada”.
Ou seja, a Demandante não dá como certo, em momento algum, que a totalidade das existências que, em 2004 e nos anos subsequentes até 2015, figuravam no inventário, valoradas em 208.497,52 euros a preços de custo, se encontravam nas instalações da antiga fábrica de..., ... na altura da venda, em dezembro de 2016.
A Demandante alega – e nisto consiste a abordagem da Demandante para tentar ilidir a presunção do art.º 86.º do CIVA – que toda a madeira que se encontrasse em 2016 nas instalações da antiga fábrica de ..., ... teria que estar forçosamente em estado de total deterioração. E acrescenta a esta premissa a afirmação – implícita – de que a totalidade das existências que figuravam no inventário de 2016 se encontravam fisicamente nas instalações, quer no ano de 2004, quer nos anos subsequentes, até 2015.
Porém, trata-se apenas de uma hipótese que a Demandante levanta, não de uma afirmação de um facto. A não afirma que a totalidade dos produtos de madeira que formavam o inventário em 2004 se encontravam nas instalações em dezembro de 2016. E também não dá a Demandante elementos para quantificar a diferença de quantidade de madeira que se encontrava depositada nas instalações em dezembro de 2016 e em dezembro de 2004.
A questão, porém, é que não é duvidoso apenas que a totalidade dos produtos constantes do inventário em dezembro de 2004, no valor de 208.497,52 (a preços de custo), se encontrassem, na sua totalidade, nas instalações em dezembro de 2016.
É também duvidoso, isto é, trata-se de facto não provado e nem tão pouco alegado, que a totalidade dos produtos de madeira constantes do inventário de dezembro de 2004 se encontrassem depositados nas instalações já em 2006, quando as instalações foram vendidas.
Vejamos.
No inventário de dezembro de 2004, figuram 613 841 m3 de madeira para venda (madeira serrada) 2600 toneladas de toros, 180 toneladas de serrim, 160 toneladas de lenha e 80 toneladas de casca de madeira.
Em dezembro de 2016, encontravam-se depositadas nas instalações, e foram vendidas, 301 toneladas de toros.
Mesmo admitindo, de acordo com a tese da Demandante, que o serrim e a casca se deterioram completamente, afigura-se de plena evidência que a madeira que integrava o inventário de 2004 não estava, na totalidade, fisicamente depositada nas instalações em dezembro de 2015 ou em dezembro de 2016.
E não existe qualquer demonstração, isto é, não existe uma explicação baseada em factos, para a redução da quantidade física verificada.
Contrariamente, existem no processo elementos probatórios que apontam no sentido de que as quantidades de madeira que constam do inventário de 2004 já não se encontrariam nas instalações em data muito anterior a 2016, não se sabendo se existiriam mesmo já em 2004.
Em 12-11-2015 já se encontrava declarada para efeitos fiscais a situação de loteamento do prédio correspondente ao artigo 119 que compunha o lote de três prédios em que se encontrava a fábrica da Demandante situada em ..., ...; e em 06-01-2016 já se encontravam demolidas, no âmbito das obras de loteamento dos mesmos prédios, todas as construções lá existentes, conforme certidão emitida pelos serviços de fiscalização da Câmara Municipal de... .
Os factos anteriores demonstram que, em finais de 2015, pelo menos, as obras de loteamento dos prédios tinham sido iniciadas, o que se pode ver como fortemente indiciante de que não se encontrariam no local as quantidades físicas de madeira constantes do inventário de 2004 da Demandante.
A própria Demandante, nos esclarecimentos prestados no procedimento de inspeção, admite que o valor do inventário de 2004 é pouco rigoroso e pode refletir erros de cálculo acumulados, ao dizer: “Esclarecemos ainda que esta operou durante mais de 50 anos e como tal principalmente as matérias primas e subprodutos também refletiam o eventual erro de cálculo acumulado ao longo de todos esses anos. (...) Sendo adquirida à tonelada e colocada em parque, e sendo logisticamente impossível calcular o seu peso no final de cada mês, a empresa foi registando ao longo dos anos os valores mensais apresentados pelo encarregado fabril”.
Assim, não é possível extrair da prova produzida a conclusão de que toda a madeira que figurava no inventário de 2004 haja permanecido nas instalações da fábrica vendida pela Demandante até dezembro de 2016, ou sequer que existisse já em 2004.
A hipótese de que toda essa madeira, com o valor de 208.497,52 a preços de custo, se degradou por ação natural, é dada pela Demandante como mera hipótese, plausível se se partir da premissa, não demonstrada, de que toda a madeira constante do inventário se encontrava nas instalações em 2004, mas de maneira alguma pode considerar-se um facto plenamente provado, que permita ilidir a presunção do art.º 86.º do CIVA, com a exigência que o art.º 347.º do CC postula.
Pelo que, não tendo sido ilidida a presunção aplicada pela AT para dar como provado o facto tributário, não se verifica qualquer vício de violação de lei relativamente ao ato de liquidação que, aplicando ao valor do inventário da Demandante a presunção estabelecida no art.º 86.º do CIVA, considerou os bens como tendo sido presumidamente objeto de transmissão, e consequentemente liquidou o imposto correspondente.
V. Decisão
Assim, nos termos anteriormente expostos, decide-se julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade, por vício de violação de lei, do ato de liquidação de IVA n.º 2020 ... (período 2016 12T), no valor 47.342,28 euros, praticado pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira em 28-07-2020 e do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no valor de 6.454,11 euros, relativos àquele imposto.
VI. Valor do processo
Nos termos do art.º 97º -A nº 1, al. a) do CPPT do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 3 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 53.796,39 (cinquenta e três mil, setecentos e noventa e seis euros e trinta e nove cêntimos).
VII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Demandante.
Notifique-se.
Porto, 29 de novembro de 2021.
O Árbitro
(Nina Aguiar)